segunda-feira, julho 28, 2014

Frouxinhos contemporâneos - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 20/07


Vejo esses homens com cartazes assim: 'Pelo direito de gritar quando aparecer uma barata'


O medo é uma emoção básica na vida. Pequenas e grandes frustrações nos assolam por todos os lados.

Mas, já disse isso antes, acho que nunca houve uma época tão medrosa como a nossa, com um dom tão grande para negar esse medo e negar a complexidade e frustração a que estamos todos submetidos. Associada a essa tendência, produzimos uma gama de "direitos" que mais parecem uma metafísica podre dos costumes para retardados.

Para cada frustração, alguém inventará uma derivação duvidosa da declaração dos direitos do homem. Aliás, vale lembrar que a famosa declaração dos direitos do homem foi cozida em muito sangue que correu pelas mãos dos jacobinos na Revolução Francesa. Imagino que se a revolução francesa fosse hoje, fotos nas redes sociais pedindo paz nas ruas de Paris encheriam os iPhones dos bonzinhos.

Outro dia, conversava eu com um amigo esquisito, historiador, portanto, esse tipo de pessoa que pensa "a longo prazo". Ele descreveu o que eu consideraria uma imagem de pura escatologia apocalíptica: um dia alguém vai declarar que ir ao banheiro é uma forma de repressão, e, portanto, vão inventar um movimento contra a opressão de ter que usar banheiros. "Que a rua seja o meu banheiro!"

A tipologia contemporânea de comportamentos tem crescido assustadoramente. O inteligentinho todo mundo conhece: é o tipo de pessoa que acha que problemas como o do Oriente Médio se resolveriam com um ciclo de cinema e debate sobre filmes que narram a vida de mulheres fazendo bolos ou crianças jogando futebol.

Na verdade, como sempre, a intenção "escondida" é projetar os bons sentimentos do inteligentinho para com o mundo e dizer que ele tem soluções criativas para uma humanidade que nunca foi tão inteligente como ele.

Outro tipo contemporâneo é o bonzinho. Este, com o coração ainda mais cheio de amor, costuma postar fotos dizendo "não" às guerras, de seu iPhone ou de seu MacBook Pro. Mas mais típico ainda é postar fotos de Aspen com camisetas do Che. Este tipo é normalmente teen, mesmo que já tenha passado dos quarenta. Seus pais dizem coisas como "comam menos carne vermelha para ficar menos agressivos".

Mas um novo tipo que logo estará presente nas colunas sociais em eventos culturais são os frouxinhos. Estes homens (gênero, não espécie) descobriram que é difícil ser homem, ainda mais numa época em que está na moda confessar traumas o tempo todo para garantir (supostamente) a simpatia de todos.

E, pior: vivemos numa época de mulheres que crescem profissionalmente, amadurecem publicamente e financeiramente e que, portanto, ainda metem mais medo do que sempre meteram nos homens.

Os homens não confessam, mas morrem de medo das mulheres, principalmente quando as desejam.

Façamos um breve exercício de antropologia contemporânea urbana para ver se conseguimos captar os próximos atos deste novo tipo.

Antes de tudo, um reparo técnico. Vale salientar que a descrição antropológica em questão não é financiada pelo Tea Party (como costumam dizer os bobos das redes sociais quando querem tirar o crédito de alguém que os considera ridículos), tampouco vem sustentada por uma metafísica machista fanática do tipo "homem não chora", ou "lugar de mulher é na cozinha". Risadas?

Vejo-os em passeatas, chorando, com cartazes escritos assim: "Pelo direito de brochar", "pelo direito de arrumar uma mulher que me sustente", "pelo direito de gritar quando aparecer uma barata na sala", "pelo direito de se negar a trocar o pneu", "pelo direito de ter tempo igual ao da mulher na frente do espelho", "pelo direito de ter TPM" (claro, a medicina é machista por isso nunca descreveu a TPM masculina), "pelo direito de colocar a mulher na frente do ladrão", "pelo direito de sair antes da mulher e das crianças numa situação de risco".

Meu Deus, coitadas das meninas, condenadas a ficar se virando em camas vazias com homens que não seguram o tranco da insustentável condição de insegurança, incerteza, contingência, dureza, mentira, frustração, e, finalmente, derrota, que nos assola todos a vida inteira.

Mexer em eletricidade pode dar choque - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 28/07


Foi amplamente divulgado que 35 empresas do setor elétrico eram devedoras à União de R$ 3 bilhões e chamava a atenção a circunstância de a revelação ter o abono do advogado geral da União que, obviamente, é possuidor da informações que o comum dos mortais não possui. Com todas as letras foi dito que a atualização de tarifa dar-se-ia em dezembro, ou seja, após as eleições, reconhecido que praticamente todos são consumidores de energia elétrica, desde o grande industrial até o operário mais modesto; a técnica foi denominada de “preços administrados”. Ora, entra pelos olhos de um cego que o expediente apenas adia determinada medida de natureza inevitável, de modo que o adiantamento agrava o problema, pois, na hora de trazê-lo à realidade, sua dimensão cresceu. É elementar que o poder pode muito, mas não pode tudo. O problema não será de R$ 3 bilhões, mas superior a R$ 7 bilhões, como foi divulgado. Não tenho elementos para pronunciar-me nem teria porque fazê-lo.
Não é segredo que o adiantamento da revisão de tarifa em causa foi a maneira encontrada pelo governo, não porque fosse justa ou plausível, mas para não embaraçar a reeleição da presidente da República. E aí está uma das razões pelas quais é inconveniente a reeleição dos cargos executivos, aliás, vedada desde a proclamação da República.
Merece ser lembrada a apregoada competência profissional da senhora presidente em matéria de energia elétrica e agora, por ironia das coisas, lhe cai no colo o problema de dimensões nacionais que mais se agiganta quanto mais tempo decorre em resolvê-lo.
Se é exata a versão proclamada de ser a senhora presidente a suma doutora quanto aos segredos da energia elétrica, como e por que ter deixado de solucionar o problema, que não ocorre de inopino, para que ele viesse a infernizá-la exatamente quando é nada mais nada menos que a chefe de Estado e do Governo, detentora da última palavra a respeito.
Se a situação das empresas devedoras não é lisonjeira, melhor não é a do governo que deixou o caso chegar ao ponto a que chegou.
Ao final, quem vai pagar esta conta serão os consumidores. Diz a sabedoria popular que mexer em eletricidade sem entender, pode dar choque…

Ignomínia - DENIS LERRER ROSENFIELD

O GLOBO - 28/07


Todos os recursos do Hamas são canalizados para o treinamento militar


Certa cobertura jornalística e posicionamentos de determinados governantes, aí incluindo a diplomacia brasileira, deveriam fazer parte de uma história da ignomínia. Versões tomam o lugar de fatos, a ideologia vilipendia a verdade e terroristas são considerados como vítimas inocentes.

Os episódios protagonizados pela ONU, em Gaza, deveriam escandalizar qualquer pessoa sensata. Em duas escolas da ONU foram encontrados foguetes, lá depositados pelos grupos jihadhistas. Supõe-se que lá não chegaram caminhando sozinhos, mas contaram com uma explícita colaboração de funcionários da própria organização internacional. Trata-se de uma clara violação da lei internacional.

A ONU, curiosamente, não quis fornecer as fotos desses foguetes, pois elas teriam forte impacto midiático, mostrando o pouco caso do Hamas com as crianças e mulheres que diz, para a imprensa internacional, defender. Ou seja, a organização fez o jogo do terror, pretendendo, porém, apresentar-se como neutra. Ademais, posteriormente, entregou os mesmos foguetes para as “autoridades governamentais”, isto é, o próprio Hamas!

Nada muito diferente do que aconteceu na guerra passada. Durante semanas fomos bombardeados, com manchetes, de que uma sede da ONU teria sido bombardeada pelas Forças Armadas de Israel. Era uma mentira deslavada. A própria organização internacional demorou, no entanto, 30 dias para fazer o desmentido. Como assim? O desmentido apareceu um mês depois nas páginas internas de jornais, como uma pequena notícia irrelevante. O estrago midiático foi feito com a colaboração da própria ONU.

E quando digo que o Hamas não se preocupa com a vida de crianças, idosos e mulheres quando fala para a imprensa internacional, refiro-me apenas a um fato. Em seu estatuto, essa organização terrorista prega abertamente a “educação” das crianças para a “guerra santa”, inculcando em suas mentes que devem estar preparadas para o martírio.

