quarta-feira, janeiro 31, 2018

De tombo em tombo - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA

Lula se vê reduzido, hoje, a contar com gente que queima pneu na rua para fechar o trânsito por umas tantas horas, e diz que isso é um ato de “resistência”


Ninguém consegue ganhar uma guerra acumulando derrotas. O ex-presidente Lula começou a perder a sua guerra quando 500.000 pessoas foram há menos de três anos à Avenida Paulista, em São Paulo, protestar contra a corrupção e dizer claramente, no fim das contas, que estavam cheias dele. Cheias dele e do PT, dos seus amigos ladrões que acabaram confessando crimes de corrupção nunca vistos antes na história deste país e das desgraças que causou ─ incluindo aí, como apoteose, essa trágica Dilma Rousseff que inventou para sentar (temporariamente, esperava ele), em sua cadeira. Lula, na ocasião, não reagiu. Achou que deveria ser um engano qualquer: como seria possível tanta gente ir à rua contra ele? Preferiu se convencer de que tudo era apenas um ajuntamento de “coxinhas” aproveitando o domingão de sol. Acreditou no Datafolha, cujas pesquisas indicavam que não havia quase ninguém na Paulista ─ parecia haver, nas fotos, mas as fotos provavelmente estavam com algum defeito. Seja como for, não quis enfrentar o problema cara a cara. Preferiu ignorar o que viu, na esperança de que aquele povo todo sumisse sozinho. Enfim: bateu em retirada ─ e assim como acontece com as derrotas, também não se pode ganhar guerras fazendo retiradas.

Lula não ganhou mais nada dali para frente. Foi perdendo uma depois da outra, e recuando a cada derrota. Pior: batia em retirada e achava que estava avançando. Confundiu o que imaginava ser uma “ofensiva política” com o que era apenas a ira do seu próprio discursório. O ex-presidente, então, mobilizava exércitos que não tinha, como o “do Stédile”. Fazia ameaças que não podia cumprir. Contava com multidões a seu favor que não existiam. Imaginava-se capaz de demitir o juiz Sérgio Moro ou de deixar o Judiciário inteiro com medo dele, e não tinha meios para fazer nenhuma das duas coisas. Chegou a supor, inclusive, que poderia ser ajudado por artistas mostrando plaquinhas contra o “golpe” no festival de cinema de Cannes ─ ou pela “opinião pública internacional”, o costumeiro rebanho de intelectuais que falam muito em inglês ou francês, mas resolvem tão pouco quanto os que falam em português. O resultado é que o mundo de Lula girava numa direção, e o mundo das coisas concretas girava na direção contrária. Sua comédia só poderia acabar como acabou: com a sua condenação, pela segunda vez em seguida, por crime de corrupção, e agora não mais por um juiz só, mas pelos três magistrados do TRF-4 de Porto Alegre. Pior impossível: perdeu por 3 a 0.

Derrotas, sobretudo quando não entendidas, em geral têm dentro de si apenas a semente de outras derrotas. Foi assim com o ex-presidente. Depois de derrotado na Avenida Paulista e nas ruas do Brasil inteiro, Lula perdeu o apoio que tinha no Congresso. As gangues de assaltantes do erário que formavam a sua “base aliada” começaram a largar de Lula em busca de um novo futuro ─ e ele não conseguiu segurar essa tropa. Tome-se um Geddel Vieira de Lima, por exemplo ─ esse dos 50 milhões enfurnados num apartamento de Salvador e residente na cadeia desde setembro do ano passado. Foi ministro de Lula durante três anos inteiros, depois peixe graúdo no governo Dilma ─ e mesmo assim o nosso gênio da “engenharia política” não conseguiu segurar o seu apoio. Geddel é apenas o representante clássico de todos; há centenas de outros e de outras. Lula, embora contasse com a máquina do governo Dilma a seu favor, foi perdendo todos ─ e deixou-se ficar em minoria no Congresso. Perdeu, também, quando foi levado por uma escolta armada para prestar depoimento na polícia. Não se ouviu, na ocasião, um pio em seu favor por parte da massa de brasileiros reais; descobriu, chocado, que podia ser enfiado num camburão de polícia a qualquer momento ─ e ninguém estava ligando a mínima para isso. Foi derrotado, não muito depois, quando tentou nomear-se “ministro” de Dilma e arrumar para si o infame “foro privilegiado” que, na opinião da massa, é apenas um esconderijo de ladrões que querem ficar livres da justiça. Foi derrotado de novo, logo em seguida, quando ficou claro que o seu lado não tinha força para fazer nem isso.

Lula sofreu mais uma derrota pavorosa, até ali a pior de todas, quando Dilma conseguiu o prodígio de ser deposta da presidência da República por 367 votos contra 137, na Câmara de Deputados ─ nada menos que 71,5% dos votos disponíveis, sem falar no seu naufrágio por 61 votos a 20 no Senado Federal, num total de 81 senadores. Para qualquer político, seria um aviso que o seu lado estava na mais miserável minoria; não tinha força para exigir nada, e muito menos para derrubar no grito o sistema Judiciário do Brasil, só porque estava sendo incomodado por um juiz de direito de Curitiba. Para Lula, não houve nada. Como o seu partido, disse que tudo foi um simples “golpe” e que a CUT, a UNE, o MST, os bispos, os sem teto e os etcs. jamais iriam aceitar isso. Somados, não juntavam três estilingues ─ mas Lula achou que conseguiriam salvá-lo. Daí para diante foi apenas de mal a pior. Quis enfrentar o juiz Sérgio Moro num concurso de popularidade. Perdeu. Quis se safar com truquezinhos de advogado. Não deu certo. Tentou passar recibos falsos. Falhou de novo.

Mais que tudo, Lula nunca percebeu que o Brasil, apesar de todos os seus atrasos, já saiu um pouco do século XIX. Como José Sarney, Renan Calheiros e o restante do Brasil da senzala, não conseguiu entender que existe hoje, na vida real, uma parte do sistema de Justiça que não depende de quem manda no governo, como foi durante séculos. Poder Judiciário, para Lula, é uma força auxiliar dos donos do governo, dos que têm influência e bons “índices de pesquisa”. Estão lá para “acertar”, ajudar e resolver. Tem um juiz atrapalhando? Tira o juiz. É Maranhão puro. No seu caso, quando enfim se deu conta que não estava funcionando assim, entrou em pane ─ “espanou”, como se diz, e perdeu de vez o rumo. Ao fim, veio a derrota mais arrasadora, do seu ponto de vista pessoal. Foi condenado como ladrão, e demolido de vez, agora, com o aumento da sua sentença de 9,5 para 12 anos de cadeia no Tribunal que está acima de Moro ─ com provas que não podem mais ser contestadas. Fim da história ─ sem contar a batelada de processos penais que ainda tem pela frente.

Lula se vê reduzido, hoje, a contar com gente que queima pneu na rua para fechar o trânsito por umas tantas horas, e diz que isso é um ato de “resistência” política. Põe na praça manifestantes que correm da polícia. Manda milícias sindicalistas proibir que trabalhadores entrem em seus locais de trabalho ─ frequentemente, acabam apenas levando uns tapas e desistem de seus piquetes. Pode, como sabotagem, organizar greves de funcionários públicos; mas isso só funcionaria se as greves durassem pelo resto da vida. Pode, também, tumultuar as eleições. No mais, sobram-lhe os “intelectuais”, artistas da Globo que assinam manifestos, a classe média urbana que não precisa pegar no pesado e a elite milionária ─ que tem aí mais uma oportunidade de fingir-se de “esquerda civilizada” sem correr risco nenhum. Não é grande coisa. Não dá para fazer uma revolução bolivariana. Não dá para tomar de volta o Brasil.

Temer tirou o país do buraco em que o PT o jogou, mas 70% o rejeitam. É a soma de direita xucra, esquerda sagaz e ‘globismo’ - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 31/01

Escrevi há tempos que o presidente Michel Temer tinha tudo para entrar para a história como o mais injustiçado da República. Por enquanto, a escrita está se cumprindo. Segundo o Datafolha, 70% o consideram ruim ou péssimo — já houve pico de 73%; apenas 4% o veem como ótimo ou bom; o fundo do poço já foi de 2%; para 22%, o governo é regular.

Temer assumiu a Presidência interinamente no dia 12 de maio de 2016. Pesquisa Datafolha do dia 31 de junho apontava que seu governo era ruim ou péssimo para 31% dos entrevistados; 42% o consideravam regular, e 13% o avaliavam como ótimo e bom.

Vamos tentar entender o que aconteceu nesse intervalo:
– a inflação caiu de mais de 10% para 2,95%;
– a taxa Selic caiu de 14,25% para 7%;
– foi aprovado o teto de gastos:
– governo muda o marco regulador do pré-sal e retoma a produção;
– tem início a necessária reforma do ensino médio;
– governo aprova a MP que reestrutura o setor elétrico, que Dilma havia quebrado;
– país saiu de uma recessão de 3,6% para um crescimento em torno de 1% em 2017 e, estima-se, de mais de 3% em 2018;
– muda a curva do emprego; desemprego tem uma queda acentuada;
– país faz a reforma trabalhista;
– governo reajustou o valor do Bolsa Família;
– todos os programas sociais foram mantidos, sem cortes.

E, claro, a vida dos brasileiros pobres continua difícil.

Vamos ao ponto. Não há um só motivo objetivo para que os brasileiros façam avaliação tão negativa do governo.

Assim, pergunte-se e responda-se: a voz do povo é a voz de Deus? Não mesmo! Às vezes, reproduz a algaravia da legião de capetas que tentam o regime democrático.

Temer assumiu sob cerco da esquerda, especialmente dos petistas, que passaram a lhe atribuir os males que eles próprios haviam fabricado na economia. O país foi sacudido por ondas de “Fora Temer!”, “abaixo o golpe”. A direita xucra, em vez de perceber a armadilha petista, ajudou a armá-la. Por burrice, sim, mas por oportunismo também. Algumas das ditas “lideranças” de movimentos de rua lançaram suas respectivas candidaturas. Que importa que o país se dane? Daqui a pouco, alguns deles estarão aboletados em postos do estamento político. Sic transit gloria mundi. No país, temos ladrões de dinheiro público e ladrões da verdade dos fatos — o que não quer dizer que não roubem ou venham a roubar também dinheiro público. Adiante.

Esse clima levou a rejeição a Temer perto dos 60%. Atingiu o patamar dos 70% com o que chamo de duas tentativas de golpe patrocinadas por uma associação entre Rodrigo Janot, setores do STF — notadamente Edson Fachin e Cármen Lúcia — e os veículos (sem exceção!) do grupo Globo. A ordem era derrubar o presidente. Da gravação feita por Joesley Batista àquilo a que se chamou “operação controlada”, nada por ali era legal. Muito pelo contrário. O conjunto da obra se mostrou uma soma impressionante de agressões à lei.

A operação resultou em duas denúncias. A propósito: dia desses, li um artigo em que o autor tratava o Brasil, embora seja ele brasileiro, como um jardim zoológico de humanos exotismos. Entre estes, incluía o fato de que o presidente foi denunciado duas vezes pela Procuradoria Geral da República. Deveria acrescentar outra esquisitice ao nosso rol de particularidades. Em que outro lugar do mundo um procurador-geral faz duas denúncias sem apresentar provas, sendo que uma delas decorre de uma espécie de licitação aberta entre meliantes para ver quem acusa o presidente?

Temer, convenham, é resiliente até demais. Outros teriam sucumbido.

