quarta-feira, agosto 09, 2017

Temer presta serviço à ordem legal, embora STF deva negar a suspeição do suspeito Janot - REINALDO AZEVEDO

REINALDO AZEVEDO/REDE TV - 09/08

Decisão caberá ao pleno do tribunal; é provável que ministros não queiram submeter procurador-geral à humilhação, mas os fundamentos estão dados, sim, e com sobras


O presidente Michel Temer entrou com um pedido de suspeição de Rodrigo Janot, procurador-geral da República. A decisão caberá ao Supremo. Para que isso não ocorresse, o próprio Janot poderia dar-se por impedido, o que não vai acontecer. Nem Temer nem seu advogado no caso, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, são ingênuos: sabem que dificilmente o tribunal tomaria essa decisão. A questão aí não está em ver declarada ou não a suspeição, mas em suscitar um debate sobre método.

Antes que prossiga, um esclarecimento: quem vai decidir? O pedido é apresentado a Edson Fachin, relator, que tem o dever de ouvir o procurador-geral. A esta altura do campeonato, não creio que Fachin se atrevesse a tomar uma decisão monocrática. Até porque seria inútil. A defesa recorreria a um agravo regimental, instrumento que força que os demais ministros se manifestem. Decisões que dizem respeito aos chefes de Poderes têm de ser tomada pelo pleno. Logo, hão de se manifestar os 11 ministros.

Ainda que possa haver razões — e há uma penca! — para que Janot tenha declarada a suspeição, é pouco provável que o STF o submeta a tamanha humilhação. Mas não tenho dúvida de que haverá a ocasião, então, para um debate substantivo sobre o que está em curso. Para ler a petição de Mariz, clique aqui. Quais são as alegações da defesa e o que se pode dizer a respeito delas?

Mariz sustenta que Janot é suspeito (possibilidade prevista no Artigo 104 do Código de Processo Penal) com base nos Incisos I e IV do Artigo 254 do mesmo código. Eles estabelecem que um juiz deve se declarar suspeito se for amigo íntimo ou inimigo de qualquer uma das partes e se a tiver aconselhado. O Artigo 258 estende essas e outras restrições ao Ministério Público. Apela também ao Inciso IV do Artigo 145 e ao Inciso I do Artigo 148 do Código de Processo Civil, que faz as mesmas restrições.

E quais evidências aponta a defesa para declarar que Janot se fez um inimigo público de Temer? Vamos ver.

1 – Flechadas: a petição lembra que Janot disse em palestra na Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo que, enquanto houver bambu, haverá fechas contra Temer, metáfora reiterada em entrevista à Folha. Escreve a defesa: “[Janot] Flechará, pois tem a caneta, se os alvos forem reais ou meramente fruto de sua imaginação (…). Ao ser perguntado se havia prova cabal contra Temer, [procurador] respondeu que ‘Ninguém vai passar recibo. Esse tipo de prova é satânica, é quase impossível’. Confessou a inexistência de prova.”

2 – Acusação aos pedaços: Mariz aponta a exótica bipartição ou tripartição da denúncia, o que levou o procurador a dizer, em reunião com representantes do PSOL, que havia “forte materialidade” para denunciar Temer por “obstrução da Justiça”. Vendo frustrados seus objetivos na Câmara, resolveu remeter o caso para inquérito já aberto no STF e que trata de assunto diverso. Afirma Mariz: “O alvo do seu arco é a pessoa do Presidente da República, não importam os fatos.”

3 – Interferência na Polícia Federal:
a petição aponta, o que é fato, que foi Janot quem escolheu o delegado Josélio Azevedo de Sousa para investigar o caso. O pedido foi feito a Fachin, que concordou com o absurdo, violando competência do delegado-geral da Polícia Federal.

4 – Impunidade incompreensível: a defesa alega que os benefícios oferecidos a Joesley Batista e associados são de tal sorte absurdos que se evidencia o ânimo de perseguir o presidente. Está no texto: “Estranhou-se, ademais, que antes de conceder a imunidade aos delatores, o Ministério Público não tenha investigado o conteúdo das delações, se verdadeiro ou falso. Deu validade plena, valor absoluto à suspeitíssima palavra dos delatores. Erigiu a delação à condição de rainha das provas, esquecendo-se ser ela meio de prova e não prova, sujeita à verificação e a existência de outros elementos que a corroborem.”

5 – Protagonismo excessivo: a petição nota que Janot tem concedido entrevistas e palestras Brasil e mundo afora asseverando a culpa do presidente, observando que esta “obstinada perseguição pela acusação não faz parte da missão institucional do Ministério Público”. E cita um trecho do Regime Jurídico que rege o MP. Lá se pode ler:


“O Promotor deve ter o zelo pela justiça e não pela acusação. Caminha para séria deformação profissional e pessoal quando não mais pensa assim, ou quando nem mesmo percebe que inverteu o sentido do seu trabalho.”

Mariz destaca que Janot insiste em afirmar que está na gravação o que, com efeito, não está lá: a anuência de Temer com a compra do silêncio de Eduardo Cunha. Nesse caso, de fato, estamos diante de um procedimento que chega a ser surreal. Parte da imprensa insiste em afirmar que haveria tal passagem na gravação. E isso simplesmente inexiste.