Várias lideranças do Hamas também têm dito claramente que elas utilizam mulheres e crianças como “escudos humanos”, embora a sua apresentação seja, evidentemente, a do combate pelo Islã, onde vidas devem ser sacrificadas. Por que divulgação não é dada a este fato?

As Forças Armadas israelenses são cuidadosas do ponto de vista de preservação de vidas humanas. Telefonam e enviam mensagens às populações das áreas que serão bombardeadas. Ocorre que o Hamas impede que essas pessoas possam escapar, com o intuito de produzir o maior número de vítimas civis, que logo serão filmadas e fotografadas. São essas imagens que serão utilizadas para a formação da opinião pública mundial. É macabro!

O Terror se caracteriza por não ter nenhuma preocupação com a vida dos civis. Assim é com os mais de dois mil foguetes lançados contra o Estado de Israel. Assim é com os comandos que foram enviados para assassinar a população civil dos kibutzim próximos à fronteira. Assim é com os palestinos que se tornam reféns e vítimas dessa estratégia terrorista.

O Hamas se mistura com a população civil. Utiliza escolas, mesquitas, instalações da ONU e hospitais como esconderijos de armamentos e bases de seus ataques. Seus dirigentes máximos estão alojados em um bunker em um hospital na cidade de Gaza. Vivem também em seus túneis, que são inacessíveis para a população civil que, lá, poderia se proteger.

O Estatuto do Hamas é um claro libelo antissemita, que busca pura e simplesmente a destruição do Estado judeu: “Israel existirá e continuará existindo até que o Islã o faça desaparecer, como fez desaparecer a todos aqueles que existiram anteriormente a ele.”

O seu alvo são os judeus e os cristãos. Aliás, esses últimos já são as vítimas do terror por organizações jihadistas na Síria e no Iraque. Assim está escrito: “Fazei o bem e proibis o mal, e credes em Alá. Se somente os povos do Livro (isto é, judeus [e cristãos]) tivessem crido, teria sido melhor para eles. Alguns deles creem, mas a maioria deles é iníqua.”

Para eles, os judeus fazem parte de uma grande conspiração internacional, à qual terminam associando também os cristãos. Utilizam, para tal fim, um livro antissemita do século XIX, forjado pela polícia czarista, para justificar o massacre de judeus. Eis o Estatuto: “O plano deles está exposto nos Protocolos dos Sábios de Sião, e o comportamento deles no presente é a melhor prova daquilo que lá está dito.” Mais clareza impossível, porém alguns teimam em não ler. É a miopia ideológica.

Enganam-se redondamente os que dizem que o Hamas procura a negociação. Para eles: “Não há solução para o problema palestino a não ser pela jihad (guerra santa)”, isto é, o extermínio dos judeus.

Israel aceitou todas as propostas de cessar-fogo, relutando, mesmo, em empreender a invasão terrestre. O que fez o Hamas: não cessou o lançamento de foguetes e rompeu todas as tréguas. Aliás, foi coerente com os seus estatutos: “Iniciativas de paz, propostas e conferências internacionais são perda de tempo e uma farsa.”

Neste contexto, falar de “desproporcionalidade” na resposta militar israelense revela desconhecimento ou má-fé. O país não poderia continuar vivendo sob o fogo de foguetes, como se aos judeus estivesse destinado viver debaixo da terra, em abrigos subterrâneos. Aliás, essa é uma boa distinção entre Israel e o Hamas. Os abrigos são para os civis, enquanto em Gaza são para os terroristas.

Observe-se que todos os recursos do Hamas são canalizados para o treinamento militar, a construção de túneis (agora de ataque) e a compra de armamentos e foguetes. O resultado está aí: a miséria de sua população.

As manifestações pró-Hamas que tiveram lugar em Paris tiveram a “virtude” de mostrar sua natureza antissemita, onde se misturam declarações contra o capitalismo, morte aos judeus e ataque a sinagogas. Tiveram, por assim dizer, o “mérito” da coerência. Esse setor da esquerda se associa ao terror, expondo toda a sua podridão. Será que certos setores da esquerda brasileira estariam trilhando também esse caminho da ignomínia?

No meio do caminho do meio - LUÍS EDUARDO ASSIS

O ESTADÃO - 28/07


Ainda que seja bafejada por uma aragem de sensatez, a ideia de que a virtude está no meio é uma falácia que contraria um postulado da geometria euclidiana. Melhor explicar. Se aceitarmos que uma reta tem infinitos pontos, segue, por definição, que qualquer um deles estará equidistante de dois outros, o que significa que qualquer ideia, por mais tresloucada que seja, sempre pode estar a meio caminho de duas outras, sendo ou não virtuosa. Por exemplo, um facínora psicopata que planeja exterminar toda a humanidade e é confrontado com a ideia de que ele não deve matar ninguém pode decidir trucidar apenas mulheres e crianças, uma alternativa intermediária - nem todo mundo nem ninguém.

A digressão surge a propósito do que podemos esperar para a política econômica no primeiro ano do próximo governo. A disjuntiva diante da qual está colocada a sociedade brasileira não se dá entre continuísmo ou reformas. Não será continuísmo nem mais do mesmo. Ainda que ganhando um segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff terá de introduzir algumas mudanças na sua atual política econômica. Os mais recentes indicadores mostram que o crescimento míngua. O mercado de trabalho, bastião da esperança petista, dá seus derradeiros suspiros. Nos últimos 12 meses, a indústria fechou 11,4 mil postos de trabalho, o pior resultado desde novembro de 2009. É possível empurrar com a barriga por mais quatro meses - mas não é possível procrastinar por mais quatro anos.

O ajuste terá de contemplar pelo menos quatro pontos, a começar pela recuperação das tarifas públicas, em especial o preço dos combustíveis, sem o que a Petrobrás não conseguirá fazer os investimentos com os quais se comprometeu. Em termos reais, o preço da gasolina hoje é 17% mais baixo que o preço médio durante o governo Lula. Também terá de desobstruir a agenda dos investimentos em infraestrutura, acelerando as concessões de serviços públicos, condição básica para sairmos do atoleiro. O câmbio também terá de andar, não só porque em algum momento os especuladores recusarão o "Mickey mouse money" representado pelos swaps cambiais do Banco Central, mas também porque a indústria precisa de um analgésico enquanto se busca uma solução para seus graves problemas estruturais. Por fim, será imperativo recuperar um mínimo de credibilidade para a política fiscal, o que pode ser ajudado pela inevitável troca de comando no Ministério da Fazenda, mesmo que um ajuste significativo esteja fora de cogitação.

Pode-se argumentar que a presidente Dilma não mudará sua política econômica, já que no seu segundo mandato não terá nada a perder. Será ela mesma, em versão concentrada. Não é bem assim. A presidente, em que pese sua escassa empatia popular, domina o cálculo político. Não queimará seu único passaporte para a vida civil, que é a sua relação com Lula. Não só porque a retomada de algum crescimento será fundamental para facilitar nova eleição do ex-presidente em 2018, mas também porque a continuada estagnação econômica provocaria uma crise institucional de grandes proporções. É preciso mudar para que tudo fique como está, como já se disse.

Se as mudanças com Dilma não significam reformas, também há pouco que esperar dos candidatos de oposição. Reformas pressupõem a construção de propostas minimamente consensuais, e o início da campanha eleitoral já demonstra que a falta de convicção dos candidatos se ajusta perfeitamente à inconveniência de discutir temas espinhosos durante o debate eleitoral. Há decisões duras a serem tomadas para promover a reordenação das finanças públicas. Mas parte importante da opinião pública se compraz com a tese de que tudo não passa de um problema de gestão, já que pagamos altos impostos, e que, eliminados os desvios e desperdícios, tudo voltará a bom termo.

A oposição não tem por que resistir à tentação de concordar com esse diagnóstico equivocado, já que ninguém se elege prometendo sacrifícios. Melhor tergiversar e não discutir, por exemplo, a imperiosa necessidade de acabar com a superindexação do salário mínimo. No entanto, estamos encalacrados numa armadilha fiscal que exige gastos cada vez maiores para cobrir, entre outras despesas, custos crescentes associados à cobertura de saúde universal e ao ônus de um sistema previdenciário que, em muitos aspectos, obedece a regras frouxas e, em muitos casos, benevolentes. Com o aumento contínuo da expectativa de vida da população brasileira, essas duas condições vão se manifestar de forma cada vez mais intensa. Entre 2000 e 2015 os gastos da previdência subirão 547%, segundo previsões do governo, ante um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 156%. A inflação dos serviços médicos e hospitalares, por sua vez, tem sido cerca de três vezes mais alta do que o IPCA, graças ao envelhecimento populacional e à incorporação de novas tecnologias cada vez mais caras.

