quinta-feira, setembro 22, 2016

Jovens assassinos: maçãs podres ou 'vítimas' de uma infância infeliz? - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 22/09

Na avenida Nossa Senhora de Copacabana, no Rio, o fim de tarde de quarta-feira, dia 14, não foi nada insólito.


Desde o começo da Olimpíada, na hora em que as pessoas saem da praia e se dirigem às paradas de ônibus, bandos de adolescentes praticam arrastões. Talvez os moleques não queiram tanto roubar (celular à parte, ninguém leva nada para a praia) quanto apavorar, suscitar gritos e correria.

No dia 14, então, 92 jovens foram detidos –82 eram menores, 78 adolescentes e quatro crianças.

Segundo a reportagem do UOL (http://migre.me/v11ot), os adultos foram presos, as crianças foram para um abrigo da prefeitura, e os adolescentes receberam "apoio dos profissionais da Secretaria de Desenvolvimento Social". Paira no ar uma certa vontade de distribuir safanões –e não "assistência".

Graças ao artigo de Patrick R. Keefe na revista "The New Yorker" de 12 de setembro, li o livro-reportagem de Dan Slater: "Wolf Boys: Two American Teenagers and Mexico's Most Dangerous Drug Cartel" (meninos-lobos: dois adolescentes americanos e o cartel mais perigoso do México). Slater reconstrói a história de dois adolescentes do Texas (fronteira com o México) que se tornaram sicários no narcotráfico mexicano, assassinando dezenas de pessoas com requintes de crueldade. Julgados como adultos (possível nos EUA a partir dos 13 anos), ele foram condenados à prisão perpétua sem redução de pena.

Slater se pergunta se os dois jovens deveriam ser considerados como criminosos ou como "vítimas" (do cartel mexicano).

Nessa direção, Keefe, no artigo da "New Yorker", nota que, em geral, as crianças-soldados das guerras no continente africano nos parecem não ter culpa: eles foram arrancados das suas famílias pelos senhores da guerra. Em compensação, somos menos clementes com nossos adolescentes criminosos.

Keefe propõe uma explicação: quanto mais as vítimas dos adolescentes se parecem conosco, tanto mais tendemos a considerar que os jovens criminosos são maçãs podres e, de uma maneira ou de outra, responsáveis por sua podridão.

Ishmael Beah, ex-criança-soldado leonesa, autor de "Muito Longe de Casa" (Companhia de Bolso), esteve na Flip de 2007. Ao conhecê-lo, era impossível não apostar que, por horrorosa e sanguinária que seja a infância de alguém, sempre existe uma chance de redenção.

Mas volto ao livro de Slater: lendo as conversas do autor com Cardona (o jovem texano que mais se deixou entrevistar), a sensação é outra. O adolescente não fugiu da fome nem foi arrancado de seu lar à força: enveredou-se pelo crime por causa da grana, das minas, dos carros e das roupas.

Para salvar Cardona, vamos fazer o quê? Acusar o "imediatismo" materialista de nossa cultura? Problema: há milhões de adolescentes que gostam de minas, carros, grana e roupas e não se tornam assassinos.

Alguém dirá que os outros adolescentes apostam no esforço e no trabalho, enquanto Cardona escolhe a facilidade. Mas fazer carreira no crime, como sicário, é mesmo uma "facilidade"?

O advogado de Cardona pediu uma pena menos drástica com estas palavras: "Não sou Freud. Estou convencido de que Freud se divertiria à beça aqui. Não sei qual foi a motivação dele [de Cardona]. Não sabemos o que o leva a agir. Ninguém parece mesmo se importar com isso".

Os dois adolescentes do Texas desejavam coisas que muitos ou todos desejam. Só que fizeram isso sem freio moral, sem empatia, sem compaixão pelas suas vítimas e, ainda, se vangloriando de sua própria crueldade. Freud e um eventual colega sociólogo (marxista ou não) talvez encontrassem explicações ("desculpas"?) na suposta injustiça social ou na neurose familiar. Mas dificilmente eles conseguiriam eliminar a ideia de que os jovens texanos eram, simplesmente, ruins.

Essa ideia lhe inspira horror? Será então que você acredita que todos seríamos naturalmente bons, à condição de não sermos estragados por alguns percalços violentos de nossa infância?

Sabemos descrever bem o que é uma personalidade antissocial (desinteresse pelos outros, mentira persistente, impulsividade, agressividade, falta de remorso etc. –tudo isso, às vezes, junto com hiperatividade, drogas, depressão). Suspeitamos de componentes genéticas e causas ambientais e psíquicas (desamparo, desafeto familiar, violências sofridas).

Mas duvido que a gente chegue um dia a explicar a história de um Cardona sem recorrer à hipótese da maçã podre.

As centrais contra o plano Temer - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 22/09

Hoje é dia de manifestações contra planos de Michel Temer ou mesmo contra a mera existência de seu governo. O protesto nacional é liderado pelas centrais sindicais da "esquerda à direita" e pelas frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, petistas ou companheiras de viagem.

A Força Sindical convoca para o que chama de "Ato em defesa dos direitos sociais e trabalhistas" —a Força, do deputado federal Paulinho (SD-SP), parte da coalizão que depôs Dilma Rousseff. A CUT, petista, chama para um ambicioso "Dia Nacional de Paralisação e Mobilização Rumo à Greve Geral —Nenhum Direito a Menos".

Note-se de passagem que "Nenhum direito a menos, nenhum passo atrás" era parte do "compromisso sagrado" do discurso popular da segunda posse de Dilma Rousseff.

O denominador comum das centrais é, claro, o protesto contra as reformas trabalhista e previdenciária.

Para a Força, trata-se de um protesto contra essas reformas e, "principalmente, para reivindicar medidas que estimulem o crescimento da economia". Para dar apenas um exemplo do outro lado do espectro político sindical, a CUT vai também de "Fora, Temer", "fora, teto" e de "esquenta da greve geral".