Não fosse a patuscada golpista, o país já teria aprovado a reforma da Previdência, e na sua versão mais incorporada, e estaríamos já em outro patamar não apenas de expectativas, mas de ganhos econômicos efetivos. Em vez disso, essa soma exótica de MPF, direita xucra e imprensa-com-partido (o partido do “derruba-presidente-pra-provar-sua-moral-elevada”) resultou nos números que o DataFolha revela nesta quarta: os idiotas precisam se ajoelhar aos pés de tribunais que tomam decisões discricionárias para tentar evitar a eleição daquela mesma esquerda que levou o país ao buraco — buraco do qual nos tirou o governo Temer, que, não obstante, conta com a reprovação de 70% daqueles que por ele foram beneficiados, sim.

Dito assim, parece que o país não tem saída.

Deve ter alguma. Por enquanto, tateamos no túnel. E ainda não se vê nem mesmo a luz bruxuleante de uma vela.

Se queremos acabar com os urubus, basta acabar com a carniça - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 31/01

A condenação do ex-presidente Lula é, até agora, o cume de um processo doloroso, em que o país vê expostas as entranhas da corrupção numa dimensão que surpreende até os mais cínicos.

Por onde se olhe não parece haver no mundo político convencional alternativa que não esteja ligada, de alguma forma, ao pervasivo fenômeno de exploração do setor público para fins de enriquecimento pessoal ou financiamento de campanhas (a destinação dos recursos não alivia em nada a sujeira da sua origem).

Já tive oportunidade de explorar aqui as consequências nefastas da caça à renda (da qual a corrupção é a faceta mais tenebrosa) para o crescimento, tema que foi também trabalhado por Samuel Pessôa em sua coluna mais recente com a competência habitual.

Em suma, a caça à renda desvia a busca do lucro da inovação para a captura de recursos, levando ao menor crescimento e, portanto, piores condições de vida, processo detalhadamente explicado por Acemoglu e Robinson em "Por Que as Nações Fracassam", livro indispensável para entender o Brasil e seus dilemas.

Uma vez estabelecida a ligação entre a caça à renda e o baixo desempenho econômico, resta saber como poderíamos romper esse elo e, tão importante quanto, se há alguma chance de fazê-lo.

Francamente, não vejo outro modo de acabar com isso que não passe por uma mudança radical da forma como organizamos nossa economia, em particular como o poder público intervém no domínio econômico.

Está cada vez mais claro que as diversas dimensões da intervenção estatal na economia oferecem aos caçadores de renda, entre eles os corruptos, um amplo manancial de oportunidades.

Vimos isso na Petrobras, vimos isto também na compra de medidas provisórias, na busca por desonerações tributárias, na escolha de "campeões nacionais" (JBS, por exemplo) e na enésima tentativa de ressuscitar a indústria naval, para citar, de memória, uns poucos exemplos.

A lista poderia se estender por bem mais do que os 3.200 caracteres aqui permitidos, mas apenas os casos aqui lembrados dão uma ideia, ainda que pálida, das imensas possibilidades de venda e compra de favores que a atual organização econômica do país permite.

Ocioso, no caso, discutir se a iniciativa parte dos compradores ou vendedores; o que importa é que onde há carniça é para lá que voam os urubus. Assim, se queremos acabar com os urubus, a solução é óbvia: basta acabar com a carniça.

Metáforas de gosto duvidoso à parte (perdão, mas ando bem revoltado), não vejo saída que não passe por ampla privatização e redução drástica da intervenção estatal.

Vai acontecer? A resposta honesta é "não sei", mas confesso ao raro leitor que não tenho muita esperança que nenhuma proposta nesse sentido acabe endossada pela população nas eleições. Reclama-se da corrupção, mas ninguém parece seriamente interessado em acabar com sua origem.

*

Márcio "Maria Antonieta" Holland ainda não entendeu que minha repugnância se limita às ideias econômicas das quais é veículo, seja na sua insistente divulgação, seja, de forma ainda mais grave, na sua aplicação sob a forma da Nova Matriz, que nos levou à pior recessão em quase 40 anos.

Já sua figura pessoal é irrelevante; se me importasse com ela, provavelmente a desprezaria.

Banco estatal derruba o crédito - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 31/01

OS BANCOS estatais foram responsáveis por 99% da redução do crédito no ano passado. O BNDES sozinho causou a baixa de 74% do total de empréstimos.

Encolher o BNDES é uma política deliberada dos economistas de Michel Temer. O banco ficou menor também porque as empresas pediram menos empréstimos, obviamente por causa da recessão e da falta de perspectivas de crescimento acelerado.

Além do mais, acabou a mamata de empréstimos concedidos a taxas de juros negativas ou, de qualquer modo, subsidiados além da conta, o que por vezes financiava indiretamente até a distribuição de dividendos pelas empresas.

Em 2015 e 2016, o total de dinheiro emprestado pelo BNDES (estoque de crédito) diminuiu mais de R$ 140 bilhões. Mas o banco não ficou pequeno.

O bancão de desenvolvimento ainda tem 17,5% do total dos empréstimos bancários do país. É o mesmo tamanho de 2009, penúltimo ano do governo Lula 2, quando se começava a inflar o banco a fim de combater uma crise econômica que, enfim, já acabava (foi a breve e rasa recessão causada pela crise financeira mundial de 2008).

Cevado sob Dilma Rousseff, o banco serviria muita vez para facilitar a criação de oligopólios, a fusão de empresas avariadas por incompetências financeiras grosseiras na crise de 2008 e para financiar também projetos ruins do nacional-empresismo petista. No auge, início de 2015, chegou a ter 21,5% do estoque de empréstimos.

E agora, como fica o crédito?

O total de dinheiro emprestado pelos bancos privados ficou quase na mesma em relação a 2017. O estoque de crédito dos bancos estatais que não o BNDES caiu 2,3%. No BNDES, baixa de quase 13%.

No total, o crédito ainda diminuiu 3,4% no ano passado, em termos reais (descontada a inflação). É o terceiro ano de queda feia (10% em 2016 e 3,4% em 2015).

Para 2018, o crescimento deve ser pouco maior do que nada, embora o ritmo das concessões (novos empréstimos) se recupere de modo animado desde agosto passado.

Parte do encolhimento do BNDES foi compensada pela ressuscitação do mercado de capitais. Ou seja, pelo dinheiro que as empresas levantam por meio de debêntures, notas promissórias, letras de crédito e ações.

As captações no mercado equivaleram a 118% do dinheiro que o BNDES deixou de emprestar em 2017. Mas é preciso lembrar que o mercado de capitais vinha de três anos ruins, desde 2014.

Em 2018 vamos ter um teste melhor da capacidade do mercado de substituir o crédito de longo prazo e/ou barato de bancos estatais, embora o ano seja outra vez atípico e prejudicado pelas incertezas da eleição.

Ainda assim, vamos saber algo mais sobre como financiar negócio de longo prazo no Brasil e de onde sairá dinheiro para bancar a construção de infraestrutura em áreas ou setores essenciais que não interessem ao dinheiro privado.

Pelos resultados de 2017, parece razoável, pelo menos em parte, a tese de que o mercado de capitais é diminuto porque o BNDES ocupava muito espaço. Mas o ano passado foi de recuperação de crise e de antecipação de dinheiro que talvez ficasse caro ou indisponível neste 2018 de eleição. Vamos ver se não foi fogo de palha.

Não precisamos de uma “jurisprudência Lula” - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 31/01

Cármen Lúcia diz que, no que depender dela, o tema do início do cumprimento da pena após decisão de segunda instância não volta ao STF


A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, deixou claro em jantar promovido pelo site Poder360 que, se depender dela, não haverá julgamento em plenário para reverter o entendimento atual da corte a respeito da prisão após condenação em segunda instância e, com isso, beneficiar o ex-presidente Lula. Segundo a ministra, isso seria “apequenar o Judiciário” – e felizmente ela tem essa percepção, porque reduzir o Supremo Tribunal Federal a um chancelador da vontade de determinados partidos políticos é justamente o que se pretende fazer neste momento sensível da história do país.

Em duas votações no fim de 2016, pela apertada maioria de seis votos a cinco, o STF decidiu que o cumprimento da pena poderia começar após a decisão de tribunais de segunda instância – seja os Tribunais Regionais Federais, na Justiça Federal, ou os Tribunais de Justiça, nos estados. A decisão não criou uma obrigação, e nem a prisão é automática – em cada caso, é preciso que os magistrados responsáveis pelos julgamentos determinem que o condenado inicie o cumprimento da pena.

A última coisa de que o país precisa é ver sua suprema corte rebaixada 
As primeiras rachaduras neste dique foram abertas pelo ministro Gilmar Mendes, um dos que haviam votado com a maioria no julgamento de 2016. No segundo semestre do ano passado, Mendes concedeu habeas corpus em benefício de um empresário que já tinha contra si decisão em segunda instância por crime contra a ordem tributária, e deu a entender que, se o tema voltasse ao plenário do Supremo, mudaria sua posição. Isso não impediu que, em dezembro do ano passado, Mendes negasse habeas corpus semelhante, dessa vez solicitado pela defesa de um condenado por homicídio culposo.

E, com a decisão do TRF4 que confirmou a condenação de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, os defensores do petista, sabedores da possibilidade de uma reversão no entendimento que pelo menos livre Lula da cadeia neste momento (questão que não tem ligação alguma com a sua inelegibilidade no pleito de outubro), inventaram uma certa “urgência”: o Supremo teria que rediscutir a questão em nome de uma suposta “pacificação” da jurisprudência – como se os ministros já não tivessem tratado do tema mais de uma vez.

Claro que o objetivo não declarado (mas também não ocultado) desse tipo de pressão sobre Cármen Lúcia é a criação de uma “jurisprudência Lula”, oportunamente feita para beneficiar o ex-presidente, cujo processo no TRF4 terminará assim que o tribunal analisar os embargos de declaração a que a defesa tem direito. Ora, isso seria o cúmulo do casuísmo, uma situação em que uma corte tomaria uma decisão tomando como o critério principal o nome do réu, e não o mérito da questão propriamente dita. Neste caso, sim, o STF estaria agindo como um tribunal político, e não jurídico – justamente aquilo de que os petistas vivem acusando indevidamente o Supremo.

Infelizmente, a própria presidente do STF deu a entender que, apesar de sua convicção, há brechas para o tema voltar ao plenário. “Se acontecer de alguém levar em mesa, é outra coisa, não é pauta do presidente”, afirmou, sem dar mais explicações. De fato, há certos tipos de ações que podem “atravessar a pauta”, mas mesmo assim continua sendo prerrogativa do presidente da corte definir os temas do dia, e inclusive a ordem em que serão discutidos em cada sessão. Cármen Lúcia julgou desnecessário explicar mais sobre essa situação aos jornalistas e empresários presentes ao jantar por julgá-la hipotética, e só resta esperar mesmo que se trate de uma possibilidade bastante remota. A última coisa de que o país precisa é ver sua suprema corte rebaixada, colocada a serviço de um projeto político que agride a democracia ou de um líder populista condenado por corrupção.

Quatro mitos sobre a reforma tributária - MELINA ROCHA LUKIC, VANESSA RAHAL CANADO E ANA CAROLINA MONGUILOD

O Estado de S.Paulo - 31/01

A reforma tributária volta ao centro do debate político. Várias propostas estão em discussão. A maioria, no entanto, não defende uma questão crucial no que diz respeito à tributação sobre o consumo: o melhor modelo é aquele em que tudo e todos sejam tratados de maneira igual. De nada adianta uma reforma que não traga maior simplificação tributária e esta só será atingida se o novo modelo não comportar exceções, regimes especiais e alíquotas diversificadas, nem diferenciação de qualquer natureza entre os setores. Na defesa de um sistema tributário mais slim – no termo cunhado por Rita de La Feria – algumas falácias devem ser desconstruídas.