Mais: Janot insiste em dizer que só ficou sabendo da gravação posteriormente, quando foi desencadeada a operação. Há evidências de que o procurador-geral dela tinha ciência desde fevereiro. Reportagem da Folha informou que um advogado do empresário teve aula de delação com o procurador da República Anselmo Lopes e com a delegada de Polícia Federal Rúbia Pinheiro. Ora, Anselmo é dos auxiliares mais próximos do procurador-geral. Parece que temos aí, ainda que se modo indireto, Janot a auxiliar uma das partes, o que é, como já vimos, ilegal.

6 – Afirmações vazias:
A defesa destaca afirmações de Janot na denúncia contra Temer que não se fazem acompanhar de fatos, a saber:
a: o encontro de Rodrigo Loures com Ricardo Saud, pagador de propinas de Joesley, era desdobramento de um acerto prévio com Temer;
b: Loures teria deixado claro, em diálogo com Gilvandro Vasconcelos, que falava em nome do presidente;
c: encontro de Loures com representante da JBS teria gerado vantagens para Temer.

Atenção! Com efeito, o procurador-geral não aponta evidências que embasem essas afirmações.

7 – Funções conflitantes:
a petição lembra que Marcelo Miller, indiscutível braço-direito de Janot, desrespeitou a quarentena de três anos imposta pela Constituição e deixou suas funções na Procuradoria-Geral da República e passou a ser, imediatamente, advogado do grupo J&F no acordo de leniência. Vale dizer: atuou de um lado e de outro do balcão. Em nota, Janot tentou descaracterizar a incompatibilidade, negando que Miller tivesse atuado no acordo de delação. Os fatos o desmentem.

Concluo
A argumentação de Mariz é sólida, incontrastável, verdadeira. A indisposição do procurador com o presidente é evidente e reiterada. As heterodoxias na sua atuação chegam a ser uma aberração. A relação de parceria de membros do Ministério Público com uma das partes — no caso, Joesley e seus associados — está demonstrada. Resta claro que saem feridos o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil. Por tudo isso, Janot deveria, sim, ser declarado suspeito. Mas não creio que vá acontecer.

“Ao fazer isso, Temer não acaba dando munição a Janot?” É uma leitura possível. O que se espera, no entanto, é que, durante os debates no Supremo, os senhores ministros deixem claro o que é e o que não é aceitável na atuação do Ministério Público Federal e do Procurador-Geral da República. Acho que pedir a suspeição é um benefício que Temer presta ao Estado de Direito.

Ainda que os ministros o mantenham à frente do caso pelo pouco tempo que lhe resta. Pouco tempo, sim, sabemos: mas lá vêm mais flechas de bambu.

FORÇAS ARMADAS NO RIO: COM ESSA LEGISLAÇÃO PENAL, DE QUE ADIANTA? - RICARDO BORDIN

INSTITUTO LIBERAL - 08/08

“Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem, em apoio às ações do Plano Nacional de Segurança Pública, no Estado do Rio de Janeiro, no período de 28 de julho a 31 de dezembro de 2017”.
Por meio deste decreto, Michel Temer enviou um contingente de aproximadamente 10 mil militares para o patrulhamento das ruas e para a realização de operações contra organizações criminosas no RJ.

Considerando o incremento do número de homicídios dolosos no estado na casa dos 24% de 2016 para o corrente ano, aparenta ser medida muito bem-vinda, à primeira vista, determinar que soldados de Exército, Marinha e Aeronáutica ombreiem esforços com os agentes de segurança locais, correto?

Não fosse, claro, por um detalhe crucial: a lei penal vigente no Brasil, a qual impede que bandidos sejam tratados como tais – sob o aplauso de intelectuais intoxicados de Foucault -, precisará ser igualmente seguida pelos militares em suas ações ostensivas.

Ou seja, eles também irão trabalhar de mãos atadas, com o freio de mão puxado.

Neste cenário, que diferença faz aumentar o número de indivíduos empregados no combate aos criminosos, ou mesmo elevar o potencial lesivo das armas de fogo empunhadas, se, mediante situações de enfrentamento com marginais da mais alta periculosidade, tanto policiais quanto militares precisarão esperar serem alvejados para somente então reagir – sob pena de serem eles processados administrativamente?

Que diferença faz prender um número maior de delinquentes se a Justiça irá determinar sua soltura logo em seguida – seguindo, no caso, o previsto em leis elaboradas sob o argumento da superlotação de presídios (já que vagas em instituições prisionais não são criadas em número suficiente justamente por conta da mentalidade de que “devemos construir escolas e não presídios”)?