De mais óbvio e menos incerto a depreender desses protestos: o pacote destrambelhado de reformas de Temer facilitou uma quase sempre difícil coalizão das centrais. No mais, quanto poderão render manifestações de uma frente disparatada, em ambiente de baixa organização popular maciça?

Motivos imediatamente "trabalhistas" para protesto não faltam, embora o medo do desemprego, a fragmentação sindical (política e regional) e a baixa da sindicalização solapem uma coalizão forte.

O conflito social politicamente mais ruidoso se dá em torno de direitos e benefícios sociais garantidos ou bancados diretamente pelo Estado. É obviamente crucial, mas nem de longe toda a história de conflitos entre capital e trabalho, o que parece esquecido por parte da esquerda mais "cultural", digamos assim.

O ruído de choques, porém, parece baixo em um país com desemprego na casa dos 12% e arrocho de salários.

Nos últimos 12 meses, cerca de 45% das negociações coletivas de salários resultaram em reajustes abaixo da inflação. Em agosto, foram a quase 52% do total os reajustes menores que o INPC, segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, de São Paulo).

Do fim da crise de 2009 até o primeiro trimestre de 2015, os acordos que davam em redução de salário real (menor que a inflação) em geral não passavam de 10% do total.

Nesta semana, soube-se graças ao Ipea que os trabalhadores com rendimento inferior ao salário mínimo tiveram o maior talho nos rendimentos, 9% em um ano. Apenas os rendimentos dos trabalhadores na faixa mais alta, os "10% mais ricos", tiveram aumento, na média.

O que se faz dessa ruína, do lado "do trabalho" ou da esquerda (qual?)?

Não há partidos ou frentes amplas o bastante ao menos para juntar na mesma canoa reivindicações "do trabalho", que dirá para organizar o conflito ou pensar um programa econômico alternativo, de preferência que faça sentido. Nem parece um problema que a esquerda, na prática, se proponha a pensar.

É o carro sem condutor - CELSO MING

ESTADÃO - 22/09

Enfim, o veículo que circula sem motorista é agora mais do que uma ambição de novidadeiros



Nesta semana, o governo dos Estados Unidos deu todos os sinais para que a indústria de veículos passasse a desenvolver automóveis autônomos, que circulam sem motorista.

A Uber já colocou em teste em Pittsburgh alguns desses produtos. O plano é colocar os primeiros veículos desse tipo à disposição dos seus mais fiéis clientes agora em outubro.

A norte-americana Tesla já vendeu milhares de veículos dotados dessa tecnologia e o Google, também no negócio, está experimentando seus próprios protótipos.

Enfim, o carro que circula sem motorista é agora mais do que uma ambição de novidadeiros. Pode-se dizer que não tem mais retorno. E aqueles que já começam a se revoltar contra mais um morticínio de postos de trabalho de motoristas e de taxistas devem ser lembrados de que o novo produto avança com base em outras vantagens. Para autoridades dos Estados Unidos citadas pelo New York Times, por exemplo, o carro sem motorista poupa tempo, dinheiro e vidas.

Se o principal objetivo é garantir mais segurança, fica entendido que eventuais acidentes com carros automáticos serão mais provavelmente provocados por veículos pilotados por humanos e não pelos novos engenhos eletromecânicos.

Isso posto, parece inevitável que as leis acabarão por incentivar o uso de veículos sem motorista. E já dá para prever que, dentro de mais alguns anos, eles estarão disponíveis em garagens ou em locais públicos, como hoje estão disponíveis as bicicletas que levam o logotipo de alguns bancos e podem ser usadas por quem se interessar por dar umas voltas por aí. Outra consequência positiva, as ruas tenderão a ficar menos atravancadas porque os veículos serão mais bem aproveitados. Em abril, o artigo de um professor da Duke University no Wall Street Journaladvertia que as cidades não estão preparadas para a circulação de carros sem motorista. Mas antes de concordar com essa afirmação, convém perguntar se as mesmas cidades estão hoje mais preparadas para enfrentar os veículos e o trânsito tais como são hoje.

A questão da destruição do emprego não é irrelevante, mas é preciso entender que os postos de trabalho que envolveram o maior uso do automóvel começaram a ser fechados há bem mais tempo. Quando as autoridades locais começaram a instalar semáforos em cada esquina, por exemplo, desempregaram os guardas de trânsito. E quando semearam radares pelas avenidas, dispensaram encarregados de redigir multas de trânsito. É assim a vida. Ninguém espera hoje que os aeroportos sucateiem os carrinhos de malas apenas para restabelecer o emprego dos carregadores.

O computador, o cartão de crédito, o comércio eletrônico e a Tecnologia de Informação continuam fechando milhões de postos de trabalho. A automação bancária se encarrega de outro tanto.

É verdade que a tendência é a de que as novas atividades que têm surgido com os chamados tempos modernos não conseguem repor os postos de trabalho que vêm sendo fechados. Este é um problema mais amplo que as sociedades modernas têm de resolver. A atividade econômica também não subsistiria sem poder aquisitivo e se o emprego não consegue garanti-lo, então será preciso prover outras soluções que hoje não estão disponíveis.

CONFIRA

Esperando Godot

Certa disposição para voltar a elevar os juros já em dezembro o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) deixou clara, não só no comunicado divulgado após a reunião desta quarta-feira, mas, também, na entrevista dada em seguida pela presidente Janet Yellen. O problema é que disposição, nesse caso, não é tudo. É preciso ultrapassar a barreira da sensatez.

A nau dos sensatos

Na entrevista, Yellen reconheceu que a maioria dos dirigentes do Fed vê argumentos mais fortes para uma alta imediata nos juros, “mas concordaram todos em que é sensato esperar”. Até quando, não disseram.

