terça-feira, junho 02, 2020

Aras se diz 'firme e duro', agora só falta demonstrar - JOSIAS DE SOUZA

UOL 02/06


O procurador-geral da República Augusto Aras concedeu entrevista a Pedro Bial. Ficou fácil notar que algo está errado. Depois de ouvir o personagem por incontáveis minutos, fica-se com uma dúvida incômoda:

Afinal, a entrevista foi mais constrangedora pelas perguntas que Aras teve de ouvir ou pelas respostas que ele não conseguiu oferecer?

As perguntas foram embaraçosas porque giraram em torno da suspeita de que há na chefia do Ministério Público Federal não um procurador, mas um acochambrador.

Indagou-se sobre o autoconvite de Bolsonaro e a recepção amistosa oferecida na Procuradoria a um presidente investigado, sobre a certeza do inquilino do Planalto de que o inquérito que o incomoda será arquivado, sobre a insinuação de que um arquivamento poderia render o prêmio de uma indicação para cobiçada poltrona no Supremo...

As respostas soaram incômodas até nos instantes em que o entrevistado se esforçou para passar firmeza. "Vou cumprir a Constituição, sou firme e duro", disse o procurador-geral a certa altura, sem se dar conta de que solidez é algo que se demonstra com atos, não com palavras.

Por ora, o que se viu além de gogó foram decisões fluidas e recuos.

Foi com fluidez que o procurador-geral revelou-se menos generoso do que a própria Advocacia-Geral da União ao recomendar ao Supremo que divulgasse quase nada do vídeo que expôs o strip-tease coletivo da reunião ministerial de 22 de abril.

Foi com uma meia-volta que Aras pediu ao Supremo a suspensão do inquérito sobre fake news. O mesmo processo que ele já havia considerado constitucional, destoando da antecessora Raquel Dodge.

"Esqueceu de combinar comigo", afirmou Aras sobre a hipotética vaga no Supremo. Não percebeu que combinação é uma palavra que não orna com o vocabulário de um procurador. Não deve ser pronunciada nem como ironia.

"O presidente não comete nenhum ilícito por não usar a máscara", declarou o entrevistado noutro ponto, confundindo o papel de procurador-geral com o de Advogado-Geral da União.

Como se tudo isso fosse pouco, Aras ainda conseguiu colocar em dúvida algo que deveria ser indubitável. Insinuou durante a entrevista que as Forças Armadas podem atuar como instância moderadora quando "um Poder invade a competência de outro". Uma tese esdrúxula que foi esgrimida por Bolsonaro na fatídica reunião ministerial de 22 de abril.

Vale a pena ouvir o procurador-geral: "Quando o artigo 142 [da Constituição] estabelece que as Forças Armadas devem garantir o funcionamento dos Poderes constituídos, essa garantia é no limite da garantia de cada poder. Um poder que invade a competência de outro poder, em tese, não há de merecer a proteção desse garante da Constituição."

A manifestação de Aras causou arrepios no Supremo, cujos ministros vêm sendo tratados como inimigos pelo presidente. A má repercussão foi tão grande que o procurador-geral viu-se compelido a soltar uma nota oficial para explicar o que não deveria ter colocado em dúvida.

Esforçando-se para não ficar mal com o Planalto, Aras escreveu: "Os poderes são harmônicos e independentes entre si. Cada um deles há de praticar autocontenção para que não se venha a contribuir para uma crise institucional. As Forças Armadas existem para a defesa da pátria, para a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de quaisquer destes, para garantia da lei e da ordem, a fim de preservar a democracia brasileira."

A Procuradoria já conviveu com extremos inconvenientes. Teve procurador que ganhou fama de engavetador. Teve procurador que se autoproclamou flechador. O ideal seria que houvesse na Procuradoria o básico essencial: um procurador que exiba alguma disposição para procurar.

Até aqui, Aras pareceu mais propenso a crer do que a duvidar. Precisa demonstrar que sua firmeza e dureza vão além da retórica. A julgar pelo comportamento de Bolsonaro, não faltarão oportunidades.

A selva em que vivemos - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 02/06

A censura a Trump e a tolerância a Khamenei é uma contradição letal

Se as empresas não querem ser responsabilizadas pelos conteúdos dos usuários, também não lhes compete editar


Os Estados Unidos estão em chamas e Donald Trump, com a sua conhecida delinquência política, exortou as forças de segurança a dispararem. O Twitter sinalizou as palavras do presidente como “glorificação da violência”.

Alguns dias antes, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, escreveu na sua conta de Twitter que Israel era um “tumor cancerígeno” que será “desenraizado” e “destruído”. O Twitter nada fez com essa proclamação genocida.

Perante esses dois casos, existem três opções: a) o Twitter agiu bem, censurando Trump mas poupando Khamenei; b) o Twitter agiu mal, porque deveria ter censurado ambos; c) o Twitter agiu mal, porque não se deve censurar ninguém.

Pessoas que escolhem a) não merecem conversa: oscilam entre a desonestidade intelectual e o fanatismo ideológico. Paz às suas almas.

Pessoas que escolhem b) ou c) merecem atenção: é perfeitamente possível defender a intervenção ou a neutralidade das empresas sobre o conteúdo veiculado pelos seus usuários. Mas será possível defender as duas coisas ao mesmo tempo?

O advogado e professor Jess Kosseff afirma que sim no seu espantoso “The Twenty-Six Words that Created the Internet” (Cornell, 313 págs.). O livro é, nas palavras do próprio, uma biografia da famosa Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações, que Trump pretende agora abolir.

A primeira parte da seção é conhecida e amplamente glosada: as empresas não serão responsabilizadas por aquilo que os usuários escrevem ou partilham através das plataformas.

Fácil entender por que: se o Twitter fosse criminalmente responsabilizado, ou até corresponsabilizado, pelos milhões de idiotas que escrevem por lá os seus “pensamentos”, não poderia sobreviver.

E, com isso, seria o próprio futuro da internet e da sua capacidade de inovação que estaria posto em causa.

Esse, aliás, foi o entendimento dos pais da Seção 230, em 1996: não era possível tratar as empresas da internet como se elas fossem jornais ou televisões, em que existe filtragem editorial de conteúdos.

Mas Kosseff relembra um pormenor usualmente esquecido: a Seção 230 não se limita a conceder imunidade. Na segunda parte, é acrescentado que as empresas podem exercer essa filtragem editorial
“em boa fé”, corrigindo ou até apagando conteúdos. Não será por isso que serão tratadas como jornais ou televisões.

Por outras palavras: os criadores da Seção 230 —um congressista republicano e outro democrata, por sinal— pretenderam o melhor dos dois mundos. Por um lado, liberdade total para os usuários; por outro, liberdade total para as empresas se comportarem como editorias.

O resultado dessa combinação é a selva em que vivemos. Kosseff, apesar de ser um defensor da seção, não nega que o Twitter e outras plataformas se converteram em esgotos de difamação, de partilha de pornografia infantil e até de recrutamento terrorista.

Mas há um segundo problema, a que o professor Kosseff não presta atenção: a arbitrariedade e até o capricho com que empresas decidem quem tem direito à palavra. A censura a Trump e a tolerância face a Khamenei representa uma contradição letal. Que fazer?

Não tenho a solução mágica. Até porque a minha costela liberal, no sentido clássico da palavra, pode aceitar qualquer uma das partes da seção, embora não as duas ao mesmo tempo. Por uma questão de igualdade perante a lei.

Sim, empresas privadas podem editar o que entendem; quem não gosta, procura alternativas no mercado. Mas, nesse caso, não podem desfrutar de um regime excepcional de imunidade face a outros veículos de informação, como os jornais.

Se, pelo contrário, as empresas não querem ser responsabilizadas pelos conteúdos dos usuários, também não lhes compete editar esses conteúdos.

Honestamente, vejo mais vantagens nessa última opção para o futuro da internet. O que não significa que as empresas são meras portas de banheiros públicos, onde é possível fazer, escrever ou desenhar as maiores barbaridades sob a capa do anonimato.

A liberdade dos usuários deve ser complementada pela responsabilidade pessoal —ou, melhor dizendo, pela possibilidade de culpar criminalmente quem abusa de um direito para causar dano a terceiros.

E isso só será eficaz, e não apenas uma formalidade que raramente tem consequências penais, se as plataformas forem obrigadas a identificar com rigor quem as usa e abusa.

Salvar a Seção 230 significa responsabilizar os indivíduos.

João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Jante e Gérson - PEDRO FERNANDO NERY

ESTADÃO - 02/06

Transparência dos países da Escandinávia contrasta com as dificuldades do Brasil


Você não se achará especial. Você não achará que é melhor que a gente. Você não achará que sabe mais do que a gente. Você não achará que é mais importante que a gente. Você não rirá da gente.

Essas são algumas das regras da Lei de Jante, parte da identidade dos países nórdicos. O jornalista Michael Booth explica que o código de conduta oriundo de um livro dos anos 30 teria começado como sátira, mas virou espécie de Dez Mandamentos informais na Escandinávia – região cujos países surgem sempre nas primeiras posições dos rankings de igualdade, desenvolvimento humano e felicidade.

A cultura da Janteloven explicaria por que na Finlândia, Noruega e Suécia mesmo detalhes do imposto de renda dos habitantes podem ser consultados pelos demais cidadãos – até anonimamente. Na Noruega, a prática precede a própria obra que enunciou a controversa Lei de Jante, datando do século 19.

