sexta-feira, maio 24, 2019

Os problemas de venerar e obedecer “as leis” - ADRIANO GIANTURCO G.

MISES BRASIL ORG - 24/05


Grande parte da imoralidade à sua volta foi intencionalmente criada pela legislação


Nota do editor

O artigo abaixo é uma adaptação de um discurso proferido no Fórum da Liberdade ocorrido em Porto Alegre em abril de 2018. Daí seu tom mais coloquial.


______________________________________________

Acreditamos que a lei deve ser justa, deve fazer o bem, e deve evitar e punir o mal.

Acreditamos que os problemas surgem quando a lei é desrespeitada, corrompida, e não aplicada.

E, óbvio, o que todos nós queremos é estado de direito (e não estado de exceção), segurança jurídica, império da lei, e governo das leis (e não o governo dos homens).

Mas há um problema: a lei é feita por homens.

Consequentemente, essa mesma lei que queremos ver sendo cumprida e aplicada pode também ser injusta, ineficiente e geradora de corrupção. Mais ainda: pode se tornar ferramenta de poder, de pilhagem e de controle social.

Eis alguns exemplos.

1) Acreditamos que deveríamos ser todos iguais perante a lei. Este é o princípio da isonomia e da igualdade formal e jurídica.
Mas é a própria lei que, às vezes, cria diferenças.

É a lei que cria diferenças entre quem tem foro privilegiado e quem tem a justiça comum.

Entre terra privada e terra estatal — na terra privada, alguém pode exigir o usucapião; na terra estatal, nunca.

Entre trabalhadores privados que pagam impostos e burocratas estatais que recebem impostos e salários acima do de mercado.

É a lei que cria diferenças entre quem pode e quem não pode. Entre quem pode tudo e quem nada pode.

2) Acreditamos que o estado deveria aplicar a lei.
Mas são os entes do estado os primeiros a não respeitarem a lei.

Quando, por exemplo, fazem o impeachment de um(a) presidente, mas não retiram seus direitos políticos.

Quando confiscam depósitos judiciais de terceiros para pagar os rombos nas contas estatais, que eles próprios fizeram.

São eles que não respeitam as leis, com encontros fora da agenda e com salários acima do teto.

3) Acreditamos que a lei deveria limitar o poder.
Mas é a própria lei que dá poder, ao ponto de muitos quererem virar juristas e advogados exatamente para ter poder, favores, privilégios e dar "carteiradas".

É a lei que concede privilégios como carros oficiais com motoristas, auxílio-moradia, auxílio-transporte, auxílio-creche, auxílio-educação, auxílio-funeral, auxílio plano de saúde, reembolso por despesas médicas e odontológicas não cobertas pelo plano de saúde, além de cafezinho, vale-terno e sofá no gabinete.

Todas essas leis estão na Constituição — a qual, não por acaso, é a terceira mais longa do planeta—, e são elas que dão poder ao estado e oneram o STF.

A vagueza da lei sempre deixa alguma margem de interpretação e muita margem de poder.

Como já dizia a máxima, "aos amigos, os favores; aos inimigos, a lei".

4) Acreditamos que a lei deve ser moral. E até acreditamos que ela é moral.
Mas esquecemos que a escravidão foi legal, que os campos de concentração foram legais, que o apartheid foi legal, que o fundo eleitoral é legal, que as desapropriações nas favelas e nas periferias são legais, que ambulantes e mendigos são legalmente retirados todos os dias das calçadas "com a força de lei".

Esquecemos de que o BNDES, legalmente, retira 9% do PIB e redistribui dos pobres para as grandes empresas.

A verdade é que a lei acaba com a moralidade.

Quando, por exemplo, o estado finge que está redistribuindo recursos para os pobres, isso gera uma consequência nefasta: as pessoas deixam de ajudar os desvalidos, pois pensam: "Eu já fiz a minha parte; já paguei impostos."

Ou quando o estado institui, por exemplo, prioridades nos caixas e nos ônibus. A consequência natural é que, quando chega uma gestante ou um idoso a um caixa normal ou a um assento normal, as pessoas não os deixam passar, pois pensam que, afinal, há o caixa e o assento específicos para eles.

Confundimos lei com moralidade e, consequentemente, acabamos nos tornando meros robôs obedientes e amorais.

5) Acreditamos que a lei deve promover um ambiente econômico eficiente.
Mas é a própria lei que gera ineficiências, quando torra, por exemplo, bilhões de dinheiro de impostos com Copa do Mundo, Olimpíadas e estádios (elefantes brancos) em Manaus e Brasília.

Foi por lei que se instituiu e que se administra o BNDES, o maior banco de desenvolvimento do mundo (maior que o Banco Mundial), o qual não gera desenvolvimento nenhum. Deveria se chamar BNSUB: Banco Nacional do Subdesenvolvimento.

É por lei que se faz protecionismo, o qual prejudica o pobre e premia o rico bem conectado ao governo. Foi assim que o Brasil virou uma das economias mais fechadas do planeta.

É por lei que se exigem autorizações, concessões, alvarás, cartórios, filas, licenças e variados carimbos, ao ponto de o Brasil estar nos últimos lugares nos rankings de liberdade econômica do planeta (posição 153 em 180, um pouco antes de Cuba, Venezuela e Coreia do Norte).

Este não é um estado que redistribui dos ricos para os pobres; é um estado que impede os pobres de ficarem ricos.

6) É por lei que, diariamente, hiper-regulamentam a nossa vida.
Eis alguns casos mais recentes: rádio obrigatório nos celulares, regulação do esporte eletrônico, proibição de descontos para mulheres em bares e boates, segunda-feira sem carne, revisão obrigatória do ar condicionado, kit anti-incêndio nos carros, proibição do sal na mesa, proibição de cobrança para orçamentos (não existe orçamento grátis!), proibição de cobrar para se sentar na mesa do bar.

Já houve até uma lei para decidir se a espuma do chope podia ser considerada parte do chope (!).

Recentemente, foi instituído o "Dia nacional do desafio" — em todas as últimas quartas-feiras de maio, todas as empresas devem fazer 15 minutos de ginástica. (Como o sábado fascista de Mussolini, quando as pessoas eram obrigadas a fazer ginástica em Praça pública)

Desde 1988, foram aprovados 5,4 milhões de dispositivos legislativos (769 por dia). Só em nível federal foram 15,96 por dia. Considerando os três entes federativos, tem-se uma média de 217 mil leis em cima de cada um de nós.

7) E, ainda assim, muitos repetem que "o Brasil tem boas leis; o problema é que não são aplicadas".
Errado. O Brasil tem leis demais. Se todas fossem aplicadas perfeitamente, o país simplesmente pararia — exatamente como já ocorre com o mercado de trabalho, estagnado pelas leis trabalhistas.

É esta visão fantástica das leis que faz com que, em todas as universidades do país, seja ensinada a visão do "direito como ferramenta de mudança social" — isto é, a ideia de utilizar o direito para plasmar e moldar a sociedade segundo os próprios caprichos. E geralmente com idéias socialistas mascaradas.

Trata-se de pura engenharia social, puro coletivismo, puro totalitarismo jurídico.

Ao passo que, no resto do mundo, o direito é um simples "método de resolução de conflitos", aqui no Brasil a regra é criar mais conflitos por meio da "judicialização das relações sociais", algo que muitos até celebram. E os advogados agradecem — afinal, a indústria do dano moral gera milhões de causas lucrativas.

É esta visão da lei que cria o fenômeno do fiscal "que se acha importante e 'empoderado'", com um crachá a marcar seu status. Segundo ele, "o Brasil não dá certo porque a lei não é aplicada; se fosse, seríamos uma Suíça!".

E, finalmente, é ainda por causa desta visão que as pessoas chegam até a delatar o próprio vizinho porque ousou cortar uma arvore na própria propriedade ou porque deu um tapa no filho. Delatar o próximo ao Príncipe é uma mentalidade típica da SS nazista. Mas, para o estado, é perfeito, pois isso, além de representar uma terceirização da fiscalização, joga as pessoas umas contra as outras, consolidando ainda mais seu poder.

8) E, com tudo isso, as pessoas ainda repetem que "falta fiscalização!"
Mas o que acontece de fato é o seguinte: a grande empresa corrompe diretamente o legislador para fazer uma regulação que irá encarecer os processos de produção de todo o setor em que atua. Por que ela faz isso? Porque, ao encarecer artificialmente o empreendimento neste setor, está criando dificuldades para os concorrentes menores, bem como impedindo a entrada de novos concorrentes. A grande empresa, rica, consegue bancar tranquilamente esse aumento artificial dos custos. A pequena, não.

Como consequência, quando o fiscal vai "fazer seu trabalho de fiscalização" e flagra o pequeno comerciante em desacordo com esta lei corrupta, ao comerciante não resta alternativa senão pagar a multa ou pagar o fiscal.