De que adiantaria largar pelas ruas androides armados até os dentes, como o RoboCop, se os meliantes que apavoram cidadãos honestos e ceifam vidas sem pestanejar são tratados como “vítimas da sociedade desigual”, como pessoas que jamais tivessem tido opção de não ingressar no crime? O que esta máquina ultra-poderosa poderia fazer contra um “dimenor” defendido por Psolistas com unhas e dentes mesmo quando comete as maiores atrocidades? Como ela iria efetuar prisões de assassinos, fazendo uso de meios de busca e localização extremamente avançados, se menos de 8% dos homicídios do Brasil são solucionados (ou seja, a Polícia Civil também está largada às traças)?

Pior: como poderia proceder este herói futurista contra a violência urbana quando até mesmo o auto de resistência à prisão for proibido, como quer o deputado Chico Alencar?

Não pensem, portanto, que o pessoal de verde-oliva poderá acrescentar muito à segurança do povo fluminense, uma vez que não há porque os bandidos os temerem mais do que aos policiais militares: tantos estes como aqueles estão submetidos a um regramento que inviabiliza totalmente seu trabalho.

Já são recorrentes os casos de armamento roubado de dentro de quartéis, exatamente em decorrência da constatação, por parte dos fora-da-lei, de que estão protegidos sob o manto da impunidade e da inversão de valores predominante no Brasil. Até mesmo casos que beiram o deboche já vêm sendo registrados.

Como criminosos costumam ser sujeitos muito pragmáticos, pode ser que eles, sabedores de que, mais dia menos dia, as forças armadas acabarão indo embora, resolvam diminuir o ritmo de suas atividades ilícitas até a poeira baixar e o reforço militar partir.

Se isto realmente ocorrer, tão logo a PM seja devolvida a própria sorte no Rio de Janeiro, a carnificina de policiais, cujas mortes já ocorrem em ritmo muito superior à média da população (mesmo em um país com 60 mil homicídios ao ano), irá atingir níveis ainda mais alarmantes, visto que nada terá sido feito pensando em resolver o verdadeiro problema: a legislação penal anacrônica e deturpada por marxismo cultural – que vê o bandido como apenas mais um “oprimido” pelo “grande capital” a ser manipulado como massa de manobra.

Ou seja, ou reforma-se com urgência o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execuções Penais e o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou surtirão efeito nulo esta e quaisquer outras providências tomadas para, supostamente, tornar mais segura a vida dos cariocas e dos demais brasileiros – o que representa, em verdade, tudo que aqueles dotados de visão estatizante desejam: semear o caos até que as próprias pessoas implorem pela atuação redentora do Estado (o qual atenderá ao pedido de bom grado, apenas, claro, cobrando mais um pouco de impostos para tão nobre tarefa e atribuindo a si mesmo ainda mais poder de intervir em nossas vidas).

Mas tais reformas legislativas não serão factíveis enquanto a mentalidade nacional dominante for ditada por “progressistas” que consideram que “cadeia não resolve” e que todo criminoso é legalzinho como os personagens do filme Carandiru. Não é à toa que Jair Bolsonaro não consegue aprovar quase nenhum dos projetos de lei que apresenta e encampa: como angariar o apoio necessário para endurecer penas de estupradores e reduzir maioridade penal em meio a um congresso tomado por esquerdistas que impuseram o estatuto do desarmamento reprovado fragorosamente em 2005 – alguns destes parlamentares querem até mesmo desarmar a polícia?

Em suma: a iniciativa da Presidência da República de correr em socorro da cidade maravilhosa é louvável, mas resume-se a enxugar gelo – apenas com mais gente no processo agora…


Reforma difícil - MERVAL PEREIRA

O Globo - 09/08
Muitas das propostas de reforma política que estão no Congresso precisam ser votadas até setembro para valerem nas eleições de 2018, como, por exemplo, o fim das coligações nas eleições proporcionais e uma cláusula de barreira, isto é, uma votação mínima a ser negociada para os partidos que queiram ter atuação no Congresso.

Essa fórmula reduziria drasticamente o número de partidos com atuação no Congresso, facilitando a governabilidade e, sobretudo, sobrando mais dinheiro do novo Fundo Partidário, apelidado de “Fundo Especial de Financiamento da Democracia", que seria de nada menos que de R$ 3 bilhões a R$ 3,5 bilhões do dinheiro público.

É a proposta que tem mais consenso, diz o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Mas pode não ter efeito tão grande quanto se espera, pois no Senado há uma sugestão de se fazer federações de partidos, que poderiam conjuntamente atingir o mínimo necessário de votos. A restrição é que teriam que atuar também em conjunto.

Muita gente quer aprovar o distritão, onde cada estado vira um distrito, e os mais votados são eleitos. Neste modelo, acaba o voto em legenda, e nenhum voto vai para outro candidato. Mas, assim como o distrital misto, onde parte dos deputados é eleita pelo voto majoritário no distrito, e os demais na lista partidária aberta pelo voto proporcional em todo o estado ou município, o distritão precisa de 308 votos em duas votações na Câmara, pois se trata de uma emenda constitucional.

O voto distrital misto seria uma aposta para 2022, mas aprovada agora. A implementação, porém, teria que se dar através de uma emenda constitucional, que pode ser revogada pelo próximo Congresso a ser eleito em 2018.