Deflagrar um novo ciclo de crescimento está na dependência de um novo pacto fiscal, que é tema indigesto e tem tudo para não ser debatido na campanha eleitoral. Se for, merecerá respostas evasivas, dissimuladas. Melhor nos iludirmos com a tese tão inofensiva quanto inepta de que podemos crescer de forma acelerada após uns poucos ajustes superficiais.

Sem continuísmo e sem reformas, seguiremos o caminho intermediário. Ganharemos tempo para adiar a tomada de decisões mais difíceis. Acreditaremos que a virtude está no meio. Enquanto isso, no horário político, os candidatos venderão a ideia de que tudo é fácil, simples e indolor. Dirão que o futuro nos sorri. Pode ser até verdade, mas, sem mudanças estruturais, neste sorriso sempre faltará o dente da frente. O caminho do meio nos deixará no meio do caminho.


Deboche - ELENA LANDAU

FOLHA DE SP - 28/07


Só há uma palavra para descrever a indicação da dupla Gilmar e Dunga: deboche.


A CBF mandou seu recado; ela faz o que quer. Ilusão pensar que a reforma do futebol virá de lá. Mesmo porque não é a troca de técnico que vai mudar sua estrutura envelhecida, os acordos políticos com federações sem expressão e a falta de transparência de seus gastos, decisões e convocações.

A CBF é uma entidade privada que apenas se submete às regras da Fifa, não será ela motor de transformação.

Clubes fortalecidos podem ajudar a mudar o futebol pressionando a própria CBF, ou pelo menos vivendo de forma menos dependente dela. Por isso, o foco das iniciativas deve ser no fortalecimento dos clubes, que além da reestruturação financeira discutida no momento, demanda fluxo de receitas estáveis e previsíveis.

Receitas vêm da venda de direitos televisivos, marketing e, para poucos clubes, da venda de jogadores. E estádios cheios são fundamentais.

Para atrair o torcedor é preciso antes de mais nada melhorar a qualidade do espetáculo.

Temos um campeonato longo e mal organizado, foco de reclamação de jogadores e de torcedores, um calendário subordinado à grade da TV e contratos de transmissão mal distribuído entre os clubes. Para 2016, os valores pagos aos times pela TV variam de R$ 170 mil a R$ 35 milhões.

Com clubes mais competitivos e receitas equilibradas poderia haver mais investimento em divisões de base, ajudando na desejada renovação de nosso futebol. Os que recebem demais não investem em novos talentos, compram. Os que recebem de menos não têm oxigênio para políticas de longo prazo. E os que investem, vendem.

Também é preciso rever o horário dos jogos para tornar a ida ao estádio um programa, além de combater os cambistas e garantir acesso e segurança, o que já se viu durante a Copa com ajuda do poder público.

Ao governo cabe com certeza a definição de uma política de longo prazo para o esporte em geral, sendo o futebol apenas uma modalidade. Agora é a vez da Olimpíada no Brasil.

O que se vê é o COB apenas criando metas de número de medalhas para esporte de alto rendimento, enquanto a seleção olímpica se subordina a CBF. Não há nenhuma preocupação com a educação esportiva no país. Deveria ser esta a função do Estado, como previsto pelo art. 217, II, da Constituição Federal. Não adianta pensar só em seleção brasileira. Ganhar ou não é uma consequência.

De pouco adianta o governo aparecer só na hora de reestruturação de dívidas em operação de socorro, exigindo contrapartidas que não se sustentam, como a ameaça de rebaixamento em caso de inadimplência que depende da aprovação da própria CBF.

A intervenção pontual do poder público em competições internacionais é fácil. Difícil é jogar um bom futebol.

Educação perversa - NAOMAR DE ALMEIDA FILHO

O GLOBO - 28/07


Universidade no Brasil falha como instrumento ou dispositivo de integração social



No Brasil, quem ganha o suficiente para pagar Imposto de Renda tem direito a uma dedução parcial do que gastou na educação dos filhos, ou na sua própria. Este mecanismo facilita aos jovens de classe média alta acesso a ensino básico privado de melhor qualidade e aprovação em processos seletivos competitivos para entrada em universidades públicas. Educação superior nessas universidades gratuitas (para os estudantes, porque são pagas pela sociedade) produz empregabilidade, maior renda, capital político e valor social. Em paralelo, trabalhadores pobres pagam impostos sobre o consumo, financiando o Estado, mas não se beneficiam de renúncias fiscais. Essa maioria social, no mais das vezes, tem acesso a ensino básico de baixíssima qualidade na rede pública. Aos que conseguem concluir o nível médio de ensino, resta o ensino superior privado, muitas vezes de menor qualidade, pago pelo estudante ou por sua família. A formação profissional desse segmento social resulta enfim em menor renda, desemprego, exclusão e pouco capital político.

É impressionante o papel cúmplice da universidade brasileira nessa inversão ou perversão. Aqui, a universidade falha como instrumento ou dispositivo de integração social. Na dinâmica de reprodução social do nosso país, age como promotora de desigualdades. Vagas em universidades públicas de melhor qualidade e nos cursos de maior prestígio social eram (e, em grande medida, ainda são) destinadas quase exclusivamente a uma minoria, apesar das políticas de ações afirmativas compensatórias.

A missão social das políticas públicas de educação, que é formação de cidadãos plenos, aptos a promover dignidade humana, igualdade de direitos, solidariedade, responsabilidade ambiental e justiça social, não está sendo cumprida. Se fizermos uma avaliação do perfil ideológico de egressos das universidades públicas brasileiras — especialmente em áreas como saúde — encontraremos o oposto disso. Profissionais formados em instituições públicas desprezam o caráter público do Estado, engajados em projetos individuais, numa relação patrimonialista e, tantas vezes, predatória com a universidade. Relacionam-se com a instituição pública como um lugar aonde irão adquirir ou garantir uma carreira pessoal, um projeto individual ou familiar, sem qualquer construção de solidariedade pelo pertencimento à instituição universitária, sustentada pela sociedade.

Solidariedade e consciência cidadã são palavras-chave para garantir a saúde como direito de todos. A promoção desses valores encontra-se, basicamente, na educação, o que requer profunda mudança dos modelos de formação profissional em saúde. A formação de médicos, enfermeiros, psicólogos, odontólogos, nutricionistas e demais trabalhadores da saúde deve basear-se nas necessidades de saúde das populações, na interdisciplinaridade, na atuação interprofissional e no efetivo conhecimento sobre o Sistema Único de Saúde. A nova Universidade Federal do Sul da Bahia assumiu o desafio de experimentar essa mudança.

Pisos, tetos e bolsas - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O ESTADÃO - 28/07


Bocejo dos bocejos, a intenção de voto em Dilma Rousseff (PT) não muda desde abril. A falta de movimento e novidade aumenta a frequência de títulos que querem enxergá-los onde não existem. Dilma "cai" e "sobe" em casas decimais imaginárias. Às vezes, a notícia é explicar a ausência de notícia.

Um entediado poderia se indagar sobre o motivo pelo qual Dilma, a despeito da piora dos indicadores e das expectativas econômicas, nunca vai abaixo de 36% - na média dos institutos calculada pelo Estadão Dados. As raras pesquisas em que isso ocorreu foram pontos fora da curva, o que é tão mais esperado quão mais pesquisas são feitas. Os pontos estavam fora porque nas pesquisas seguintes ela voltou aonde estava. Vale a curva.

Por que, então, Dilma tem um piso tão acima do que tem sido, por enquanto, o teto dos seus adversários? A recente pesquisa Ibope permite testar muitas hipóteses, mas confirma poucas.

O primeiro motivo parece óbvio, mas não necessariamente é: Dilma é conhecida de praticamente todo o eleitorado. Ter mais presença na memória do eleitor do que os concorrentes é uma vantagem, porém, apenas quando se é popular. A presidente deve ter saudades de quando 20% dos eleitores achavam seu governo ruim ou péssimo. Desde abril, sua desaprovação supera 30%.

Logo, a alta taxa de reconhecimento do seu nome não explica por que o colchão de Dilma na opinião pública é tão alto e resiliente. Afunda, mas volta. Há de haver outra explicação.

E há. Mais de uma.

O Ibope perguntou ao eleitor se ele ou alguém em sua casa é beneficiário de ao menos 1 entre 16 programas federais, como Bolsa Família, Prouni, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos e Farmácia Popular. Pelas respostas, um terço do eleitorado vive em domicílios onde pelo menos uma pessoa se beneficia diretamente por algum desses programas do governo. Isso, 33%.