Pode mudar

É, a rigor, uma situação que se repete e pode continuar se repetindo. Em novembro estará eleito o novo presidente dos Estados Unidos, algumas mudanças podem acontecer até então e nos meses seguintes. E não será improvável que o Fed, mais uma vez, entenda que é mais sensato esperar. Quem sabe esperar por Godot...

Acabou a festa? - FÁBIO ALVES

ESTADÃO - 22/09

Debate sobre exaustão da política de estímulos dos principais bancos centrais do mundo ganha espaço



As decisões do Banco do Japão (BoJ, na sigla em inglês) e do Federal Reserve (Fed) americano esquentam um debate que promete ganhar força: já terá a política de estímulos monetários adotada pelos principais bancos centrais de países desenvolvidos chegado à exaustão?

Desde a crise financeira de 2008, os bancos centrais lideraram a recuperação da economia mundial ao injetar trilhões de dólares nos mercados ao reduzirem os juros básicos para ao redor de 0% e, mais recentemente, até para taxas negativas em alguns países, além de comprar títulos governamentais e outros ativos a fim de aumentar a liquidez, reaquecer o mercado de crédito e estimular o consumo. Boa parte dessa montanha de dinheiro acabou em países emergentes, como o Brasil.

Nas últimas semanas, contudo, instituições como o BoJ vêm dando sinais de reversão de suas políticas monetárias de anos recentes, em especial os programas de afrouxamento quantitativo. Isso reflete uma avaliação de que esses programas não cumprem o objetivo de aumentar o crescimento econômico – incentivando o consumo ao se reduzir as taxas de rendimento das aplicações financeiras – nem de acelerar a inflação. A discussão agora é se os instrumentos tradicionais de política monetária se tornaram obsoletos e a solução terá de passar por estímulos fiscais ou reformas estruturais, tanto para aquecer o consumo e o investimento quanto para elevar a produtividade como forma de aumentar o crescimento econômico.

O BoJ manteve inalterados a taxa de juros e o volume de compra de títulos do governo japonês e de cotas em fundos de índices de ações, o que decepcionou quem esperava corte adicional dos juros de curto prazo ou compras adicionais de ativos. Muitos analistas disseram que o BoJ não enterrou ainda sua política de estímulos, mas migrou o foco da injeção de dinheiro via compra de ativos e juros negativos para a simples gestão da curva de juros, isto é, da variação das taxas pagas pelos títulos públicos de diferentes prazos.

A taxa paga pelos depósitos em bancos, por exemplo, encontra-se em -0,1%. Em vez de o dinheiro render, um poupador japonês acaba pagando para deixar o seu recurso depositado no banco. Com um número grande de aposentados, a queda no rendimento das aplicações financeiras não levou ao consumo de bens e serviços, como o governo esperava, mas a uma postura mais defensiva: o japonês passou a poupar mais para compensar uma rentabilidade menor ao temer que, no futuro, os seus investimentos crescerão a um ritmo insuficiente para a aposentadoria.

Do ponto de vista dos bancos, com as taxas negativas se aprofundando ao longo da curva de juros, a intenção do governo também falhou: as instituições financeiras relutavam em conceder empréstimos, pois captavam recursos no curto prazo a uma taxa (embora negativa) acima daquela que receberiam dos tomadores de crédito a prazos mais longos.

Não à toa, o BoJ fixou uma meta de 0% para os juros pagos pelos títulos do Tesouro japonês de 10 anos de prazo. Assim, a curva de juros japonesa tende a ficar mais inclinada: taxas negativas no curto prazo passando para zero no médio prazo. Por outro lado, o Boj deixará a inflação superar 2% e seguirá injetando uma quantidade suficiente de dinheiro no mercado até que os índices de preços caminhem para esse objetivo.

Já o Fed manteve inalterados os juros básicos entre 0,25% e 0,50% na sua reunião de política monetária ontem, mas deixou aberta a possibilidade de elevá-los no encontro de dezembro à medida que a economia americana dá sinais de recuperação. No caso dos EUA, mesmo com todos os estímulos adotados desde 2008, a economia cresce a um ritmo menor do que o esperado. No passado, essa política evitou um desastre econômico. Para crescer mais agora, contudo, será necessário o uso de outros instrumentos.

O debate sobre a exaustão dos estímulos monetários está só começando. Não dá para dizer que o trabalho dos bancos centrais terminou. Todavia, já é possível tirar a seguinte lição: política monetária não gera crescimento econômico de longo prazo. Isso é resultado de ganho de produtividade, ampliação na força de trabalho e aumento no estoque de capital. Mas essa tarefa não cabe ao BC.

Quando vale a Constituição? - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 22/09

Não faz sentido o Estado ficar sem dinheiro para vacinas e pagar cirurgia no Hospital Johns Hopkins, por ordem judicial



O Supremo Tribunal Federal está para decidir se o Estado tem a obrigação de fornecer medicamentos não oferecidos pelo SUS, não importa o preço nem se é importado. Na verdade, a discussão é mais ampla: trata-se de saber se o Estado tem condições de cumprir a Constituição na prestação de saúde.

É de crucial importância. Por isso, volto ao tema já tratado aqui. Começa assim: pela Constituição, todo brasileiro tem direito de ser atendido de graça nos hospitais, ambulatórios e emergências do Sistema Único de Saúde, quaisquer que sejam sua doença, crônica ou aguda, simples ou grave; sua idade; sua renda; sua situação social e econômica (empregado, desempregado, patrão, rico ou pobre); e seu status civil (em liberdade, preso, em dia ou não com as Receitas).

A realidade e o simples bom senso dizem que não existe a menor possibilidade de se entregar essa proteção. Nunca haverá dinheiro para isso. Nem o Estado será capaz de montar um sistema eficiente desse tamanho e alcance.