Embora a emenda do deputado Miro Teixeira a favor do distritão tenha sido apoiada por mais de 300 deputados, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acha que não seria aprovada no plenário. Miro quer levar a disputa para esse terreno, certo de que tem os votos necessários. Mas é improvável que isso aconteça.

A discussão sobre parlamentarismo está superada, pois é difícil uma guinada tão dramática no sistema de governo em pouco tempo. Ontem à noite, um grupo de deputados e senadores reuniu-se na casa do presidente do Senado, Eunício de Oliveira, para tentar chegar a um acordo mínimo que permita uma votação pela maioria dentro do mês de agosto, para que o Senado aprove em setembro, data-limite.

Se não houver nenhuma possibilidade de acordo, o mais provável é que fique tudo como está, mas turbinado pelo novo fundo partidário. Não existe consenso para a lista fechada, que é o sistema preferido do PT e partidos mais envolvidos na Operação Lava-Jato. Dificilmente terão votos suficientes que permitam a aprovação de uma emenda constitucional.

Nas últimas horas, surgiu a proposta do sistema belga, que permite que o eleitor mude a composição da lista fechada, incluindo novos nomes e alterando a ordem dos candidatos. Mas, na prática, essa é uma alteração de difícil execução pelo eleitorado e seria apenas uma simulação de flexibilidade do sistema, que daria uma força nunca vista aos partidos políticos, neste momento em que as direções partidárias estão desacreditadas.

O que é intocável entre todas as propostas é a do novo Fundo Partidário em torno de R$ 3 bilhões. Enquanto não houver a aprovação pelo menos desse item da assim chamada reforma político-eleitoral, não haverá clima no Congresso para aprovar as reformas, especialmente a da Previdência. Foi este o recado enviado ao Palácio do Planalto pelos integrantes da base parlamentar que ainda resta a Michel Temer.

Uma quantia enorme de dinheiro público, injustificável numa hora em que os próprios deputados votam a favor de cortes e pedem sacrifício de todos, e o governo aumenta impostos. Um dos grandes problemas do Brasil é que a sociedade não tem força política para impor restrições às corporações, que se protegem umas às outras.

O moralismo esgotado - PAULO DELGADO

ESTADÃO - 09/08

Não é a primeira vez que a ambição destrói sonhos de quem não vê o feitiço do poder


Queixoso e em disparada, apostando na agilidade verbal para fornecer réplica à ruína, o ator oco aperta o passo.

Os acontecimentos comprimem-se num único momento. Clássico da emoção massificada, o Cine Theatro da política nacional encena mais um ato da peça Um Inventário de Erratas”. O espetáculo esbarra na frieza da plateia, que treinou os ouvidos e já distingue grito de argumento. A habilidade virou isolamento. O balanço geral da temporada confunde os críticos: um grande sucesso de bilheteria, enorme fracasso de público.

Muitos imaginam a política um teatro de iniciados, sem ordem, sem lei. Mistura diversidade de auditórios à disposição dos mesmos atores que se arrumam para serem vistos como prima-donas realçando suas vantagens. E vão em frente sem se dar conta de que a demagogia é uma oferta irreal de intimidade. A tentação de infringir normas contamina os Poderes. As aberrações querem se impor.

Sem aversão ao sensacionalismo, senhor da ideia de que vive uma saga de encantado, o ator cru é imprudente se aplaudido, estúpido se vaiado. Despreza as condições espirituais da companhia que o levou ao palco.

Não prestou atenção à causalidade histórica que produziu o seu sucesso. Só tem olhos para quem se aglomera na frente do tablado. Quer driblar o destino que colheu. Nessa afabilidade valiosa e recíproca, devedor, vira comprador. Velhos conhecidos de comédias e tragédias já encenadas fazem sua destreza avançar mais do que o cuidado. E cercado de afeto incapaz de sentimento verdadeiro, a trupe de atores acrobatas, acha que o teatro do poder ensina mais do que vida fora do palco.

Apostando na força inesgotável do faz de conta, empanturra o cenário com excessos. Até que, acusado de impor um novo sistema moral à peça que representa, flagrado na glória de usar plumagem alheia, revela uma imagem insatisfatória de si mesmo. Fantasia que o consagra como diretor-ator-protagonista de um espetáculo refém do patrocinador.

Agora, que a cada dia um choque revela o contexto de todas as apresentações, diz que o teatro é de marionetes e não é ele que movimenta os cordéis. “Somos fantoches incompreendidos, bonecos populares manipulados por animais ferozes.” Dissimulando, ameaça com o velho espalha-brasas. Esconde o longo trecho que declamou, adocicado e sem doutrina, que o fez benquisto de todos os enredos.

Donos das companhias teatrais eleitorais não têm os mesmos problemas do público que os escolhe. Até zombam de quem os prestigia. Cargos escondem tudo, inclusive muitos vícios. Por isso, vendo a confusão que se avizinha na nova temporada, ele quer antecipar o carnaval para prevalecer a inversão permitida que domina seus festejos. Vamos lá, dominar o espectador, caravanas de delírio para controlar a realidade por meio de palavras.