A pergunta óbvia é "como votam esses eleitores?"

A maioria absoluta, 51%, declarou que votaria em Dilma. O dado consolidado pode ser enganador, porém. Apenas um dos programas federais faz diferença na eleição, justamente o maior e mais famoso de todos eles: entre os beneficiários do Bolsa Família a presidente chega a 58% das intenções de voto. Na média dos atendidos pelos outros 15 programas, a taxa de voto em Dilma é 38% - alta, mas igual à sua média no eleitoral total.

A interpretação enfadada desses números levaria à conclusão de que a candidata do PT só está à frente dos seus adversários na corrida eleitoral por causa do clientelismo do Bolsa Família. Infelizmente para a oposição, as coisas nunca são tão simples assim. Entre quem não ganha nada do governo federal - nem ele próprio nem ninguém de sua família - Dilma tem 32%.

E Aécio Neves (PSDB)? O principal candidato oposicionista tem uma taxa de votos muito mais alta entre os "sem programa" do que entre os beneficiários: 25%, contra 16%. Se não houvesse Bolsa Família e similares, o tucano estreitaria sua diferença em relação à presidente, mas ainda ficaria sete pontos atrás.

Dos 38% de intenção de voto em Dilma, 17 pontos percentuais vêm do dito assistencialismo federal, mas os outros 21 pontos são de eleitores que nada têm a ver com o Bolsa Família e quetais. Do mesmo modo, quase metade dos eleitores assistidos pelos programas do governo não declaram voto na presidente: 16% votam em Aécio; 7%, em Eduardo Campos (PSB); 6% nos nanicos; 12% vão anular ou votar em branco; 7% são indecisos.

Dar bolsa ao eleitor aumenta em 60% as chances do candidato ganhar seu voto, mas não o garante. O alto conhecimento de Dilma e o assistencialismo explicam apenas em parte a resiliência da intenção de voto da presidente. O resto vem de quem aprecia o Bolsa Família e similares mesmo sem recebê-los. Quem? Isso é assunto para outra entrevista com os dados.


O pretexto das pesquisas - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 28/07


SÃO PAULO - Se a intenção de voto em Dilma melhora nas pesquisas, as principais ações da Bovespa caem; e a recíproca também vale. Esse é um fato. As interpretações é que podem variar.

A mais banal atesta que "o mercado" torce pela derrota do PT. Ela faz bem a dilmistas, como reforço ao discurso de que a presidente seria vítima da elite egoísta. Os adversários também gostam dessa interpretação, mas como sinal de que a vitória da oposição faria bem à economia.

Será que um grupinho de compradores e vendedores de lotes maiores de ações, com foco no curtíssimo prazo dos pregões diários, pode ser chamado de "mercado"? Será que esses negociantes torcem por algo além de seus próprios lucros imediatos? A melhor resposta é não.

Quando se trata de mercado de ações, sobretudo de um periférico e mal povoado como o brasileiro, é recomendável ampliar o horizonte antes de tirar conclusões pretensiosas. Salta os olhos, nessa visada, o baixo nível em que está o principal índice da Bolsa brasileira, o Ibovespa.

A errática recuperação até esta altura do ano não foi suficiente para devolver o indicador à marca do final de 2010. O preço dos títulos de grandes empresas brasileiras listadas na Bovespa ainda é de liquidação. Arrisca-se pouco ao especular com elas em busca de lucro instantâneo.

Do outro lado, a alta dos juros internos ofereceu aos aplicadores de curto prazo uma excelente opção de ganho seguro, entre as melhores disponíveis hoje no mundo. O que se arrisca numa ponta, a da Bolsa, pode ser compensado na outra, com papéis do governo e derivados. É um mundo maravilhoso para quem movimenta muito dinheiro e vive de oportunidades abertas na negociação diária.

Pesquisas eleitorais são só o pretexto da vez para especulador pular de galho em galho. Esse tipo de "mercado" torce mesmo é para tudo continuar como está.

Antes, era a Arena. Agora, o PT - TITO COSTA

O ESTADÃO - 28/07


Quando os militares assumiram o poder em março de 1964, puseram de lado a Constituição e passaram a legislar por meio de Atos Institucionais, criação da mente privilegiada de Francisco Campos, o Chico Ciência. O Ato Institucional nº 1 aboliu garantias constitucionais, especialmente o habeas corpus, autorizou a cassação de mandatos eletivos e de direitos políticos, entre tantas outras restrições. O AI nº 2 extinguiu os partidos políticos então existentes, e eram muitos, tal como hoje. Necessitando de um instrumento político para governar, ainda que garroteado, e salvando as aparências, permitiu o governo militar, por esse AI-2, a criação de duas entidades com finalidade de partidos políticos, mas sem o nome de partido: surgiram a ARENA – Aliança Renovadora Nacional (de apoio ao governo) e MDB – Movimento Democrático Brasileiro (acolhendo as oposições).

A ARENA dominou a cena política elegendo, nas poucas eleições então permitidas, grande maioria de representantes seus em diversos postos do poder executivo (menos o federal, claro) e nos legislativos. Essa hegemonia perdurou nos dez primeiros anos da instalação do governo castrense. Em 1974, já aflorando os primeiros sinais de cansaço natural em relação a um poder opressivo, houve clara reação popular, com manifestação nas urnas que apontavam para o rumo, digamos, de renovação. Então, o MDB elegeu governadores, prefeitos, parlamentares em expressivas maiorias, sinalizando o desejo de mudança de uma sociedade já meio desiludida em relação aos excessos do poder dominante, com perseguições, prisões, tortura nos dissidentes, e o clamor público, embora contido, expressando seu inconformismo pela via do silêncio das urnas.

Surgiu então, por volta do final dos anos setenta, inicio dos anos oitenta, meio que no apagar das luzes dos governos militares, quando já circulavam promessas de abertura, lenta e gradual, um movimento nascido no ABC paulista gerado por greves ruidosas sob o comando daquele que, liderando-as, viria a ser, mais adiante, o principal fundador do PT, o Partido dos Trabalhadores. Chegava Lula empolgando multidões não apenas de trabalhadores, mas também da sociedade em geral, a intelectualidade e o meio artístico deslumbrados com o despontar carismático do líder operário.

Abro aqui um parêntese para destacar fatos que marcaram esse tempo de violência e incertezas, como os ocorridos a partir do dia 23 de março de 1979, em que se deu a intervenção no Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Bernardo pelo Ministro do Trabalho Murilo Macedo. O ato intervencionista ocorreu na madrugada dessa sexta-feira e encontrou Lula em vigília na sede do Sindicato, onde passara toda a noite, de plantão, em companhia do então deputado e escritor Fernando Moraes. Na véspera do dia da intervenção, prevenido por certo de que ela ocorreria, pediu-me Lula, por telefone, ajuda para remoção da sede do Sindicato, de alimentos ali estocados, aguardando pelo pior que poderia ocorrer, como de fato ocorreu. Mandei-lhe caminhões da prefeitura para retirar dalí a carga preciosa, que foi levada para uma igreja cedida especialmente para o seu garantido resguardo. Expliquei-lhe que não poderia acolher esse material em dependências da prefeitura. Despertado por telefonema dele, nessa madrugada, dirigi-me imediatamente à Delegacia de Polícia local onde já se encontravam presos alguns trabalhadores. Na companhia do Delegado do DOPS, o simpático e saudoso bragantino Dr. Nivaldo, dirigimo-nos à sede do Sindicato totalmente cercada por tropas militares. Ali encontramos Lula e o Fernando Moraes naturalmente surpresos e assustados. Dali voltamos à Delegacia onde havia detidos. Mais tarde, à boa moda brasileira, resgatados, Lula foi levado para esconderijo numa igreja no subdistrito do Riacho Grande.