A primeira é a que defende a diferenciação de alíquotas conforme o produto. Atualmente, a diversidade de regimes e alíquotas tem trazido como consequência uma maior complexidade do sistema, um aumento da insegurança jurídica e da litigiosidade administrativa e judicial.

É impossível que a lei traga um rol exaustivo de todos os produtos existentes e que poderão vir a existir. Sempre haverá espaço para interpretação quanto ao enquadramento de determinado produto em determinada alíquota ou regime especial. Os “crocs” são sandálias de borracha ou sapatos impermeáveis? Barrinhas de cereais são produtos de confeitaria ou preparações de cereais? Esses são só alguns exemplos de discussões recentes no Brasil.

Nem as empresas, muito menos os órgãos do poder público, devem perder tempo e recursos com esse tipo de discussão. Um modelo de tributação sobre o consumo deve evitar essas diferenciações, para que o sistema se torne mais eficaz, simples e previsível.

Outra falácia é a de que os produtos essenciais devem ser menos onerados para que a carga tributária não se concentre nos mais pobres. De acordo com a Constituição da República, a tributação sobre o consumo deve ser seletiva em função da essencialidade do produto. Ou seja, produtos mais essenciais deveriam ser desonerados ou menos tributados. Acontece que, na prática, não funciona assim. Primeiro, porque a definição do que é essencial e do que não é, além de subjetiva, não é fácil. Energia elétrica, “bem” que deveria ser considerado dos mais essenciais, sofre altíssima tributação por questões de facilidade de arrecadação. Além disso, temos ao menos 27 diferentes conceitos de bem essencial nas legislações dos Estados para fins de menor tributação. Em segundo lugar, porque ao desonerar a cesta básica estamos, na verdade, dando um grande benefício aos mais ricos, que consomem muito mais que os mais pobres em termos nominais. O inverso também é verdadeiro: ao tributar produtos supérfluos mais pesadamente, prejudicamos os mais pobres que também consumem tais produtos – por exemplo, artigos de perfumaria.

É claro que nesse debate devemos considerar que nosso sistema, ao contrário da maior parte dos países, concentra a carga tributária nos impostos sobre o consumo e isso faz com que as famílias pobres paguem, em relação à sua renda, mais tributos do que as famílias mais ricas. Nosso sistema é, sim, regressivo. A solução, no entanto, não é estipular diferenciações na tributação indireta, mas reestruturar o sistema de tributação sobre a renda e a propriedade (nos quais a progressividade pode ser mais bem aplicada) e utilizar o dinheiro arrecadado sobre o consumo dos mais ricos para aumentar os recursos das transferências de renda aos mais pobres, por exemplo.

A terceira falácia é a necessidade de diferenciação entre os setores. Nos países que adotam modelo IVA (imposto sobre valor adicionado), produção, comércio e serviços são submetidos às mesmas regras e alíquotas. O setor de serviços no Brasil argumenta que os demais setores – indústria e comércio – têm direito a créditos dos seus insumos, enquanto os serviços não têm. Essa afirmação desconsidera toda a lógica da tributação indireta sobre o consumo, em que o ônus econômico do tributo recai a priori sobre o consumidor final. Isso quer dizer que o IVA não onera as empresas, que funcionam como meros agentes arrecadatórios, incluindo no preço o valor desse tributo. Essa percepção também desconsidera o fato de que o valor adicionado dos serviços é concentrado numa única etapa, pois geralmente fornecem diretamente ao consumidor final. Já os demais setores estão estruturados em cadeia e o recolhimento do tributo é feito ao longo dela com base no valor adicionado em cada etapa. Além disso, trazer o setor de serviços – mais de 70% do nosso PIB – para a base de um IVA possibilitará que a carga dos demais setores seja diminuída, o que trará enorme benefício à economia – maior competitividade no cenário internacional e maior possibilidade de atração de investimentos.

A última falácia diz respeito à inadequação dos tributos sobre o consumo diante das novas tecnologias. De fato, pensar a tributação da economia digital à luz do nosso atual sistema é tão anacrônico quanto considerar que um computador possa ser movido a carvão. Não tem como funcionar. A distinção outrora clássica entre indústria, comércio e serviços, na qual se baseou nosso sistema tributário na década de 1960, não serve mais para explicar fenômenos como Netflix, Uber, Airbnb ou mesmo Amazon. Isso não significa, contudo, que o IVA seja um imposto velho para um mundo novo. Com base ampla, flexibilidade no design normativo e cooperação internacional para arrecadação nas importações, não só essas, mas também as futuras tecnologias digitais estariam capturadas pela tributação sobre o consumo.

Enfim, essas falácias não podem mais dominar o debate e continuar a impedir a adoção de um novo sistema tributário mais racional, mais slim: eficaz do ponto de vista arrecadatório e econômico e que traga mais isonomia e segurança jurídica aos contribuintes.

O julgamento - ROBERTO DAMATTA

O Globo - 31/01

Na contramão dos axiomas do poder à brasileira, um ex-presidente emblemático da defesa dos oprimidos foi desmascarado e condenado


Nos regimes democráticos há o julgamento público, gravado, filmado e televisionado. Uma anormalidade produz uma crise; há um acusado que, tendo o direito de defesa, promove uma disputa, a qual é levada a um juiz que, num julgamento aberto e invocando a lei, fecha o processo.

O antropólogo Victor Turner estudou as crises como “dramas sociais”. Os conflitos recorrentes que investigou entre os ndembu de Zâmbia levavam à segmentação e a uma indesejável perda de continuidade coletiva. Para Turner, processos agudos de disputa interna são marcados por quatro momentos interdependentes. O primeiro seria o da crise, quando comportamentos fogem das normas; o segundo é o do distúrbio por ela causada. O terceiro aciona tentativas de reparação e compensação do malfeito. Nesta etapa, entra em cena a turma do deixa-disso com o objetivo de mitigar os pontos de vista em colisão. Numa quarta e última fase, ocorreria rearranjo, concordância ou cisão. Uma modificação das rotinas tradicionais ou o rompimento do grupo em duas comunidades. Parece familiar, não?

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Na ausência daquilo que o historiador inglês E. P. Thompson chamou de the rule of law — o domínio da lei —, são os incomodados que se mudam. Nas ditaduras, eles são presos ou eliminados, como é comum nas crises sem a mediação de um juízo público englobador. Nos conflitos tribais, investigados por Turner, a norma costumeira levava à bifurcação. Nas sociedades nacionais, a lei escrita e promulgada, aceita por todos e diretamente afastada dos conflitos, é invocada e pode até mesmo ser usada contra aqueles que detêm o poder — controle do contexto. O “domínio do fato”, como foi mencionado na condenação unânime e histórica do ex-presidente Lula — uma persona social dotada de um imenso “capital simbólico”, para que ninguém diga que eu não gosto e não leio, além de Marx, Pierre Bourdieu.
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O julgamento foi extraordinário. Pela primeira vez no Brasil, vimos desembargadores condenarem em segunda instância um ex-presidente da República. Assistimos a um drama que, depois de inúmeros inquéritos e vergonhosas descobertas de gorjeta, fechava a cortina reafirmando um adormecido poder da lei aplicada a um representante máximo do poder e dos seus sequazes — aqueles que puseram a política a serviço do enriquecimento particular, em vez de se servirem dela para o enriquecimento público.

Na contramão dos axiomas do poder à brasileira, um ex-presidente emblemático da defesa dos oprimidos foi desmascarado e condenado, dissolvendo as ideologias nativas do “quanto maior menos cadeia”, do “você sabe com quem está falando” e do pós-moderno populismo, no qual todos ganham, ninguém perde e nós (os donos do poder) ganhamos mais do que todos.
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Condenou-se uma figura tabu, tida como intocável. Uma pessoa tão especial e acima da lei que é capaz de suscitar a onipotente, absurda e surreal narrativa de que, sem ela, não haveria democracia no Brasil. 
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Outra surpresa foi entender a língua dos desembargadores. Um deles, aliás, tendo consciência do rebuscamento do falar jurídico (construído para não ser entendido pelas pessoas comuns), tinha o cuidado de traduzi-lo para o português.

O ritual inovador reiterava muito do que tenho escrito neste espaço sobre as imposições dos papéis ou cargos públicos aos seus ocupantes. O julgamento foi histórico porque também recapitulou o papel de presidente da República nos seus privilégios e nos seus deveres e suficiências. O eleito em nome dos pobres e dos que queriam uma sociedade mais igualitária — o supremo magistrado da nação — pode alinhar-se aos ricos e com eles assaltar o país? Os papéis mais altos e nobres exigem mais lealdade dos seus atores. Quanto maior o cargo, maior a responsabilidade e punição.
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A narrativa de que o condenado foi vítima de uma conjuração corporativa — uma inquisição — é absurda, a menos que o julgamento não tivesse sido realizado publicamente, seguindo o processo do estado democrático de direito. Suas evidências não foram colhidas por órgãos secretos de segurança, como ocorre nas ditaduras — esses regimes, aliás, tão a gosto dos que recusam a realidade e confundem meios e fins. 
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Mas como nada se fecha no Brasil, já se projeta uma regra fora da regra: há o condenado, mas não pode haver prisão. Confunde-se desobediência civil com a tentativa de assassinar as mediações que sublimam o confronto aberto sem aviltamento dos envolvidos. É justamente no julgamento, nesse rito final, que se faz justiça não a pessoas, partidos ou facções, mas à sociedade brasileira. Sem ele, não se abre caminho para a democracia. Sua rejeição nos leva diretamente à violência que assassina mediações.

Lula diz ter consciência do que está acontecendo no Brasil. Eu jamais tive dúvidas e sobre isso fiz uma obra demonstrando o óbvio: o nosso problema é assistir como a casa sempre vence a rua, e como relacionamentos pessoais englobam a lei.

Até, quem sabe, esse julgamento.

De gambiarra em gambiarra - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 31/01

Gambiarras até funcionam, mas há riscos em utilizá-las. A instalação montada com recurso a peças improvisadas se torna menos segura e, na hipótese de uma sobrecarga, pode produzir fogo. O Brasil, por uma série de motivos, virou uma República das Gambiarras. O auxílio-moradia concedido a juízes é um bom exemplo.

Como magistrados não conseguem sensibilizar o Parlamento para aprovar todas as suas reivindicações salariais –a categoria já é a mais bem paga do serviço público e está entre o 1% com melhor remuneração em todo o país–, buscaram caminhos alternativos. A solução encontrada foi estender a todos os juízes uma verba indenizatória de R$ 4.377 mensais concebida para compensar servidores que precisam morar em cidades diferentes daquela em que têm residência.

A coisa começou até discretamente, com uma ação movida por juízes federais. Em 2014, o ministro Luiz Fux, do STF, concedeu-lhes o benefício em caráter liminar, mas a prebenda rapidamente se universalizou, abrangendo todos os magistrados e membros do Ministério Público. Estima-se que a farra já tenha custado R$ 5 bilhões.

O problema com soluções criativas como essa é que deixam fios desencapados. O aspecto legal do auxílio-moradi pode até estar coberto, mas o moral não. A extensão do benefício é percebida pela população como uma gambiarra. E, quanto mais juízes são vistos como espertalhões que não pensam duas vezes antes de abocanhar privilégios, menos são percebidos como "espectadores imparciais" (a imagem é de Adam Smith), que é o que daria credibilidade a suas decisões. É a própria confiança no Judiciário que está em jogo aqui.

Como o auxílio-moradia não é a única gambiarra de que o Brasil se serve –elas proliferam nos outros Poderes e na iniciativa privada–, é a própria ideia de República que vai se perdendo na sucessão de improvisos mal-ajambrados.