Os candidatos a atores farão leis para conhecer o segredo do público, sem revelar o seu. O político-ator tornou-se um canastrão: ele não quer viver sob a consciência do outro, que o olha. Como não aceita prova de erro, que considera normal, não aceita juiz algum.

Sua origem pragmática recolhia sobras do que encontrava à esquerda, mas foram os fundadores moderados da companhia que a vestiram de ideologia original. Foram estes que se organizaram para vencer por pontos e assim cresceram. Quando, só, pisou no ringue, jogou fora a teoria, quis ganhar por nocaute. A incontinência jogou-lhe a toalha. Deslumbrado com a lascívia do aplauso, aceitou o que o levou à lona, ajudando a fazer de “político” um xingamento.

Sempre disponível, ficou por cima da situação como ninguém. E se deixou a coisa pior do que encontrou, é o único culpado. A mudança que o perturba é a mudança democrática. Passou a perna no pudor, singelo princípio elementar. Ventríloquo, foi condenado, por ampliar a voz do mau costume.

Atropelou argumentos de justiça social por estranha noção de distribuição de renda e infiltração de classe. Misturava intuições a uma fábrica de decisões improvisadas. Ofereceu a poderosos a aquiescência que aumentava o leite e o mel do privilégio; aos pobres, a condescendência, que lhes abria o mundo da dívida e da dependência. Pressupondo a qualidade moral de todos os seus atos, quer escolher quem vai julgá-lo.

Tudo no debate em torno de sua performance é “atmosfera”. No papel de corajoso ou maltratado, a dinâmica é mais de espetáculo que de esclarecimento. O objetivo é impressionar os inocentes e apontar o inimigo no juiz. Como prova de gratidão, conferindo ardilosa superioridade à decisão de se sujeitar a alguém, atribui ao povo a inquietante tarefa de julgá-lo. Ideia tola, se no tribunal de multidão dá Barrabás.

Desde Plutarco aprende-se mais com a queda de um cavalo do que com o elogio de um adulador. Talvez por isso o juiz, ao perceber que ele não estava a altura de si mesmo, concedeu-lhe fiança. Tirando da sentença o caráter implacável de suprimir a liberdade, negada a seus parceiros, deu-lhe o estribo para descer da sela e rever seu jeito de montar. Mas como não quer se afastar dos seus defeitos, viu nisso um estímulo para cavalgar seus fãs. Montou um passeio por currais eleitorais que o livre de ler a peça que o condena. Ele quer degustar seu papel como narcótico, supondo que a dor falsa de um ator é mais verdadeira do que a dor real do espectador. Mas quando a plateia descobrir que não é ela a condenada, nada oferecerá alívio à sua dor.

Nos burgos podres o ator do teatro antigo ouve excelências do resignado: nunca reclamei de ninguém que me usa com promessas. Não sou governista porque sou pobre, sou pobre porque sou governista.

Não é a primeira vez que a ambição destrói sonhos de quem toma o poder por um gigante sem perceber nada do seu enfeitiçamento. E diante do desconcerto que é ver o ator se orgulhar de não admitir ninguém que o corrija, a peça em que atua deve, sim, corresponder inteiramente ao original da sua vida.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DIÁRIO DO PODER 09/08

TEMER NÃO PEDIU ‘LISTA’: RETALIAÇÕES DESCARTADAS
O Planalto não pediu “lista” de deputados contrários ao presidente Michel Temer, na votação de quarta (2), por uma simples razão: já a tinha desde que se encerrou a sessão da Câmara. E não deve fazer retaliações: o principal objetivo, agora, é garantir o máximo possível de votos entre os 391 deputados filiados a partidos governistas para aprovar a reforma da Previdência. O governo precisa de 308 votos.

NO FIO DA NAVALHA
O desafio de Temer é não retaliar aliados que votaram contra ele, mas também não desagradar aqueles que se expuseram para defendê-lo.

CISCANDO PARA DENTRO
O presidente diz esperar a compreensão dos aliados: é hora de “ciscar para dentro” e garantir a aprovação das reformas.

BANCADA DOS INFIÉIS
Estão na mira dos defensores do governo os 21 tucanos e os 50 deputados de outros partidos aliados que votaram contra Temer.

FIÉIS À REFORMA
O governo está otimista. Considera que quase todos os 71 “infiéis” de quarta-feira apoiarão a reforma da Previdência em nome do País.

BRONCA DE ALCKMIN É DE DORIA E NÃO DE TEMER
Quando deixou de comparecer a evento com a presença do presidente Michel Temer no Campo de Marte, em São Paulo, segunda (7), alegando “compromisso” no Palácio dos Bandeirantes, seu próprio local de trabalho, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) mostrou que já não consegue disfarçar sua bronca contra o prefeito da capital, João Dória. Alckmin somente admite essa animosidade em conversas reservadas.

INGRATIDÃO
Estimulado por assessores, Alckmin se queixa de “ingratidão” do prefeito. Acha que o projeto de Doria é mesmo disputar a presidência.

NÚMEROS INCÔMODOS
As pesquisas apontam Doria como o tucano mais competitivo. Alguns levantamentos atribuem a ele o dobro de Alckmin na intenção de voto.