Nesse mesmo 23 de março de 1979, à tarde, na praça em frente ao Paço Municipal onde se realizava uma assembléia do Sindicato, houve violenta intervenção militar com a natural reação dos participantes do evento. Registre-se que a reunião ali ocorria pelo fato de o Estádio de Vila Euclides, cedido pela prefeitura para as reuniões dos grevistas, havia sido interditado por ordem do então governador Paulo Maluf, nomeado pelo governo militar. Almoçando em meu apartamento com alguns jornalistas, por volta das treze horas, fui chamado às pressas para o local da assembléia e aí, enfrentando o tumulto, procurei o comandante da operação e me ofereci, como prefeito, para impedir que prosseguisse, com as possíveis consequências de feridos ou até mesmo mortos, que não houve. E então, sem nenhuma intenção de assumir a prática de improvisado ato de bravura, e com a devida permissão do então comandante da operação repressiva, o coronel Walterdimas Rigonato, subi na capota de seu veículo oficial, ali a serviço, e com o microfone por ele cedido, busquei conter a multidão, o que foi conseguido com a ajuda do então Bispo de Santo André, dom Claudio Hummes , chegado, providencialmente, ao local naquele momento. O fato está registrado pela mídia que lhe deu o devido destaque nos dias que se seguiram. Nesse mesmo ano de 1979, por ocasião do Natal, fiz visita ao coronel Rigonato em seu quartel e, então, já refeitos do susto, brincou ele dizendo que iria cobrar da prefeitura de São Bernardo os estragos feitos na lataria do veículo pelo pisar dos meus sapatos.

Foi assim que, como prefeito de São Bernardo, participei, juntamente com lideranças da Igreja e de destacados políticos do MDB, de tratativas com o poder dominante no sentido, principalmente, de evitar consequências mais graves das que já vinham ocorrendo em razão do inconformismo dos grevistas e dos evidentes excessos , comuns na época, na atuação de autoridades, tanto civis, quanto militares.

Mais adiante, acompanhei, à distância, o nascimento do PT, na década de 80, assumindo posição ao lado dos trabalhadores e, não sem os riscos naturais do enfrentamento do status quo reinante, sem a ele filiar-me.

Feita essa digressão, necessária para registro de fatos que fazem parte da história de nossos dias, e de um tempo importante na abertura política que viria mais t arde, volto o foco ao PT que, já atuante em busca do poder, com apoio de sua expressiva militância (atualmente com deserções e muitos desapontamentos). Como é sabido, após duas ou três tentativas nas urnas, agora com as liberdades à solta, a partir de 1985, e depois sob o manto da Constituição Cidadã de 1988 (Ulysses Guimarães), chega o ano de 2002. Vem a mudança de governo pelo voto popular, Lula e PT anunciando representar o novo, assumem o buscado poder e ele se torna presidente da República, para continuar em 2006, reeleito. Em 2010, com a tônica da continuidade de um governo popular, como “nunca antes, na história deste país”, prosseguiu o PT no governo central, elegendo a sucessora imposta por Lula ao partido que acolheu a candidata “mascando o freio” como se diz no linguajar caboclo.

Estamos agora em 2014. O desgaste petista no poder é evidente: escândalos, processos, mensalão, roubalheiras, prisões, a Petrobrás, empresa orgulho do Brasil, posta na berlinda com as inexplicáveis compras bilionárias de usinas nos Estados Unidos, no Japão, e tantos abusos mais, tudo a evidenciar aquilo que na Física se chama resistência e fadiga dos materiais. Nas ruas sente-se claro o desejo de estancar a ladroagem, de conter a inflação, de desmascarar os projetos caríssimos, muitos inacabados do tal PAC, obras incompletas e abandonadas, seus custos superfaturados, com a drenagem criminosa de recursos públicos desviados dos projetos a que se destinariam. A economia à deriva, nosso PIB claudicante, e o povo, impaciente, vem a tudo assistindo, perplexo, impotente, descrente, desiludido. E quer mudança, de preferência sem continuidade do governo atual, revelam aflorados sentimentos e pesquisas.

Reedita-se agora, em situação diversa, mas semelhante, o antigo descontentamento da sociedade em geral com a velha ARENA, no distante ano de 1974. Após dez anos de sua predominância político-administrativa, foi substituída, na eleição e em parte, pelo velho MDB, o legítimo, até então fiel às suas origens e aos seus propósitos. Veio depois o PMDB, agora como partido político, fiel até então ao seu destino, porém antes de sua notória e lamentável deterioração política, depois atrelando-se ao que há de pior nos quadros políticos brasileiros. Claro, com as exceções de sempre.

Há fantasmas agora rondando a combalida fortaleza petista. O movimento pendular da História tende a registrar os limites de exaustão na paciência da sociedade em relação a desmandos, alta inflação, economia em recesso, desenvolvimento em baixa. E assim, esgota-se a capacidade de tolerância de todos e de cada um, nos mais variados segmentos da sociedade, nas urgências dos apelos por respeito e dignidade no trato da coisa pública.

Tal como aconteceu em 1974, dez anos após o advento do poder militar, a ARENA, entidade de sustentação ao governo, esgotada a munição que garantia sua superioridade política, até certo ponto artificial, cedeu a vez ao MDB. Agora é o PT, partido no comando da Nação há doze anos, que protagoniza o desgaste próprio do mau exercício do poder na linha inversa do comando constitucional a exigir da administração pública, direta e indireta, obediência aos princípios da moralidade e transparência, entre outros. Bem por isso, passa a arcar com as consequências de seu negativo desempenho. Ficou, lá atrás, o tempo da todo poderosa ARENA. Esgota-se agora a força petista com seus conhecidos abusos na administração pública e até mesmo certa arrogância impulsionada pela certeza de vitórias ainda a perseguir, como se fosse senhor absoluto de alardeadas virtudes que por momentos procurou ostentar sem praticá-las. Alguns, verdadeiros “aloprados”, como os definiu alhures seu chefe supremo.

Autorizadas vozes de dentro do poder petista reconhecem os desajustes de sua atuação frente aos reclamos da sociedade e registram a necessidade de “um rigor interno ético muito grande” que se destinaria “a mudar o indutor da corrupção”, ainda firme nos mais variados escalões do poder, especialmente o central. Do lado de fóra, nos grandes, médios e pequenos municípios do Brasil, nos táxis, nas feiras, nos trens, nas filas de ônibus, nas estações do Metrô e, durante a Copa de futebol, nas gritas dos estádios, a voz é uma só: o cansaço, a exaustão, a paciência do povo revelando sinais evidentes de esgotamento, de desencanto, e a esperança de mudanças adentrando o pessimismo na economia, o desabrochar de novas ondas de desemprego em escala alarmante, ao ponto de prestigiosas lideranças trabalhistas reclamarem que o PT estaria virando as costas aos trabalhadores. Enfim, avaliações mais negativas que positivas de um eleitorado descrente de tudo aquilo de bom e de mudanças com que lhe acenava o partido em sua chegada ao poder. E, de dentro do poder, com os desentendimentos próprios de grupos que se digladiam, na possível surdina dos gabinetes, afloram preocupantes sinais de uma sempre buscada tentativa de garroteamento dos meios de comunicação, assim como a já decretada instituição de “conselhos” para gerir a administração pública, pela via da inconstitucionalidade. Sempre com a presença deletéria de conhecidos delírios esquerdizantes apostando e insistindo numa adoção cabocla de bolivarismo soprado por ventos advindos de vizinhos nada confiáveis. E nossas conquistas democráticas resistindo até onde seja possível resistir diante da enganação de perseverante marquetagem, a ludibriar incautos e distraídos das ameaças a liberdades duramente conquistadas.

Mas, há tempo para o despertar de uma aparentemente silenciosa indiferença popular. Oportunismos de praxe que se agregam ao poder, seja ele qual for, tangidos por indecorosa e momentânea conveniência política, podem manter-se alheios ao interesse da sociedade, como um todo, indiferentes ao perigo que nos ronda em face da pretendida continuidade de um poder desgastado e desmoralizado. Não será demais apontar a estes as consequências da indiferença, como lembrado nos versos de Eduardo Alves da Costa em seu festejado “No Caminho com Maiacóvski”: “Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor de nosso jardim/E não dizemos nada./Na segunda noite, já não se escondem:pisam as flores, matam nosso cão,/e não dizemos nada./Até que um dia,/ o mais frágil deles/entra sozinho em nossa casa/rouba-nos a luz,e,/conhecendo nosso medo/arranca-nos a voz da garganta./E já não podemos dizer nada”.

No caso ora enfocado, poderíamos substituir a palavra medo do poema por indiferença de alguns. Ou, talvez, egoisticamente, conveniência para outros tantos. Mas o desastre poderá ser inevitável, para todos.

O socorro de Lula a Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 28/07


Foi necessário que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva entrasse em campo para evitar que a presidente Dilma Rousseff fosse incluída pelo Tribunal de Contas da União (TCU) entre os responsáveis pela desastrosa compra da Refinaria de Pasadena, no Texas, pela Petrobrás. Sem a intervenção pessoal de Lula, Dilma teria de lidar na campanha eleitoral com o fato de não ter impedido a realização de uma das transações mais lesivas aos cofres públicos na história da Petrobrás. Para quem já enfrenta queda de popularidade e críticas cada vez mais pesadas pela condução ruinosa da economia nacional, ser ademais tachada de inepta na administração dos negócios da mais emblemática empresa estatal do País certamente traria prejuízos incalculáveis à sua candidatura. Por isso, Lula não titubeou.