Só que a lei é feita exatamente para gerar essa situação.

9) Acreditamos que a lei deva evitar e punir a corrupção. Afinal, a corrupção é exatamente desviar do fim oficial e mais nobre da lei, e desviar recursos e dinheiro.
Mas é a própria lei a gerar corrupção.

Empresas estatais e bancos estatais servem para ser (legalmente) aparelhados e ter seus cargos loteados por políticos e seus apadrinhados. Servem também para (legalmente) fazer licitações para obras em que as empresas amigas serão as ganhadoras.

A hiper-burocracia reinante em nossos portos, os mais lentos do mundo, serve exatamente para que, em um determinado momento, um empregado do porto apareça e apresente uma "alternativa", um "jeitinho" para despachar ou desembarcar a mercadoria mais rapidamente

O superfaturamento das obras de infraestrutura não é um "erro", não é uma "falta de planejamento". Ao contrário: é um planejamento extremamente esperto. A obra para se construir uma ponte é contratada exatamente para se desviar dinheiro: a empreiteira selecionada é amiga do político responsável pela estatal ou pelo ministério, e irá cobrar um preço superfaturado em troca da propina que pagou ao político para ser a escolhida. O dinheiro da obra vem dos nossos impostos. E a construção efetiva da ponte representa o custo legal para se fazer esse desvio.

Ou seja: há um custo para o dinheiro ser legalmente desviado, e esse custo é a ponte.

Com a merenda escolar ocorre o mesmo. Gritar "roubaram a merenda de meu filho" é algo que pode render notícias de jornal, mas, assim como a construção da ponte, o objetivo claro do programa sempre foi desviar dinheiro. E o custo de fazer esse desvio, para os envolvidos, é ter de nos dar algumas merendas.

O que nós chamamos de corrupção é, na verdade, o objetivo real dos políticos. É a função normal do estado.

Para concluir
Existe uma grande — e quase intransponível — diferença entre lei e legislação.

Isso de que estamos falando e na qual geralmente pensamos é a legislação (e não lei).

As leis são as leis da economia (como a lei da demanda e da oferta) ou as leis naturais.

A lei é um fenômeno descritivo, espontâneo, de baixo para cima, natural. Já a legislação é um fenômeno prescritivo, de cima para baixo, impositivo, um fenômeno político.

A legislação é a mera vontade do Leviatã.

Sim, temos de respeitar a lei e temos de tentar melhorar a lei. E o que estes dois grandes juízes aqui fizeram [Sérgio Moro e Antonio di Pietro participam do painel] para domar a besta é fundamental.

Mas não basta.

Temos de revirar o estado do avesso. Temos de reverter a estrutura do estado. Temos de mudar sua função. Temos de limitar o impacto de seus incentivos perversos. Temos de fazer tudo isso para que a lei seja mais poderosa que a legislação. Para que sejam eles — os membros do estado — a obedecer a nós, e não o contrario.

Temos de diluir o poder político ao máximo possível, descentralizar de Brasília para os estados, os municípios, os bairros, para que assim nós possamos fiscalizar o Príncipe. E também para que possamos ter diferentes sistemas jurídicos concorrendo entre si. Só assim poderemos experimentar e testar os melhores, emular os casos de sucesso e evitar os casos de fracasso. Métodos privados de resolução de conflitos, como a arbitragem, têm de ser ampliados para mais esferas.

E, especialmente, temos de fazer uma divisão clara e forte entre economia e política, para minimizar o conluio, os lobbies, os poderes dos grupos de interesse e, por consequência, a própria corrupção.

Temos, em suma, de tirar a política da nossa vida.

Recordo aqui um depoimento de uma senadora famosa ao TRF-4 (de Curitiba), no qual ela estava sendo perguntada se sabia sobre nomeações políticas nas empresas estatais. Ela respondeu: "Sim, claro, mas esta é a lógica da política. Assim como judiciário tem sua lógica, a política também. Vocês estão querendo criminalizar a lógica da política!"

Sim, caríssima senadora. Queremos criminalizar a lógica política porque esta lógica da política é criminosa.

Adriano Gianturco G.
é professor de Ciência Política do IBMEC-MG, Doutor em Teoria Política e Econômica pela Universidade de Genova, Mestre em Ciência Política pela Universidade de Turim, Bacharel em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Roma Tre. Publicou vários artigos acadêmicos sobre I. Kirzner; B. Leoni; Abstencionismo e votos brancos etc. É autor do livro L´imprenditorialitá di Israel Kirzner.

Com faca e sem queijo - DORA KRAMER

Revista Veja, edição nº 2636

A inépcia de Bolsonaro transfere o poder de fato para o Congresso


Numa coisa Jair Bolsonaro está coberto de razão: não tem os atributos necessários para exercer o cargo para o qual foi eleito. Não nasceu para ser presidente da República. Se, como diz, nasceu para ser militar, perdeu a chance de sair-se bem na vocação de origem quando foi afastado da carreira por indisciplina ainda na patente de capitão, mas essa é outra história que não nos interessa diretamente, embora também tenha a ver com inépcia.

É diante da inaptidão que estamos agora. Por causa dela já se pode detectar de modo algo dissimulado, mas nítido aos olhos mais treinados da República, um processo de transferência do poder de fato do Executivo para o Legislativo. Quanto mais tolices são cometidas a partir do Palácio do Planalto e adjacências, mais o Congresso vai assumindo as rédeas da coisa pública, aqui entendida como aquilo que afeta a vida do público.

O presidente, é óbvio, detém o poder de direito, e é prerrogativa exclusiva dele o acesso àqueles instrumentos chamados metaforicamente de “a caneta”. Mas, como os maneja mal, erode sua confiabilidade para o exercício do cargo, criando um vácuo que, como se sabe, na política é espaço que não fica vago. Donde o Parlamento vai se ocupando dele. No momento, de maneira mais acentuada, a Câmara e logo adiante com protagonismo a ser compartilhado com o Senado.

Nessa transferência (involuntária, diga-se) reside um paradoxo: Bolsonaro reforça justamente o Congresso, cuja desmoralização buscou aprofundar com a disseminação da ideia de que estava todo ele comprometido com a “velha política”, a qual traduzia para o eleitorado na campanha e, depois, para os governados como sinônimo de prática sistêmica de corrupção.

Aos menos afeitos aos meandros brasilienses tal conclusão pode soar precipitada. Será? Vejamos: as reformas fundamentais para o avanço estão nas mãos do Congresso. Os presidentes da Câmara e do Senado se mostram muito mais engajados na proposta que o presidente, tomando para si a responsabilidade da aprovação e avisando que ela se dará nos termos dos parlamentares.

A reforma tributária será tocada a partir de proposição apresentada no Legislativo, que vem se interessando por uma reformulação administrativa do governo mais profunda que a parca extinção e/ou fusão de ministérios proposta na Medida Provisória 870. Fala-se no Parlamento da necessidade de renovar o pacto entre as unidades da federação, e vai se tornar inescapável uma discussão sobre reforma política. O Executivo não deu palavra a respeito, mas o assunto surgirá, ainda que no debate torto sobre o fim ou não da reeleição.

Tudo isso no âmbito do Congresso, onde o mais bobo não foi eleito e em cujo ambiente foram interditados os espaços para a discussão da tal pauta de costumes. Uma agenda ferrabrás não identificada com a média da população e, por isso, fadada ao fracasso. A despeito da vontade presidencial, que vai contando cada vez menos no âmbito geral das coisas públicas.

O destino de uma nação - CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA

Revista Veja

A aprovação da reforma da Previdência pode desencadear o círculo virtuoso de que o país tanto precisa para voltar a crescer


Há momentos na história econômica de um país que são transformadores, que deixam seu legado de mudança por décadas. Há 25 anos, os leitores mais maduros de VEJA certamente se lembram, aconteceu a implantação do Plano Real. O Brasil vivia um caos econômico em que a renda da população, especialmente a dos mais pobres, era corroída sem dó pela inflação. Tal situação atrapalhava a vida financeira de empresas e pessoas. Com a criação da nova moeda, um outro patamar de desenvolvimento se estabeleceu.

Assim como o Plano Real, a reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro evidentemente não será uma panaceia para todos os males da nação. Mas sua aprovação, no menor espaço de tempo possível, pode desencadear o círculo virtuoso de que o país tanto precisa para voltar a crescer. Trata-se da sinalização que os empresários daqui e do exterior esperam para liberar investimentos congelados diante do atual cenário de incerteza. No futuro, poderemos olhar para trás e identificar este momento como um divisor de águas em nossa história

Pelo projeto em tramitação na Câmara, seria gerada uma economia de mais de 1 trilhão de reais em dez anos, ceifando privilégios de determinadas categorias, notadamente a elite do serviço público, e proporcionando folga ao caixa da União. Pai da economia moderna, Adam Smith produziu uma frase que define bem o acerto deste governo em reformar nossa Previdência atual: “É injusto que toda uma sociedade contribua para custear uma despesa cujo benefício vai apenas para uma parte dessa sociedade”.