A solução, praticada em diversos países com bom sistema de saúde pública, exige seleção e lista.

A seleção em quatro níveis: pessoas que serão sempre atendidas no SUS; as que serão atendidas prioritariamente; aquelas que serão recebidas no SUS apenas se tiver vaga sobrando; e, finalmente, as pessoas que não têm esse direito, a menos que paguem a preços de mercado. A regra, claro, vai do mais pobre ao mais rico.

A lista será de medicamentos e procedimentos. Uma primeira grande divisão: o que será de graça e o que será pago. Não faz sentido o Estado ficar sem dinheiro para vacinas enquanto paga uma cirurgia cardíaca no Hospital Johns Hopkins, isso por ordem judicial.

Ou comprar remédios não disponíveis na rede pública ou mesmo no país. A advogada-geral da União, Grace Mendonça, diz que a União gasta R$ 1 bilhão/ano com o fornecimento dos 20 medicamentos mais caros obtidos pelos cidadãos por via judicial.

Essas sentenças se baseiam na regra tão exaltada: a saúde é direito de todos e dever do Estado. Muitos entendem que o governo só tem a obrigação de prestar esse atendimento no SUS. Mas há juízes que pensam e decidem diferente: se o tratamento (ou o remédio) não está disponível no Sistema Único, deve ser prestado onde for possível, tudo por conta do Erário.

É o que o STF está por decidir.

Pela lógica econômica e social, as regras deveriam ser claras. Por exemplo, para os medicamentos: os básicos seriam de graça; os intermediários, com preço subsidiado; os demais, preço de mercado.

É preciso ainda especificar quais procedimentos o SUS faz e quais não vai fazer. E assim chegamos ao ponto mais dramático desta história. Em diversos países com bom sistema de proteção social, existem regras assim: pacientes idosos, com, por exemplo, um AVC grave, de baixo prognóstico, não vão para UTI. Leitores me desculpem, mas o argumento é clássico: a relação custo/benefício é desfavorável.

Sim, posso ouvir a indignação. Dirão que esse comentário prova a brutalidade do sistema de seleção e listas. E a vantagem moral do atendimento universal.

Falso. A seleção é praticada diariamente aqui no Brasil. A emergência tem quatro casos graves e só tem uma vaga na UTI. Quem decide? O plantonista, em geral um residente.

Além de errado, é ainda desumano colocar essa responsabilidade médica e ética nas mãos de rapazes e moças na casa dos 25 anos.

Seleção e listas elaboradas com critérios médicos, sociais e econômicos seriam infinitamente mais justas e eficientes.

Outra seleção, especialmente pelo interior do país, é feita por compadrio e política. Por que muitos políticos gostam de nomear diretores de hospitais, um cargo tão difícil? Porque gastam dinheiro e podem escolher os que serão atendidos na frente.

E há uma última e definitiva seleção, ou restrição de atendimento, essa ocorrida na crise do Rio, por exemplo. Hospitais simplesmente fecharam as portas, não entra ninguém. As farmácias declaram que não têm mais remédios — e pronto.

Cadê a Constituição?

Resumo geral: a Constituição promete o que o Estado não pode entregar. É preciso mudar a Carta para que os governos possam atender bem aqueles que precisam e não podem pagar. E abrir espaço, amplo espaço e facilidades, para a chamada Saúde Complementar — a privada, aquela dos planos e seguros de saúde e dos hospitais particulares — que se tornou mais que essencial.

Os governos Lula e Dilma impuseram regras e limitações a essa Saúde Complementar, muito além do que seria uma regulação correta. Também é mais que um desvio antiprivatizante. É uma reação tipo consciência culpada. Os 45 milhões de brasileiros que pagam planos e seguros privados estão gritando que o SUS é um falso universal. Estão mostrando a incapacidade dos governos de colocá-lo de pé.

Em vez de tentar reorganizar o SUS, com uma reforma na Constituição, admitindo as limitações, essa gente resolve pressionar o sistema privado. Nem conserta um e ainda estraga o outro.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Na ONU, Temer se legitima junto à comunidade internacional - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 22/09

A estreia de Michel Temer na política internacional é uma obra em três atos: a reunião do G-20, a Assembleia Geral das Nações Unidas e uma visita à Argentina, daqui a dez dias. Ao fim do périplo, o governo terá encerrado a longa transição.

Claro e direto, o discurso de Temer na ONU reafirmou pautas tradicionais da diplomacia brasileira, algumas das quais defendidas com vigor pelo PT. Da necessidade de compensar os perdedores da globalização à reforma do Conselho de Segurança, ele passou em revista toda a agenda diplomática.

Em seu melhor momento, o presidente bateu forte contra as mensagens do candidato republicano Donald Trump: Temer celebrou a abertura americana para Cuba, comemorou o acordo nuclear com o Irã, aplaudiu compromissos formais sobre mudança do clima, denunciou a xenofobia e a proliferação nuclear. Na sequência, encontrou-se com o vice de Obama.

As diferenças com o PT ficaram claras. Ao prometer uma "diplomacia com os pés no chão", Temer marcou distância do que vê como exuberância irresponsável na diplomacia petista. Naquele dia, sua imagem no púlpito da ONU contrastou com a de Lula na Lava Jato e a de Dilma na campanha municipal de Jandira Feghali.

Antes de Temer discursar, Venezuela, Equador e Nicarágua saíram do plenário. Tendo em vista o autoritarismo cleptocrata de seus presidentes, muitos acharam que o gesto depôs a favor do governo brasileiro. Costa Rica também saiu, mas sua chancelaria soltou nota minimizando o ocorrido.

Em Nova York, Temer ouviu seu colega uruguaio pedir a restauração das boas relações, depois da fricção. O presidente de Portugal afirmou que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa quer um novo capítulo com o Brasil, tamanha a irritação com o tratamento dispensado ao grupo por Dilma.