Dois dias antes de o assunto sobre a refinaria entrar na pauta do TCU, Lula recebeu José Múcio Monteiro, ministro do tribunal, em São Paulo. Múcio foi ministro de Relações Institucionais do governo Lula e nomeado para o TCU pelo petista.

"Somos amigos", resumiu Múcio ao Estado, ao relatar seu encontro com Lula - no qual, segundo disse, trataram de "política, eleição, Brasil, o governo dele, as perspectivas, blá-blá-blá, a vida dele, a minha... conversa de compadre, foi exatamente o que aconteceu".

Múcio negou ter falado sobre Pasadena, mas o fato é que, após a reunião com Lula, ele conversou com seus pares no TCU para adverti-los de que responsabilizar Dilma neste momento, em plena campanha, seria politizar demais o assunto - como se o tribunal devesse se pautar pelo calendário eleitoral.

De fato, o caso tinha, e talvez ainda tenha, grande potencial para causar estragos na campanha de Dilma. Ela era nada menos que a presidente do Conselho de Administração da Petrobrás quando este autorizou a estatal a comprar metade da Refinaria de Pasadena, em 2006.

Os problemas envolvendo o negócio, conforme revelou em 2012 a Agência Estado, começaram com o pagamento de US$ 360 milhões ao grupo belga Astra Oil, dono de Pasadena, por 50% da refinaria. O valor era 8,5 vezes maior do que o que havia sido desembolsado pela Astra para adquirir a refinaria toda.

No ano seguinte, o conselho, ainda presidido por Dilma, vetou a compra da outra metade da refinaria. Com isso, a Astra foi à Justiça invocando uma cláusula contratual, a Put Option, que obrigava um dos sócios a comprar a parte do outro em caso de desavença. A Petrobrás foi derrotada e teve de pagar aos belgas cerca de US$ 820,5 milhões, valor que incluiu honorários e custas.

No início deste ano, quando confrontada pelo Estado com documentos que atestavam seu voto favorável à compra de Pasadena, Dilma respondeu que tomou sua decisão com base em um resumo executivo "técnica e juridicamente falho". Segundo ela, o resumo não mencionava nem a Put Option nem outra cláusula, a Merlin, segundo a qual a Astra teria remuneração anual de 6,9% fosse qual fosse a situação do mercado. A presidente afirmou que, se soubesse dessas condições, "seguramente" não teria aprovado o negócio.

Decerto a presidente percebia que poderia ser acusada de crime de responsabilidade em tão danoso negócio. Preferiu jogar o escândalo no colo dos executivos da empresa, na expectativa de que o TCU a isentasse.

Foi o que aconteceu, mas, ao que parece, só depois da intervenção de Lula. O relator do caso no tribunal, ministro José Jorge, um ex-pefelista, foi avisado de que seu relatório seria rejeitado se incluísse Dilma entre os responsáveis pelo negócio. Ao apresentar suas conclusões sem apontar nenhum integrante do Conselho de Administração, Jorge disse que preferiu focar a investigação nos executivos da Petrobrás. O Palácio do Planalto respirou aliviado.

Mas o alívio pode ser momentâneo, porque os executivos da estatal não parecem dispostos a assumir o escândalo sozinhos. Como disse o presidente da Petrobrás na época da compra de Pasadena, José Sergio Gabrielli, Dilma "não pode fugir da responsabilidade dela".

Dentro da lei - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 28/07


As grandes manifestações de junho do ano passado foram um recado da sociedade ao poder público e, particularmente, a determinados setores da classe política identificados com a corrupção, os desmandos e toda uma série de comportamentos incompatíveis com o que se espera daqueles a quem se delega a missão da representação. Foram protestos legítimos, avalizados por uma Constituição que assegura a liberdade de expressão. Mas, quando saíram — por força da ação de uma minoria ultrarradical — do terreno da expressão pacífica de descontentamento para a seara da violência, as passeatas, que sintomaticamente refluíram, perderam a representatividade e a legitimidade. Ficaram restritas a condenáveis ações de vandalismo.

Desde então, grupos minúsculos, sem expressão no jogo da democracia brasileira, têm tentado a todo custo se manter nas ruas, sob os mais diversos pretextos. Pela visibilidade do evento, era previsível que a Copa do Mundo seria o mote para nova série de investidas dessas minorias incompatíveis com o estado democrático de direito, o que de fato ocorreu.

Graves em si, pelas demostrações de selvageria, os violentos protestos dos black blocs já haviam ultrapassado os limites constitucionais quando, em fevereiro, um rojão disparado por dois militantes matou o cinegrafista Santiago Andrade. E estavam prestes a radicalizar mais ainda, sabe-se lá até que ponto, quando, no desdobramento de investigações policiais, descobriu-se que tais grupos preparavam uma série de atentados durante o Mundial. Na véspera do jogo final, a Justiça, preventivamente, decretou a prisão de envolvidos nos sinistros planos.

A Justiça agiu rigorosamente dentro do protocolo constitucional, para preservar a sociedade do risco de ser atingida por um surto de violência. Todo o rito foi seguido até que se tenha decidido pela prisão dos suspeitos: as investigações, inclusive com gravações de diálogos incriminadores amparadas por autorização judicial, ampararam um inquérito policial, peça essencial para o Ministério Público pedir a detenção dos militantes, aceita pelo juiz responsável. Tudo em obediência aos ritos da Justiça — inclusive a decisão do desembargador que mandou soltar os presos.

A democracia permite até que se conspire contra o regime, mas nela há pesos e contrapesos, anticorpos que precisam ser acionados para salvaguardar a sociedade e o próprio regime. Os presos, acusados de estarem envolvidos em ações preparatória de terrorismo, ultrapassaram a fronteira do que a Constituição aceita como direito à manifestação.

A História recente oferece exemplos, em todo o mundo, de países que, democráticos, tiveram de agir duramente para repelir ações de violência política (as Brigadas Vermelhas na Itália, o grupo Baader-Meinhoff na Alemanha, o ETA na Espanha etc.). Todos foram combatidos com os instrumentos da lei. Derrotados, fortaleceu-se o estado de direito. É o que se espera que o Brasil siga, combatendo com rigor as tentativas de emparedamento das instituições pela violência.

Desafios da economia em meio às eleições - CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 28/07

Todo eleitor brasileiro sabe ou ao menos deveria saber que eleição e economia são assuntos que sempre acabam se misturando, pois um acaba influenciando fortemente o outro. Quando o ambiente econômico não anda bem, como agora, o governo do momento trata logo de buscar formas de evitar uma piora que possa lhe render prejuízos nas urnas. A campanha eleitoral, por sua vez, torna ainda mais difícil a tomada de medidas necessárias à correção de rumos, consideradas impopulares.
O calendário acaba, assim, desenhando um plano atípico de gestão das variáveis acompanhadas de perto pelo mercado financeiro, por vezes em contradição com a desejada racionalidade. Nessa toada, as ações e os acenos das autoridades acabam sendo interpretados pela perspectiva do poder político, agravando desconfianças e pressões por compromissos públicos. Nos últimos dias, essas contradições ficaram ainda mais evidentes e tiveram como principal personagem a diretoria do Banco Central (BC), cujos movimentos e declarações são expostos ao escrutínio diário de analistas e investidores. Acrescenta-se a isso o fato de a bolsa e os bancos não conseguirem mais esconder o desejo de mudança no comando do país.

O BC também deixa explícitas as dificuldades do quadro geral geradas por erros da política econômica. Sua projeção de reajuste das tarifas de eletricidade neste ano, por exemplo, já subiu de 11,5% para 14%. A informação foi divulgada na quinta-feira pela ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que manteve a taxa básica de juros (Selic) em 11% ao ano. O aumento do custo da energia elétrica estimado pela autoridade monetária já é quase o dobro do estimado pela própria em janeiro (7,5%).

Indicador não menos preocupante e ainda mais revelador vem das transações externas do país, que incluem o comércio internacional e o fluxo de capitais. No acumulado de janeiro a junho de 2014, o deficit em conta-corrente soma US$ 43,3 bilhões, o que representa  3,47% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos últimos 12 meses até junho, o saldo está negativo em US$ 81,2 bilhões, o equivalente a 3,58% do PIB.