ADVERSÁRIOS ADORAM
A “guerra” não declarada entre Alckmin e Doria favorece os adversários e também Temer, que usa a desavença política em seu proveito.

MENTIRA DE LOBISTA
Lobistas dos distribuidores (importadores) de combustíveis, inclusive americanos, difundem a mentira de que Donald Trump ameaça “guerra comercial” caso a Camex elimine a indecorosa importação de álcool podre dos EUA, à base de milho, sem pagar imposto. Não há essa ameaça.

A VEZ DO NOVO
Na onda dos prefeitos de São Paulo e de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), a Paraná Pesquisas revela que 63,2% dos eleitores darão preferência a não-políticos para escolher deputados, em 2018.

TIRE A MÃO DO MEU BOLSO
O Fundo Partidário, que banca toda a atividade de partidos políticos como viagens em jatinhos e até mortadela para manifestantes, sacou R$4 bilhões do bolso do contribuinte brasileiro nos últimos 10 anos.

ÁLBUM DE SAFADEZAS
O cientista político Paulo Kramer, muito espirituoso, comparou algumas propostas de reforma política, em discussão na Câmara, a posições do Kama Sutra, conhecido álbum de posições sexuais.

JOGO DE PACIÊNCIA
O ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) apoia a proposta de reforma tributária, relatada pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), mas acha que é preciso, antes, ouvir as bancadas, Estado por Estado.

CADÊ O DINHEIRO?
Na homenagem aos 80 anos da UNE na Câmara, quinta (10), sua nova presidente, Marianna Dias, deveria explicar o paradeiro dos quase R$50 milhões liberados pelo governo Lula para essa entidade que se manteve em silêncio durante os escândalos petistas de corrupção.

SKY ENGANADA
Quem faz cobrança para a operadora de TV Sky engana o contratante, se é mesmo remunerado pelo número de SMS para “inadimplentes”. É que grande parte dos alvos não é cliente da Sky. Tampouco o serão.

EUFORIA AMAZÔNICA
O comitê de campanha de Amazonino Mendes ficou eufórico, ontem, com os primeiros números de intenção de votos para o segundo turno, na disputa pelo governo do Amazonas contra Eduardo Braga (PMDB).

PENSANDO BEM...
...não foi “povo” que atirou ovos no prefeito João Dória, em Salvador; quando os tem em casa, o povo os come.

Setores do varejo que mais sofreram ensaiam retomada - MARIA CRISTINA FRIAS

FOLHA DE SP - 09/08

Lojas de roupas e de eletrodomésticos, setores do varejo mais impactados pela crise em 2015 e 2016, tiveram desempenho de faturamento acima do resto nos últimos três meses, diz a SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo).

"O termômetro virou, e as categorias que sofreram mais começam a reagir: moda com 6%, eletrodomésticos com 4,6% nos três meses", afirma Alberto Sorrentino, vice-presidente da entidade.

As maiores empresas que vendem remédios, as que foram melhor durante o auge da crise, saíram dos anos de queda de PIB com faturamento em alta, aponta o estudo.

"As grandes redes de drogarias incorporaram perfumaria e cosmética, abriram muitas novas unidades, se beneficiaram de aumentos de preços. Esses dois últimos fatores que os ajudaram já não têm tanta força em 2017", diz Sorrentino.

O segmento de eletrodomésticos é de compras consideradas discricionárias, que são mais afetadas por perda de renda real das famílias.

Foi a única categoria que apresentou queda de faturamento no estudo da SBVC, que se fixou nas 300 maiores varejistas do Brasil.


Editoria de Arte/Folhapress


A pesquisa identificou que o conjunto das maiores empresas do país engatinha no comércio eletrônico: entre as 300 companhias estudadas, 119 vendem na internet.

"A transformação digital não é uma prioridade para o varejo, e isso é preocupante."

No setor de supermercados isso é nítido, pois 12,5% deles estão on-line, porcentagem considerada baixa.


Redenção digital
O consumo represado nos últimos dois anos e a liberação das contas inativas do FGTS são os fatores que impulsionam uma retomada do varejo de eletrônicos pesados.

Quem afirma é Frederico Trajano, CEO do Magazine Luiza. "No nosso segmento há ciclos; as pessoas deixam de comprar, mas voltam em algum momento."

No segundo trimestre deste ano, a receita total subiu 26% em relação a 2016 e atingiu R$ 3,2 bilhões. A estratégia digital foi importante para a empresa, diz —28% das vendas foram on-line.

A loja é uma exceção: entre as grandes varejistas do país, a presença na internet é tímida.


Sentido comum
A Colgate conseguiu na Justiça uma autorização para usar a marca "Max Fresh", cujo registro exclusivo havia sido dado, em 2007, à empresa Distribuidora de Medicamentos Farmalogística.

A disputa durou mais de dez anos: inicialmente dentro do Inpi, instituto de propriedade intelectual responsável pelos registros, e, a partir de 2012, judicialmente.