O desequilíbrio nas contas públicas em razão das aposentadorias tem sido um tema recorrente de VEJA. De 1994 para cá, publicamos seis capas sobre o assunto. Apenas nos últimos dois anos, foram cerca de trinta reportagens. Nesta edição, diante da importância e da gravidade do momento, voltamos a revisitar esse “buraco negro” com uma entrevista exclusiva do ministro Paulo Guedes e dados detalhados sobre a economia proporcionada pelo projeto enviado ao Congresso (que ainda pode sofrer alterações, caso deputados e senadores não compreendam seu papel numa votação que pode definir o futuro do Brasil por décadas).

De forma inequívoca, comprova-se que tal alteração será benéfica — e muito mais justa — para o conjunto dos brasileiros. Por esse motivo, e com base no compromisso que temos com o país, VEJA é a favor da reforma. Neste domingo (26), quando apoiadores de Bolsonaro prometem sair às ruas em uma inoportuna manifestação, tomara que apareçam muitos cartazes a favor da nova Previdência — e não ataques contra membros do próprio governo e instituições como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal.

Publicado em VEJA, edição nº 2636

A política das redes sociais - LUIZ CARLOS AZEDO

Correio Braziliense - 24/05

“Os políticos que emergiram das redes sociais, inclusive presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo aprendizado de ter que lidar com a política institucional”


Foi-se a época em que a política era monopólio dos políticos, dos militares e dos diplomatas. Na política moderna, principalmente depois da II Guerra Mundial, passou a ser também o universo de atuação da burocracia e dos cidadãos, em razão da ampliação da presença do Estado na vida da sociedade e do surgimento de partidos de massas de caráter democrático. Eram esses os grandes atores da democracia representativa, que parecia consolidada após o fim da União Soviética e o colapso do chamado socialismo no Leste Europeu, até que a crise fiscal colocou em xeque as políticas social-democratas e social-liberais e os partidos políticos e a imprensa foram ultrapassados pelas redes sociais na formação da opinião pública.

O Brasil não está fora desse contexto, muito pelo contrário. O que vem acontecendo no governo Bolsonaro, a rigor, é anterior à sua eleição e faz parte desse processo, assim como foi a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a vitória do Brexit na Inglaterra, a emergência de lideranças populistas em praticamente todos os países da Europa e a eleição de governos de extrema-direita em alguns países do Ocidente. O que acontece, em perspectiva, é uma corrida para reinventar o Estado e dar conta das mudanças provocadas pela globalização e o multilateralismo, nas quais as democracias do Ocidente enfrentam mais dificuldades do que os países autoritários do Oriente que estão se modernizando mais rapidamente.

Estados Unidos e China protagonizam essa corrida. Nas últimas décadas, houve uma mudança de eixo dos fluxos de comércio mundial, que se deslocaram do Atlântico para o Pacífico, o palco principal da guerra comercial entre essas duas potências econômicas, que lideram a economia do planeta. No passado, essa disputa se deu entre a Inglaterra e a Alemanha, de igual maneira, uma potência marítima e outra continental, provocando duas guerras mundiais. Espera-se que agora ocorra num ambiente de paz. O Brasil foi arrastado para essa disputa de maneira esquizofrênica, porque optou por um alinhamento automático com os Estados Unidos ao mesmo tempo em que não pode abdicar da China como principal parceira comercial. O mais correto seria tirar partido dessa disputa.

A eleição de Trump, com sua guinada nacionalista na política externa, nacionalista na economia e ultraconservadora nos costumes, foi uma resposta dos eleitores norte-americanos mais conservadores, ao desemprego e à grande massa de imigrantes latinos. De certa forma, os indicadores econômicos dos Estados Unidos mostram que a guerra comercial de Trump com a China e a contenção da chegada de imigrantes estão rendendo dividendos econômicos favoráveis, revertendo as altas taxas de desemprego. Não se deve subestimar a influência que isso vem tendo na política do Ocidente. Aqui no Brasil, a eleição de Bolsonaro, sua política econômica ultraliberal e conservadorismo radical nos costumes seguem o exemplo de Trump.

Volatilidade

É aí que entra a política nas redes sociais. Sem elas, Trump não seria sequer candidato do Partido Republicano. De igual maneira, Bolsonaro não teria sido eleito presidente da República. As redes adquiriram tal protagonismo que já não se pode fazer política como antigamente, mesmo fora dos processos eleitorais. Isso vale sobretudo para os políticos, cuja relação com eleitores mudou radicalmente. O tsunami que varreu boa parte do Congresso mudou radicalmente o modo de atuar no parlamento brasileiro. Basta ver as “lives” que os deputados eleitos pelas redes sociais fazem constantemente no próprio plenário da Câmara e do Senado, com as transmissões ao vivo de sua atuação e narrativas “customizadas” sobre as sessões legislativas, com posts e vídeos com a interpretação de cada um sobre o que acontece no Congresso em tempo real.

A relação entre o Executivo e os demais poderes, inclusive o Judiciário, cujo vértice, o Supremo Tribunal Federal (STF), também é midiático, mudou significativamente, em meio a disputas pela afirmação de cada poder. Tudo mediado pelas redes sociais, nas quais partidos, grupos de pressão e cidadãos influenciam o posicionamento de cada parlamentar nas votações. Mesmo os meios de comunicação de massa tradicionais, inclusive a televisão, estão sendo obrigados a serem cada vez mais interativos e presentes nas redes sociais, para manterem seus públicos e influenciarem os novos atores. Os políticos tradicionais que sobreviveram ao tsunami de 2018 estão aprendendo a lidar com a nova situação e repensando sua forma de atuação, levados pelo instinto de sobrevivência e pela nova experiência que estão passando no próprio Congresso.

Entretanto, os políticos que emergiram das redes sociais, como o próprio presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo aprendizado de ter que lidar com a política institucional, com as regras do jogo democrático e a dura realidade da distância existente entre o mundo virtual de redes sociais e a capacidade de dar respostas efetivas e velozes à crise do sistema representativo e do modelo de capitalismo de Estado colapsado pela crise fiscal. No caso do presidente da República, o caráter bonapartista de seu governo não o coloca acima de classes sociais bem definidas e partidos políticos, como no modelo clássico de “regime do sabre”, mas numa espécie de tapete voador ao sabor das ondas telemáticas de uma “sociedade líquida”, com risco permanente de volatilização da própria imagem. E aí que todos os atores em cena — políticos, militares, diplomatas, burocratas, formadores de opinião, influenciadores digitais e cidadãos — estão desafiados a encontrar saídas robustas para os impasses que se apresentam à democracia brasileira.

Emigrar, protestar ou manter-se fiel - BOLÍVAR LAMOUNIER

REVISTA ISTO É

O que um país estagnado pode ter em comum com um grande clube de futebol em franca decadência? O pequeno clássico econômico de Albert Hirschman mostra as similaridades


O Brasil é um caso de laboratório para examinarmos uma questão. Nossa economia cresceu aceleradamente dos anos 1950 até 1980, quando a megalomania do presidente Ernesto Geisel nos legou uma megadívida externa e uma inflação cada vez mais alta. Aquela conjuntura, depois os desatinos da presidente Dilma Rousseff e a corrupção nos precipitaram no buraco onde hoje nos encontramos.

No futebol, temos o espantoso caso do Clube de Regatas Vasco da Gama, outrora uma potência esportiva, quatro vezes campeão brasileiro, uma vez da Libertadores e hoje um permanente candidato ao rebaixamento à Série B do futebol.

O economista Albert Hirschman (1915-2012) estudou como os membros de uma organização (ou seja, os cidadãos de um país, os consumidores de determinado produto, os torcedores de um clube…) podem reagir quando percebem uma persistente deterioração daquilo que os cerca e estão acostumados. Professor em Yale, Harvard, Columbia e Berkeley, em seu livrinho clássico “Saída, voz e lealdade”, de 1970, ele mostra que as pessoas partem (cidadãos mudam de país, consumidores trocam de marca, torcedores optam por outro clube) ou protestam. Em países pequenos, pobres e repressivos, ir embora pode ser uma resposta prática. Em países grandes, nos quais sempre há uma esperança de desenvolvimento, é mais difícil. Ou seja, entre sair ou protestar, existe um fator psicológico de grande importância: o grau de lealdade que os membros sentem pela organização a qual acreditam pertencer.