Esse exemplo extremo de transparência na questão fiscal contrasta com as dificuldades do Brasil, em que até dados agregados do imposto de renda não são fáceis de se obter. Se em instantes é possível consultar informações sobre despesas – por exemplo o valor despendido com aposentadoria por invalidez no meio rural em Pernambuco em 2017 – do lado da arrecadação do Estado as coisas não são tão simples.

Foi recentemente que pesquisadores puderam usar dados do IR nos estudos sobre distribuição de renda, e eles mudaram nossa percepção sobre o tema. Trabalhos de Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro mostram que nossa desigualdade é mais alta e mais teimosa do que sabíamos.

Para além do imposto de renda, a falta de informação fácil compromete o debate sobre as renúncias fiscais. São políticas pouco compreendidas e que deverão fazer parte do debate público sobre o necessário esforço fiscal depois da pandemia, em um contexto de novas demandas sociais como a renda mínima. As renúncias correspondem ao dinheiro que todo ano o Estado deixa de arrecadar porque dispensa grupos de pagar um tributo ou de pagá-lo na sua totalidade. Foram mais de R$ 300 bilhões em 2019.

Não apenas pouco se sabe sobre quem é beneficiado pelas renúncias, como pouco se sabe sobre seus efeitos. Em tese, uma renúncia é implementada porque terá um alto retorno social, por exemplo, em benefício do investimento na economia ou da geração de empregos. Veja que os impactos negativos sobre o déficit e a dívida pública são os mesmos que o de um aumento de despesas, e não à toa as renúncias são também chamadas de “gastos tributários”.

Estudos têm mostrado, por exemplo, que o efeito da principal política pública financiada por essa forma – o Simples – tem efeitos tímidos sobre a formalização das empresas. Esse tipo de instrumento também é sabidamente usado para elidir da tributação normal, por quem não deveria ser o público da política.

“Para todo esperto existe um otário” me desabafou uma pessoa que estuda o problema das renúncias. Se refere ao fato de que para cada um que paga menos imposto, alguém deverá pagar mais por ele. O gasto tributário, sendo gasto, será custeado pelos demais.

Na União, nos Estados e nos municípios, essas políticas são instituídas frequentemente não pelos seus efeitos benéficos, mas pela capacidade de lobbies específicos – grupos de pressão que se beneficiam pela pouca informação que a maioria pagante tem do assunto. Alude assim à nossa Lei de Gérson (“Gosto de levar vantagem em tudo. Leve vantagem você também”).

A procuradora Élida Graziane, do Ministério Público do Tribunal de Contas de São Paulo, ressalta que as renúncias não só não são avaliadas como em geral são concedidas indefinidamente. Contrastam, assim, com políticas do lado da despesa (os contratos do governo são obrigatoriamente por prazo determinado).

“O debate democrático não pode se desenvolver sem uma base estatística confiável”. Assim resume o economista francês Thomas Piketty o problema da transparência com informações tributárias. Nos termos dos professores Gabriel Zucman e Emmanuel Saez, que lamentam a ausência uma cidadania informada, “o triunfo da injustiça tributária é, acima de tudo, uma negação da democracia”.

Com o advento da Lei de Acesso a Informação, avançamos na transparência do Estado: foi ela que permitiu a divulgação detalhada e nominal dos salários dos servidores públicos. Mas se os nomes dos beneficiários do Bolsa Família podem, até por município, ser conhecidos no Portal da Transparência, o dos beneficiários de renúncia de imposto não podem – embora o custo deles seja maior para o Estado. Mais informação sobre a arrecadação facilita a compreensão da desigualdade no País, informa o debate público e aprimora a tomada coletiva de decisões. Está na hora de discutirmos uma Lei de Acesso à Informação Fiscal?

DOUTOR EM ECONOMIA

Por que o digital é mais criativo - NIZAN GUANAES

FOLHA DE SP - 02/06

O digital, essa biblioteca de Alexandria, cobre o desnecessário; e ele, o etc., é o novo essencial



O digital é mais criativo do que a TV por um motivo muito simples: o digital não é escravo da audiência.

Ele forma a audiência. Sentado numa audiência absurda, a TV tem que contentar a todos. Por isso, ela inova menos, arrisca menos.

Já o digital nada de braçada. Ele tem todos os dias as melhores cabeças do mundo gerando gratuitamente conhecimento. Eu estou comprando todos os livros que Bill Gates recomendou para atravessar a pandemia. Eu não preciso mais ouvir sermão feijão com arroz se eu posso ouvir o padre Fábio de Mello ou o dalai-lama ou o que quiser na tela do meu celular.

Eu vi com emoção o lançamento do primeiro foguete tripulado construído pela iniciativa privada no meio de uma crise econômica. Eu também vejo o TikTok revolucionar a linguagem e a estética com coisas geniais e com coisas absurdas e escatológicas.

Eu editei meu Instagram para ficar ligado às fontes de conhecimento do mundo (The New York Times, BBC, The Wall Street Journal). Mas também aos BBBs, à blogueira, aos mequetrefismos, à Nathalia Arcuri, ao Caetano etc. etc. etc.

É uma batalha inglória para a TV. Não acho que os anunciantes e as agências e a mídia em geral entendam o que está acontecendo. Eles acham que é uma revolução do meio. É mais: é uma revolução da mensagem. O mundo está mudando de pauta. Ninguém aguenta só falar de política, de economia e de narrativas dramáticas cansadas e tantas vezes negativistas.

A novela tem as mesmas estórias contadas à exaustão. O digital tem tudo. O romance entre um pé de chuchu e uma couve. No primeiro episódio, tem duas pessoas assistindo. E daqui a pouco tem 40 milhões. Afinal, as Kardashians são um pé de chuchu.

Democracia é pauta também. E é a pauta cauda longa —40 mil, 50 mil, 100 mil pessoas que querem falar de relógio ou masturbação ou latim, em profundidade. Aí você tem à disposição tudo, absolutamente tudo de mais genial que a mente humana pode produzir sobre o tema. Inclusive comercialmente falando. E você compra tudo rapidamente. A experiência de compra é incrível. Uma das melhores coisas no YouTube e no Instagram são os produtos. A criatividade dos produtos, dos serviços e dos apps.

Os CEOs e os CMOs deveriam reservar tempo para se dedicar a uma imersão diária neste mundo que está em nossas mãos. Antigamente, a gente viajava ao exterior para nos atualizar. Hoje, é só clicar de qualquer lugar. Os CEOs e o CMOs precisam achar esse tempo.

A quarentena nos deu tempo. Neste festival de horrores, luto e medo, surgiram coisas boas também. Uma delas é o ser humano ter mais tempo para ser humano. Para rezar, cantar, ler, jogar baralho, dominó, falar bobagem.

O digital tem essa pauta. Que está na literatura de Saramago quando ele fala da avó dele, de Jorge Amado contando a vida da Bahia, de Quintana, Bandeira, Pessoa. A beleza das coisas comezinhas.

Escrevo este texto direto do meu WhatsApp, depois de ver a live do padre Fábio de Melo no meu iPad e tendo de correr para fazer um Zoom de trabalho num domingo.

Tudo isso é uma bênção, inclusive para a TV. Que será ainda mais forçada a sair da sua zona de conforto. A Globo tem melhorado muito, esta Folha está linda, o New York Times se reinventou mostrando que quem decretou o fim do jornal perdeu etc.

Aliás, o etc. é a pauta rica do digital. A publicidade precisa dedicar tempo ao etc. Os anunciantes têm que entender que o futuro está no etc. A felicidade é o etc.

O digital, essa biblioteca de Alexandria, cobre o desnecessário. E ele, meus amigos, o etc., é o novo essencial.

Nizan Guanaes
​Empreendedor, criador da N Ideias​.

Os limites da tolerância e o respeito pelo outro - MARLI OLMOS

Valor Econômico - 02/06

Covid-19 coloca em xeque sociedades voltadas ao indivíduo


Desde o início da pandemia, grupos que apoiam o presidente Jair Bolsonaro em São Paulo habituaram-se a ocupar a avenida Paulista e arredores, nas tardes de sábado ou domingo, em manifestações com carros particulares. Estridentes e insistentes buzinadas transformaram-se na voz desse tipo de protesto.

No último fim de semana, porém, a mesma avenida Paulista foi o palco da reação de movimentos contrários ao governo. Torcidas organizadas, de fanáticos por futebol, tradicionalmente conhecidas por brigas nos estádios, fizeram as pazes para unir-se em defesa da democracia.

Nos últimos dias, cidades americanas viveram cenas de caos durante ondas de protestos pela morte de George Floyd, um homem negro, que não resistiu à brutalidade do policial branco, que ficou ajoelhado em seu pescoço durante oito minutos.

Embora as recentes reações populares nos Estados Unidos e no Brasil não sejam pelos mesmos motivos, ambas revelam como a tolerância da sociedade, em determinadas situações, começa a chegar ao limite, ainda mais num momento de nervos à flor da pele, diante do temor de novos surtos de vírus e colapso econômico.