A visita de Temer à ONU também teve silêncios. Na expectativa de baixar o fogo, ele nada disse sobre a situação na Venezuela. E, para perplexidade geral, o presidente nem sequer mencionou a palavra "corrupção", tema que chacoalha com vigor a sociedade que ele representa.

Sobre a crise global dos refugiados, não propôs nada. Pelo contrário, apresentou números inflados de quanta gente recebemos. A pedalada estatística é uma herança do governo Dilma, quando se fez uma gambiarra jurídica para receber milhares de haitianos sem violar a legislação sobre a matéria. Temer poderia ter dito que seu próprio líder no Senado apresentou um projeto de lei que, com apoio das principais organizações de direitos humanos, promete começar a modernizar o tratamento da questão. Buenos Aires é a próxima parada.

Sistema desigual - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 22/09
O debate sobre reforma da Previdência é inesgotável. Há quem diga que não é justo alongar o tempo de se aposentar porque a pessoa que trabalhou em serviço pesado, e ganha pouco, não aguentaria esperar tanto. A verdade dos números mostra que o segmento de renda mais alta é que se aposenta mais cedo. Homem que trabalha na informalidade se aposenta com 65 anos; mulher, com 60.

O secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, explica essa desigualdade — mais uma — dentro do sistema de previdência no Brasil.

— A aposentadoria por tempo de contribuição é, em geral, para o segmento de renda mais alta, que consegue se inserir no mercado mais cedo e permanecer nele sem interrupções. Por isso, a idade média de homem que se aposenta por tempo de contribuição é 55 anos e de mulher é 52 anos. Quem está na faixa de maior precarização fica entrando e saindo do mercado formal e ao transitar entre a formalidade e informalidade acaba não conseguindo comprovar o tempo de trabalho — diz o economista.

Isso derruba um dos argumentos contra a reforma da Previdência: o de que ela seria injusta com pessoas que tiveram trabalhos muito desgastantes e salários menores. Bem ao contrário, esses, em geral, estão na faixa que já se aposenta pela idade mínima que o governo quer estabelecer.

— Do total de benefícios que existem hoje, na área urbana, 3,67 milhões de pessoas se aposentaram por idade com no mínimo 65 anos, para homem, e 60, para mulher. Por tempo de contribuição, são 5,57 milhões. Na área rural, existem 6,27 milhões de trabalhadores que se aposentaram por idade, mas apenas 21 mil por tempo de contribuição — diz Marcelo Caetano.

Os números mostram que no setor rural, onde a precarização é ainda maior, os que conseguiram comprovar tempo de carteira assinada são uma pequena minoria. Já na área urbana é um número considerável. O estoque total de benefícios, entre aposentados por tempo ou por idade, os aposentados por invalidez e os pensionistas, dá 28 milhões.

Outro argumento contra a reforma é que o brasileiro entraria mais cedo no mercado de trabalho. Marcelo Caetano diz que é mito. Pelo Caged, o brasileiro entra, em média, com 23 anos no mercado de trabalho atualmente. O mercado informal não tem estatística:

— Os dados da OCDE mostram que no Reino Unido a idade média com que se entra no mercado de trabalho é 19,7 anos, para homem, e 21 anos, para mulher. Na Itália, é 24 anos, homem, e 26 anos, se for mulher. Portanto, não é verdade que o brasileiro começaria a trabalhar mais cedo, porque a idade de inserção no mercado de trabalho é mais ou menos parecida com a da Itália e maior do que a do Reino Unido.

A reforma da Previdência ainda não foi enviada para o Congresso, por isso o secretário diz que não quer falar sobre o que será proposto. Mas afirma que é indispensável que ela seja feita.

— O Brasil passa por dois fenômenos demográficos: envelhecimento populacional e queda de fecundidade. Desde 2005, o crescimento da população está menor do que a taxa de reposição. A geração que nasceu em meados da década passada não repõe a dos pais. Esses dois elementos, vida mais prolongada e queda da fecundidade, exigem aumento da idade para se aposentar e, desta forma, ajustar o sistema. Do contrário, os outros gastos serão sufocados. O sistema precisa ser mais igualitário para que seja sustentável — diz Caetano.

Mas não é apenas a idade mínima que resolve o problema. Há outras desigualdades e privilégios. O governo Dilma tentou mudar o ponto que permitia pensão vitalícia e integral para viúvas e viúvos muito jovens. Conseguiu aprovar uma mudança, depois de muitas concessões, só que, no mesmo projeto, o Congresso derrubou o fator previdenciário. Há desigualdades entre a previdência dos trabalhadores do setor privado e do setor público e entre civis e militares. Há privilégios inaceitáveis para parlamentares e ex-governadores.

Se o país quiser um sistema igualitário e sustentável, terá que enfrentar todas as desigualdades. Não basta apenas olhar para o que acontece no Regime Geral de Previdência Social. Mas mudar as regras do INSS é o começo desse trabalho que o país precisa encarar em nome do seu futuro.

Novo Estado - EDUARDO EUGENIO GOUVÊA VIEIRA

O Globo - 22/09


PPI vai destravar empregos e investimentos. O modelo adotado rompe com as práticas dos anos Dilma de imposição de tarifas artificialmente baixas


Olançamento do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) aponta para mudança tão importante quanto aquela que, naturalmente, já se impõe diante da substituição de uma governante por outro. O Brasil não está apenas diante de um novo governo, mas de um novo Estado. Um Estado que finalmente começa a tomar corpo, com participação efetiva do setor privado, subsídios transparentes e expectativa de retorno para quem investir.