O Judiciário resolveu ser réu - ELIO GASPARI

O GLOBO/FOLHA DE SP - 31/01

Promotores, juízes, desembargadores e ministros não aguentam o teste da lanchonete da rodoviária


O juiz Marcelo Bretas resolveu passar de símbolo da faxina das roubalheiras do Rio de Janeiro a ícone dos penduricalhos do Judiciário. Contrariando uma resolução do Conselho Nacional de Justiça e respondendo a um questionamento da Ouvidoria da Justiça Federal, cobrou num tribunal o seu auxílio-moradia e o de sua mulher, também juíza.

Bretas sempre morou no Rio, e o casal obteve um penduricalho de R$ 8.600 mensais. Num cálculo grosseiro, para pagar uma quantia dessas à Viúva, uma pequena empresa que pague impostos pelo regime de lucro presumido precisa faturar R$ 5 mil por dia.

Bretas não é o único juiz ou promotor beneficiado pelo penduricalho. A desembargadora Marianna Fux, dona de dois apartamentos no Leblon, também recebe auxílio-moradia. Seu pai, o ministro Luiz Fux, reteve por três anos no Supremo Tribunal Federal o processo que contesta a legalidade do mimo classista.

Quando as repórteres Daniela Lima e Julia Chaib revelaram a bizarrice de Bretas, ele se explicou com a ironia dos poderosos: “Pois é, tenho esse ‘estranho’ hábito. Sempre que penso ter direito a algo eu vou à Justiça e peço. Talvez devesse ficar chorando num canto, ou pegar escondido ou à força. Mas, como tenho medo de merecer algum castigo, peço na Justiça o meu direito.”

Pegar escondido ele não pega, mas se o doutor tem medo de castigo, não deve levar seu pleito ao balcão de uma lanchonete da rodoviária. Lá, trabalhadores que esperam pelo transporte teriam dificuldade para entender como juízes ou promotores, cujos salários iniciais estão em R$ 27.500 ou R$ 26.125, precisam de R$ 4.300 de auxílio-moradia para trabalhar na cidade em que sempre viveram. No caso de Bretas, ele deveria explicar como um casal precisa de mais R$ 4.300, morando na mesma casa.

Os penduricalhos transformaram-se numa ferida na cara do Judiciário, agravada pela má qualidade da argumentação dos doutores na defesa do mimo. Argumentam que outros servidores também recebem a prebenda. Dois erros nunca somaram um acerto. O juiz Roberto Veloso, presidente da guilda dos juízes federais, chegou a dizer que um magistrado não pode ter tranquilidade para trabalhar “se o advogado que está a seu lado está ganhando mais que ele”. Parolagem de má qualidade. Para recolher em impostos o que o casal Bretas recebe de auxílio-moradia (noves fora o salário), um advogado precisa faturar R$ 70 mil por mês. Além disso, juiz não fica sem clientes, mesmo sendo um mau servidor. Em São Paulo, um juiz condenado por extorsão está em regime semiaberto e em agosto recebeu R$ 52 mil pela sua aposentadoria.

A Lava-Jato colocou o Judiciário no centro da política nacional. Transformado em agente da moralidade pública, esse poder está empesteado pela cobiça, pelo corporativismo e pela onipotência. Bretas decidiu simbolizar as três coisas.

Há poucos dias, o professor Conrado Hübner Mendes publicou um artigo intitulado “Na prática, ministros do STF agridem a democracia”. Uma joia de coragem, informação e lógica. Expôs baixarias, contradições e auto mistificações de ministros do Supremo. Sobraram poucos. Sua amarga conclusão: “O tribunal foi capturado por ministros que superestimam sua capacidade de serem levados a sério e subestimam a fragilidade da corte.”


Perigo real e imediato - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 31/01

Governo decidiu subir o tom das advertências sobre os riscos reais que o País corre no curtíssimo prazo se tudo ficar como está na Previdência. E faz muito bem


Consciente de que ainda não tem os votos necessários para fazer passar no Congresso a reforma da Previdência mesmo em sua versão mais desidratada, a despeito da inquestionável necessidade de aprová-la, o governo decidiu subir o tom de suas advertências sobre os riscos reais que o País corre no curtíssimo prazo se tudo ficar como está. E faz muito bem, pois deve ficar muito claro para todos de quem será a responsabilidade caso o sistema entre em colapso, como inevitavelmente acontecerá em breve sem a reforma, tornando-se impossível honrar o pagamento de parte dos benefícios previdenciários.

O aumento de R$ 41,9 bilhões no déficit da Previdência em um ano, fechando em R$ 268,8 bilhões em 2017, está sendo usado pelo governo como argumento inapelável na sua nova tentativa de chamar à razão os deputados que ainda não se convenceram da necessidade de reformar o sistema.

É certo que não se deve perder tempo com parlamentares que são contrários à reforma da Previdência por questões puramente ideológicas, pois estes não estão preocupados com o País, mas somente com os projetos de poder das organizações políticas das quais são soldados. Com estes, não há argumento racional que funcione nem negociação que leve a bom termo, pois quem diz que não há déficit na Previdência não pode ser levado a sério. Já os parlamentares que se dizem contrários à reforma porque temem perder votos ainda podem ser convencidos de que muito pior do que ser mal compreendido por alguns eleitores é ver-se vinculado a uma decisão legislativa que provoque a “situação catastrófica de se cortar benefícios” previdenciários, como alertou, em entrevista ao Estado, o economista Paulo Tafner, especialista em Previdência.

Tafner advertiu que estamos a apenas três anos desse desfecho, caso nada seja feito imediatamente. “Não temos tempo para negociar mais ou esticar a transição, que já é longa”, disse o economista, advertindo que o Brasil está caminhando para o colapso mais rapidamente do que Grécia e Portugal o fizeram num passado não muito distante.

Os casos grego e português são justamente o mote da nova fase da campanha do governo pela aprovação da reforma da Previdência. “Sem a reforma da Previdência, o Brasil pode se tornar a Grécia”, diz o site do governo em seção destinada a esclarecer os diversos aspectos das mudanças propostas. Na Grécia, a profunda crise fiscal que eclodiu em 2009 obrigou o país a cortar salários do funcionalismo e aposentadorias em geral – e a Grécia gastava 13% do PIB com Previdência, o mesmo que o Brasil hoje.

Já Portugal se viu obrigado a adotar uma “jurisprudência de crise” para enfrentar os efeitos da turbulência econômica verificada entre 2008 e 2011. Tamanho era o risco de insolvência do Estado que o Tribunal Constitucional português aceitou relativizar os direitos adquiridos relativos à Previdência, pois entendeu que o objetivo de preservar o equilíbrio das contas públicas, algo que atinge diretamente a todos, deveria prevalecer sobre outras demandas. E a razão disso é muito simples: um Estado quebrado não consegue honrar compromissos assegurados pelos chamados “direitos adquiridos”.

Ou seja, todos os cidadãos foram chamados a colaborar, na medida de suas possibilidades, para garantir a solvência do Estado. Ficou claro que a manutenção de direitos adquiridos ou da expectativa de direitos não pode ser uma injunção absoluta. Numa crise, os interesses maiores devem prevalecer.

Os especialistas concordam que o Brasil ainda tem algum tempo antes que tal desafio se lhe imponha, mas o prazo está ficando cada vez mais curto. Por isso, mais do que nunca, deve ficar claro que não há escolha senão aprovar a reforma da Previdência ainda neste ano, pois disso pode depender a capacidade do Estado de pagar a aposentadoria de todos num futuro próximo. Não se trata de um cenário hipotético, como mostram os exemplos de Grécia e Portugal. Os deputados ainda recalcitrantes – seja por receio eleitoral, seja para auferir algum ganho fisiológico – têm de saber com o que estão brincando.

Não é sustentável a melhoria fiscal - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 31/01

Diante do descalabro nas contas públicas, o resultado de 2017 chega a ser heroico, embora também tenha sido um déficit. Mas o relativo êxito é tópico, devido à Previdência


Se forem considerados o tamanho da crise fiscal e sua evolução, principalmente a partir de 2015, a recuperação relativa das contas públicas no ano passado chega a ser heroica. Embora, dada a gravidade do quadro, a União tenha encerrado mais um ano com um déficit bilionário, de R$ 124,4 bilhões, ele foi R$ 34,6 bilhões inferior à meta de R$ 159 bilhões.

O feito tem vários aspectos relevantes. Um deles, que o esforço de contenção de gastos do governo foi recompensado. Outro, que chegaram em bom momento receitas extraordinárias — de leilões de hidrelétricas e na área de petróleo, e o Refis. Sendo oportuno comentar, no entanto, que são receitas, como diz o termo, que não se repetem no futuro. Portanto, para que seja mantido sob controle o quadro fiscal, elas precisam ser substituídas por imposto, outras rendas extras ou corte de gastos.

Seja como for, o horizonte deste ano ficou bem mais claro. A ponto de o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, ontem, no evento “E Agora, Brasil?”, promovido pelo GLOBO, ter demonstrado relativa despreocupação com o cumprimento em 2018 da regra de ouro — é vetado pela Constituição emitir títulos de dívida para financiar gastos de custeio.

Outra limitação constitucional é o teto de gastos, obedecido no ano passado, e o será certamente neste. Mas, quanto a 2019, primeiro ano do próximo governo, continua o nevoeiro.

A questão é que o êxito de 2017 não significa que a questão fiscal foi resolvida, longe disso, porque o grande indutor de déficits públicos continua sem controle, a Previdência. E sem que ela comece a ser reformada — éo que se verá no dia 19 de fevereiro na Câmara —, nada feito. O Tesouro continuará em marcha batida para a insolvência. No ano passado, a despesa total da União cresceu abaixo da inflação, chegando a cair 1% em termos reais. Mas nada garante que o resultado se repetirá. Ao contrário.

O governo ganhou uma folga para este ano, mas será anunciado em breve um contingenciamento orçamentário na faixa dos R$ 20 bilhões. Haverá cortes. Não é uma contradição, porque, como chamou a atenção a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, o país, pelo quarto ano consecutivo, teve déficit primário, desta vez de 1,9%, inferior aos 2,5% de 2016, mas déficit do mesmo jeito.

Por isso, o peso da dívida pública em relação ao PIB, na faixa dos 75%, continua escalando — há quatro anos, era 50%. No bloco de economias emergentes, de que o Brasil faz parte, os índices são de cerca de 45%. O país está bastante fora da curva.

Tudo porque a Previdência, o maior gasto obrigatório, não para de ficar mais dispendiosa. O bom resultado de 2017, portanto, em vez de funcionar como um calmante, deve aumentar o sentido de urgência com que a reforma previdenciária precisa ser tratada no Congresso. Quem aspira a ser governo em 2019, por exemplo, tem de se preocupar com isso.


terça-feira, janeiro 30, 2018

(O) Barba de molho - CARLOS ANDREAZZA

O Globo - 30/01

A matriz da insegurança jurídica galopante hoje no Brasil é o STF, fonte da instabilidade sobre a qual Lula se reinventa a ponto mesmo de raptar adversários para seu discurso


Então nos acercamos do momento decisivo em que a Justiça responderá ao cidadão brasileiro — sobre o mais visível dos casos — se tem mesmo, conforme acusam historicamente os petistas, seus privilegiados, se está ou não a serviço do establishment ; se é para todos ou não. Aqui, porém, o drama convida a ironia. Isso porque é Lula — o homem do povo — o sujeito cujo futuro, em 2018, dirá se, apesar da Lava-Jato, nada mudou; se as cortes superiores deste país continuarão rebolando, jurisprudência formada e reformada segundo o vento partidário na biruta, para que os poderosos assim permaneçam.