Não foram poucas as vezes em que as carreatas na avenida Paulista bloquearam o acesso de ambulâncias ao Hospital das Clínicas. Esse desfile de carros na cidade com o maior número de mortes por covid-19 do país é uma forma de manifestar apoio a Bolsonaro, que se opõe às medidas de isolamento social.

Há poucos dias, mais uma manifestação de motoristas que usam a buzina do carro como ferramenta de protesto deixou na mesma avenida uma marca tão triste quanto revoltante.

Às 16h do dia 24, um domingo, policiais que estavam a serviço na região bateram continência no exato momento em que manifestantes que apoiam Bolsonaro passavam pela região.

Foi uma bela oportunidade para o grupo captar vídeos e exibi-los em redes sociais, dando falsamente a entender que o gesto de respeito dos soldados era uma homenagem aos manifestantes. Numa das imagens, alguns saem dos carros, batem palmas e gritam: “Viva a polícia; orgulho de São Paulo”.

Por coincidência ou não, a carreata passou pelos policiais no exato momento em que o corpo de Lucas Alexandre Leite, soldado da Polícia Militar, era enterrado no centro da cidade. Leite morreu aos 25 anos, depois de bater a viatura que guiava, na perseguição de um carro suspeito durante uma ronda.

A Polícia Militar emitiu uma nota, esclarecendo que “durante o sepultamento de Leite, os policiais do Segundo Batalhão, ao qual ele pertencia, “o honraram com continência individual e toque de silêncio”.

A essa altura, porém, uma onda gigante de disseminação de notícias falsas já havia invadido as redes sociais. O deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, foi um dos que compartilharam os vídeos. O que ele espalhou levava a legenda: “A Polícia Militar de São Paulo nunca decepciona, sempre dá o exemplo”.

A falsa interpretação da continência aos bolsonaristas transformou-se em mais um episódio da polêmica onda de “fake news”, que assola o país.

Em meio às mais diversas formas de exercitar a propagação de notícias falsas e de alguns grupos abusarem da tolerância alheia, estudiosos começam a chamar a atenção para padrões comportamentais que afloraram com a pandemia.

Em recente entrevista ao editor de Cultura, Robinson Borges, numa live do Valor, o filósofo Mario Sergio Cortella criticou as pessoas que, “usando a boa-fé dos tolerantes, são capazes de esmagar a tolerância no convívio social”. E citou uma frase do filósofo austro-britânico Karl Popper (1902-1994): “É preciso ser intolerante com os intolerantes”.

À pergunta de por que algumas pessoas preferem negar a pandemia, Cortella comentou sobre a dificuldade de cooperação e também sobre a necessidade de alguns de encontrar culpados para tudo - “algo bastante comum na história da Humanidade”. Foi o que aconteceu, por exemplo, nas campanhas de difamação contra a China, acusada de ter “criado o vírus” para dominar o mundo ou algo semelhante.

Respeito pelos outros
Mas existe, também, a esperança de que a pandemia possa despertar sentimentos positivos, como a necessidade do cuidado com o coletivo, o que poderia até levar a uma saudável transformação social.

Em recente entrevista ao Valor, o antropólogo Michel Alcoforado disse que manifestações como as carreatas barulhentas estão com os dias contados por tratar-se de um ato que ignora a causa coletiva. “Não há nada mais individual do que sair num protesto dentro de um carro particular”, disse. Para ele, o mundo para qual essas pessoas foram treinadas pode deixar de existir.

A covid-19, disse o antropólogo, serve para questionar sociedades que demasiadamente voltadas ao indivíduo. Para ele, ao contrário do modelo oriental, o sistema ocidental “foi dando tanto cartaz ao indivíduo que acabou transformando-o num problema para o próprio sistema”.

A modernidade fez surgir o indivíduo fechado e preocupado com suas ambições pessoais. Esse modelo social no qual um tenta ser melhor que o outro exige, diz o antropólogo, que você seja o melhor na profissão, o melhor aluno, o melhor empreendedor, o melhor marido, a melhor esposa, o melhor filho...

E, com isso, perde-se a ideia do coletivo, de fazer o que é bom para o mundo. Ou, como diz Alcoforado, deixar o “faço o que eu quero” para passar a fazer “aquilo que precisa ser feito”.

O médico Paulo Chapchap, diretor do Hospital Sírio-Libanês, costuma citar o uso das máscaras como símbolo de um novo olhar. Segundo ele, a dupla barreira que se cria quando duas pessoas que conversam usam essa proteção é uma demonstração de preocupação com o coletivo.

Infelizmente, muitos ainda circulam por aí com a máscara no pescoço ou pendurada na orelha. Talvez porque muita gente ainda não tenha percebido que a pandemia pode ter criado novos modelos de viver. Basta seguir uma simples regra sanitária de sobrevivência. Isso serve também para demonstrar respeito pelo outro.

Manifestos e manifestações - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de S. Paulo - 02/06

Ingrediente que faltava para o impeachment, a população nas ruas, pode estar começando a surgir


As coisas pioraram para o presidente Jair Bolsonaro. O ingrediente que faltava para o impeachment, a população nas ruas, pode estar começando a surgir. Os outros dois, a saber, crimes de responsabilidade e uma megacrise econômica, já estavam presentes e seguem com tendência de alta.

Bolsonaro conseguiu o que parecia impossível, que é unir as torcidas organizadas de clubes com rivalidades ancestrais e histórico de confrontos pela defesa da democracia. Louvo-lhes o gesto cívico, mas, diante de curvas pandêmicas ainda ascendentes, não me parece uma boa ideia que as pessoas vão literalmente para as ruas, quando podem fazê-lo virtualmente, através dos vários manifestos pró-democracia que estão aparecendo e ganhando signatários. Espero que o R0 desses abaixo-assinados seja maior que o da Covid-19.

É importante que a sociedade civil deixe claro que está mobilizada para defender as instituições. O alvo primário do recado é o centrão. Ninguém imagina que os políticos desse grupo pegarão em armas por Bolsonaro. Eles sempre se movem por oportunismo e sabem muito bem que, na hipótese de um autogolpe promovido pelo presidente, se dariam mal. Mas precisam de sinais mais ou menos inequívocos de como andam os humores do eleitorado para deflagrar um eventual processo de debandada.

Outros destinatários incluem chefes de Poderes, que devem sentir-se respaldados para traçar linhas que não podem ser ultrapassadas, e generais do Exército, que talvez precisem de um sacolejo para entender que não vale a pena sacrificar décadas de esforço para melhorar a imagem da instituição a fim de defender um ex-tenente fracassado e insubordinado que só pensa em livrar a cara da família cheia de rolos policiais.

Por falar em polícia, o governador João Doria deveria deixar a Polícia Militar nos quartéis no próximo domingo. As ruas ficam mais seguras sem a tropa engrossando as hostes bolsonaristas.

Bolsonaro usa recursos e símbolos - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 02/06

Bolsonaro usa recursos públicos, símbolos das Forças Armadas e o cargo para estimular protesto antidemocrático e fazer campanha fora de hora


O presidente Jair Bolsonaro tem usado recursos públicos e símbolos militares para fazer campanha política. A eleição é só em 2022, mas ele jamais saiu do palanque. A ida a manifestações não é um ato da administração do país, é de um candidato. A armadilha em que o Brasil está é que ele, como presidente, pode requisitar helicópteros para fazer seus deslocamentos, mas teria que ser para o exercício do cargo. Evidentemente ele quer usar isso como símbolo de força e poder para estimular seus apoiadores, tanto que nesse domingo usou não um dos veículos da Presidência, mas da Aeronáutica.

Ele usa esses símbolos deliberadamente. Não é necessário helicóptero entre o Alvorada e o Planalto, pouco mais de quatro quilômetros distantes um do outro, cerca de cinco minutos de carro. Mas ele quis fazer sobrevoos exibicionistas. A bordo, levou o ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo, presença absolutamente inconveniente neste momento em que o país está diante de velhos fantasmas de rupturas institucionais que este governo reavivou. O general Azevedo tem dado sinais muito ruins.

A propósito da coluna de domingo, em que o historiador José Murilo de Carvalho disse que “os erros (do governo Bolsonaro) terão a cor verde-oliva”, um oficial general me disse o seguinte: “A imagem das Forças Armadas (do verde-oliva, mas não exclusivamente) foi afetada? Sim. Indelevelmente? Não.” Ele acha que a geração que chegou aos comandos agora aprendeu a conviver com a suposta “dubiedade” do artigo 142 da Constituição. “E saiu-se bem quando confrontada com os antagonismos naturais ocorridos no amadurecimento da democracia brasileira.” É verdade. Saiu-se bem. Até agora.

Os militares que estão no governo costumam minimizar as ameaças que o presidente tem feito às instituições falando em “arroubos” e “figuras de retórica”, ou então que “ele é assim mesmo”. Tomado ao pé da letra, significa que não se deve levar a sério o presidente da República. Para o vice-presidente Hamilton Mourão, na entrevista ao “Valor”, as ameaças que fez na semana passada — de não respeitar ordens judiciais — foram “um desabafo”. A nota do general Heleno, uma “retórica inflamada dos dois lados”.

Cada ato do presidente é filmado e divulgado para a sua rede social. Quem filma? Um servidor público. O helicóptero usado gasta combustível. Onde será debitado? No cartão corporativo secreto da Presidência. Toda a segurança tem que ser reforçada em torno dele no seu contato com os manifestantes. Quem paga todo esse aparato? O contribuinte. Domingo, ele montou cavalo da Polícia Militar. Queria passar a informação de que também as PMs estão ao seu lado.