Num depoimento recente sobre o Brasil, Pascal Lamy comentou que o país criou seus próprios problemas. É verdade. O Brasil elegeu e reelegeu uma presidente cujas convicções ideológicas foram forjadas nos primeiros anos da década de 60. O descalabro macroeconômico é resultado deste ideário envelhecido, que, entre outras coisas, acolheu os excessos da interferência estatal como panaceia para todos os males. A interferência indevida está na origem da crise em que fomos mergulhados. O governo Dilma impôs uma redução artificial de tarifas de energia, impediu a Petrobras de reajustar os preços de combustíveis, arbitrou taxas de juros, tabelou margens de lucro e desmantelou agências regulatórias. O resultado desta interferência absolutista na economia foi a pior recessão da História brasileira, acompanhada de avanços incontroláveis dos índices de desemprego e de inflação, bem como da explosão da dívida pública e queda acelerada dos investimentos.

O Brasil procura agora reconstruir uma economia devastada, e a saída está clara para o novo governo. Ela contempla a redução drástica dos gastos públicos, a elevação da idade mínima da aposentadoria, a flexibilização das relações trabalhistas e a implantação de um vigoroso programa de venda de ativos públicos e de concessões.

Por isso, o lançamento do PPI é auspicioso. A infraestrutura brasileira precisa ser destravada. Ao destravá-la, o PPI vai destravar também empregos e investimentos. O modelo adotado rompe com as práticas dos anos Dilma de imposição de tarifas artificialmente baixas, que inviabilizavam o retorno para quem investia. A malfadada “modicidade tarifária” agora é passado. As regras que se anunciam são igualmente bem-vindas por preconizarem projetos de alta qualidade e cujos editais serão tornados públicos apenas depois de concedidas licenças ambientais prévias.

De alguma forma, o Brasil faz as pazes com um modelo de Estado que deu certo há duas décadas. Naquele momento, o país adotou reformas estruturais que reduziram a presença estatal e permitiram ganhos importantes de produtividade. O Programa Nacional de Desestatização privatizou com sucesso empresas governamentais e permitiu ao Estado concentrar-se em suas funções de agente normativo e regulador. O modelo foi desvirtuado nos anos Dilma, mas um Estado mais em linha com os governos social-democratas começa a se delinear.

Num país com os desequilíbrios sociais do Brasil, o que se deseja é um Estado a um só tempo solidário, que se ocupe de áreas brutalmente carentes como saúde, educação e segurança, e circunscrito às funções de regulação quando se trata de propor uma agenda de desenvolvimento.

O Brasil espera que este novo Estado, ainda em processo de redesenho, venha para ficar e permita que se instaure um novo ciclo de estabilidade e prosperidade. O PPI merece ser saudado desde já, sobretudo pelo que sinaliza em direção ao futuro.

O que Lula e Moro farão em Curitiba é um mata-mata - ROBERTO DIAS

FOLHA DE SP - 22/09

SÃO PAULO - Lula x Moro era o clássico mais aguardado da temporada política, para consumir metáfora ao gosto do ex-presidente.

De um lado, o brasileiro de maior projeção na primeira década deste século. Do outro, o líder da corrida pelo posto no atual decênio.

Em seis dias, o juiz de Curitiba acatou a denúncia que acusa Lula de corrupção em meio a muita polêmica sobre a qualidade do trabalho oferecido pelo Ministério Público. Ao fazê-lo, agendou para o próximo semestre a final do campeonato da Lava-Jato —Moro tem levado cerca de seis meses para dar suas sentenças.

A leitura formal da história obviamente não é essa. Afinal, Moro é juiz. Quem acusa Lula são os procuradores, não ele. Na prática é diferente. Outrora o "político mais popular do planeta", Lula hoje teria problemas se aparecesse em ambiente não controlado pelo petismo. Muito desse desgaste decorre dos atos de Moro, que por sua vez põe boné e óculos escuros para evitar assédio no avião.

Não por acaso, a defesa de Lula argumenta que inexiste magistrado no caso. Diz que Moro não é um "agente desinteressado". Também não por acaso o juiz se vacinou. "Não olvida o julgador que, entre os acusados, encontra-se ex-presidente da República, com o que a propositura da denúncia e o seu recebimento podem dar azo a celeumas de toda a espécie", escreveu. "Tais celeumas, porém, ocorrem fora do processo."

Por mais meandros que existam num processo judicial, há escassa margem para empate no duelo. Se condenar Lula, o juiz vai deixar o petista com um pé fora da eleição de 2018. Se não o fizer, Moro virará do avesso a imagem que moldou para si.

O julgamento do mensalão durou quase dois anos. Reuniu um colegiado de ministros e dezenas de réus em meio a tramas secundárias, arroubos retóricos e momentos aguarde-cenas-do-próximo-capítulo. Foi um campeonato de pontos corridos. O que haverá em Curitiba é mata-mata.

Bom começo - MERVAL PEREIRA

O Globo - 22/09

A passagem da comitiva brasileira que acompanhou a 1ª participação do presidente Temer na abertura da Assembleia Geral da ONU em NY deixou boas impressões nos investidores, mas ainda falta o novo governo mostrar capacidade política e de organização para implementar seus programas de privatização e controle de gastos.

Temer, por sinal, foi quem mais surpreendeu positivamente, com posições firmes a respeito de temas polêmicos, como a capacidade de aprovar no Congresso as reformas estruturais que darão o norte do novo governo, como controle dos gastos.

Mas ficou ainda a sensação de que a realidade brasiliense pode ser mais forte do que as palavras e boas intenções do novo governo. As imprecisões e falhas de organização continuaram sendo marcas brasileiras. Nas reuniões sobre parcerias para infraestrutura, coordenadas pelo secretário Moreira Franco, que aconteceram em três grupos de 40 patrocinadas por Bank of America, Goldman Sachs e Citi, no Hotel Plaza Athénée, ficou a boa impressão, uma “excelente manifestação de novas intenções e princípios no nível da microeconomia”, na definição de um dos presentes.