O porvir do ex-presidente esclarecerá se ele é ou não um poderoso; se é um dos intocáveis em função dos quais, fulanizadas, as leis se aparam; se é ou não, retórica popular à parte, um representante das elites contra as quais porção resistente de seus eleitores sempre votou. E aí? Tudo o mais constante, uma vez cumpridos os ritos recursais e de acordo com o entendimento corrente do Supremo Tribunal Federal: Lula será preso. Isso se as regras de hoje valerem amanhã. Alguém, entretanto, apostaria nisso? Com firmeza, alguém? Embora só agora o jornalismo tenha lançado a devida atenção ao movimento, faz meses — sempre com o destino do ex-presidente no radar — que o STF testa, em suas turmas, derrubar a jurisprudência que autoriza que um réu, uma vez condenado em segunda instância, possa ser preso.

A preparação do terreno foi — é — primorosa: depois de tatear a cancha, medindo a reação da sociedade frente à intenção, o tribunal de Cármen Lúcia ora simula uma dança de cadeiras, uma troca de convicções, Gilmar para um lado, Rosa Weber para outro, tudo para que, afinal, aquele que não havia participado da deliberação anterior, Alexandre de Moraes, pronunciese pela flexibilização da cousa, talvez de modo a subir um grau na exigência e condicionar — para que a prisão seja possível — a condenação em um segundo órgão colegiado; no caso de Lula, o STJ. Uma lambada para que escape da cadeia.

Alguém duvida? Sobretudo: alguém duvida de que juízes de nossa corte máxima se orientem não em relação a fatos, mas a nomes? Há mais de ano escrevo que a matriz da insegurança jurídica galopante hoje no Brasil é o Supremo, fonte da instabilidade sobre a qual Lula se reinventa a ponto mesmo de raptar adversários para seu discurso. Ou haverá outra maneira de ler as declarações de autoridades — Temer, Alckmin, Doria, Maia, Meirelles etc. — segundo as quais, para a pacificação democrática do país, melhor seria que o ex-presidente disputasse a eleição e fosse derrotado nas urnas?

Isso — essa barbaridade, essa ignorância política, esse desrespeito à ordem institucional, deturpação que é o próprio sonho do lulismo — significa passar a mão na bunda da ideia de Justiça e transformar o que é um processo judicial em disputa eleitoral, como se o julgamento fosse exercício de exceção, como se o juiz fosse um oponente de Lula, o perseguido.

Estou errado? Não é essa a estratégia esquerdista, bovinamente chancelada por seus adversários? Ou será a universalização desse discurso pela classe política puro medo e método? Já defendi a tese de que políticos querem o ex-presidente candidato porque isso traduziria o absoluto triunfo da impunidade, a Lava-Jato tombada ante o establishment: se Lula, mesmo condenado em segunda instância, vencer tudo o que há contra si e puder (alguém descarta a possibilidade?) concorrer em outubro, o que significará haver fulminado a regra por meio da qual deveria ser preso e, em efeito dominó, a Lei da Ficha Limpa, que o tornaria inelegível, ninguém mais cairá. Mas esse é o cálculo dos políticos.

Como, porém, lidar com as palavras, em entrevistas, de Marco Aurélio Mello, ilha suprema para quem a prisão de Lula — como se não houvesse a jurisprudência do STF, tribunal que integra — seria precipitada e traria riscos de caos social? O que é isso, senão explícita manifestação de que a lei se curva a pressões, recua ante o mito da convulsão popular e se molda à agenda política de apaniguados? O que é isso, senão prudência seletiva? O que é isso, senão um habeas corpus preventivo apregoado nas páginas dos jornais? E veja que concordo com o ministro no conceito: prisão sem trânsito em julgado é inconstitucional. Muito pior do que isso, contudo, é que uma corte constitucional ajuste entendimento a depender do réu.

Lula jamais lidou com as ações que há contra si como matéria jurídica — ou teria trocado de advogado, né? Para ele, a condenação em segunda instância nunca foi dúvida. Tampouco lhe importava o placar do julgamento, porque os embargos que lhe interessam já estão interpostos faz tempo (com adesão luxuosa de adversários parvos ou apavorados, e de juízes covardes ou mal-intencionados): a politização radical dos processos judiciais e a judicialização extrema do processo eleitoral.

Politicamente, nesta altura, é erro primário de leitura analisar o tabuleiro para 2018 sem Lula, como se fosse uma peça que se pode suprimir, apagar, do jogo com uma sentença judicial; como se não fosse, ao contrário, a presença eleitoral em função da qual todos se organizam. Politicamente, preso ou não, com candidatura formalmente viável ou não, com nome na urna ou não, por meio de poste ou não: Lula será candidato.

A questão jurídica, no entanto, permanece a mesma: e aí, doutor, a lei é para todos ou não; Lula é homem comum ou não?

A palavra 'mal' foi abolida do nosso vocabulário covarde - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 30/01

Ficar sem palavras é a pior coisa que pode acontecer a quem vive delas. Mas há sempre uma primeira vez.

Amigos sábios tinham feito um ultimato: ou eu assistia a "O Ato de Matar", o premiado documentário de Joshua Oppenheimer, ou eles cortavam relações comigo.

Cedi. Tinham razão. É talvez a mais radical e perturbadora experiência cinematográfica dos meus últimos longos anos.

Cenário: Indonésia, dias de hoje. Tema: as matanças organizadas por milícias pró-Suharto depois do golpe militar de 1965 para limpar o país de "comunistas" (um termo suficientemente vago que tanto se aplica a militantes marxistas como a imigrantes chineses).

Mas o melhor de tudo são os atores principais: nada menos que os próprios carrascos, hoje envelhecidos, e que partilham com Oppenheimer lembranças e técnicas com uma naturalidade que está para lá do bem e do mal. E, quando digo "atores", a palavra é exata: eles não apenas falam abertamente dos seus crimes como encenam os crimes para explicar melhor.

O caso de Anwar Congo merece destaque. No início do documentário, encontramos a lenda (tradução: mais de mil vítimas). E o que impressiona no velho Anwar é a sua alegria –não a alegria de viver, mas a alegria que sente na evocação da matança.

Eu sei, eu sei: a palavra "mal", hoje, foi abolida do nosso vocabulário covarde. O mal nasce da pobreza, da ignorância, da doença. Ou, melhor ainda, é um resquício lamentável de fantasias religiosas.

Para Anwar, o mal é uma afirmação da existência. Os detratores das milícias gostam de usar a palavra "gangsters". Mas Anwar gosta dessa palavra: "gangster", diz-nos ele com a sabedoria de um filólogo, significa "homem livre". E os "homens livres" criam as suas próprias leis.

Anwar é uma espécie de existencialista do açougue que aprendeu tudo com o cinema americano. A pose, os ternos, os gestos. E, claro, as técnicas.

Com ele visitamos o terraço de uma casa que servia de matadouro nos anos loucos de 1965 e 1966. Era uma terrível sujidade –o sangue, o cheiro. Quem aguentava aquilo?

Poucos. Ninguém. Os nazistas, que eram os nazistas, só optaram pelas câmeras de gás porque os fuzilamentos em massa andavam a perturbar a saúde psíquica dos soldados do Reich.

Então o nosso "gangster" começou a estrangular com arame, o método mais barato e eficaz. Ele próprio, com um amigo, mostra-nos como a coisa funcionava. É tão fácil como andar de bicicleta –e ele conta tudo como quem fala de uma bicicleta.

E a consciência? Haverá uma consciência que tudo vigia e condena?

Boa pergunta. Uma pergunta que os carrascos fazem uns aos outros. O nosso Anwar, apesar da alegria, confessa a um deles que ainda tem pesadelos. O outro desvaloriza: diz-lhe que é uma questão de nervos mas que um bom médico cura tudo.

Depois, em momento que parece ter sido escrito por Dostoiévski "lui même", ainda aconselha: o segredo de matar com a consciência tranquila é encontrar uma boa desculpa para o ato.

E para quem pensa que existem leis internacionais –ou, jocosamente, "direitos humanos"– que impedem esse ato, um dos carrascos decide filosofar: a Convenção de Genebra foi escrita por vencedores. Ali, na Indonésia, eles são os vencedores. O código que interessa é outro: a Convenção de Jacarta, digamos.

Era Adam Smith, na sua "Teoria dos Sentimentos Morais", quem dizia que só somos verdadeiramente humanos quando temos a capacidade de nos imaginarmos no lugar do outro.

"O Ato de Matar" apresenta-nos o resultado dessa "falha de imaginação": a transformação do ato de matar em simples rotina cotidiana. Como escovar os dentes, comer, fumar.

Terminei o documentário sem palavras. E depois, consultando as notícias do dia, lá encontrei as polêmicas do momento. Como, por exemplo, as acusações pungentes de que os filmes de James Bond são "sexistas" e merecem boicote.

Em condições normais, tanta estupidez teria o dom de me enervar. À luz do documentário, olho para elas com uma brandura paternal. As cabecinhas vazias do Ocidente que perdem tempo com essas coisas são, afinal, crianças brincando no jardim.

Discurso petista pede a violação da lei em prol de Lula - JOEL PINHEIRO DA FONSECA

FOLHA DE SP - 30/01
O discurso de defesa política de Lula como candidato envolve necessariamente afirmar uma conspiração de todo o Judiciário, toda a grande mídia e ainda grande parte dos partidos políticos. Exige também, a partir da semana passada, pedir a violação da lei em prol de um cidadão. Quem acreditasse e propusesse isso a sério não teria como participar normalmente da vida democrática do país, pois negaria frontalmente nossas instituições e defenderia, se possível, sua anulação na marra. Por sorte, embora muitos repitam esse discurso, ninguém está disposto a realizá-lo.

Esse é o sinal claro de que a polarização tem aumentado: a necessidade de negar as instituições normais da vida política e social -em particular a mídia, que é de onde vêm informações que não se pautam pela narrativa paranoica- para sustentar a própria posição.

O único jeito de fazer isso e preservar uma aura de justiça é enxergar, por trás delas, uma vontade maléfica e todo-poderosa em operação. No caso do lulismo, essa entidade é o "golpe", que já foi elevado em entidade metafísica que se transforma e age no tempo. O julgamento de Lula é mais um desdobramento do golpe.

Lula diz que "não vê motivos" para respeitar a decisão da Justiça; Gleisi Hoffmann afirma que "vai morrer gente" caso Lula seja preso; João Pedro Stedile ameaça tomar as ruas para mostrar que quem manda no país não é o Estado. Seriam afirmações muito graves em qualquer país. A julgar por esse discurso, estamos próximos de uma guerra civil, de uma quebra irremediável do vínculo elementar de respeito à estrutura de poder vigente, que só pode se resolver na violência.

Mas estamos no Brasil, o país em que a palavra declamada aos quatro ventos não prenuncia ação nenhuma. Muito pelo contrário: ela preserva seu radicalismo justamente para não ter que se transformar em ação, posto que o custo seria alto demais. Um país em que se prega a revolução armada ao mesmo tempo em que se busca apoio do PMDB.

O discurso do "golpe" é usado pelas lideranças do lulismo para afagar o ego de seguidores sinceros. Esses, por sua vez, não farão absolutamente nada com essas palavras, a não ser um ou outro post nas redes sociais e, caso não chova, marcar presença em algum protesto na avenida Paulista. Estão do lado correto da história, e isso basta.

Não tenho a menor ilusão de ver Lula preso. Sua condenação é o momento perfeito para o STF reverter a prisão em segunda instância. Prender político graúdo já é demais, né? Não casa com nosso amor pelo caminho do meio, pelo tal acordo que a todos salva, e que muda apenas lentamente o equilíbrio do poder (sem que ninguém abra mão de seus ideais).