As manifestações das quais o presidente participa fazem defesa de crimes. Pedem fechamento do Congresso e do Supremo e intervenção militar. A presença dele significa apoio. Os atos estão sendo investigados pela Procuradoria-Geral da República. Em resumo, Bolsonaro usa dinheiro público, símbolos das Forças Armadas e da Polícia Militar, o poder da Presidência para estimular manifestações contra a democracia, manter sua militância estimulada e fazer campanha eleitoral fora do seu tempo.

Os contra o presidente foram para a rua também no domingo. Não é aconselhável aglomeração, mas o presidente tem ido há sete semanas em atos que o reforçam. A resposta viria. Era previsível que haveria confronto. O temor que está no ar é o de que a Polícia Militar, diante de grupos em conflito, não tenha neutralidade. O deputado federal, ex-PM do Rio, Daniel Silveira (PSL-RJ), vice-líder do governo, postou uma mensagem com ameaça explícita. Depois de xingar os manifestantes contra o governo, ele disse que “tem muito policial armado, e um de vocês vai achar o de vocês. Na hora que vocês vierem, e tomar um no meio da testa ou no meio do peito e cair o primeiro...”

Na entrevista ao “Valor”, o vice-presidente Hamilton Mourão disse: “deixa o cara governar”. Bolsonaro não tem governado porque não quer. Ninguém o impede, a não ser ele mesmo. Poderia ter somado as forças políticas na luta contra o inimigo comum, o coronavírus. Mas politizou e escalou. Criou conflitos com governadores, ministros do Supremo, o presidente da Câmara e com seus ministros. Já tirou três nesta pandemia. Ele não quer governar, ele quer o conflito, a agitação e a propaganda. E o faz com dinheiro público.

Investigação no Planalto - JOSÉ CASADO

O Globo - 02/06

O inquérito do Supremo sobre a difusão de informações falsas chegou à antessala de Jair Bolsonaro. Na investigação constam três integrantes da Assessoria Especial da Presidência: Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz. O trio opera com um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro, vereador carioca.

Tomaz e Gomes foram pagos pela Câmara do Rio na campanha de 2018. No Planalto, suas agendas oscilam entre o lacônico “Despacho interno” e o sucinto “Sem compromisso”. Diniz ganhou um cargo de 27 palavras: “Assessor no Departamento de Relações com a Imprensa Internacional da Secretaria de Imprensa da Secretaria Especial de Comunicação Social da Secretaria de Governo da Presidência da República”.

A rede de fraudes se estende por Rio, São Paulo, Minas, Ceará, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia. É composta por sites financiados com anúncios públicos e privados. Tem contribuintes como Luciano Hang, da Havan (141 lojas e vendas de R$ 10,7 bilhões), e Edgard Gomes Corona, da SmartFit (850 salas de ginástica e receita de R$ 2,4 bilhões).

Preocupado, Jair Bolsonaro amplia sua malha de coleta de informações, à margem dos 42 serviços regulares de Inteligência militar, policial e financeira. Decidiu “aprimorar” a cooperação dos núcleos (P-2) da Polícia Militar, fragmentados com a politização dessas forças.

Na quinta-feira, em edição extra do Diário Oficial, expandiu a seção de Inteligência do Ministério da Justiça. Fez isso 48 horas após a ação do Supremo contra 25 suspeitos — entre eles, empresários, parlamentares e o ex-deputado Roberto Jefferson.

O processo de agregação da espionagem das PMs foi formatado por André Mendonça, que se qualifica como “servo” de Bolsonaro na Justiça. Ele explora brechas da lei numa área sem fiscalização do Congresso.

Até existe uma comissão de controle. Ela é comandada pelo senador Nelson Trad (PSD-MS) e por outro filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Houve uma única reunião em 480 dias. Durou 9 minutos e 54 segundos.

Rastro e risco - ANA CARLA ABRÃO

O Estado de S. Paulo - 02/06

Milhares de vidas foram poupadas graças às medidas de isolamento social


O governo do Estado de São Paulo divulgou, na última quarta-feira, o plano de modulação da quarentena no Estado. O Plano São Paulo, anunciado pelo governador João Doria, estabelece cinco faixas de risco nas quais estarão classificadas todas as regiões do Estado. Dado que o vírus não respeita fronteiras municipais ou de regiões administrativas, aqui região equivale a “região de saúde”. Busca-se assim compatibilizar a flexibilização das medidas de isolamento – e o consequente impacto delas – com a capacidade de distribuição de recursos e infraestrutura instalada de saúde administradas pelo governo estadual.

O plano se assenta em cinco pilares. O primeiro deles se baseia em indicadores que medem as duas preocupações fundamentais nessa pandemia: a capacidade de oferecer atendimento à população que chega às enfermarias e, principalmente, às UTIs disponíveis no Estado, e o ritmo de evolução da contaminação. A ideia é equilibrar, em cada região, os recursos hospitalares disponíveis com o estágio da epidemia. A visão regional é, portanto, o segundo pilar, refletindo a heterogeneidade da epidemia no Estado.

Capacidade ociosa e contaminação descontrolada significam que a região não pode evoluir na direção da flexibilização e pode também significar volta das restrições ao funcionamento de setores previamente liberados. Vale também o vice-versa: contaminação controlada com sistema de saúde pressionado também indica que a flexibilização precisa de mais tempo para acontecer, ou será necessário retornar aos níveis anteriores (elevados) de isolamento social.

A partir daí, as regiões são classificadas em diferentes faixas de risco e avança-se nas duas dimensões seguintes: (i) definição dos setores a serem reabertos em cada faixa e (ii) protocolos a serem seguidos. Aqui foram usados critérios de impacto setorial da epidemia, baseados em produto e emprego e também em risco ocupacional de cada atividade a ser reaberta.

Tudo isso baseado em trabalho exemplar elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas (Fipe), liderada pelo economista Eduardo Haddad, e cujas análises permitiram que pudéssemos agregar a visão econômica às restrições de saúde. Protocolos gerais e específicos levam em conta essas dimensões e visam a controlar o risco de contágio e a permitir uma reabertura mais segura. Mas terão de ser seguidos à risca. Gradualismo e controle são as palavras de ordem. Se ausentes, o caminho de volta às restrições está pavimentado, é parte do plano e será usado, conforme afirmaram o governador João Doria e o prefeito da capital, Bruno Covas, no anúncio do plano.

Mas, finalmente – e não menos importante –, há o pilar de testagem. Esse, sim, o farol de monitoramento da epidemia. A identificação e o isolamento de casos assintomáticos são o que permitem uma resposta rápida e eficaz em qualquer uma das duas direções possíveis: de continuidade no processo de flexibilização ou de volta às restrições. A ampliação na testagem – e, consequentemente, uma maior precisão nas estimativas da taxa de transmissão (Rt) – levará à melhora nas previsões da curva epidêmica e à maior capacidade de rastrear e tratar eventuais novos focos de contaminação.

Aqui, como foi no início com respiradores, máscaras e cestas básicas, o setor privado e a sociedade civil poderão fazer toda a diferença. Com grandes empresas abraçando essa causa, aderindo aos protocolos de testagem e colocando em prática uma ampla ação visando à identificação e ao isolamento de pessoas infectadas dentre os seus funcionários, poderemos avançar mais rápido e de forma mais segura.

Se, além disso, também adotarem pequenos fornecedores e empresas parceiras, inserindo-os nos seus programas de testagem, muito melhor. Se, adicionalmente, garantirmos a ampliação de programas de testagem gratuita em comunidades carentes e de trabalhadores informais, poderemos atingir volumes impensáveis de testes comparativamente à situação em que o setor público atua sozinho, com todas as limitações conhecidas.

Estamos, após quase 70 dias de quarentena no Estado de São Paulo, nos movendo na direção de uma flexibilização consciente e gradual. Ela será mais segura e numa só direção quanto maior for a nossa capacidade de administrar os riscos envolvidos numa abertura, mesmo que gradual. Houve grandes conquistas até aqui. Milhares de vidas foram poupadas graças ao sucesso das medidas de isolamento social e à ampliação e maior eficiência no atendimento de saúde no Estado e na capital.

O Plano São Paulo tem como objetivo fazer essa transição entre a fase de resposta aguda e emergencial para a fase da administração e do controle desses riscos sem botar a perder essas conquistas. Daí seus cinco pilares. Eles se refletem na identificação dos riscos, no gradualismo da abertura, na adoção dos protocolos de higiene, na heterogeneidade da epidemia e na testagem e rastreamento. Este último, que deve agora ganhar ainda mais foco, surge do entendimento de que seguir o rastro e controlar o risco sempre andaram juntos. Aqui e hoje, mais do que nunca.

Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman.

Poder impotente - PABLO ORTELLADO

Folha de S. Paulo - 02/06

Bolsonaro se apoia em discurso populista de que instituições não o deixam governar



Quem pare para escutar o discurso bolsonarista ouvirá que o ímpeto renovador do presidente está sendo bloqueado pelas instituições e que o voto popular não está sendo respeitado, porque o STF derruba as ações, o Congresso não aprova as medidas provisórias e a imprensa persegue o presidente.