Com inflação alta e persistente, subindo para patamar acima do teto de tolerância fixado pelo próprio governo, de 6,5% anuais, e com a economia avançando em ritmo inferior a 1% em 2014, os dilemas colocados sobre a mesa da presidente e candidata Dilma Rousseff são consideráveis. Em torno dela, marqueteiros, caciques partidários e membros da equipe econômica fazem várias considerações sobre os perigos financeiros e econômicos e os anseios do eleitorado. De perfil centralizador, ela dá respostas na corda bamba, avançando, recuando e usando de soluções improvisadas ou "menos ruins".
Na batalha para ganhar votos em meio às preocupações com o mau humor dos agentes financeiros e com a carestia, o BC sofre ataque especulativo inédito. Essa realidade levou o Copom a tomar posição igualmente inusitada, colocando no papel de maneira cristalina a promessa de não baixar a Selic como analistas especulavam e políticos governistas sonhavam. A ata do Copom surpreendeu a todos pela transparência nos enunciados. Para bom entendedor, a corrida presidencial exigiu um aval de credibilidade incomum e um duro reconhecimento de que os preços estão mais resistentes do que se esperava ou porque se torcia. A virada de mesa esperada por alguns foi tirada da mão de quem se julgava capacitado a fazê-la. E o maior vetor econômico ficou por conta da própria eleição.

Medida paliativa - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 28/07


Medidas de estímulo ao crédito e ao consumo repetem tentativas anteriores e são insuficientes para corrigir os rumos da economia.

A reação do governo aos sinais de desaquecimento da economia, esperada pelo setor produtivo, veio na forma de medidas táticas insuficientes, num contexto de risco até mesmo de recessão. Mais uma vez, o foco da tentativa de correção de rumo é o crédito, com o claro objetivo de reestimular o consumo e, por consequência, a produção. Amplia-se, via Banco Central, um esforço que centraliza intenções no fortalecimento do mercado interno. O pacote prevê redução no garrote dos depósitos compulsórios e medidas liberalizantes das normas para empréstimos por parte dos bancos. A previsão é de uma injeção potencial de pelo menos R$ 45 bilhões na economia, desde que as instituições financeiras e os eventuais tomadores de crédito se disponham a aceitar os incentivos patrocinados pelo governo.

O Banco Central cumpre, ao desafogar o crédito, uma de suas funções na regulagem do financiamento ao consumo e à produção. Estratégias econômicas têm suas linhas gerais determinadas também pelas deliberações de política monetária. Mas o BC sozinho não será capaz de reanimar a economia. É importante observar que, um dia antes das decisões liberalizantes, o Banco havia reafirmado, em ata, a decisão de manter a taxa básica de juro no mesmo patamar. Argumenta-se, com respaldo de parcela importante do mercado, que o afrouxamento do controle dos juros poderia significar, mais adiante, aumento da inflação.

O BC optou por não mexer no juro e, em contrapartida, facilitou a tomada de crédito. Parte das medidas tenta estimular financiamentos de até 60 meses. A dúvida levantada por analistas de tendências é esta: os bancos estariam mesmo dispostos a emprestar mais para amortizações no longo prazo? E os próprios tomadores de recursos correriam riscos de endividamento no momento? O que há, conforme pesquisas de amostragem do humor de empresários e da população, é uma queda nos níveis de confiança com as perspectivas do país. A maior oferta de crédito pode, portanto, ser apenas um paliativo, num contexto de redução no ritmo da indústria e da criação de vagas de empregos e da evolução de preços em níveis acima do esperado pelo próprio governo.

As medidas são anunciadas em meio a controvérsias entre o que diz o governo e o que o mercado sinaliza, a partir de consultas às mais diversas áreas de atividade. Um exemplo é o das projeções de crescimento do PIB neste ano, que o governo calcula em 1,8%, e o mercado, baseado no Boletim Focus, emitido pelo Banco Central - mas baseado nas percepções de analistas financeiros -, estima em 0,97%.

É muita diferença, num contraste que se repete nos últimos anos. O mercado tem acertado mais do que o governo. Admita-se que o período pré-eleitoral não recomenda nenhum otimismo quanto a medidas mais consistentes para a economia. Até porque a atual política econômica pode ter esgotado todo o arsenal de recursos à disposição de seus formuladores.

Do horror à paz - EDITORIAL O FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 28/07


Centenário da 1ª Guerra Mundial encontra refeitos alguns princípios que, por um bom tempo, o século 20 acreditou ultrapassados


Muitas certezas, nem todas descabidas, acalentavam o espírito europeu de um século atrás. Parcela importante da humanidade começava a beneficiar-se de um padrão de vida inédito na história.

A ciência e a tecnologia realizavam, de modo ininterrupto, feitos impressionantes. O desenvolvimento industrial e o crescimento das cidades estendiam a instrução, os direitos políticos e os benefícios sociais a contingentes cada vez maiores da população.

Nesse ambiente de otimismo e progresso civilizacional, outras duas constatações, igualmente plausíveis, mas contraditórias, circulavam nos meios informados.

Um embate generalizado entre as nações europeias, dizia-se às vésperas de 1914, seria extremamente improvável. Os meios técnicos de destruição haviam chegado a tais níveis de poder e eficiência que mesmo um país eventualmente vitorioso emergiria do conflito em estado de completa ruína. Uma grande guerra seria o suicídio da civilização no continente.

Ao mesmo tempo, cresciam os sinais de que a batalha tendia a ser inevitável. A corrida armamentista entre Inglaterra e Alemanha, no plano naval, e os crescentes investimentos de franceses e russos em seus Exércitos eram a face mais visível de uma rotina de atritos e crises que, em torno de longínquas possessões africanas ou asiáticas, opunham entre si potências imperiais --e eram debeladas a custo.

Se era inevitável, melhor travá-la o mais cedo possível, antes que o inimigo se tornasse ainda mais forte. O raciocínio, presente entre importantes lideranças alemãs ou russas, por exemplo, acrescentava-se, perversamente, de uma argumentação inversa.

Se ninguém, de fato, desejava a guerra, tornava-se mais vantajosa a situação do país que mais se mostrasse disposto a empreendê-la. Como num arriscadíssimo jogo de cartas, as apostas se duplicavam na expectativa de que o adversário estivesse apenas blefando.

Na ausência de mecanismos estáveis de arbitragem internacional, confiava-se no equilíbrio em tese proporcionado por um sistema de pactos multilaterais, impondo a intervenção de um país sempre que seu aliado fosse ameaçado pelo bloco rival.

O mecanismo apoiava-se em bases frágeis, todavia, e ademais remanescentes de uma realidade econômica e política em declínio.

Com efeito, entidades multinacionais como o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano cediam, década após década, à vaga dos movimentos de emancipação que criariam o caleidoscópio de países até hoje presente no Leste Europeu e na península Balcânica.

A mais complexa crise diplomática da história humana teve seu desfecho, como se sabe, na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), cujo centenário de início se rememora nesta data, ainda com um sentimento de horror e perplexidade.

Comparado ao que viria mais adiante no século 20, o conflito de 1914-1918 chega a diminuir em proporções. O cálculo conservador de 10 milhões de mortos por engenhos inovadores em seu diabólico poder de devastação, mais o inumerável contingente de mutilados de forma inédita, pode não ter, depois de Hitler e Stálin, o mesmo efeito de causar horror em quem dele toma conhecimento.

Mesmo assim, a Primeira Guerra significaria, para seus contemporâneos, algo que as experiências posteriores não mais seriam capazes de transmitir.

Ideias como civilização, paz e progresso entravam então em amargo colapso; a barbárie tecnológica, a impotência da razão e do bom senso, a violência militarizada não mais confinada aos campos de batalha --tudo isso sepultava as certezas a que se aludiu no começo deste texto.

Entretanto, depois de inúmeros traumas e tragédias, o centenário daqueles enfrentamentos parece encontrar refeitos, naturalmente sem a antiga ingenuidade, alguns dos princípios que o século 20, por um bom tempo, acreditou ultrapassados.

A proteção aos direitos individuais, a democracia, a liberdade de pensamento, o livre-comércio, o investimento na cultura e na ciência sobreviveram aos seguidos golpes civilizacionais que se inauguraram em 1914.

Estenderam-se depois a outras partes do planeta, acrescidos de avanços impensáveis há um século em termos de tolerância religiosa, liberdade sexual e descrédito num modo repressivo e reprimido de conduzir a vida.

A humanidade aprendeu a descartar o otimismo de outros tempos; mas pode desacreditar, igualmente, do pessimismo daqueles que viam, em 1914, a inutilidade de todas as suas esperanças.