Moreira Franco foi muito claro na autocrítica sobre erros passados, tanto do ponto de vista ideológico quanto processual. A reunião, contudo, foi pouco eficaz na opinião geral, porque deveria ter sido estruturada no nível “macro” com ministros, e outra mais específica com executivos do governo que conhecem (ou, pelo menos, deveriam conhecer) o tema.

A organização foi frágil porque, apesar do envolvimento dos bancos americanos, toda a orquestração ficou por conta de Apex e Brain (organização patrocinada pela Bovespa). Tudo funcionou, “ou não funcionou”, ao estilo brasileiro, a começar que nenhum dos três ministros fala inglês: além de Moreira Franco, participaram das reuniões o ministro das Minas e Energia, Fernando Bezerra, e o de Transportes, Mauricio Quintella.

Todos demonstraram conhecer a carta de princípios, mas pouco sobre a execução. Mesmo no nível de princípios há vícios do Estado brasileiro, segundo investidores — extrema dependência de Banco do Brasil, Caixa e BNDES —; falta de time competente de executivos para operacionalizar tudo e, principalmente, superficialidade e fragilidade quanto a financiamento.

Os investidores, ainda traumatizados com experiências nos governos petistas, tinham grande questão do ponto de vista de credibilidade, especialmente em infraestrutura, investimentos de longuíssimo prazo: qual a garantia de que em 2018 não volte Lula ou outro ideólogo de esquerda e repita o que Dilma fez com investimentos como energia, rodovias etc.

Esta, porém, é garantia que nenhum governo democrático pode dar, ou deve dar. Mas algumas mudanças que mostrem um novo caminho foram colocadas. É preciso nova estrutura de órgãos reguladores, com compromissos que sejam independentes do governo incumbente, segurança jurídica e política.

Apesar das ressalvas, a maioria considerou bom início, mas ficou a sensação de que precisam chegar de forma mais profissional e convincente. A reunião de Temer e ministros com 400 líderes, no hotel St. Regis, foi organizada por Council of the Americas e Brazilian Chamber of Commerce. Temer falou de improviso por 20 minutos. Foi preciso, assertivo, firme no que se refere à agenda econômica e de comércio internacional, na avaliação geral, deixando impressão “muito boa”.

Apesar disso, ficou em aberto o compromisso de Temer com a nova ordem ética do Brasil. Os investidores não parecem muito confiantes de que Temer e o PMDB representem garantia de que o esquema de corrupção encontrado pela Lava-Jato não vá continuar. Por isso Temer teve de apagar incêndio, desautorizando seu ministro Geddel Vieira Lima, que havia dado declaração a favor da anistia para os políticos que usaram caixa 2 em campanha, alegando que “não é crime”.

O ministro Meirelles foi o único que falou em inglês (além do chanceler José Serra) e agradou, como esperado: firme, claro, otimista quanto à aprovação das reformas no Congresso. Transmitiu muita credibilidade. Mas persiste a dúvida se Temer terá a mesma coragem em Brasília, e conseguirá fazer algo para mudar os trejeitos da capital, na definição de um participante, e do time do senador Renan Calheiros, a grande incógnita para os investidores após suas investidas contra a LavaJato, embora sub-reptícias e cheias de dubiedades.

Mesmo porque, apesar de todas as garantias que Temer deu sobre a aprovação da PEC de controle de gastos, diversos partidos da base já começam a se mexer para fazer alterações. E muitos relutam em fechar questão em torno do projeto do governo.

Indício é prova - HUGO NIGRO MAZZILLI

ESTADÃO - 22/09

Para o CPP, em tese está em pé de igualdade com perícia, confissão, testemunhos, etc...



O Ministério Público Federal ofereceu à 13.ª Vara Federal de Curitiba denúncia contra o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e outras pessoas, acusando-os de corrupção passiva e outros crimes. No último dia 20 a denúncia foi recebida pelo juiz Sergio Moro, ainda que Lula, hoje réu, já tivesse sustentado por antecipação que contra ele não havia provas.

Será que não existiam mesmo provas? Será que tudo não passava de ilações, deduções, presunções ou meros indícios?

A controvérsia grassa entre profissionais do Direito, políticos, jornalistas e até pessoas leigas. Assim, a população acaba tendo uma compreensão inadequada do que são provas para os fins penais e até termina por admitir como verdade que indício não é prova.

Mas essa premissa é totalmente equivocada.

Vejamos o que são indícios.

Para a lei processual penal (artigo 239 do Código de Processo Penal), indício é a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato principal (a ser provado), autorize, por indução, a concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. Indício vem do radical latino index, que é aquilo que indica (daí nosso dedo indicador, com o qual normalmente indicamos objetos). Apenas como mero e proverbial exemplo, todos sabemos que, em princípio, fumaça é indício de fogo.

Mas que importância jurídica se poderia dar a um indício, se também é de todos sabido que nem sempre está correta a conclusão tirada a partir de um indício? Quantas vezes vemos fumaça, mas não há fogo; ou ouvimos trovão e não vem tempestade...?

Por isso a doutrina antiga não incluía os indícios entre os meios de prova. Entretanto, hoje, essa posição está superada.

Para o sistema legislativo brasileiro, na esteira, aliás, do que se generalizou nos países civilizados, os indícios são meios de prova. Para o nosso Código de Processo Penal (CPP), os indícios são prova e, em tese, estão em pé de igualdade com a perícia, a confissão, os testemunhos, os documentos, etc. (artigo 239). E, como qualquer prova, seu valor não pode ser visto isoladamente, e sim no conjunto das demais provas.