Seria necessário fazer valer a soberania popular, que precisaria se impor sobre as viciadas instituições de representação, ainda que por meio de uma intervenção das Forças Armadas atuando como poder moderador. Para os bolsonaristas não se trataria de ditadura, mas de uma restauração da democracia. O nome técnico deste tipo de discurso é populismo.

Populismo é um termo utilizado para descrever os movimentos políticos que empregam um discurso antielites e buscam mobilizar o povo em conexão direta com um líder forte e carismático contra as instituições de representação.

O populismo no poder, portanto, seria paradoxal, porque ao assumir o Executivo o líder se tornaria o poder constituído contra o qual se opunha.

Para não se descaracterizar enquanto projeto de mobilização e de antagonismo permanente, o populismo no poder adota um discurso no qual se coloca como poder impotente, comprimido e esmagado por instituições corrompidas e envelhecidas que precisam ser derrubadas ou renovadas. O projeto populista não tem fim, porque essas elites escondidas e entranhadas funcionam como um fantasma sempre presente, que impediria o líder de governar.

Foi assim com a Venezuela. Era preciso derrubar a imprensa, então se caçaram as concessões de radiodifusão, se cortou a importação de papel e se construiu um sistema de comunicação oficial. Era preciso limitar o Congresso, então foram redesenhados os distritos eleitorais e se esvaziou o Poder Legislativo, criando uma dualidade com a Assembleia Constituinte; era preciso limitar a Suprema Corte, então se alterou a sua composição.

Quando tudo parecia estar sob controle, se apontaram o poder dos empresários e a ação de forças estrangeiras. A resposta antidemocrática da oposição, que tentou um golpe em 2002, e dos Estados Unidos, que implementaram um embargo em 2019, apenas respaldou o discurso do poder impotente, que precisa perseguir permanentemente esse outro poder oculto, entranhado.

O projeto político que temos no Brasil é desse tipo, guardadas as diferenças ideológicas. Bolsonaro quer não apenas medidas pontuais contra a imprensa, o Congresso e o STF. Estamos enredados em um processo permanente que, se não for interrompido agora, vai nos tragar em uma espiral de destruição.


Decálogo da catástrofe - FÁBIO GIAMBIAGI

O Globo - 02/06

O que impressiona em “M — o filho do século”, de Scurati, é que Mussolini representava a expressão de uma série de desejos latentes em parte da sociedade


‘O ovo da serpente” é um filme magistral dirigido por I. Bergman, ambientado na Alemanha que sucedeu à Primeira Guerra Mundial. Ele expõe a origem insidiosa do mal e serve para entender as raízes do que aconteceu naquele país nos anos 30 e 40.

Nesse sentido, gostaria de compartilhar com os leitores o efeito que produziu em mim a leitura de “M —o filho do século”, de A. Scurati, que apresenta com meticulosidade de historiador o quadro político e social italiano em 1919/1920, quando estava despontando a figura de Mussolini. O que impressiona no relato é a percepção de que este representava a expressão de uma série de desejos latentes em parte da sociedade, fruto da situação do imediato pós-guerra e que indicavam sintomas de uma patologia social. O resto foi consequência. O final da história é conhecido, mas entre o cenário inicial retratado por Scurati e o fim, a Itália viveu os seus dias mais negros, durante 25 anos. O que vou reproduzir nos próximos parágrafos deveria provocar uma reflexão. Há vários traços distintivos daquela situação, entre os quais destaco os seguintes, sempre com a citação de trechos-chave, copiados do livro:

1) O combate à neutralidade (os “isentões!”): critica-se “os moderados e seu bom senso, a quem desde sempre devemos nossa desgraça” (página 11). E explicita-se: “A luta não admite uma terceira opção, nenhuma neutralidade. Nada de espectadores!” (p.37).

2) O ódio: a descrição que o livro aplica a vários dos personagens que compõem as figuras de proa do fascismo é inequívoca: como o líder, cada um deles é um “odiador profissional” (p.23). A descrição é complementada páginas mais tarde: “Entre eles e o passado, ergue-se um muro de ódio, desprezo e sangue” (p.62).

3) O culto à morte. Na descrição das lutas políticas entre grupos polarizados, chamando a atenção para o fato de que no núcleo do fascismo estava parte dos combatentes da Primeira Guerra — então desempregados. Scurati diagnostica: “É a relação diferente que os dois grupos têm com a morte o que cava um abismo entre eles” (p. 37). É nesse contexto que ele descreve a cena de um dos personagens, almoçando e insistindo, “entre uma bocada e outra, em verificar o funcionamento do seu revólver com o tambor carregado” (p.41).

4) o isolamento do líder. Há uma passagem especial, em que o autor descreve num capítulo a relação (ou falta dela) entre Mussolini e o resto das pessoas, cuja última frase é: “Uma distância intransponível o separa do gênero humano” (p.42).

5) O recurso às ameaças. Estas aparecem em diversas passagens, das quais destaco a seguinte proclamação afixada num muro de Milão na época, dirigida aos “combatentes vitoriosos que devem, e vão, dirigir sozinhos, custe o que custar, a nova Itália. Não provocaremos, mas, se formos provocados, acrescentaremos alguns meses aos nossos quatro anos de guerra” (p.43).

6) A rejeição da concórdia. Scurati cita a carta de um dos líderes intelectuais do movimento, na qual ele escreve, explicitamente, que “para mim e para os nossos pares, a paz é hoje uma desgraça” (p.50).

7) A confusão mental. Este é um dos traços mais marcantes da construção dos personagens. Diz o autor, acerca de um dos tipos: “é um fanático que não sabe viver sem elaborar planos de vingança”. E logo depois, sobre outro, registra: “não tem uma única ideia na cabeça e, por isso, é um ótimo orador” (p.62);

8) A crítica aos partidos: “Quem são os fascistas? O que eles são? São algo novo, inédito, um antipartido. Fazem antipolítica” (p.64).

9) O ressentimento: “Trata-se apenas de fomentar as facções, exasperar os ressentimentos” (p.64).

10) A falta de rumos: a massa de manobra do fascismo é composta por aqueles que “não têm noção de futuro, não sabem onde desaguar... Seu verdadeiro programa está contido na palavra ‘combate’” (p.64/65).

É um decálogo da catástrofe. “M” é, provavelmente, um dos livros que mais me impressionaram em quase cinco décadas como leitor. Recomendo a leitura.

A democracia infantil - CARLOS ANDREAZZA

O Globo - 02/06

O Brasil, sob o norte da mentalidade autoritária, é refém do tribalismo


Receio que nos tenhamos acostumado, cada um com seus ressentimentos, a que democracia seja medir-se nas praças com o adversário; com o inimigo — porque a gramática é de guerra. Nesses termos, quem poderá mais? Ou melhor: quem se beneficiará, afinal, de um embate cujo produto só pode ser a conturbação?

Receio que nos tenhamos tornado adictos da adrenalina própria à instabilidade, parasitas da depressão política que se aprofunda e traga o país. Jair Bolsonaro é a intensificação da instabilidade — o vício na instabilidade também sendo vício nele.

O Brasil é país doente; doença da qual Bolsonaro, presidente eleito, é a mais alta febre. Vamos para a briga de rua de modo a vencer uma convulsão? É essa a ideia? Valer-se do vocabulário da rinha para enfrentar quem monopoliza o dicionário da guerra?

Partir ao confronto, físico, contra quem se alimenta da radicalização?

Desde há muito denuncio o investimento bolsonarista na forja de movimentos plebiscitários para pressão — para intimidação. As facções têm agenda clara — que costura intervenção militar e os fechamentos do Congresso e do Supremo. Desafiá-los no mesmo tom, no mesmo chão, será legitimar a linguagem beligerante e admitir como terreno o dos tacos, que é o mesmo das bombas, que é o mesmo da desobediência civil — que é o mesmo do estado de sítio. Há quem só espere uma oportunidade.

Fora dos marcos republicanos só prosperam aqueles cujo projeto de poder dependa do esvaziamento — da corrosão do caráter — das instituições.

O espírito do tempo é lavajatista, jacobinista — e que não pensem os que desprezam a figura do justiceiro Moro e o papel dos dallagnols de Curitiba estarem imunes à doença. A doença: a da justiça com as próprias mãos. O zeitgeist é o do justiçamento — produto de uma sociedade que não acredita em sua institucionalidade, a qual aceita atalhar, esgarçar, se para que triunfem os propósitos nobres que, ora, todos temos.

Somos todos democratas, todos bem-intencionados. Certo? Aqueles patriotas, vestidos de intervenção militar, que bradam pelo fechamento do STF — declaram-se democratas e de bem — e os valentes que os combatem, aquelas falanges de torcidas uniformizadas de clubes futebol que marcharam contra o fascismo, com as tantas mortes que já causaram e com as tantas ligações com organizações criminosas que têm; também se dizem democratas e gente boa.

Quem poderá mais, entre esses virtuosos?

O Brasil — sob o norte da mentalidade autoritária — é refém do tribalismo; o próprio paraíso de um autocrata. O paraíso do autocrata — nesta altura, depois de cavalgar pela esplanada como um Newton Cruz, feliz da vida: a descrença nos meios institucionais, descrença que o elegeu, compartilhada com os que, pelas próprias mãos, desejam derrubá-lo. Bolsonaro agradece.