Burocracia verde - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 28/07


Se há algo profundamente igualitário no Brasil, é a burocracia. Ela atinge todas as camadas sociais, pessoas físicas e pessoas jurídicas, grandes ou pequenas, de todos os setores. E parte importante dessa burocracia se refere ao licenciamento ambiental. Segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), há cerca de 30 mil normas, expedidas pela União e pelos Estados, que regulam esse procedimento. Para piorar o cenário, tais regras são muitas vezes contraditórias entre si.

O licenciamento ambiental é o processo administrativo pelo qual o órgão ambiental autoriza a implantação de empreendimentos ou a realização de atividades que utilizam recursos ambientais ou que podem provocar efeitos danosos ao meio ambiente. Ele é obrigatório tanto para grandes obras de infraestrutura quanto para pequenos negócios, como, por exemplo, um posto de gasolina.

De acordo com o levantamento da CNI, o tempo médio para obtenção de uma licença ambiental é de 28 meses, prazo "incompatível com os custos de oportunidade da maioria dos investimentos", na opinião de Shelley Carneiro, gerente do Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI. "Ninguém é contra a licença ambiental, e alguns empreendimentos de fato podem ser muito agressivos. (...) Mas, do jeito como ela vem sendo feita, só gera uma burocracia imensa que não resulta em nada de bom para o meio ambiente", disse Carneiro ao Estado (20/7).

O estudo da CNI elenca 21 pontos críticos no licenciamento ambiental. Entre eles estão as condicionantes ambientais, isto é, as exigências feitas pelo poder público ao empreendedor para mitigar os impactos ambientais e que condicionam a obtenção da autorização ambiental. Como consequência lógica da sua finalidade (a proteção ambiental), essas condicionantes deveriam ter relação direta com o meio ambiente. No entanto, as exigências estão cada vez mais amplas, transformando a licença ambiental em moeda de troca política. "Os políticos às vezes aproveitam para pedir coisas que não têm nada a ver com o projeto, como hospitais e rodoviárias", afirmou Shelley Carneiro.

Uma das causas para essa situação é a ausência de um critério claro para o estabelecimento das condicionantes ambientais. Há uma ampla margem de discricionariedade para o agente público, gerando decisões com impactos econômicos muito díspares. Por exemplo, o programa de sustentabilidade da Usina Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), teve um custo de R$ 2 bilhões, e o investimento total na obra foi de R$ 20 bilhões. Já na Usina Belo Monte, em construção no Rio Xingu (PA), as ações socioambientais somam R$ 3,7 bilhões, para um custo total estimado em R$ 25,8 bilhões.

Se depender do governo, não há muitas perspectivas de melhora. Segundo o site do Ministério do Meio Ambiente, "o licenciamento é, sim, palco de conflitos; pois é espaço de democracia". Essa estranha lógica que vê o conflito como algo natural - e até desejável, como consequência da democracia - é uma miopia que trava o crescimento e torna o meio ambiente cenário para luta política.

Em dezembro de 2011 foi dado um passo para uma melhor coordenação entre as esferas de governo na emissão de licenças. Aprovou-se a Lei Complementar 140, que estabelece as atribuições dos entes federativos no processo ambiental. No entanto, a lei ainda está à espera de regulamentação, que cabe ao governo federal, e vem gerando dúvidas na hora de ser aplicada. A promessa da presidente Dilma Rousseff é regulamentar a Lei 140/2011 no seu segundo mandato, caso seja reeleita. Por que esperar?

O País precisa com urgência de regras claras, proporcionando um ambiente de segurança, onde os custos e riscos possam ser avaliados com precisão. Incerteza e conflito não colaboram para o desenvolvimento nacional e são ocasiões para a arbitrariedade e a corrupção.

Há ainda um efeito colateral, não pequeno, em toda essa ineficiência. Transmite-se a impressão de que o respeito ao meio ambiente gera atrasos. A preocupação ecológica não é a culpada, como se fosse necessário certo descaso com o meio ambiente para o Brasil crescer mais rápido. A culpa é da burocracia, ampla e desconexa, alimentada pelas omissões do poder público.


100 anos da Primeira Guerra Mundial - EDITORIAL GAZETA O POVO - PR

GAZETA DO POVO - 28/07


As principais armas contra a probabilidade de guerras e mortes são a diplomacia e a solidariedade mundial



Há 100 anos, em 28 de julho de 1914, começava a Primeira Guerra Mundial, assim conhecida por ter envolvido as maiores potências mundiais. O conflito iria terminar somente quatro anos depois, em novembro de 1918, e foi classificado como a guerra das guerras, pela dimensão da tragédia, pelo uso de tecnologias modernas na ação de matar e por ter deixado quase 9 milhões de mortos entre os combatentes. Não há estatísticas confiáveis sobre civis mortos diretamente como consequência da guerra, mais os que morreram como efeito colateral do conflito, mas estima-se que superem 10 milhões de pessoas.

Completando agora um século desse evento trágico, é importante que as gerações de hoje e as do futuro sejam informadas das causas, do desenrolar das ações e das consequências apavorantes que conflitos dessa magnitude impõem sobre a humanidade. O horror que se abateu sobre a Europa diretamente e sobre todo o planeta indiretamente colocou em xeque a própria lógica da existência da vida e a questão de se a humanidade seria capaz de viver e sobreviver sob a paz, apesar das diferenças de interesses entre as nações. O horror sanguinário e a dimensão da matança na Primeira Guerra Mundial foram consequência também da genialidade humana, que havia menos de três décadas acabara de inventar a eletricidade e o motor a combustão interna. Essas invenções deram curso ao que se convencionou chamar de “segunda revolução tecnológica”, que mais adiante daria ao mundo progresso sobre a produtividade econômica e sobre a melhoria do bem-estar médio. Infelizmente, o progresso tecnológico contribuiu para a morte e para o tamanho da catástrofe durante a guerra.

As causas dessa guerra são várias, entre as quais as tendências de domínio e de conquista de potências europeias, como o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro, o Império Otomano, o Império Russo, o Império Britânico, a Terceira República Francesa e a Itália. Faltavam organismos mundiais capazes de mitigar o ímpeto colonizador dos impérios. Atualmente, por mais que os organismos mundiais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), estejam passando por crise de credibilidade e de eficácia, eles se constituem na possibilidade de que as divergências políticas entre nações possam ser resolvidas pela política e pela diplomacia, evitando-se tanto quanto possível a solução por meio da guerra.

Outra lição importante é que a liberdade das nações e o direito à autodeterminação dos povos constituem dois dos maiores valores humanos, pelos quais os países – pequenos e grandes, fortes e fracos – terão a garantia de que nações poderosas não usarão a força para tomar-lhes território ou submeter-lhes a qualquer tipo de dominação. Trata-se de objetivos difíceis e sempre muito frágeis, mas que devem ser perseguidos com pertinácia e esforço supranacional como meio de evitar catástrofes da magnitude vista na Primeira Guerra Mundial. Dos efeitos dessa guerra nasceu a Liga das Nações, que se tornou a organização precursora da ONU, formada justamente na esperança de que outros conflitos dessa dimensão pudessem ser evitados. Mas, finda a guerra, a política mundial cometeria outro erro grave: o Tratado de Versalhes, que humilhou a população alemã e estabeleceu reparações de guerra que a Alemanha não tinha condições de pagar. O tamanho desse erro viria a se revelar 20 anos depois, quando Hitler lançou o país na Segunda Guerra Mundial, entre outras razões como reação à perda de território e ao sacrifício imposto pelas indenizações.

A história do mundo é marcada pelas guerras, pela fome e pela doença, e acreditava-se que o crescimento econômico e o desenvolvimento social derivados do progresso tecnológico trariam, sozinhos, a redução desses três dramas. Entretanto, as novas invenções e os conhecimentos tecnológicos que seriam a saída para a pobreza e o atraso foram os elementos que tornaram as guerras mais graves e mais sanguinárias, tornando imprescindíveis os organismos internacionais de solução de conflitos. O progresso científico e tecnológico quando desprovido da dimensão ética pode ter efeitos mais negativos que positivos.

Neste ano em que a deflagração da Primeira Guerra Mundial completa um século, talvez a maior empreitada que as nações tenham pela frente seja a recuperação do prestígio e do poder de ação política da ONU, da Organização Mundial do Comércio e dos organismos de ajuda aos países pobres e às populações miseráveis e famintas. As principais armas contra a probabilidade de guerras e mortes são a diplomacia e a solidariedade mundial. Aqui está um grande desafio para as novas gerações.