Brasil, só agora, na esteira da estagnação e dos descalabros recentes, começa a se tornar um país de emigrantes. Torcedores também não trocam de clube como quem troca de camisa. O Vasco, com vinte anos de vexames, continua a ter a quinta maior torcida do País em diferentes rankings. Torcedores vaiam, xingam, picham os muros do clube, mas raramente viram a casaca. E raramente são atendidos, pois os clubes são em geral controlados por um conselhão rigidamente oligárquico.
Na esfera política, de tempos em tempos uma multidão vai às ruas, mas seu intermitente protesto não adianta grande coisa, pois o bunker patrimonialista sediado em Brasília raramente se importa com seus “consumidores”. Os Três Poderes se acumpliciam para que o Estado funcione como um fim em si mesmo.

Sem saber o que fazia, Bolsonaro anunciou com orgulho plano vago de tributar imóveis - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 24/05

Presidente não entendeu o que dizia quando afirmou ter plano infalível para aumentar receita

Jair Bolsonaro não entendeu o que dizia quando afirmou ter um plano infalível para aumentar a receita do governo em mais de R$ 1 trilhão, sem aumentar impostos. Disse o que disse porque também não entendeu o que ouviu dentro de seu governo: há um projeto embrionário de aumentar impostos sim, mas que nem de longe renderia receita na casa do trilhão.

O imposto não deve render nem mesmo o que imaginam certas pessoas do governo, estimativa muito mais modesta que a do trilhão, mas ainda assim ambiciosa demais.

Pelo que vaza de modo confuso de algumas pessoas do governo, existe um plano de cobrar um imposto sobre a correção do valor de imóvel declarado à Receita Federal (na declaração de Imposto de Renda), atualização que é atualmente proibida. Quando se vende o imóvel, paga-se imposto sobre a valorização, sobre o ganho de capital, que em parte é apenas inflação, na verdade.

Havia um projeto do Senado que permitiria a atualização de valores e, assim, evitaria paulada maior no Imposto de Renda. Foi arquivado no ano passado.

O governo, ao que parece, quer permitir a atualização do valor mediante a cobrança de uma espécie de taxa. Segundo Rodrigo Maia, presidente da Câmara, diz ter ouvido no governo, seria uma taxa de até 4%, não se sabe bem sobre qual base, qual valor da correção. A arrecadação seria de ao menos R$ 200 bilhões, não se sabe ao longo de qual período. O dono do imóvel poderia optar por atualizar o valor quando quisesse? Seria obrigado a fazê-lo? Trata-se, enfim, de apenas antecipação de receita tributária?

Para começar a conversa: vai dar tanto dinheiro? No balanço dos grandes números das declarações de IR de 2018 (ano-base 2017), a Receita Federal registra que o “ganho de capital na alienação de bens ou direitos” (que não inclui apenas imóveis) rendeu uns R$ 27 bilhões, em valores de hoje.

A receita total com Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas anda pela casa de R$ 500 bilhões. Arrecadar R$ 200 bilhões, mesmo de uma única vez (não haveria pagamento regular da taxa), é uma enormidade. Note-se: é na rubrica IR que entra a receita de “impostos sobre os ganhos de capital decorrente da alienação de bens móveis e imóveis”.

A arrecadação de IPTU no Brasil inteiro não rende aos municípios mais do que R$ 60 bilhões. Os brasileiros seriam capazes de pagar mais do que o triplo do IPTU com essa taxa nova? O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (o ITBI), também municipal, rende R$ 10 bilhões.

Há gente no governo, portanto, animada demais com as possibilidades desse aumento de imposto que Bolsonaro propôs sem saber do que falava. De resto, dadas a alíquota e a estimativa de receita, a base de incidência da taxa teria de ser uma correção patrimonial de R$ 5 trilhões.

Sabe-se lá o valor do patrimônio imobiliário. O total declarado como “bens e direitos” no IR chega perto de R$ 9,5 trilhões, mas não entram aí apenas bens imóveis, como se sabe. De qualquer modo, não deve ser muito animada a reação dos proprietários, dezenas de milhões: 67% dos domicílios no país são próprios.

Seja verdade ou não o bilhete desse projeto, o mais recente desvario boquirroto de Bolsonaro está causando um carnaval no Congresso. Governistas ficam entre consternados e irritados com o anúncio tristemente ignaro e contraproducente.

Há críticas pesadas ao aumento de imposto ou, previsível, sarcasmo: se há tanto dinheiro por aí, por que reformar a Previdência?

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)

'Bolsonaro é burro e governa como se estivesse em um churrasco" - LUIZ FELIPE PONDÉ

REVISTA EXAME

Bolsonaro é burro e governa como se estivesse em um churrasco, diz Pondé
Filósofo de direita critica o governo de Jair Bolsonaro e acredita que o presidente precisa mudar o tom — se não, um novo impeachment pode acontecer

Por André Jankavski




"A política é a capacidade de conviver com o que você não concorda", afirma Pondé (YouTube/Reprodução)

São Paulo – Ao contrário dos filósofos e intelectuais que o presidente Jair Bolsonaro tanto critica, Luiz Felipe Pondé sempre se colocou à direita no espectro ideológico. Defensor de bandeiras liberais, tanto na economia quanto nos costumes, o filósofo e escritor brasileiro era comumente criticado por seus pares por defender um Estado menor e a economia de mercado.

Para ele, o liberalismo “dentro de todas as políticas econômicas, é a que parece menos ruim”. O filósofo, no entanto, não está nem um pouco satisfeito com o governo de direita de Bolsonaro, que vem se afastando cada vez mais do perfil liberal que prometera durante as eleições. E parte da culpa dessa instabilidade, para o filósofo, é do seu companheiro de profissão, Olavo de Carvalho.

Não por acaso, Pondé acredita que Bolsonaro tem potencial de ser uma liderança nacional populista, aos mesmos moldes do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e do vice-primeiro ministro italiano Mateo Salvini. Quer dizer, existe um obstáculo: para o filósofo, Bolsonaro é burro.

“Ele é burro. Pode escrever isso. Ele é burro, segue um intelectual paranoico e se deixa influenciar pelos filhos que não entendem nada de sociedade e de convívio democrático”, diz Pondé.


O melhor caminho para se tomar, segundo ele, é uma conversa mais madura entre todo o espectro político, deixando a radicalização de lado. “A política é a capacidade de conviver com o que você não concorda. Não é conviver com o que você concorda”, afirma ele, que recebeu a reportagem de EXAME em seu escritório, em São Paulo.

Se Bolsonaro não entender isso, de acordo com Pondé, um impeachment pode se tornar um caminho possível. Confira, a seguir a sua entrevista:

Como o senhor avalia o atual momento da direita? Ela está se dividindo?
Durante as eleições, houve uma convergência de pessoas de várias direitas que não gostariam que o PT voltasse ao poder. E isso aconteceu por todas as razões do mundo. O partido tinha se transformado em uma gangue que estava roubando o Estado de forma sistemática. Além disso, a nova matriz econômica da ex-presidente Dilma Rousseff destruiu a economia. Depois das eleições, o gradiente da direita ficou evidente. Há aqueles reacionários, que tem um conservadorismo moral ligado ao Olavo de Carvalho, os evangélicos, os militares e os liberais.

Qual é a sua opinião sobre o papel de Olavo de Carvalho no governo?
Ele é uma péssima influência para o governo e ao país. É um intelectual, sem dúvida nenhuma, com repertório mesmo que constituído informalmente. Mas ele se transformou em um elemento desestabilizador. O Olavo é completamente paranoico e conspiratório. Sempre criou ciclos assim. Essa direita mais próxima do Bolsonaro, chamada de ideológica, é um grupo desorientado mentalmente e intelectualmente.

Há discussões da falta de coesão de pensamentos entre os liberais e os conservadores e isso está ficando evidente na prática. O senhor enxerga a possibilidade de existir uma sintonia maior entre os dois grupos?

Acredito que não. É mais fácil existir um alinhamento dos militares com a direita do Paulo Guedes. E isso apesar dos militares brasileiros não terem uma tradição liberal, como é o caso dos chilenos. O grupo formado por seguidores do Olavo e do Bolsonaro não tem entendimento da realidade. O presidente governa o país como se estivesse na varanda fazendo churrasco e gritando com os filhos. Por isso, é muito difícil manter a convergência a médio e longo prazo.

O lado conservador do presidente não permite essa convivência no longo prazo?
Não é por isso. Durante dois mandatos, o ex-presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, conseguiu sustentar uma parceria entre o movimento evangélico americano e a escola liberal, que ele representava.

Mas o Bolsonaro não faz isso por que não quer ou por que não consegue?
Porque ele é burro. Pode escrever isso. Ele é burro, segue um intelectual paranoico e se deixa influenciar pelos filhos que não entendem nada de sociedade e de convívio democrático. Não é, a prori, o conservador de costume que inviabiliza uma economia liberal. A prova é, como eu disse, os Estados Unidos dos anos 80. Porém, pode ser que eu esteja errado e que daqui a seis meses eu perceba que havia uma estratégia ou que ele se perdeu, mas depois se encontrou.