O sonho do autocrata: que grupos em defesa da democracia saiam às ruas para arrostar o fascismo. Não é belo, corajoso? O mundo real, contudo, pergunta: qual é a agenda? É só a sectária, da força pela força, para dar vazão ao revanchismo e ir à forra na pancada, ou se pleiteia, por exemplo, o impeachment do presidente? Qual a agenda?

Recordemos que, expressando-se a rojões, gente sob o mesmo impulso democrático — certamente antifascista — matou o cinegrafista Santiago Andrade em 2013. Qual o projeto? Porque, sem demanda institucional, será só anarquia.

Lembremos que os que ora chamam Bolsonaro de fascista são os mesmos que de fascista chamavam Fernando Henrique Cardoso. Não têm credibilidade. Tampouco a musculatura policial. E não se franqueia a pista de um baile autoritário se não se quer que o autoritário que comanda o guarda da esquina dance.

Nota importante: o apoio fardado ao bolsonarismo — já escrevi nesta coluna antes — não estará nas Forças Armadas, mas em influentes setores das polícias estaduais, como aqueles que se amotinaram no Ceará. Houve amostras — no domingo, em São Paulo — de como podem se manifestar seletivamente entre democratas.

Que não se pense que o que se viu no último fim de semana, especialmente na Avenida Paulista, enfraqueça Bolsonaro. Bem ao contrário: fortalece-o. Uma blitz de homens de preto — vestidos de revolução — para reação e choque. Ele agradece, o reacionário, também ele revolucionário — também ele democrata, segundo Paulo Guedes. A quem aquilo atrai? Aquilo atrai ou repele? Aquilo atrai o cidadão — o cidadão de saco cheio das crises geradas pelo presidente — ou o faz lembrar de por que votou no sujeito? Ou a ideia não seria atrair o cidadão que não é militante do PCB? Qual a agenda?

Ah, sim. Não interessa quem atacou primeiro. Interessa que houve confusão; filme já tanto visto e que ativa — revitaliza — o discurso da ordem. Bolsonaro agradece. Os que — em nome da democracia — vão para o conflito, para a porrada, para a quebradeira, entregam o que busca o bolsonarismo. O caos.

O governo das bandas podres - JOEL PINHEIRO DA FONSECA


Folha de S. Paulo - 02/06

Presidente é apoiado por quem prefere o egoísmo desavergonhado ao altruísmo hipócrita



É compreensível o sentimento antissistema que ajudou a eleger Jair Bolsonaro. Desigualdade e pobreza persistentes, setor público ineficiente e abarrotado de privilégios, serviços públicos precários, ricaços que pagam pouco imposto e pobres que pagam muito etc. Isso sem falar na corrupção, cometida pelos mesmos que, em discursos, louvam a democracia, a ética e o bem comum.

Bolsonaro chegou ao poder, ao menos em parte, levado por esse sentimento antissistema, prometendo acabar com “o que aí está”, tirar o poder das elites (econômica, política, cultural etc.) que se encastelaram e desfrutam de privilégios. Na prática, contudo, governa para as elites. Ou melhor, para uma parcela delas: a parte mais inescrupulosa, para a banda podre que não aceita nenhum limite à sanha acumulativa de dinheiro e poder.

Entre os empresários, o apoio não vem daqueles que buscam adequar suas empresas ao mínimo de boas práticas, ética e sustentabilidade, e sim dos mais ávidos pelo lucro imediato.

Basta comparar a postura de Luiza Trajano, de cooperação com o esforço de distanciamento social ao mesmo tempo em que preserva os empregos de seus funcionários, com a de Luciano Hang, que ao primeiro anúncio de quarentena, gravou vídeo em que ameaçava os empregos de milhares de funcionários.

Na religião, o bolsonarismo não é representado por líderes que buscam com humildade viver sua fé e seu compromisso moral, mas pelos pastores mais estridentes e fanatizadores, sedentos de dízimo e de poder.

No agronegócio, os representantes de um agro tecnológico e sustentável já percebem o buraco em que o Brasil se meteu. Bolsonaro governa para o que há de mais retrógrado no agronegócio, os interesses predatórios que querem matar índio e desmatar a Amazônia para transformar em pasto.

No jornalismo, mesma coisa. Profissionais que buscam objetividade de apuração são hostilizados, ao mesmo tempo em que o presidente recomenda “jornalistas” que não veem problema em distorcer o quanto for necessário para melhor bajulá-lo e garantir sua fama junto aos apoiadores.

Na política, Bolsonaro se aproxima do que há de mais abertamente fisiológico e aproveitador, entregando o FNDE e o Banco do Nordeste às legendas do centrão, numa negociação com zero conteúdo propositivo.

Em todos os casos, a lógica é uma só: o bolsonarismo é a lei do autointeresse acima de qualquer consideração institucional, social, legal ou ética.

Há, e não é de agora, uma hipocrisia no discurso de qualquer elite. Um descompasso entre aquilo que pregam e a maneira como de fato se comportam. Esse descompasso gera indignação. De que adiantam discursos certinhos e polidos, com belos ideais, se a prática é desonesta?

O problema é que, para fazer discurso e prática coincidirem, o bolsonarismo não busca melhorar a prática; ele só abriu mão do discurso.

Assim, a prática piora ainda mais, se tornando ainda mais exploratória. O ambientalismo do sistema era da boca pra fora? Então agora vamos desmatar sem disfarces.

A preocupação com a democracia e com os vulneráveis dos políticos de sempre não casava bem com a política fisiológica de jogo de interesses? Então agora o presidente admite não estar nem aí.

O único aspecto do sistema que querem mudar são os limites que esse sistema interpunha à busca desenfreada de seus interesses.

Ao altruísmo hipócrita, preferem o egoísmo desavergonhado. “Ao menos é autêntico.”

Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

Inteligência? Que nada! - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 02/06

Ao exigir relatórios, Bolsonaro não visa dados estratégicos, mas sim de aliados e adversários



O presidente Jair Bolsonaro recebeu um relatório do Exército e outro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) mostrando com gráficos, curvas epidemiológicas e estudos científicos que o isolamento social era, como é, a forma mais eficaz de conter a disseminação e as mortes pela covid-19. O que ele fez? Deixou para lá, se é que não jogou no lixo, junto com as orientações da OMS e as pesquisas sérias sobre a cloroquina.

Isso confirma que, ao contrário do que disse na reunião de 22 de abril, o presidente não está preocupado com a qualidade dos relatórios de inteligência da Polícia Federal, dos órgãos de informações de Exército, Marinha e Aeronáutica e da própria Abin. Na verdade, ele não dá a menor bola para eles.

O importante, para Bolsonaro, não é ter relatórios de inteligência, e de técnicos inteligentes, para refletir, tomar decisões e governar. Ele só quer informes que confirmem o que ele acha – como no caso do isolamento social – e que avisem direitinho se alguém está se metendo com sua família, amigos e aliados. Não é questão de inteligência, é de interesse.

Para que Bolsonaro precisaria da Abin (órgão de assessoramento direto da Presidência), se ele tem todas as certezas? Quando os relatórios da Abin e das Forças Armadas chegam, ele já foi emprenhado pelos ouvidos por filhos, gurus, empresários que financiam fake news contra instituições e por puxa-sacos variados que pululam à sua volta – como de qualquer presidente.

“Se os fatos não correspondem à versão, danem-se os fatos.” Se os dados não correspondem à vontade do presidente, danem-se também. E assim vai-se vivendo, e morrendo, com Bolsonaro jogando relatórios fora, indo a aglomerações golpistas, exibindo-se em helicópteros, jet skis e cavalos, com meio milhão de infectados, 30 mil mortos e uns malucos replicando a macabra Ku Klux Klan na porta do STF.

É chocante, mas não é novidade a guerra de Bolsonaro com ciência, estatística, pesquisas, estudos internacionais e racionalidade, para prestigiar achismos, teorias e maluquices em nome de uma ideologia que ninguém entende direito, mas em torno de 30% de brasileiros seguem obtusamente. O passado condena. E se repete o tempo todo. Desde a campanha, por exemplo, o presidente desconfiava de pesquisas e das urnas eletrônicas e depois até já acusou, sem mostrar qualquer prova, que a própria eleição foi fraudada. É inédito que seja o vencedor a denunciar fraude.

O cientista Ricardo Galvão foi demitido do Inpe porque os dados sobre desmatamento da Amazônia (como os da Abin sobre isolamento) diferiam do que o presidente exigia. Novos estudos confirmaram os de Galvão, o desmatamento em abril foi o maior em dez anos e a destruição da Mata Atlântica também só aumenta. Aliás, com o ministro Ricardo Salles aproveitando a “distração” com a pandemia para passar boiadas, as coisas podem piorar muito.

Assim, dados científicos de Saúde, Ambiente e Educação não valem. Bolsonaro não quer, nem tem paciência, para estudos sobre temas nacionais e estratégia. Ao acusá-lo de querer interferência política na PF e acesso direto aos relatórios de inteligência, o ex-ministro Sérgio Moro se refere a dados que possam ter uso político contra familiares e aliados, como “10 a 12 deputados do PSL”, ou de espionagem contra adversários. (Na mesma cesta, podem estar o Coaf e a Receita.)