O entendimento do tribunal foi que o termo, que significa "máximo frescor", seria de sentido comum, e não caberia que uma empresa detivesse o uso exclusivo da marca, diz Priscila Bratefixe, sócia do Có Crivelli.

O Inpi, a Colgate e os advogados da Farmalogística não quiseram comentar.


Nova LCA/LCI perde atratividade, mas deve ter alta antes de mudança
Uma eventual tributação de LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) e LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) não deverá afetar quem já tem os papéis, mas a expectativa de analistas é que o investimento perca a atratividade.

"O fim da isenção do imposto de renda deverá fazer com que os ativos percam volume para outras opções de baixa volatilidade", diz Marcelo Flora, sócio responsável pelo BTG Pactual Digital.

O produto deverá se equiparar a um CDB —investimento atrelado ao CDI, tal como a LCA e a LCI, mas sem isenção—, avalia Leo Cherman, head do banco Sofisa Direto.

"Antes da mudança, deve haver um aumento dos papéis no mercado. Vamos tentar renovar e colocar o máximo possível, mas ainda é cedo."

A expectativa é que uma eventual tributação seja aplicada apenas a novas emissões -foi o que ocorreu em 2015, na última mudança de regras dos papéis, diz Flora.


Intercâmbio iraniano
Integrantes do Banco Central do Brasil e do Irã vão se reunir nesta quarta (9) em Brasília para trocar informações sobre instrumentos de comércio e meios de pagamento.

A CNI (confederação da indústria), a Apex-Brasil (agência de exportação) e empresários também participarão do encontro. Eles apresentarão uma lista de 203 produtos com potencial econômico para o comércio entre os países.

"O Brasil ainda não conseguiu incrementar as trocas com o Irã após a queda das sanções impostas pelos Estados Unidos", diz Carlos Abijaodi, diretor da CNI.

"Poucos bancos brasileiros fazem transações lá. A ideia é dialogar para facilitar o comércio na parte financeira."


Exemplo...
Start-ups israelenses receberam investimentos de US$ 5 bilhões (R$ 15,6 bi) em 2016, quase três vezes mais que as brasileiras, segundo o Goldman Sachs e a Lavca.

...estrangeiro Os números serão apresentados nesta quarta-feira (9) em um evento organizado pela Harpia Capital em São Paulo sobre negócios no mercado israelense.

Precaução...
Empresários continuam pessimistas em relação à economia, segundo a Fecap. Em julho, o índice de expectativa ficou em 96,7, abaixo do nível neutro (100).

...e confiança
A perspectiva de melhora nas vendas e de novas encomendas para o próximo trimestre, no entanto, cresceu 7,2% em julho na comparação com o mês anterior.

Proposta de reajuste do Ministério Público é tapa na cara da população - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 09/08

Superada, ao menos por ora, a discussão sobre a autorização para que o STF processasse o presidente, o governo anunciou intenções de retomar a agenda de reformas, principalmente a previdenciária.

Há, contudo, distância considerável entre intenção e gesto, e as consequências dessa distância não são nada agradáveis.

Se havia dificuldade em aprovar meses atrás a reforma na versão proposta pelo relator da comissão especial —ou seja, já bastante aguada com relação à original—, a tarefa soa ainda mais complicada agora.

Em primeiro lugar porque a votação a favor do presidente, 263 votos na Câmara, sugere uma base parlamentar insuficiente para aprovar tal mudança constitucional (308 votos), mesmo considerando que alguns deputados que se opuseram ao presidente tenham declarado apoio à proposta.

Afora isso, o foco do Congresso não está na reforma previdenciária, mas na definição das regras que guiarão a eleição de 2018, cuja aprovação precisa ocorrer um ano antes do evento, ou seja, em escassos dois meses.

Enquanto a usina de péssimas ideias (o "distritão", para citar apenas uma) funciona a pleno vapor, com o objetivo quase explícito de manter tudo como está, a atenção dos nobres parlamentares não pode se dedicar a assuntos secundários, como tentar colocar as contas públicas numa trajetória com alguma chance de sustentabilidade num horizonte minimamente razoável.

Como escrevi há pouco, o tempo não corre a nosso favor, muito pelo contrário.

Sem a reforma da Previdência, o país enfrentará um dilema sério em horizonte não muito distante: ou mantém o teto constitucional para as despesas (e, com ele, uma chance de controlar o endividamento crescente), mas observa o eventual desaparecimento da já minúscula folga fiscal; ou descarta o teto, submetendo-se, porém, a uma trajetória explosiva da dívida, que termina do jeito que conhecemos por décadas, isto é, inflação e instabilidade.

A esta altura está, para mim, mais do que claro que o mundo político não entendeu a gravidade do problema, reflexo provavelmente da mesma falta de compreensão por parte da sociedade, em particular de suas elites.

A reivindicação salarial do Ministério Público, 16,7%, por exemplo, em meio à maior crise fiscal do país, não é só sintoma de descolamento da realidade; trata-se de tapa na cara da população, que, ao contrário dos procuradores, recebe baixos salários, corre risco de desemprego e não tem direito à aposentadoria integral bancada pelo Tesouro Nacional.