Neste momento, no entanto, a impressão que temos é que ele está destruindo o governo. Parece que ele não percebe que há uma relação entre estabilidade política e econômica. Ninguém vai comprar uma televisão em 15 vezes se o país estiver em uma guerra civil. Qualquer criança de 12 anos sabe disso.

Mas como fica a direita nessa história? Depois de tanto tempo adormecida, Bolsonaro está fazendo a direita mais forte por estar no poder ou essas instabilidades trazem uma visão negativa do movimento?

É necessário analisar todo o processo. Em um primeiro momento, a possibilidade de Bolsonaro realizar um governo mais liberal economicamente é baixa. Não tem que ficar perseguindo transexual, isso é coisa de idiota. É necessário desenraizar uma máquina que parte do PT montou, e acredito que não tenha sido todo o partido, para espoliar o Estado.

Durante as eleições, a resposta para essa pergunta seria que era um bom momento para a direita e que seria possível colocar em prática uma economia de mercado mais livre, com reforma tributária e menos lei trabalhista que destrói na economia. A reforma da Previdência é um símbolo disso. E o descaso com que o Bolsonaro trata esse tema mostra que ele não entende nada de país e nem de sociedade. Neste momento, o Bolsonaro está fazendo mal à direita.

Qual é a sua visão sobre o nacional populismo, encarnado por figuras como o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán e o vice-primeiro-ministro italiano Matteo Salvini?

Por acaso, voltei da Hungria recentemente. Lá, eu vi que os húngaros são felizes. A economia está crescendo e, quando isso ocorre, todo mundo fica feliz. Por isso, Orbán conseguiu desmantelar o Supremo Tribunal, a oposição e a própria mídia independente.

Muitos querem chamar o nacional populismo de fascismo, mas é diferente. O primeiro chega ao poder por meio de eleições e não destrói necessariamente o arcabouço da democracia, mas coloniza a democracia destruindo o sistema de pesos e contrapesos.

Alguns intelectuais colocam o presidente Bolsonaro como parte desse movimento. Qual é a sua opinião?

Acredito que ainda é precoce dizer isso. A capacidade de gestão dele faz com que ele tenha mais dificuldade. Se ele entendesse que estabilizar a economia fosse algo importante, talvez ele tivesse uma trajetória parecida com a do Orbán. Mas a minha suspeita de que ele seja burro e inepto é porque ele parece não entender que, mesmo que ele queira por em prática um sistema nacional populista, ele teria que fazer a economia crescer.

Aí sim, ele poderia colocar em prática o que eu considero uma tragédia no sistema político. Ainda que a Hungria esteja crescendo agora, em algum momento vai dar problema. O problema do regime autoritário é que, para continuar sendo autoritário, precisa ser cada vez mais autoritário.

Mas o senhor acredita que o Bolsonaro pode enveredar para esse lado?
É cedo pela minha suspeita de ele não ser inteligente o suficiente para isso. Além disso, ele também está há pouco tempo no poder. Ele tem um discurso próximo. Mas o Brasil tem características diferentes. Por exemplo, não temos problemas com imigração. E, por aqui, não temos um racismo tão agressivo como na Hungria – apesar de existir racismo, sim.

Como o senhor enxerga o futuro das reformas e do próprio governo? O presidente vem recebendo críticas de especialistas e de congressistas de que não se engaja na aprovação de reformas importantes.

Ele não se engaja porque não entende que é importante. Bolsonaro prefere falar que Olavo de Carvalho é ícone. Ícone para quem? Só se for para paranoicos agressivos. Se Fernando Haddad tivesse ganhado a eleição, a minha expectativa agora seria a mesma da atual: estabilização da economia. Então, eu não estou torcendo contra o Bolsonaro. Torcer contra ele agora, ainda é torcer contra o Brasil.

Mas em um momento pode deixar de ser. Espero que Bolsonaro, até o fim do semestre, entenda que ele é uma instituição e não o papai do Carlos ou o fã do Olavo. Ele é o presidente da República e, portanto, deve conduzir as reformas, negociar com o Congresso e fazer o trabalho que um presidente faz. O ex-presidente Michel Temer estava fazendo isso antes dele. Bolsonaro está criando uma saudade do Temer nesse aspecto.

O senhor enxerga outros cenários?
Tendo em vista o atual momento, há outras três possibilidades. Uma delas é os militares, que funcionam como fiadores do governo, saírem. Os militares nunca viram o Bolsonaro como um deles. Ele é muito mais baixo clero do Congresso do que militar. Essa história de ele ser militar é um marketing que ele construiu e que está ficando mais claro que é falso. Então, os militares aderiram ao Bolsonaro para parar o PT. Também vejo a possibilidade do Paulo Guedes ficar de saco cheio e sair do governo.

Dessa maneira, o Brasil entraria em uma espiral de instabilidade econômica gigantesca. Se isso acontecer, podemos assistir a um novo impeachment. Isso seria terrível para o país. A última seria o presidente virar uma espécie de rainha da Inglaterra, que será colocado de canto e que ninguém mais levará a sério. Aí de vez em quando ele vai xingar alguém nas redes sociais, comentar de “golden shower” com o filho dele e assim vai indo.

Estamos vivendo em um país cada vez mais radicalizado, à esquerda e à direita. O senhor acredita que essa divisão continuará por bastante tempo?
No momento, na minha opinião, a esquerda não existe. E ela não existe porque Ciro Gomes, que seria o nome mais interessante, é boicotado pelo PT, que ainda luta para tirar Lula da cadeia. É um surto psicótico. O PSOL, que reúne alguns nomes mais próximos da intelectualidade, como o Guilherme Boulos, que é um sujeito preparado e capaz, marca traço de audiência. O PSOL precisaria de um milagre.

Tendo em vista o início em que ele era muito desacreditado, a eleição de Bolsonaro à presidência pode ser considerada um milagre?
Não. Bolsonaro representa um grupo que se sentiu excluído por muito tempo. O conservadorismo de costumes tem uma importância grande no país. Além disso, a população foi ficando de saco cheio dos excessos da esquerda e das discussões inúteis, como ideologia de gênero.

Quando eu digo inútil é no sentido estatístico, não para quem sofre com o problema. As mídias sociais fizeram Jair Bolsonaro acontecer. E contou com uma incompetência da oposição. O PSDB, por exemplo, é um partido péssimo de 15 caciques e dois índios. É um partido de salto alto.

As mídias sociais são um espelho do atual momento de radicalismo. O senhor acredita que, em algum momento, esse conflito tende a ser amenizado?
As pessoas, na maior parte do seu dia a dia, tendem ao centro. Elas só radicalizam quando estão sofrendo demais. Se tivermos um equilíbrio econômico no país, os radicais perdem espaço. As mídias sociais sempre serão uma ferramenta de instabilidade, de marketing político e sempre terão notícias falsas. As pessoas usam essas notícias falsas quando gostam e quando é conveniente. Elas não ligam para fonte.

Está faltando conversa entre as partes? Ao mesmo tempo, os mais extremistas estão relutando qualquer tipo de contato com o espectro político contrário.
A estabilidade mental política precisa de um diálogo ao centro. A política é a capacidade de conviver com o que você não concorda. Não é conviver com o que você concorda. Isso é prova de que o Bolsonaro não entende nada. E eu acho que a polarização tende a continuar por mais de quatro anos. Acho bem difícil que as eleições de 2020 e 2022 não sigam o mesmo caminho. Muito por culpa do governo Bolsonaro, isso se ele não acertar o passo.

O senhor sempre se colocou como um liberal. Ao mesmo tempo, o movimento é visto como pouco preocupado com questões como a justiça social. Qual é a sua percepção desse movimento atualmente?

O movimento tem que amadurecer, como todos os outros. O socialismo, por exemplo, está aprendendo a amadurecer na porrada porque não deu certo em nenhum lugar. Toda a percepção de mundo tem que amadurecer. Mas quando eu me identifico com o universo liberal é porque, dentro de todas as políticas econômicas, é a que me parece menos ruim. Não sou anarcocapitalista, por exemplo. Porém, para se ter justiça social, é necessário equilíbrio fiscal. E para isso, são necessários princípios liberais de administração do Estado. Não se faz justiça social quebrando o Estado.

Às vezes, a esquerda é cega porque ela quer ser ou porque simplesmente não quer enxergar uma realidade. Assim como a direita liberal pode ser cega ao não levar em conta toda uma gama de elementos de mal estar que o capitalismo causa nas pessoas. Ser competente e eficaz o tempo inteiro causa problemas psicológicos nas pessoas, desvinculação familiar, entre outros.