Ah! Na segunda, o presidente criticou as posições de Moro contra o aumento de posse e porte de armas e a favor de medidas duras contra contaminados pela covid-19 que pusessem pessoas em risco deliberadamente. Nos dois casos, Moro se pautou em dados científicos e estatísticas. Mas errou. Não era inteligência que o chefe esperava dele, da PF, da Abin...

A sociedade se movimenta - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 02/06


Surgiram neste final de semana os primeiros sinais de que a sociedade civil, mesmo que ainda desorganizada devido à pandemia, se movimenta para tentar barrar as investidas autoritárias do presidente Bolsonaro e seus seguidores.

Provavelmente, a persistência dos bolsonaristas nos ataques às instituições que são a base da democracia, Legislativo, Judiciário e imprensa profissional, levou a esse levante quase simultâneo que produziu manifestos de juristas, intelectuais, personalidades de diversos setores, juízes, promotores, procuradores, todos preocupados em defender a democracia.

Não são apenas notas de protesto, comuns em situações de confronto, mas exposições de pensamentos de setores fundamentais numa sociedade democratica. Até mesmo nas ruas, que deveriam estar desertas diante da tragédia da Covid-19, houve confrontos entre os que se autointitularam democratas contra os apoiadores de Bolsonaro, o que evidencia bem a postura de cada grupo.

Uma novidade dessa movimentação é que torcidas organizadas de times de futebol, como Corinthians, Palmeiras, Flamengo, e outros apareceram no Rio e São Paulo como forças políticas contrárias ao governo Bolsonaro, o que parece ser uma tendência, já cristalizada na Argentina, por exemplo, onde os “barra bravas” são uma forca de apoio ao peronismo de esquerda, alimentados sobretudo nos últimos anos do kirchnerismo.

Essa mistura de torcidas organizadas com política é preocupante, diante da violência que caracteriza esse tipo de manifestação, especialmente na cultura da América Latina. Outra consequência é que vai ficar mais difícil para o presidente Bolsonaro frequentar estádios de futebol, como gosta de fazer.

O manifesto do “Estamos Juntos”, que já tem mais de 200 mil assinaturas, é amplo, pretende unir “Esquerda, centro e direita” para defender “a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia".

O movimento “Basta!”, de juristas e advogados, coloca-se contra os ataques de Bolsonaro às instituições democráticas e acusa o presidente de já ter cometido crimes de responsabilidade, o que pode levar a um pedido de impeachment na Câmara dos Deputados em Brasília. Uma característica desses manifestos é a fixação de que o governo Bolsonaro, embora eleito legitimamente, não representa hoje a maioria da população.

Mesmo que ainda representasse a maioria que o elegeu presidente da República, não tem o direito de não respeitar as minorias e negar-se ao diálogo, necessário na democracia. “#Somos 70 PorCento” é o nome de um desses movimentos, que define os que, na mais recente pesquisa DataFolha, consideram o governo Bolsonaro ruim, péssimo ou regular.

Os manifestos de juizes, promotores e procuradores focam na defesa do Estado de Direito, denunciando abusos e manifestações “autoritárias e antidemocráticas”. O próprio Procurador-Geral da República, Augusto Aras, foi levado a assinar um manifesto dos Procuradores-Gerais do Brasil afirmando que o Ministério Público “cumprirá com seus deveres constitucionais na salvaguarda da ordem jurídica que sustenta as instituições do País”.

Augusto Aras é peça chave nos dois processos contra o presidente Jair Bolsonaro que correm no STF. A pressão no Ministério Público, tanto externa como interna, pode ter resultado, sobretudo a pressão da opinião pública pode ter efeito sobre o PGR que, até agora, só tinha a do presidente. São importantes as manifestações desses diversos grupos pedindo um basta à tentativa de romper com a democracia. A sociedade, que tem a maioria na oposição ao governo, começou a se movimentar, e é uma tendência que vai crescer nos próximos meses.

Democracia, valor universal - PAULO HARTUNG

ESTADÃO - 01/06

Fora das luzes democráticas, o que temos é a escuridão institucionalizada


Em meio a uma trágica pandemia, a maior catástrofe vivida pelas atuais gerações, devastadora para vidas humanas e avassaladora para o sistema produtivo, o Brasil se obriga a enfrentar outra frente desafiante: a defesa da democracia como um valor essencial para organizar a nossa sociedade. Espantosa missão, seja porque há pouco mais de três décadas saímos de uma ditadura, seja porque já temos problemas demais a superar, seja porque “estamos em pleno século 21 sendo afrontados com discursos, ameaças e situações medievais”. Inacreditável, mas terrivelmente real.

A partir de 1964, foram 21 anos de arbítrio, com censura à imprensa e às artes, exílio forçado de concidadãos, cassação de direitos políticos, desaparecidos e presos políticos, torturas e mortes nos porões da opressão, supressão de eleições, interdições a liberdades civis e políticas (opinião, reunião, organização, etc.), entre tantas tragédias urdidas nos “anos de chumbo”. Ao fim, o poder civil recebeu o País com um endividamento externo irresponsável e a economia em frangalhos.

Nos anos 1970, na universidade, entrei nos movimentos sociais em busca da retomada das liberdades em nosso país. Nesse tempo de embates e formação política, tive um aprendizado fundamental: a democracia é um valor universal a nortear as formas de conquista e exercício do poder em toda e qualquer sociedade que se queira civilizada e humanística.

Sob a Constituição de 1988, reconstruímos a democracia. Não foi um tempo perfeito, como nenhum foi ou será, até porque a política não é feita por deuses, mas por seres humanos, suscetíveis de erros e imperfeições. Mas é inegável que percorremos um período de avanços socioeconômicos, com o funcionamento do Estado Democrático de Direito e as devidas correções de rumos e penalizações de desvios, por exemplo.

Entre as conquistas, podemos citar a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a universalização do acesso à educação básica, a derrocada do flagelo da inflação e a criação do Real, a ocorrência de eleições periódicas e transparentes, com alternância de poder, os avanços nas agendas dos direitos humanos, do meio ambiente e da sustentabilidade, e uma abrangente rede de proteção social (Bolsa Família e outros).

Enfim, ainda que lidando com desafios gigantescos e mal administrando uma impositiva agenda de reformas estruturantes, mas incrementando nossa incipiente experiência democrática, o Brasil tornava-se pouco a pouco um país que jamais tinha sido, em seus mais de 500 anos de História.

Há uma agenda de ajustes? Sim! Pelo nível de suas entregas, temos uma estrutura governamental cara e ineficiente, além de atravessada por vícios de corrupção e assaltada por corporações cercadas de privilégios. Temos um País inaceitavelmente injusto, inseguro e desigual. A educação precisa se qualificar e se tornar contemporânea. A produção deve incrementar a sustentabilidade de seus processos, além de ampliar sua produtividade e competitividade. As instituições precisam se digitalizar, promovendo o reencontro do modus operandi governativo com o modus vivendi da sociedade.

É patente que, em função dessa realidade, agravada por ampliações de privilégios de grupo nas áreas pública e privada, recessão econômica e escândalos de corrupção, há uma insatisfação crescente da sociedade. Mas não há atalho para superarmos os desafios, especialmente atalhos à via democrática. O conserto disso tudo não é substituir a democracia pelo autoritarismo. Até porque os diversos períodos ditatoriais por que passamos não resolveram problemas históricos e quase sempre os agravaram.

A democracia não é um regime pronto e acabado, nem perfeito, mas é o melhor já produzido pela humanidade para organizar o exercício do poder em sociedades livres, igualitárias e fraternas. Como bem resumiu Winston Churchill, “a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que foram tentadas”.

Fora das luzes democráticas, o que temos é a escuridão institucionalizada, abrindo espaço a toda sorte de violências, perversões e injustiças que se alastram no submundo da ação política articulada em torno do obscurantismo e da deslegitimação da vontade e do poder do povo.

Como disse recentemente o ministro Luís Roberto Barroso, a “democracia não é o regime político do consenso, mas aquele em que o dissenso é legítimo, civilizado e absorvido institucionalmente”. E, neste tempo em que tanto necessitamos de lucidez, recomendou: “Precisamos de denominadores comuns e patrióticos. Pontes, e não muros. Diálogo, em vez de confronto. Razão pública no lugar das paixões extremadas. (...) Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência”.

Que a sociedade, a partir do entendimento e mobilização de todas as suas forças vivas, sustente a democracia como um valor central ao Brasil. Que sejamos capazes de superar este tempo excepcionalmente difícil como uma nação livre e plural e, assim, apta a transformar em plena realidade as nossas potencialidades de justiça social e prosperidade compartilhada.

ECONOMISTA, PRESIDENTE EXECUTIVO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES (IBÁ), MEMBRO DO CONSELHO DO TODOS PELA EDUCAÇÃO, FOI GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (2003-2010 E 2015-2018)

Algo se move - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 02/06

Enquanto Bolsonaro dava demonstração de menosprezo pela democracia, grupos foram às ruas e foram publicados manifestos em defesa dos valores democráticos. O mais notável foi o caráter suprapartidário


O presidente Jair Bolsonaro voltou a participar de uma manifestação golpista em Brasília. Como um general diante de sua tropa, chegou a montar em um cavalo para saudar os camisas pardas travestidos de patriotas que o festejavam e, como sempre, empunhavam faixas em que defendiam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Na noite anterior, o punhado de golpistas armados que acampam na capital federal em apoio ao presidente fez um protesto diante do Supremo, com direito a tochas que remetiam à estética nazi-fascista.