Entretanto, a Lei da Ficha Limpa será mantida e não veremos reação relevante nas ruas. O discurso do lulismo radical jamais foi levado a sério. Na prática, no campo que importa, o jogo segue, usando das palavras necessárias para colar com cada público. Se colar, colou. Se não colar, bola para a frente.

Para quem, como eu, participa desse jogo como público, um conselho: ser um pouco menos crente na santidade dos líderes, um pouco menos virtuoso no campo fácil do discurso e tentar se colocar de forma mais responsável no debate, pensando não em estar do lado "do bem", e sim no melhor resultado para a sociedade.

‘Queridos companheiros’ - JOSÉ CASADO

O Globo - 30/01

Lula lamentou não poder reencontrar velhos amigos no fim de semana em Adis Abeba, líderes de dinastias cleptocratas que sustentam longevas ditaduras


Sem passaporte, Lula não pôde encontrar “companheiros” ditadores na África. Horas depois de ser condenado a mais de 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, estava pronto para atravessar o Atlântico e participar de uma reunião sobre... a luta contra a corrupção. A viagem de dez mil quilômetros à Etiópia (14 horas em voo direto) foi abortada pela Justiça na sexta-feira. “Vejam que absurdo” — contou em video na página do PT. “Eu estava com a mala pronta, quando recebi um recado em casa: um juiz bloqueou o meu passaporte.”

Protestou: “Nós vivemos um momento de ditadura de uma parcela do Poder Judiciário, sobretudo o Poder Judiciário que cuida de uma coisa chamada Operação Lava-Jato, que vocês já devem ter ouvido falar aí na África.” Lula iria à cúpula da União Africana em Adis Abeba, capital de um país onde o “estado de emergência” é decreto recorrente, e a opinião pública não pode ser expressa nem em particular.

Queixou-se por não poder estar com “o querido companheiro” Hailemariam Desalegn, primeiro-ministro etíope, cuja polícia matou mil opositores nos últimos 16 meses e recolheu outros 21 mil a “campos de reabilitação” — informa a Human Rights Watch em relatório deste mês.

Organismo comunitário, a União Africana foi erguida nos anos 90 pelo falecido ditador líbio Muamar Kadafi, na época isolado porque patrocinava atentados como o da bomba num avião da Pan Am, que espalhou 270 cadáveres sobre uma vila da Escócia. Kadafi apoiou Lula na campanha de 2002, segundo o ex-ministro Antonio Palocci, preso em Curitiba. Eleito, Lula foi a Trípoli. A visita a Kadafi para “negócios” , como definiu, está contada em livro dos repórteres Leonêncio Nossa e Eduardo Scolese.

A viagem do ex-presidente à Etiópia foi organizada pelo “companheiro e querido irmão” José Graziano, a quem elegeu diretor da FAO, braço da ONU para a agricultura. Graziano foi ministro do Fome Zero. Bom projeto, o Fome Zero logo virou peça de marketing político no exterior em 2003. Morreu de inanição governamental, estimulada pela má vontade do PT, então focado nos “negócios” do caso Mensalão. Graziano inscreveu o antigo chefe num debate sobre fome com o “querido Obasanjo”, evento da cúpula africana sobre a luta contra a corrupção. Presidente da Nigéria (1999 a 2007), Olusegun Obasanjo recentemente foi declarado “avô da corrupção” pela Câmara de seu país, que constatou o sumiço de parte dos investimentos (US$ 16 bilhões) em projetos de energia.

Outros “companheiros” que Lula pretendia encontrar para “um abraço fraternal” eram Denis Nguesso (do Congo), Teodoro Obiang (da Guiné Equatorial), e Ali Bongo (do Gabão). O trio lidera dinastias cleptocratas que sustentam longevas ditaduras na África.

Os Nguesso colecionam 66 imóveis de luxo na França, segundo o Tribunal de Paris. Os Obiang escondiam uma conta bancária em Washington cujo saldo era quatro vezes e meia superior ao valor do patrimônio imobiliário da rainha Elizabeth II, da Inglaterra. Os Bongo foram apanhados em transferências diretas de US$ 130 milhões do Tesouro do Gabão para suas contas privadas no Citibank, em Nova York.

Sem passaporte, Lula não pode reencontrar os velhos amigos, no fim de semana em Adis Abeba, para explicar-lhes a sentença a 12 anos de prisão e porque ainda é réu em outros seis processos por corrupção.


Menos intriga e mais reforma - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 30/01

A reforma da Previdência afeta todos brasileiros, especialmente gerações mais novas


É natural que surjam tensões partidárias em ano de eleição, quando as lideranças políticas se articulam para obter a melhor composição de chapa possível para seus quadros. Esse trabalho é um elemento absolutamente necessário da vida política, sem o qual as causas e as ideias de cada partido correriam o risco de ficarem sub-representadas no pleito popular.

Ter presente esse contexto pode ajudar a olhar com realismo as atuais movimentações de alguns postulantes a candidato à Presidência da República. Testar opções, avaliar espaços, medir forças – tudo isso é parte da política.

Não se pode, porém, perder de vista que há um tema urgente no País à espera de solução, a reforma da Previdência. Não fossem as idiossincrasias do sr. Rodrigo Janot, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que altera as regras para a concessão de pensões e aposentadorias, provavelmente teria sido votada pelo Congresso em maio do ano passado. O imbróglio envolvendo a delação da JBS atravancou a agenda do País. Basta lembrar que a Câmara dos Deputados, num intervalo de menos de três meses, foi obrigada a se pronunciar sobre duas denúncias contra o presidente da República. Ainda que inequivocamente ineptas, as acusações provocaram no ambiente político os presumíveis distúrbios que esse tipo de medida tende a despertar.

Depois de um intenso trabalho de coordenação política, acompanhado de um crescente esforço de comunicação – sempre aquém do necessário, mas que melhorou ao longo do tempo –, o governo federal criou as condições para que a reforma da Previdência fosse votada pelo Congresso. No fim do ano, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou que a PEC 287/2016 irá à votação no dia 19 de fevereiro de 2018.

Diante desse cenário, deve ser um consenso entre todas as autoridades minimamente preocupadas com o interesse nacional que a necessidade de aprovar a reforma da Previdência deve, no momento, prevalecer sobre qualquer possível divergência em torno da definição dos possíveis candidatos à Presidência da República. Não é hora de criar e tampouco de estimular a mais mínima dissonância capaz de eventualmente causar algum óbice ao andamento da PEC 287/2016.

O País merece esse cuidado com a reforma da Previdência. É um assunto que afeta todos os brasileiros, especialmente as gerações mais novas, que estão mais vulneráveis aos efeitos da eventual irresponsabilidade de manter as atuais regras. O déficit da Previdência é insustentável, com perversos efeitos sobre os atuais e os futuros beneficiários. O rombo crescente coloca sérias dúvidas sobre a capacidade do Estado de continuar arcando no futuro com as pensões e aposentadorias. No presente, afeta duramente a situação fiscal, pondo em xeque os esforços feitos nos últimos meses para retirar o Brasil da crise que o lulopetismo colocou. A crise da Previdência também afeta a atuação do próprio Estado, cada dia mais limitado em sua capacidade de investimento por força do rombo do sistema de aposentadoria e pensões.

Além disso, não é todo dia que surge no Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição que enfrenta de forma tão direta os privilégios do funcionalismo como o faz a PEC 287/2016. Só faltaria que as eleições deste ano pudessem de alguma forma representar um ademão para conservação das benesses de alguns poucos. Cabe aos envolvidos no processo eleitoral a responsabilidade de não transformar as eleições em ocasião para preservar ou ampliar desigualdades, ao dificultar a reforma da Previdência.

Têm especial responsabilidade nessa questão os presidentes da Câmara e do Senado. É hora de união em favor das reformas, e o esforço de cada um nessa direção será a prova decisiva para saber quem está de fato a favor do Brasil.

Correção – A esquerda democrática a que se refere o editorial A esquerda e o esquerdismo, publicado no dia 29/1/2018, é a esquerda reformada da social-democracia e de outras correntes, que surgiu e se firmou na Europa após a 2.ª Guerra.

Brasil 200, pela independência ou independência do país - FLÁVIO ROCHA

FOLHA DE SP - 30/01

Muitos de vocês já devem saber que recentemente lançamos o "Brasil 200". Embora tenha, com muito orgulho, erguido sua pedra fundamental em evento realizado em Nova York, esse movimento não é meu ou das lideranças que o apoiam.

Trata-se de um movimento da sociedade civil, que quer um Brasil diferente do arremedo de país em que foi transformado por sucessivos governos desastrosos.

"Brasil 200" é uma alusão aos 200 anos de Independência, assim batizado para que não percamos de vista o objetivo fundamental do movimento. Os 200 anos serão comemorados em 2022, quando termina o mandato do presidente eleito neste ano. 2022, portanto, começa em 2018. Os 200 anos do Brasil independente começam aqui e agora.

O país encontra-se prostrado. Recentemente, o previsível rebaixamento da nota de crédito pela Standard & Poor's foi um duro lembrete da situação em que estamos.

Apesar da incipiente recuperação econômica, ainda temos muito o que caminhar para conseguir um crescimento sustentável que absorva os inacreditáveis 12 milhões de desempregados.

O fato é que o Brasil não tem um governo. O governo é que tem um país. E o usa indevidamente, sem observar os princípios básicos de uma administração saudável e republicana, em que o bem comum está acima de interesses individuais ou de grupos. O resultado é a gastança, o desperdício, o endividamento, com prejuízo a todos, ou quase todos, se é que me entendem.

Nosso esforço diário em gerar riqueza é drenado pelos ralos bilionários de corrupção e clientelismo, é ameaçado por regulações insanas e intervencionismo retrógrado. Os últimos anos, em que prevaleceu o paternalismo autoritário, foram marcados pela aversão ao liberalismo e ao empreendedorismo. Se ameaça vidas —as vidas das famílias do exército de desempregados—, a incompetência é criminosa.

É preciso dar um basta! Chegou a hora de uma nova independência. É preciso tirar o Estado das costas da sociedade, do cidadão que não aguenta mais carregá-lo como um fardo. Essa é a independência de que falo, a independência que remete à liberdade.

A jornada é longa e, quanto antes for iniciada, melhor. Em quatro anos não é possível fazer tudo, claro, mas é possível fazer muito. Estamos conversando com cidadãos para chegar a uma pauta comum a ser entregue aos candidatos ao Executivo e ao Legislativo que tenham compromisso com a liberdade.

A elite empresarial brasileira, da qual faço parte, infelizmente não tem liderado o processo de mudança para tornar o Brasil um país mais livre. Parte dela é até sócia do assalto ao Estado com prejuízos incalculáveis para a população mais carente. Isso é absolutamente inaceitável.

Como cidadão, eu me orgulho da operação Lava Jato. Mas me entristeço por ver empresários envolvidos nos maiores escândalos de corrupção da nossa história. Sem uma elite comprometida com o progresso e com o avanço institucional, não vamos a lugar algum.

Está mais do que na hora de os empresários assumirem sua responsabilidade. Empreendedores devem ser os guardiões mais intransigentes da competitividade e da liberdade, pré-requisitos para a criação de riqueza, que move a economia e coloca a sociedade no caminho da prosperidade e da justiça social.

Da justiça social verdadeira, acrescento, aquela que promove autonomia, dignidade e oportunidade para todos. Não podemos mais ser parte do problema. Temos que honrar nossa vocação e ser parte da solução.

Se saio da minha zona de conforto para tomar essa iniciativa é porque tenho fé no Brasil e nos brasileiros. Urge devolver o Brasil ao seu verdadeiro dono, o povo brasileiro.