Porque mudar daqui para ali - J.R. GUZZO

REVISTA EXAME 1186
A traficância em torno de quem manda no Coaf é um exemplo clássico da primeira modalidade de vigarice que o submundo da “engenharia política” aplica em você

Se existe uma coisa fácil de identificar, no meio deste Brasil tão confuso de hoje, é o sujeito que gosta de ladrão. Está se falando, aqui, de gente que manda ou influi em alguma coisa na vida pública — uma “autoridade”, como se diz. A descoberta da turma que dá expediente no Pró-Crime não exige prática nem habilidade. Basta olhar para qualquer dos Três Poderes da República e prestar atenção no seguinte: se a autoridade A, B ou C toma a decisão de mudar daqui para ali a apreciação de qualquer ato de ladroagem, ou o julgamento da conduta de qualquer político, o cidadão já pode ir tirando o cavalo da chuva. A bandidagem de primeira classe conseguiu, mais uma vez, bater lindamente sua carteira — ou, pelo menos, está tentando fazer o possível para isso. Quase sempre leva, quando tenta.

A recente traficância em torno de quem manda no Coaf é um exemplo clássico da primeira modalidade de vigarice que o submundo da “engenharia política” aplica em você. Chega a ser cômico, de tão grosseiro que é, o “modo de usar” manipulado pela politicalha no caso. Que raio pode ser esse Coaf? Uns 99% dos brasileiros não sabem o que é isso, nem querem saber. Mas tenha certeza de que aquele 1% que sabe, porque trabalha no pedaço, sabe extremamente bem o que é esse negócio, para o que serve, como se tira vantagem dele e tudo o mais que se pode imaginar de ruim a respeito. Trata-se de um “Conselho de Controle de Atividades Financeiras” — criado para produzir “inteligência financeira” destinada a combater crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo. Pois bem: 14 membros de uma Comissão Mista do Congresso, por uma diferença de três votos, decidiram mudar o Coaf “daqui para ali”. Em vez de ficar no Ministério da Justiça, de Sergio Moro, passará para o Ministério da Fazenda, de Paulo Guedes.

Mas as atividades do Coaf não se ligam muito mais à esfera da Justiça e da polícia do que da economia? Sim, só que ninguém está pensando nisso — o que estão pensando, isso sim, é onde ficaria mais seguro, para eles, encaixar a repartição que vigia a lavagem de dinheiro. Quer dizer que os funcionários da Fazenda são mais frouxos do que os da Justiça, ou mais dispostos a proteger os criminosos? De jeito nenhum. Não há a menor suspeita de que a equipe de primeira linha montada pelo ministro Guedes possa se meter nesse tipo de coisa. Mas aí é que está: a avacalhação dos políticos brasileiros chegou a tal extremo que qualquer mudança feita por eles levanta automaticamente as piores desconfianças. É como foi dito acima: se mexeram no Coaf, é porque estão atrás de alguma safadeza em seu benefício. O fato de 100% dos deputados e senadores do PT presentes na comissão terem votado a favor da alteração acaba com a conversa: é o selo de garantia definitivo de que a intenção da operação é apoiar a roubalheira.

A segunda modalidade de atuação do Pró-Crime, que muda a esfera onde se julgam os acusados de violar o Código Penal, ficou expressa na também recente decisão do Supremo Tribunal Federal, pelo voto decisivo de seu presidente, Antônio Dias Toffoli, de mudar para as Assembleias Legislativas o poder real de apreciar os crimes cometidos por deputados estaduais. O Supremo resolveu que eles têm, agora, a mesma “imunidade” dos parlamentares federais. É a ação da “banda podre” do STF, reforçada ultimamente pelo ministro Celso de Mello. De Toffoli, julgado oficialmente, e por duas vezes, sem qualificação mínima para ser juiz de direito, é isso mesmo o que se poderia esperar; ele é um desses casos de “o passado me condena, e o presente também”. De Celso Mello, firma-se a convicção de que a melhor contribuição que pode dar ao país é fazer aniversário no dia 1o de novembro do ano que vem — quando chegará aos 75 anos de idade e terá de ir embora do STF.

Tudo isso é mais um chute nas instituições. Elas vêm sendo destruídas há 30 anos, aliás, como resultado direto da obediência à “Constituição Cidadã” — que foi feita, vejam só, para dar instituições ao Brasil.

Arrecadação maior do que a da reforma - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 24/05/2019


Jair Bolsonaro quer arrecadar mais de R$ 1 trilhão com projeto que implica reavaliação do mercado de patrimônio declarado no Imposto de Renda

O presidente Jair Bolsonaro deixou escapar mais uma ideia estapafúrdia. Quer arrecadar mais de R$ 1 trilhão, mais do que o ministro Paulo Guedes pretende arrancar com a reforma da Previdência em dez anos, com um esquema que implique reavaliação a mercado do patrimônio declarado no Imposto de Renda.

O capitão ainda procurou mostrar prudência a respeito do assunto, porque pediu que a Receita Federal estudasse o tema “com muito cuidado”. Mas não escondeu o entusiasmo: “Com certeza, será aprovado por unanimidade nas duas Casas do Congresso”...

Embora queira aumentar arrecadação, explica ele com estranha inocência (ou desconhecimento), não se trata de aumento de imposto, apenas de antecipação. Faltam pormenores sobre a proposta. Não se sabe quem teria assoprado essa esquisitice ao presidente. Uma das confusões consiste em pretender que valorização de patrimônio equivalha a aumento de renda e, portanto, constitua fato gerador de imposto.

Nessa toada, o proprietário acabaria por ter de vender seu pedaço de terra de um dia para outro para antecipar o recolhimento de um imposto futuro que, nesse caso, não iria acontecer porque a propriedade teria sido vendida antes de o futuro chegar. E se o imóvel não for vendido, como descontar a antecipação cobrada desse jeito?

Mesmo considerando a viabilidade da proposta e ainda se tratando de um imóvel, que critério usar para definir o valor atualizado de mercado? Será preciso recorrer a avaliadores profissionais? E as dívidas serão atualizáveis e dedutíveis do patrimônio positivo?

Imagine-se agora que se trate de semoventes, bois, cavalos, cabras. Outra vez, que critério de avaliação adotar? O do boi gordo ou o do boi magro? Quem vai fiscalizar a procedência da avaliação transmitida à declaração?

A proposta é alcançar tanto pessoas físicas como empresas. Agora, imagine-se o que seria uma empresa ter de reavaliar seus ativos (incluindo-se aí os intangíveis, como marcas, pontos de venda, etc.) e, uma vez sendo isso possível, em seguida desovar milhares de reais do seu caixa para alimentar a voracidade do Fisco. O impacto sobre o capital de giro e sobre o emprego só poderia ser desastroso. Consequência previsível seria a fuga da indústria ou a desistência de investir no Brasil pelo capital estrangeiro.

O impacto não seria apenas no setor privado, mas também no setor público. É só pensar o que aconteceria com as finanças da Eletrobrás (e com suas usinas hidrelétricas) e da Petrobrás (com suas refinarias, reservatórios, oleodutos e tudo o mais).

Outra ideia velha de guerra, que nada tem a ver com essa maluquice, é instituir um imposto sobre patrimônio, e não nova aplicação do Imposto de Renda. Ainda na condição de senador, Fernando Henrique Cardoso chegou a encaminhar projeto de lei nesse sentido, que não foi adiante por sua inviabilidade técnica e política. Entre outras razões que tornariam esse imposto inviável, uma seria a inevitável debandada de capitais financeiros para onde não existissem garfadas desse tipo.

Talvez ainda mais esquisita do que a formulação da proposta tenha sido a repentina acolhida dos ouvidos presidenciais a essa coisa confusa.

CONFIRA

Baixa forte do petróleo


O mercado do petróleo enfrentou nesta quinta-feira uma forte onda vendedora. Ao longo do dia, a queda das cotações do tipo Brent ultrapassou os 5,0%, nível mais baixo desde março. O fechamento registrou queda de 4,1%. A principal razão desse tombo não foi a propalada intenção de alguns produtores da Opep de liberar mais produção, mas foi o aumento das tensões nas negociações comerciais entre Estados Unidos e China. Esse fator pesou mais do que a relativa distensão na crise entre os EUA e o Irã.

Qual é o tamanho do exército golpista? - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 24/05

Não é preciso esforço para ver as digitais do presidente na convocatória dos protestos

Há apenas um aspecto positivo nas manifestações marcadas para este domingo. Vai dar para saber o tamanho do exército de Bolsonaro para dar continuidade ao trabalho de assalto às instituições, que começou, a rigor, ainda antes da posse, quando Sergio Moro aceitou o convite para ser ministro da Justiça. A vaidade do doutor vendeu a pauta da moralidade, já eivada por agressões à ordem legal, ao consórcio de extremistas que se alinhou com o presidente.