Enquanto cada corporação busca se proteger, seja elevando seus salários, seja na manutenção de privilégios, como acesso a crédito subsidiado, proteção contra a concorrência ou rendas de toda espécie, as finanças públicas pioram a cada dia, a ponto de ser cogitada a revisão da atual meta fiscal, de forma a permitir deficit ainda mais elevados.

E o problema não se limita a isso. À parte iniciativas louváveis, como a luta para eliminar gradualmente o subsídio do BNDES, mesmo em face de considerável oposição pelos defensores do status quo, mantemos o capitalismo de compadrio, que mina nossa capacidade de crescimento de longo prazo.

A verdade é que o atual pacto social se esgotou e descobrimos que, assim como em outros pactos, o que nos espera não é o paraíso, mas exatamente o seu oposto.


A segurança do direito - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 09/08

Juiz deixou claro que, se não tivesse tido o cuidado de suspender a ação criminal para sanear seus vícios, as violências cometidas pelo MPF poderiam levar à anulação de todo o processo – e, aí sim, a Samarco e suas controladoras ficariam isentas de qualquer responsabilidade civil e penal


Há um mês, a Justiça Federal de primeira instância suspendeu a ação civil pública que apurava os prejuízos socioeconômicos e ambientais causados pelo rompimento da barragem de rejeito de minério de ferro de Fundão, no dia 5 de novembro de 2015, que provocou a morte de 19 pessoas, soterrou o distrito de Bento Rodrigues, na região de Mariana, e contaminou a Bacia do Rio Doce, acarretando vultosos prejuízos a 40 municípios dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. Agora, o mesmo juízo suspendeu ação criminal impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a mineradora Samarco, suas controladoras – a Vale e a BHP Billiton – e a empresa VogBR Recursos Hídricos e Geotecnia, responsável pela elaboração de laudos ambientais.

Além de a Samarco ter sido notificada 73 vezes e recebido 23 autos de infração do Ibama, ela e suas controladoras foram denunciadas por 9 crimes contra o meio ambiente e o patrimônio cultural e por 3 crimes contra a administração pública. Também são acusadas dos crimes de inundação, desabamento e lesões corporais graves, todos com dolo eventual previsto pelo Código Penal (quando se assume o risco de matar). As empresas ainda são rés numa ação de indenização no valor de R$ 155 bilhões.

Na ação criminal, a Justiça Federal acolheu parcialmente os argumentos das empresas, cujos advogados invocaram graves vícios processuais para pedir a anulação das ações judiciais. Segundo eles, o MPF teria exorbitado de suas prerrogativas, cometendo duas graves violências. Em primeiro lugar, não teria respeitado o período de quebra de sigilo telefônico autorizado pela Justiça, utilizando em sua denúncia conversas gravadas pela Polícia Federal fora do prazo legal. E, em segundo lugar, a Justiça Federal autorizou a Polícia Federal a promover na Samarco uma operação de busca e apreensão de documentos e cópias de e-mails passados por diretores entre os dias 1.º de outubro e 30 de novembro de 2015, mas os procuradores do MPF teriam utilizado dados de 2011 a 2014 – entregues em confiança pela empresa – como provas materiais para fundamentar as acusações.

Por ter agido dessa forma, valendo-se de documentos fora dos prazos estabelecidos pela Justiça, o MPF foi muito além de sua competência, afirmou o juiz Jacques de Queiroz Ferreira, ao justificar a suspensão por três meses da ação criminal. No total, 22 dirigentes são citados nesse processo. “Ao recorrer a dados não requisitados relativos ao período de 2011 a 2015, o MPF desrespeitou a privacidade dos acusados”, disse Queiroz Ferreira.

Em sua defesa, delegados da Polícia Federal alegaram que a Samarco tentou esconder informações e procuradores do MPF afirmaram que não utilizaram escutas telefônicas “supostamente ilegais” na denúncia. Também argumentaram que a análise dos documentos teria comprovado que a Samarco adotava “uma política empresarial de priorização de resultados econômicos, em detrimento de práticas de segurança para o meio ambiente e para pessoas potencialmente afetadas, assumindo assim todos os riscos”. Por seu lado, movimentos sociais acusaram a Justiça de “fazer vista grossa ao maior crime social e ambiental cometido no País”, assegurando “a imunidade e a impunidade de grandes empresas” e “tratando o povo como bobo”.

Esses argumentos são tocantes, mas de pouco efeito prático, diante das preocupações levantadas pelo juiz Jacques Queiroz Ferreira. Ele deixou claro que, se não tivesse tido o cuidado de suspender a ação criminal para sanear seus vícios, as violências cometidas pelo MPF poderiam levar à anulação de todo o processo – e, aí sim, a Samarco e suas controladoras ficariam isentas de qualquer responsabilidade civil e penal, o que é inadmissível. O fato é que, ao que tudo indica, promotores e procuradores exorbitaram, tentando fazer justiça sem respeitar a segurança do direito. Tais práticas não têm lugar no Estado Democrático de Direito. São tão nocivas que podem garantir a impunidade dos causadores da tragédia de Mariana.