Tenho convicção de que está em nossas mãos refundar o Brasil em bases mais livres e solidárias, mais modernas e prósperas para todos. Essa é a minha ideologia, esse é o meu compromisso.

FLÁVIO ROCHA é presidente da Riachuelo e vice-presidente do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo)

Sem preconceito - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 30/01

Previdência, Eletrobrás e Embraer: não aos dogmas, sim ao debate real e maduro

Além das denúncias, da impopularidade e das quedas de braço com a Justiça, o presidente Michel Temer está decidido a enfrentar preconceitos e dar racionalidade aos debates sobre reforma da Previdência e pulverização de ações da Eletrobrás. A “combinação” Embraer-Boeing pode pegar carona na discussão. A ideia é resistir ao “não sei, não vi, não provei, mas não gostei”. Não é inteligente, não é razoável e não leva o Brasil a lugar nenhum. É preciso saber, ver, ouvir especialistas e versões divergentes para ser a favor ou contra, ou a favor só em parte.

“Reforma da Previdência? Sou contra.” Por quê? “Porque só prejudica os pobres.” Isso é efeito da campanha deseducativa, que finge estar defendendo “os pobres” quando, na verdade, embute a defesa de privilégios das carreiras mais bem pagas do Estado.

São elas, junto com partidos ditos de esquerda, que operam contra a reforma, não para proteger a aposentadoria e pensões de trabalhadores de baixa renda, mas sim aposentadorias de mais de R$ 30 mil de algumas categorias – caso de juízes e magistrados. A reforma é justamente para evitar que o sistema entre em colapso ao longo dos anos e a base da pirâmide – que é quem efetivamente precisa de aposentadoria – acabe ficando sem ela.


Defenda-se a Justiça, não boquinhas como aposentadorias milionárias de setores do funcionalismo, quando a grande maioria dos trabalhadores tem um teto de R$ 5.700, ou como auxílio-moradia irrestrito para juízes e altos funcionários dos três Poderes.

No caso da Eletrobrás, Temer e o ministro das Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, fazem tudo para fugir da palavrinha maldita, “privatização”, e insistem que a intenção é pulverizar suas ações, arejá-la, atrair investimentos privados, estender a ela a chance dada, lá atrás, à Vale do Rio Doce, que passou a empregar nove vezes mais pessoas depois da... privatização.

O governo diz que pretende manter ações e parte do controle estratégico da empresa, num sistema “golden share”, mas a maior reação no Congresso vem principalmente do Nordeste e de Minas, que recorrem a um discurso “nacionalista” para disfarçar a importância da Chesf e de Furnas, respectivamente, como generosos cabides de emprego para apadrinhados políticos. Contra a reforma, o “interesse dos pobres”. Contra a modernização da Eletrobrás, “o interesse nacional”.

Fernando Filho cita, objetivamente, um dado do ministério: de 2004 a 2016, a União deixou de arrecadar em torno de R$ 165 bilhões por manter a Eletrobrás exatamente onde está, sem contar os grandes valores que a União teve de despejar na companhia.

Quanto à Embraer: é um orgulho dos brasileiros, campeã internacional no segmento de jatos executivos e produzindo aviões tanto para a área civil como para a área militar. Empresa moderna, com técnicos competentíssimos, especialmente após privatizada.

Temer já disse e repetiu que a União não vai abrir mão do controle da Embraer. E a sueca Saab já enviou a Brasília um alto representante alertando para a questão da transferência de tecnologia no jato Gripen para a FAB, em parceria com a Embraer. De gabinete em gabinete, a Boeing garante: qualquer acordo respeitará o controle da União e manterá a blindagem e a autonomia do programa dos Gripen.

Enfim, não se trata aqui de fazer campanha pela reforma, nem pela privatização (ou tenha lá que nome tiver) da Eletrobrás, nem pela “combinação” (novamente, tenha lá que nome tiver) entre a Embraer e a Boeing. Trata-se, sim, de defender um debate aberto, ponderado, maduro sobre o que é e o que não é melhor para o Brasil e os brasileiros, agora e no futuro. Ou seja: sem preconceito e sem dogmas que signifiquem apenas o atraso pelo atraso.

Buscam-se ideias - MERVAL PEREIRA

O Globo - 30/01
O impasse generalizado que vivem os partidos políticos para a escolha de candidatos à presidência da República demonstra com clareza não apenas a falta de líderes, mas, sobretudo, a desimportância dos programas de governo no debate eleitoral.

Nem PT nem PSDB, partidos que polarizam a política nacional há mais de 20 anos, têm consistência programática que mantenha seus eleitores unidos em torno de ideias, fato que ficou encoberto esse tempo todo justamente devido à radicalização do confronto direto entre eles, que supostamente representam duas maneiras distintas de ver o mundo.

Quando o candidato tucano em 2006, o mesmo Geraldo Alckmin que deve voltar a disputar a presidência este ano, recuou na defesa das privatizações, foi-se a coerência partidária, escancarou-se a disputa do poder pelo poder numa ação mercadológica equivocada.

Assim como a coerência ideológica petista esvaneceu-se quando o partido operário que nasceu para fazer política de outra maneira revelou-se um velho usuário da corrupção como método político, desde o início da escalada a partir de municípios como o Ribeirão Preto de Palocci, com a licitação pública para “molho de tomate refogado, peneirado, com ervilhas", que era produzido por apenas uma empresa.

Ou a Santo André do prefeito Celso Daniel, assassinado por disputas internas no PT pela propina dos serviços públicos. Tanto PT quanto PSDB governaram o país com as mesmas alianças políticas, o que sugere que os partidos que os apoiaram também não tinham programas a serem seguidos, no máximo alguns se sentiam mais à vontade que outros apoiando os governos petistas ou tucanos, mas raros foram os que permaneceram em seu campo programático sem aderir às indecências do poder.

Não há dúvida de que o esquema corrupto montado pelo PT para controlar o Estado brasileiro e colocá-lo à disposição de seus interesses foi uma aberração poucas vezes vista em qualquer país do mundo.

Disseminou-se a corrupção que, antes, era um câncer que existia de maneira pontual e localizada, sem caráter de metástase espalhada pelo corpo institucional do país. A corrupção como método de governo atingiu as raias do absurdo, e terminou por corroer um esquema partidário que já era anódino, transformando-o em mero instrumento de interesses patrimonialistas.

Mesmo em seu estágio pré-petismo, a corrupção de colarinho branco, seja de empresários ou de políticos e funcionários públicos, não era combatida, como foi a partir do mensalão, devido a uma aplicação restritiva da lei que favorecia o estamento dirigente.

O que se vê nos últimos anos é a aplicação da lei de forma a que alcance os que estavam dela protegidos, e há ainda muitos tabus a serem derrubados para que se chegue a um estado em que ninguém está acima da lei.

Desde os vícios corporativos arraigados até mesmo no Judiciário, que amortecem a força moral que garante a seus membros o reconhecimento da sociedade à sua ação revitalizadora da cidadania, até excrescências como o foro privilegiado, cujo sentido foi sendo desvirtuado e ampliado até tornar-se uma proteção para os desvios de conduta, assim como a imunidade parlamentar.

No momento em que o país vive uma das piores crises que já enfrentou, seria imprescindível que os reais problemas nacionais entrassem no debate eleitoral sem que o populismo impedisse o enfrentamento de questões centrais, como as reformas estruturantes.

Infelizmente estamos longe desse dia. Buscam-se nomes em vez de ideias, e para combater promessas irresponsáveis, parece que só temos mais irresponsabilidades a serem oferecidas ao eleitorado. Aguarda-se que a ampliação do espaço de debate abra caminho para candidatos que defendam projetos de país, deixando para trás a radicalização, à esquerda e à direita, que prometia fazer dessa a campanha presidencial mais lamentável dos últimos tempos.

Patrulheiros da moral criam tribunais para decidir quem pode andar nas ruas - RANIER BRAGON

FOLHA DE SP - 30/01


"Cagão" e "bosta" foram algumas das delicadezas dirigidas a Gilmar Mendesem um voo no sábado (27). Dias antes, duas mulheres haviam apupado o ministro do STF em Portugal. Uma delas disse rogar para que Deus o enviasse sem escalas ao quinto dos infernos.

Tudo registrado em vídeo por celulares e espalhado nas redes sociais.

Atos assim falam mais sobre quem se presta a eles do que qualquer outra coisa. O alvo dos autointitulados "cidadãos de bem" é pego quase sempre só, tal um colegial paga-lanches assolado na hora do recreio.

Essa turma de patriotas já decidiu no seu tribunal particular e inapelável quem pode embarcar em voos comerciais ou jantar em restaurantes.

Dane-se o contraditório, quem pensa diferente, o Estado de direito, as leis, as formas mais dignas e menos covardes de protesto. Em suma, danem-se as instituições democráticas –essas porcarias todas que "deveriam ser fechadas" porque não "prestam pra nada", nas palavras de um dos bravateiros do voo de Gilmar.

Nem é preciso dizer que muita gente que arrota moral e bons costumes nas redes sociais não suportaria 15 minutos de escrutínio sério da própria vida. Nem que toda a bravura surge, normalmente, quando estão em bando, contra oponente preferivelmente solitário. Nem que boa parte deseja, na verdade, é a volta de generais a nos ditar goela abaixo o que fazer ou deixar de fazer.

A história está repleta de vestais a atirar pedras nas adúlteras, tocar fogo às "bruxas" ou decidir no berro quem pode ou não andar nas ruas.

Gilmar Mendes mandou soltar alvos da Justiça contra as quais pesam sérias acusações, entre eles empresário com quem tem laço familiar. Tem questionável relação com o governo, com encontros a portas fechadas inimagináveis a um magistrado com pudor institucional. E uma série de outras práticas controversas.

Nada disso, porém, justifica o grotesco teatro encenado pelos talibãs da moral, família e bons costumes.

A sombra do lulismo - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 30/01

O lulismo é a transformação de estratégias sindicais em políticas de governo e projeto de Poder

O ex-prefeito da capital paulista Fernando Haddad, um dos cotados para ser candidato à Presidência da República pelo PT no lugar de Luiz Inácio Lula da Silva, disse que o lulismo sobreviverá ao chefão petista. Ou seja, mesmo que o ex-presidente seja impedido de concorrer ao Palácio do Planalto, na provável hipótese de que a lei se cumpra e ele pague pelos crimes que cometeu e pelos quais foi julgado e condenado, o movimento político que leva seu nome permanecerá vivo, segundo seus seguidores e também na opinião de alguns especialistas.

Entre esses analistas, aliás, há quem considere o lulismo superior até mesmo ao varguismo. Trata-se de um evidente exagero em mais de um sentido, especialmente quando se comparam os efeitos duradouros das políticas econômica, trabalhista e industrial do ditador Getúlio Vargas com o caráter precário da “justiça social” promovida por Lula, cujos efeitos, festejados por seus adoradores como seu grande legado, cessaram mesmo antes do fim da era petista.

Ressaltados os evidentes limites do lulismo, contudo, não se pode deixar de reconhecer que o movimento político que se atribui a Lula certamente continuará a existir por um bom tempo mesmo depois que seu timoneiro já não estiver em condições de atuar politicamente. E isso acontecerá não somente porque Lula continuará tentando fazer política, mesmo que esteja atrás das grades, mas principalmente porque, como disse Haddad, “são 40 anos de Lula”, tempo mais que suficiente para consolidar o chefão petista como referência no universo político e no imaginário popular.

Sendo assim, diante da inegável força de Lula e considerando-se que seu movimento assombrará a eleição presidencial deste ano, obrigando os principais candidatos a se posicionarem a respeito dele, é preciso compreender do que se trata, afinal, o lulismo, e apontar seus efeitos nefastos para a vida nacional.