Ou seja, tinha tudo para ser um fim de semana como outro qualquer desde que Bolsonaro e seus celerados seguidores resolveram testar a resistência das instituições ante seus arroubos autoritários, apostando que a maioria absoluta dos brasileiros permaneceria inerte. Mas algo aparentemente se moveu na sociedade.

Enquanto Bolsonaro dava mais uma de suas rotineiras demonstrações de profundo menosprezo pela democracia, alguns grupos foram para as ruas protestar contra o presidente e foram publicados diversos manifestos em defesa dos valores democráticos e republicanos. O mais notável, em todos os casos, foi o caráter suprapartidário de várias dessas manifestações.

No manifesto intitulado Estamos Juntos, por exemplo, milhares de signatários de esquerda e de direita se qualificam como “a maioria dos brasileiros” e conclamam os líderes da sociedade – em especial na política e no Judiciário – a assumir “a responsabilidade de unir a Pátria e resgatar nossa identidade como Nação”.

Outro manifesto, de profissionais do Direito, se intitula Basta!. Afirmam seus signatários que Bolsonaro “exerce o nobre mandato que lhe foi conferido para arruinar os alicerces de nosso sistema democrático, atentando, a um só tempo, contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o Estado de Direito e contra a saúde dos brasileiros”. O manifesto diz que “é preciso dar um basta a essa noite de terror”.

Uma terceira nota, assinada pelas principais associações de juízes e procuradores do País, pede que haja “cautela e ponderação” de todos os que “exercem parte do poder estatal”, para que “a democracia, construída a partir de esforços de gerações, possa ser resguardada e aprimorada”. Adverte, contudo, que qualquer “ato que atente contra o livre exercício dos Poderes e do Ministério Público” será objeto de “imediata e efetiva reação institucional”.

Essa reação já está acontecendo. O próprio Bolsonaro, em mensagem nas redes sociais, enumerou todas as medidas tomadas pelo Judiciário contra si próprio e contra seu governo, e declarou: “Tudo aponta para uma crise”. Para o presidente, portanto, há “crise” quando o Judiciário e o Congresso o impedem de governar sem qualquer limite institucional – visão típica de quem “odeia a democracia”, nas duras palavras do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal.

A exemplo dos manifestos da sociedade civil, o ministro Celso de Mello exortou seus interlocutores a “resistir à destruição da ordem democrática”. Para ilustrar esse risco, deu como exemplo a ascensão do regime nazista – que chegou ao poder na Alemanha pela via democrática e, em seguida, arruinou a democracia.

O primeiro passo para evitar essa ruptura é fazer valer o que está na lei. A atitude do Judiciário de investigar as manifestações antidemocráticas bolsonaristas – que, como salientou o ministro do STF Gilmar Mendes, “não são apenas inconstitucionais, mas também se revelam criminosas e por isso têm que ser repudiadas e punidas” – é apenas um exemplo da disposição das instituições sadias de frustrar aventuras golpistas.

Outro passo fundamental é superar momentaneamente as diferenças políticas em favor da preservação da democracia ante a ameaça real representada pelo bolsonarismo. A luta pelo poder deve agora ficar reservada para o período eleitoral. Ante o múltiplo desastre que o Brasil enfrenta – a pandemia de covid-19 e um presidente incapaz de governar e tomado de devaneios liberticidas –, é preciso, como diz o manifesto Estamos Juntos, que os líderes políticos “deixem de lado projetos individuais de poder em favor de um projeto comum de País”. Que assim seja – do contrário, será a treva.

Quadratura do centrão - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 02/06

67% dos eleitores, segundo Datafolha, condenam barganha desesperada de Bolsonaro


É evidente que Jair Bolsonaro busca uma espécie de quadratura do círculo ao cooptar, com cargos e verbas, parlamentares do famigerado centrão para a defesa de seu mandato —depois de uma campanha eleitoral baseada na demonização do que chama de “velha política”.

Não espanta, pois, que 67% dos brasileiros aptos a votar considerem que o presidente age mal, segundo pesquisa do Datafolha, ao negociar apoios no Congresso com as moedas do mais descarado fisiologismo. Entre eleitores de Bolsonaro, 52% pensam dessa maneira.

Na aproximação mal disfarçada com os operadores do varejo legislativo há, decerto, um cálculo de desespero. O chefe de Estado percebeu a erosão de sua governabilidade e buscou amparo onde podia.


Patrocinou, na prática, um casamento inusitado entre ala militar do governo, sempre tão ciosa de sua pureza, e o mal-afamado centrão. Todos terão de dividir postos na Esplanada brasiliense.

Os fardados promoveram uma deplorável intervenção no Ministério da Saúde, cujo resultado até aqui foi ampliar o risco de morte na pandemia e uma submissão a teses da ala ideológica que tanto odeiam.

Ao mesmo tempo, liberaram espaço para os neogovernistas na Educação, às expensas dos discípulos de Olavo de Carvalho.

Mais está por vir. Bolsonaro teme, com bons motivos, que um pedido de impeachment acabe por prosperar. Se não agora, em breve.

A tática é lógica, mas, tal e qual a cloroquina, pode ser ineficaz e embutir danos para o paciente. Bolsonaro foi eleito prometendo imolar o centrão no altar da Lava Jato.

Isso acabou. O totem da luta anticorrupção do governo, Sergio Moro, foi embora atirando. E a oferenda anunciada agora senta à mesa das benesses do Estado —isso para não citar sua lealdade porosa.

Bolsonaro tem visto sua rejeição subir, em especial no que tange à pilha de caixões que ajuda a engrossar, mas seu apoio segue estável.

Tal ambiente se mostra propenso a chacoalhadas sísmicas, como o episódio do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Ruídos autoritários como a ameaça institucional feita pelo ministro-general Augusto Heleno demonstram a volatilidade inerente ao arranjo.

Se o governo podia ostentar a fidelidade à agenda tresloucada da campanha eleitoral, agora esse ativo se perde. Além de desqualificado aos olhos de uma parcela crescente do país, Bolsonaro pode ser tachado de traidor em sua base.

A busca por uma ampla defesa das instituições - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 02/06

O Congresso, junto com a sociedade, precisa dar apoio ao STF, no embate pelo estado democrático de direito


A crise institucional continuou sendo impulsionada no fim de semana pelo presidente Bolsonaro na sua costumeira pajelança à frente do Palácio do Planalto, onde recepciona poucas centenas de seguidores de raiz com seus cartazes contra as instituições. Mas a crise chega às ruas. A Avenida Paulista depois de muito tempo voltou a ser coberta por nuvens de gás lacrimogênio e a reverberar o barulho das bombas de efeito moral, jogadas pela PM, para impedir agressões entre membros de torcidas de clubes de futebol, mobilizadas em alegada defesa da democracia, e bolsonaristas que se apropriaram das cores verde e amarelo e levaram para o ato a bandeira de um grupo neonazista ucraniano.

A atual crise tem características tais que até a forma como a PM agiu na Paulista gera polêmica, porque reclama-se que ela foi mais firme ao reprimir os manifestantes pró-democracia. O coronel Álvaro Camilo, secretário-executivo da PM, nega e garante que tudo será esclarecido em um inquérito. Porém, no Rio, na Avenida Atlântica, um PM foi gravado dizendo que agentes infiltrados no grupo contrário a Bolsonaro iriam confiscar e queimar as faixas dos manifestantes.

Fatos que preocupam, porque policiais são parte da base bolsonarista. O presidente fez ainda um trabalho de cooptação de militares, tendo vários deles no Ministério. No domingo, Bolsonaro mais uma vez sobrevoou de helicóptero militar a Praça dos Três Poderes, desta vez ao lado do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Significa que as Forças Armadas apoiam os arreganhos golpistas de Bolsonaro? Difícil acreditar. Consta que o ministro apenas pegou carona do Alvorada ao Planalto, a caminho de casa. Que seja.

O manifesto “Estamos Juntos”, lançado no sábado por defensores da democracia de várias correntes políticas, e que no domingo já tinha colhido mais de 100 mil assinaturas, estimula a se acreditar na viabilidade de uma grande aliança democrática, repetindo o que já aconteceu com êxito na saída da ditadura militar de 1964 a 85/88. Deve-se fazer o mesmo para evitar outra. A cada dia fica mais necessário este grande entendimento entre direita e esquerda democráticas.

O Congresso, junto com a sociedade, precisa apoiar a firmeza com que o Supremo tem atuado. A Corte deve mesmo cumprir suas funções, sem tergiversar. Em entrevista à GloboNews na noite de domingo, foi animadora a postura do ministro Gilmar Mendes diante de uma conjuntura política difícil que leva o STF a manter o Executivo nos limites do estado democrático de direito, conforme estabelece a Carta. E é preciso firmeza.

A Corte não se pronunciou sobre um habeas corpus impetrado pelo governo para que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, não prestasse depoimento sobre as agressões que fez ao Tribunal. O ministro teve de ser ouvido, e se manteve calado. A Corte ainda julgará pedido para o fim do inquérito das fake news, e assim por diante. Não há por que não cumprir a pauta.