Setores da imprensa passaram a operar no "modo negação", fazendo um esforço danado para tentar dar uma lavada na pauta: "Ah, agora os manifestantes vão defender a reforma da Previdência e o pacote anticrime de Moro (sempre ele...)". Papo-furado! O que anima as convocações é a pregação para fechar o Congresso e o Supremo.

Imagens dos membros do tribunal e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ilustram os ataques mais estúpidos à ordem legal e às instituições. Acho particularmente encantadora a turma que prega a aplicação do artigo 142 da Constituição —que, salvo engano, está em aplicação. Explico.

Lê-se no caput do referido artigo: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Observem que as tarefas atribuídas às Forças Armadas não são alternativas, mas cumulativas. Não se diz ali que "ou elas defendem a Pátria ou garantem os poderes constitucionais". Se a primeira atribuição é, de fato, vaga, a segunda é bastante específica. E mesmo a atuação na garantia da lei e da ordem depende da "iniciativa" dos Poderes. Isso poderia dar pano para manga, mas deixo o caso para outra hora.

Não é preciso grande esforço para encontrar as digitais do presidente da República na convocatória. A decisão de não comparecer aos protestos, embora compreenda os seus motivos!, só reforça a autoria daquele que já confessou não ter nascido para ser presidente da República.

Quando fez tal afirmação, não exercia nem mesmo a humildade decorosa. O que pretendia era reforçar a fábula de que cumpre uma missão, atribuída, segundo vídeo que ele mesmo divulgou, pelo próprio Deus. É, por si, espantoso? É. Mas não venham me dizer que é inesperado.

Bolsonaro tem mais três anos e sete meses de mandato. Seus fanáticos, dentro e fora do Parlamento, vivem imersos num universo escatológico, finalista, de quem caminhasse para uma luta definitiva entre o Bem, que eles encarnariam, e o Mal, que reúne todos aqueles que não se ajoelham diante da Verdade Revelada.

Sei bem o que nos empurrou para esse milenarismo mixuruca. Emiti alertas contra essa estupidez logo depois dos primeiros arreganhos autoritários da Lava Jato, ainda em 2014. No fim daquele ano, já estava claro que um novo ente de razão lutava para nascer sob o signo do combate à corrupção.

A crença finalista na moralidade da vida pública tinha como espada a agressão permanente ao Estado de Direito. Não por acaso, os valentes do força-tarefa, com Deltan Dallagnol à frente e Moro na retaguarda, identificaram o habeas corpus como o seu principal adversário —o que a ditadura só ousou fazer com o AI-5.

A quase extinção de um dos pilares de um regime democrático compunha o estandarte das "Dez Medidas Contra a Corrupção", com a qual concordou o então relator da estupidez: Onyx Lorenzoni... E estamos como estamos.

Sempre que alguém se aproxima de mim com a conversa mole de que, "se o Brasil fosse uma empresa, já teria fechado as portas", olho para o vazio em busca de um outro assunto que mude o rumo da prosa sem que passe por deseducado. Esse é um daqueles pensamentos impossíveis porque o que há nele de afirmativo nega o próprio postulado.

O Brasil não é uma empresa. E países não fecham. O que pode lhes acontecer, a depender das escolhas feitas pela maioria ou por quem pode se impor à maioria, é piorar sempre. Qual é o limite? Não há limite.

Interesso-me pouco por aquilo que produzirão neste domingo os templários do golpismo. Suas intenções, assim como as de Bolsonaro, inspirador da patuscada, são claras. A resposta dos outros dois Poderes é que vai nos dizer os riscos que corremos.
Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “O País dos Petralhas

O mito do Mito - NELSON MOTTA

O GLOBO - 24/05
Bolsonaro pode ser tudo, menos mito

Foi uma ignorância que deu certo, ao menos nas eleições


‘Coisa ou pessoa que não existe, mas que se supõe real. Coisa só possível por hipótese. Ficção” é a definição de “mito” do Aurélio.

“Um fato considerado inexplicável ou inconcebível, enigma. Uma crença geralmente desprovida de valor moral ou social, desenvolvida por membros de um grupo, que funciona como suporte para suas ideias ou posições. Ex. o mito da supremacia da raça branca.”, segundo o Michaelis.

E também “Afirmações fantasiosas, inverídicas, disseminadas com fins de dominação, difamatórias, propagandísticas, como guerra psicológica ou ideológica. Ex. O mito do comunista que come criancinhas.”

“Valor social ou moral questionável, porém decisivo para o comportamento dos grupos humanos em determinada época. Ex. O mito do negro de alma branca”, diz o Houaiss.

Ou eles não sabiam o que diziam quando inventaram um mito messiânico vitorioso ou Bolsonaro está se revelando a mais completa tradução do que dizem os dicionários. Pior para nós.

Nenhum mito resiste ao confronto com a realidade. Mitos não reclamam que o país é ingovernável por causa das corporações e dos partidos que só querem mamar. Mitos não fazem mimimi. Nem perdem 15 pontos de aprovação em três meses. Nem são derrotados em votações por seu próprio partido.

Sem ofensa, Bolsonaro pode ser tudo, até um bom presidente, tudo menos um mito. É imperativo linguístico e semântico, de significado. Foi uma ignorância que deu certo, ao menos nas eleições. Cansados de salvadores da pátria populistas e corruptos, os eleitores preferiram algo que não existia, um mito.

Mas o destino dos mitos é serem corroídos e desmitificados pelo tempo e a realidade. Grandes líderes não são mitos, são história e exemplo.

Para piorar, nosso Mito diz que dorme muito mal, quatro horas por noite, acorda várias vezes, tem um revólver na mesa de cabeceira. Como qualquer ser humano de 60 anos, deve se levantar exausto, de péssimo humor e sem cabeça e energia para enfrentar um país desabando.

O mito tem que dormir para o presidente acordar.

Presidencialismo esvaziado - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - Opinião - 24/05/2019


Numa situação estranha, o Congresso já atua há algum tempo como se vigorasse no Brasil algo assemelhado a um “parlamentarismo branco”.


Quando um presidente da República fala, costuma-se prestar atenção. Afinal, é de sua autoridade política e institucional que emanam decisões de impacto em todo o país, nos diferentes setores da sociedade. No caso do presidente Jair Bolsonaro, contudo, suas falas desencontradas e seus discursos desconexos têm tornado incompreensíveis suas intenções e seus planos, mesmo para aqueles que estão em seu entorno e cujo trabalho é auxiliálo. Bolsonaro começa a se tornar um presidente cuja palavra não é levada em conta, já que não é possível ter certeza se ele mesmo sabe do que está falando. O resultado disso, aliado ao fato de que Bolsonaro negligenciou a formação de uma base parlamentar sólida, é que o Congresso já está atuando há algum tempo como se vigorasse no Brasil algo assemelhado a um sistema parlamentarista, isto é, como se o presidente não existisse ou fosse figura meramente decorativa, cabendo aos congressistas elaborar e aprovar a agenda nacional.

Nessa espécie de “parlamentarismo branco”, as lideranças da Câmara, por exemplo, articulam-se para conceber uma proposta de reforma da Previdência própria, diferente da que foi encaminhada pelo governo. Além disso, começou a tramitar uma proposta de reforma tributária igualmente patrocinada pelos deputados, sem participação do governo. No Senado, uma reunião de líderes de bancadas na quarta-feira passada concluiu que o governo está sem rumo e que é necessário construir uma agenda própria, especialmente em relação a temas econômicos.

É evidente que uma situação como essa é estranha, pois o sistema brasileiro é presidencialista e o País não pode depender exclusivamente dos humores de alguns líderes do Congresso que, por ora, são a favor das reformas.

Bolsonaro fez muito bem em romper com a lógica do chamado “presidencialismo de coalizão”, em que o governo era loteado entre os partidos aliados, mas o presidente parece entender que é uma espécie de monarca, cujas determinações, embaladas pela suposta vontade do “povo”, devem se impor por si mesmas, sem necessidade de qualquer diálogo com o Congresso – ignorando que este, afinal, foi tão legitimado nas urnas quanto ele.

O problema, como já dito, é entender o que quer o presidente. Raros são os projetos e decretos do governo que não precisam ser refeitos, em razão dos muitos erros, omissões ou ilegalidades, tudo fruto de amadorismo e açodamento. Além disso, Bolsonaro troca de assessores como muda de camisa – em apenas cinco meses de governo, ele já demitiu um ministro da Secretaria-Geral da Presidência, um ministro da Educação, dois presidentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e dois presidentes da Embratur (o último com apenas três dias no cargo), entre outros tantos exonerados. A desorientação e o voluntarismo destrambelhado têm sido a marca da gestão de Bolsonaro.