O lulismo é a transformação de estratégias sindicais em políticas de governo e projeto de poder. Lula nunca deixou de buscar exclusivamente aquilo que era melhor para si mesmo e para seus apaniguados. Nesse sentido, os fins sempre justificaram os meios, como estão aí a comprovar o mensalão e o petrolão.

Não é um apartamento no Guarujá ou um sítio em Atibaia que provam a corrupção de Lula. Esses são apenas alguns dos sinais exteriores de uma relação absolutamente promíscua entre o chefão petista e aqueles que foram cooptados por seu projeto patrimonialista de ocupação do Estado e privatização do poder, tratando como inimigos todos os que não se submeteram ao PT. Já os que aceitaram se associar ao empreendimento lulopetista foram recepcionados como autênticos “companheiros” – José Sarney, Renan Calheiros e Paulo Maluf, entre outros de igual naipe.

Lula nunca esteve preocupado com os trabalhadores em geral, mas apenas com os seus trabalhadores, isto é, aqueles que estivessem vinculados de alguma maneira à máquina sindical petista. Tampouco estava interessado no desenvolvimento nacional sustentável, e sim nos ganhos dos empresários amigos, encantados com o capitalismo sem risco oferecido pelo lulismo e prontos a defender a todo custo seu grande líder e benemérito.

Com isso, o lulismo produziu a ilusão de que estava realizando “justiça social” quando, na verdade, apenas aprofundava o fosso econômico entre ricos e pobres. Enquanto procedia a uma brutal transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, por meio de subsídios, incentivos e contratos públicos, o lulismo concedia às classes desfavorecidas a ilusão do consumo. Nunca antes “o pobre viajou de avião”, como jactou-se Lula, mas esse mesmo pobre continuava a não ter saneamento básico nem educação decente.

Tudo isso revela o oportunismo que está na essência do lulismo. Assim, se o lulismo sobreviver a Lula, como muitos preveem, que seja para sempre reconhecido pelo que é: um movimento que aposta na ignorância política e no vale-tudo para capturar o poder.

segunda-feira, janeiro 29, 2018

Sexo no blockchain - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 29/01

O tema assédio está na moda. Entre os extremos, a vida segue seu curso, às vezes, dando a impressão de que poderá se tornar irrespirável em algum momento.

Num lado extremo dessa realidade das relações sexuais, homens violentos (ou mulheres violentas, em bastante menor número) que tornam a vida no trabalho ou nos espaços de lazer um inferno para suas vítimas. No outro extremo, o sentimento de risco (real) que muitos homens sentem de que a simples demonstração de desejo por uma mulher poderá ser tachada de assédio.

Ou, pior, de que, mesmo tendo tido seu consentimento, ela poderá, posteriormente, dizer que o "retirou", ou que o cara mentiu sobre ela ter dado o consentimento, ou que a entendeu errado e que, portanto, o suposto "date" foi estupro.

É justamente na área privada do consentimento que residem algumas das paranoias contemporâneas que ameaçam transformar as relações cotidianas entre homens e mulheres num tédio contínuo preenchido por pessoas civilizadas, limpinhas e imóveis. Mas, como tudo mais no mundo contemporâneo, principalmente em se tratando de relações humanas e serviços, o espírito do Vale do Silício oferece uma solução.

Os holandeses criaram um aplicativo chamado Legal Fling, que visa garantir que pessoas (principalmente, homens) se defendam da acusação de assédio ou estupro quando houve consentimento prévio para o ato sexual ou a abordagem.

A expressão em inglês "fling" é ambivalente. Entre o substantivo, que nos remete à ideia de um momento de diversão, gostoso, e o verbo, que pode significar um arremesso violento de algo, ou seja, algum tipo de ato com risco de violência, reside a realidade ambivalente do tema.

"Legal fling" seria, portanto, essa ambivalência tornada "legítima", levando essa arriscada ambivalência para o universo "garantido" pelo novo oráculo, a tecnologia blockchain (base de registro que funciona como prova de um acordo ou transação). Será verdade um aplicativo assim?

Nem todos concordam que o aplicativo ofereça de fato a segurança absoluta contra acusações de que consentimentos supostamente dados se transformem em acusações supostamente falsas. O "supostamente" aqui é essencial.

Voltamos ao caráter privado do tema. É difícil saber o que acontece entre quatro paredes. O combate à violência sexual tem razão em se preocupar com os abusos em geral. A crítica feita à tentativa de judicializar as relações entre homem e mulher também tem razão quando aponta a cultura da paranoia como fato dado no mundo presente.

É possível um "meio-termo" ou "bom senso" nesse assunto? Não creio. O mundo vai, pouco a pouco, sucumbindo à ambivalência criada pela modernização, na sua contínua tentativa de organizar e limpar tudo.

Zygmunt Bauman (1925-2017) acertou em cheio no seu "Modernidade e Ambivalência" ao apontar para esse caráter de "jardineiro" que o Estado moderno (e a sociedade como um todo) tem em querer fazer do mundo um "jardim do bem".

O aplicativo funciona basicamente assim: você preenche um cadastro onde afirma aceitar ou não sair e fazer sexo com fulano, depois detalha o que gosta, tipo, sei lá, sexo anal, no carro, oral, se gosta ou não de apanhar, se gosta ou não de ser tratada ou tratado de forma humilhante, se gosta de ser chamado ou chamada por termos como "cachorra", "vadia", "filho da puta" e por aí vai.

Sei. Pensar numa lista assim parece ridículo. Mas, se você tiver como princípio de entendimento do mundo contemporâneo o fato de que caminhamos para um contrato social baseado no ridículo como forma de vínculo, não estranhará tanto assim um aplicativo como esse.

O aplicativo lançará então esse "contrato" numa plataforma blockchain e, portanto, você não terá como impedir que a "humanidade em cadeia" tenha ciência de que, sim, você gosta de apanhar no sexo ou que você, sim, aceitou ser amante do seu chefe, quem sabe, em troca de uma promoção no trabalho.

O que salvaguardará juridicamente a legitimidade do ato sexual em questão será de uma ordem análoga à de uma moeda virtual, como o bitcoin. Neste caso, a "moeda" é a exposição pública da intimidade, em nome da segurança de cada cidadão envolvido em atos sexuais.

Família combate crime - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

ESTADÃO - 29/01

A grande doença dos nossos dias tem nome: desumanização das relações familiares


Jovens de classe média e média alta têm frequentado o noticiário policial. Crimes, vandalismo, consumo e tráfico de drogas deixaram de ser marca registrada das favelas e da periferia das grandes cidades. O novo mapa do crime transita nos bares badalados, vive nos condomínios fechados, estuda nos colégios da moda e não se priva de regulares viagens ao exterior. O fenômeno, aparentemente surpreendente, é o reflexo de uma cachoeira de equívocos e de uma montanha de omissões. O novo perfil da delinquência é o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva e do bombardeio de setores do mundo do entretenimento que se empenham em apagar qualquer vestígio de valores.

Os pais da geração transgressora têm grande parte da culpa. Choram os desvios que cresceram no terreno fertilizado pela omissão. O delito não é apenas reflexo da falência da autoridade familiar. É, frequentemente, um grito de revolta e carência. A pobreza material castiga o corpo, mas a falta de amor corrói a alma. Os adolescentes, disse alguém, necessitam de pais morais, e não de pais materiais. A grande doença dos nossos dias tem um nome menos técnico, mas mais cruel: a desumanização das relações familiares.

Reféns da cultura da autorrealização, alguns pais não suportam ser incomodados pelas necessidades dos filhos. O vazio afetivo, imaginam na insanidade do seu egoísmo, pode ser preenchido com carros, boas mesadas e consumismo desenfreado. Acuados pela desenvoltura antissocial dos seus filhos, recorrem ao salva-vidas da psicoterapia. E é aí que a coisa pode complicar. Como dizia Otto Lara Rezende, com ironia e certa dose de injusta generalização, “a psicanálise é a maneira mais rápida e objetiva de ensinar a odiar o pai, a mãe e os melhores amigos”. Na verdade, a demissão do exercício da paternidade está na raiz do problema. A omissão da família está se traduzindo no assustador aumento da delinquência infanto-juvenil e no comprometimento, talvez irreversível, de parcelas significativas da nova geração.

Se a crescente falange de adolescentes criminosos deixa algo claro, é o fato de que cada vez mais pais não conhecem os próprios filhos. Não é difícil imaginar em que ambiente afetivo se desenvolvem os integrantes das gangues bem-nascidas. As análises dos especialistas em políticas públicas esgrimem inúmeros argumentos politicamente corretos. Fala-se de tudo, menos da crise da família. Mas o nó está aí. Se não tivermos a firmeza de desatá-lo, assistiremos, acovardados e paralisados, a uma espiral de crueldade sem precedentes. É uma questão de tempo. Infelizmente.

Certas teorias no campo da educação, cultivadas em escolas que fizeram uma opção preferencial pela permissividade, também estão apresentando um amargo resultado. Uma legião de desajustados, crescida à sombra do dogma da educação não traumatizante, está mostrando a sua face antissocial. Ao traçar o perfil de alguns desvios da sociedade norte-americana, o sociólogo Christopher Lach (autor do livro A Rebelião das Elites) sublinha as dramáticas consequências que estão ocultas sob a aparência da tolerância: “Gastamos a maior parte da nossa energia no combate à vergonha e à culpa, pretendendo que as pessoas se sentissem bem consigo mesmas”. O saldo é uma geração desorientada e vazia. A despersonalização da culpa e a certeza da impunidade têm produzido uma onda de superpredadores.

O inchaço do ego e o emagrecimento da solidariedade estão na origem de inúmeras patologias. A forja do caráter, compatível com o clima de verdadeira liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. A pena é que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio. A sociedade precisa de um choque de bom senso. O erro deve ser condenado e punido. A solidariedade deve ser recuperada. É preciso ensinar à moçada que o ser está acima do ter.

O pragmatismo e a irresponsabilidade de alguns setores do mundo do entretenimento estão na outra ponta do problema. A era do mundo do espetáculo, rigorosamente medida pelas oscilações da audiência, tem na violência um de seus carros-chefes. A transgressão passou a ser a diversão mais rotineira de todas. A valorização do sucesso sem limites éticos, a apresentação de desvios comportamentais num clima de normalidade e a consagração da impunidade têm colaborado para o aparecimento de mauricinhos do crime. Apoiados numa manipulação do conceito de liberdade artística e de expressão, alguns programas de TV crescem à sombra da exploração das paixões humanas. Ao subestimar a influência perniciosa da violência ficcional, levam adolescentes ao delírio em shows de auditório que promovem uma grotesca sucessão de quadros desumanizadores e humilhantes. A guerra pela conquista de mercados passa por cima de quaisquer balizas éticas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o marketing do entretenimento com conteúdo violento está apontando as baterias na direção do público infantil.

A onipresença de uma televisão pouco responsável e a transformação da internet num descontrolado espaço para a manifestação de atividades criminosas (pedofilia, racismo e oferta de drogas, frequentemente presentes na clandestinidade de alguns sites, desconhecem fronteiras, ironizam legislações e ameaçam o Estado de Direito Democrático) estão na origem de inúmeros comportamentos patológicos.

É preciso ir às causas profundas da delinquência. Ou encaramos tudo isso com coragem ou seremos tragados por uma onda de violência jamais vista. O resultado final da pedagogia da concessão, da desestruturação familiar e da crise da autoridade está apresentando consequências dramáticas. Chegou para todos a hora de falar claro. É preciso pôr o dedo na chaga e identificar a relação que existe entre o medo de punir e os seus dramáticos efeitos antissociais.

* CARLOS ALBERTO DI FRANCO É JORNALISTA.