Na quarta-feira, em encontro com a bancada de parlamentares do Nordeste, o presidente anunciou que o governo vai enviar em breve ao Congresso um misterioso projeto que, segundo ele, vai resultar em ganhos maiores que o R$ 1 trilhão previsto pelo Ministério da Economia com a reforma da Previdência. “Não quero adiantar aqui”, disse Bolsonaro a respeito dos detalhes do tal plano milagroso, mas garantiu: “Ninguém vai reclamar desse projeto. Com toda a certeza, será aprovado por unanimidade nas duas Casas, se Deus quiser”.

Questionada a propósito de tão alvissareira informação, a Secretaria de Comunicação do governo informou que estão em estudo “novos projetos para o País”, mas tudo ainda em caráter “embrionário”. Já o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, disse que discutiu com o presidente sobre “um projeto que chegou aí” e cuja autoria ele desconhece.

Ou seja, Bolsonaro novamente fez promessas grandiosas sem ter a mais remota ideia de como cumpri-las. De quebra, deu a entender que a reforma da Previdência não seria tão urgente ou mesmo necessária, já que haveria outras maneiras de obter a mesma economia. É esse alheamento gritante da realidade que faz com que o presidente seja levado cada vez menos em consideração nas articulações do Congresso. Isso pode não ser parlamentarismo ainda – mas presidencialismo é que não é.

Simples errada - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 24/05

São muitos os entraves para que se concretize ideia de taxa para permitir a atualização do valor dos imóveis no IR


O incipiente estudo da Receita Federal, revelado de maneira indireta pelo próprio presidente Bolsonaro, feliz pela possibilidade vislumbrada de arrecadar mais de 1 trilhão de reais, causou rebuliço na equipe econômica e no Congresso.

Pelo mesmo motivo: temer que arrefeça o ânimo dos deputados e senadores para votar a reforma da Previdência, diante da perspectiva de uma entrada de dinheiro maciça nos cofres do governo. Provavelmente isso não vai acontecer

São muitos os entraves para que a idéia mirabolante de criar uma taxa para permitir a atualização do valor dos imóveis na declaração do Imposto de Renda se concretize. Mas a proposta, que aparentemente é uma oportunidade para o governo conseguir uma arrecadação extra de impostos, não resolve os problemas estruturais da economia brasileira, como bem lembrou o presidente da Câmara Rodrigo Maia, ecoando com mais liberdade o sentimento da equipe econômica.

A começar pelo ministro Paulo Guedes, que não foi informado dessa proposta, nem sabe quem a levou diretamente a Bolsonaro. Que, por sua vez, não consultou o seu Posto Ipiranga. Pela satisfação com que o presidente revelou parte de seu segredo aos parlamentares da bancada nordestina, estava convencido de que havia descoberto o pulo do gato.

Os proprietários pagariam menos imposto sobre a valorização de seus imóveis na hora da venda, e o governo ganharia uma arrecadação extra. Um jogo de ganha-ganha que ninguém acredita que exista. “Uma receita extraordinária não vai resolver o problema do déficit estrutural da Previdência, que é crescente” definiu Rodrigo Maia.

Que voltou a defender a necessidade da reforma. “A gente precisa entender que arrecadação que acontece apenas uma vez, não é alternativa à reforma da Previdência.”

O vice-presidente da comissão especial da reforma da Previdência, deputado Silvio Costa Filho, quer convidar o secretário da Receita, Marcos Cintra, para explicar, na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, “a possível criação de um novo tributo”. E já adiantou sua posição, contra o que chamou de aumento de imposto, “o pior remédio para combater a crise econômica e o déficit público”.

Ele cobrou do presidente que deixe de gastar suas energias políticas em “fórmulas mágicas” e se concentre na aprovação das reformas da Previdência e tributária, além do novo pacto federativo.

Hoje o custo do imóvel já é atualizado na venda por uma tabela que reduz o lucro a ser tributado. Além disso, o Imposto de Renda estabeleceu uma tabela com aumentos escalonados, começando pela taxação de 15% do lucro pelas vendas de imóveis de até R$ 5 milhões.

A taxação vai subindo à medida que o preço aumenta. Os lucros que excedam os R$ 5 milhões, até R$ 10 milhões, pagam 17,5%. O lucro entre R$ 10 e 30 milhões é taxado em 20%, e acima de R$ 30 milhões a taxação chega a 22,5%. Várias dúvidas são levantadas pelos proprietários:

Além de não prever restituição do valor caso o imóvel se desvalorize, boa parte da valorização desses ativos no Brasil é mero ajuste inflacionário. Se a taxa não for atraente, é melhor levar o tributo para hora da venda, senão o proprietário do imóvel estará antecipando o imposto que só irá pagar no futuro. Será preciso fazer uma conta para ver o que vale mais a pena.

Uma situação curiosa seria a do próprio governo federal, que tem milhares de imóveis avaliados pelo ministro Paulo Guedes em R$ 1 trilhão. A venda será feita aos poucos, para não desvalorizar o preço de mercado devido à enxurrada de ofertas. O governo vai ter que fazer suas contas também, pois terá que atualizar o valor venal deles antes de vender.

Na maioria dos casos, quem vende um imóvel recebe o dinheiro para pagar o imposto de lucro imobiliário. Se atualizarem o valor sem vender o imóvel, muitos proprietários não vão ter de onde tirar o dinheiro para pagar o imposto.

O mais provável é que a reavaliação seja feita apenas na hora de vender, o que torna a arrecadação extra mais imprevisível ainda. Se o governo estabelecer um prazo para essa atualização, pode ser que a arrecadação imediata aumente. Mas será quase que um imposto compulsório.

Como disseH L Mencken, jornalista e crítico americano do século passado, famoso por suas frases ácidas, “para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”.

Liberalismo gourmet - GUILHERME FIUZA

FORBES - 23/05

Conversa contemporânea:

_ Você é o que?
_ Liberal.
_ E você?
_ Democrata.
_ Ufa! Nenhum fascista na conversa.
_ Ninguém merece.
_ Qual é a sua bandeira?
_ Sou pragmático: reforma da Previdência. Senão, o país quebra.
_ Tá certíssimo. O problema é esse governo.
_ Pois é. Nem sei como o Paulo Guedes foi parar lá.
_ É, o cara é bom. E levou uma equipe de primeira linha.
_ Aliás, apresentaram um projeto tecnicamente excelente.
_ Verdade. O problema é o governo.
_ É, o problema é o governo.
_ Nem dá pra entender como o Moro foi parar lá. Um cara com a história dele…
_ E já entrou a mil por hora, combatendo o crime em várias frentes. Será que ele pensa que tá na Lava Jato?
_ Sei lá. Estão dizendo aí que as invasões de terra caíram quase a zero neste ano. Será que finalmente deram uma trava na fanfarra do MST?
_ Tomara. E os parasitas do sindicalismo também estão tendo vida dura.
_ Agora você foi no ponto: o parasitismo do empreendimento. Muito boa essa MP da Liberdade Econômica. Finalmente, atacamos o custo Brasil de frente.
_ Exato. E o projeto de reforma tributária também tá vindo aí.
_ Tributária, não. Administrativa.
_ As duas.
_ Ah, tá. Pô, os caras tão correndo mesmo, hein?
_ É, abriram o setor aéreo e já fizeram concessões privadas nos portos e nas estradas. Vai entrar grana aí.
_ Com certeza. O problema é o governo.
_ É, o problema é o governo.
_ Mudando de assunto: o que você acha que vai acontecer com a Venezuela?
_ Pergunta difícil. Bom, pelo menos o Brasil parou de apoiar aquela ditadura enrustida.
_ Isso é. Só com o que a gente perdeu de grana enfiada nesses regimes autoritários da América do Sul e da África dava pra botar hospital no Brasil inteiro.
_ Esse derrame acabou.
_ Fora o absurdo que era você se dizer um país democrático e ficar financiando ditadores fantasiados de progressistas.
_ Vexame mesmo. Felizmente aqui a liberdade tá mais que garantida, todo mundo fala o que der na telha, numa boa.
_ Exatamente. O problema é o fascismo.
_ Qual fascismo?
_ Desse governo aí.
_ Ah, é. Que horror.
_ Que nojo.
_ Autoritário.
_ Inoperante.
_ Obscuro.
_ Nem sei como Paulo Guedes, Sergio Moro e toda aquela equipe qualificada estão tocando uma agenda tão intensa em tão pouco tempo.
_ E com tanta liberdade.
_ Esse governo fascista não consegue nem implantar um fascismo decente.
_ Aí você disse tudo.
_ Obrigado.
_ De nada.
_ Muito bom conversar com um democrata.
_ Muito bom conversar com um liberal.
_ Somos inteligentes.
_ Concordo. E civilizados.
_ E belos.
_ E formidáveis.
_ Coisa fofa.
_ Utchigutchigutchi.