De há muito a lei não mais admite provas de valor tarifado, nem mais estabelece uma hierarquia entre as provas. Dessa forma, não tem fundamento jurídico acreditar que os indícios sejam meias provas ou provas menores, ou até prova nenhuma. Os indícios serão provas fracas ou fortes, como quaisquer outras, pois devem ser aferidos dentro do contexto instrutório, como, aliás, é feito com quaisquer provas.

É também isso o que se dá até mesmo com a confissão, que não mais tem valor absoluto, de vez que há muito deixou de ser a rainha das provas – basta ver quantas vezes um pai admite a autoria de um crime só para inocentar o filho, ou quantas vezes um preso confessa sob coação crimes que nunca cometeu. Da mesma forma, até quem é preso com a arma fumegante na mão diante do cadáver pode não ter sido o autor do disparo fatal. Mas, ao mesmo tempo, pode ter sido o autor do homicídio e seriam muito levianos o delegado, o promotor ou o juiz que pura e simplesmente desconsiderassem esse significativo indício de autoria.

Para que o indício tenha algum valor jurídico, há alguns pressupostos que devem ser considerados: 1) por primeiro deve estar provado; 2) depois, é preciso que tenha nexo causal com a circunstância que se quer provar por indução; e 3) por fim, é indispensável que seja harmônico com as demais provas produzidas.

Nem se diga que por ter o seu valor subordinado ao preenchimento desses pressupostos os indícios teriam força meramente subalterna. Assim como pode não merecer maior crédito uma confissão isolada diante das demais provas, igualmente indícios sem comprovação, isolados ou inconsequentes não servirão de base para um juízo de certeza penal. Entretanto, há indícios provados e tão relevantes que, no seu todo, podem ensejar uma prisão preventiva (indícios suficientes de autoria), uma acusação (imputação penal) e até uma condenação (procedência da ação penal). Suponhamos que fiquem provados estes indícios: o réu, com resíduos de pólvora nas mãos, é preso na posse da arma do crime ainda fumegante, ao lado do cadáver; some-se a isso o fato de que pouco antes o réu dissera a várias pessoas que iria matar a vítima, da qual era desafeto, tendo já sofrido condenações, recentes, por tentativa de homicídio contra o falecido.

É natural que, por mais veementes que sejam os indícios, eles devem ser sempre recebidos com muita cautela, pois, mesmo no exemplo acima, apesar de todos os fatores desfavoráveis, ainda pode ser que um terceiro, que não o réu, tenha matado a vítima.

Como a indução é um processo lógico de raciocínio, e é prestigiada pela própria lei, os indícios devem ser levados na devida conta tanto na fase pré-processual como até no curso da instrução criminal, se concludentes e harmônicos com os demais elementos da instrução. Em certos casos, aliás, os indícios são mesmo os únicos meios possíveis de prova, como nos crimes cometidos às ocultas, como os de corrupção; ademais, há também inúmeros crimes que não deixam vestígios materiais nem provas diretas.

O processo penal deve ser conduzido com a maior amplitude cabível, tanto para facultar ao Ministério Público a comprovação do que alega, como para facultar à defesa contrapor-se adequadamente à pretensão acusatória, atentando-se para os seguintes objetivos básicos: 1) provar-se a existência de um ilícito, na sua materialidade ou autoria; 2) demonstrar, ao revés, a própria inexistência dos fatos delituosos; e 3) evidenciar a presença de causa que justifique a ação ou a omissão do acusado, exclua a infração ou afaste a responsabilidade do agente.

Isso é o que se espera e até se exige no curso da atividade jurisdicional que ora se inicia.

* HUGO NIGRO MAZZILLI É ADVOGADO E CONSULTOR JURÍDICO, AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE ‘REGIME JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO’ (SARAIVA, 8ª ED.)

Odeio você - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 22/09

No século XXI, a esquerda brasileira ainda cultua a figura do caudilho latino-americano



No Citibank Hall, em São Paulo, Caetano e Gil conduziram a plateia numa versão de “Odeio você” que se completava com “Temer”. Há motivos para a indignação contra um governo recheado das velhas figuras do PMDB, assentado no chamado “Centrão” e salpicado pela gosma de preconceito dos pregadores-negociantes. Contudo, os dois músicos e seu público não apenas rejeitavam o presidente adventício como também se solidarizavam com a dissolvida ordem lulo-dilmista. O evento, um entre tantos que envolvem intelectuais e artistas, evidencia a eficácia da narrativa do “golpe parlamentar”. É mais uma volta no parafuso que prende a esquerda brasileira a lideranças e ideias regressivas. O fracasso não ensinou nada — e apagou as páginas de lições prévias.

Lula e Dilma, depois de tudo — é sério isso? Os heróis da esquerda são os compadres de Marcelo Odebrecht, os chefes dos gerentes-operadores da Petrobras, o óleo na engrenagem de um capitalismo de subsídios e sombrias negociatas. Na ordem lulo-dilmista, circulavam como aliados e associados os mesmos canalhas que rodeiam o atual governo. O que eles “odeiam” não é a presença perene dessa gente, mas a ausência de seus heróis sem nenhum caráter. O Temer que eles odeiam é a implicação necessária dos governos que eles amaram.

No campo político da esquerda, nada se aprendeu sobre uma política econômica amparada nas rendas extraordinárias do ciclo internacional da “globalização chinesa”, que nunca gerou ganhos de produtividade e se concluiu numa depressão tão profunda quanto à do colapso cafeeiro. E nada se aprendeu sobre políticas sociais referenciadas em estímulos conjunturais ao consumo e transferências diretas de renda, que se esgotaram sem reformas de fundo. Enquanto ainda cantam as glórias petistas, eles escondem de si mesmos a permanência de uma educação pública em ruínas e as carências humilhantes dos serviços públicos de saúde. Eles gostam de cotas, não de direitos universais.

O que sobra de uma esquerda cega à desolação das nossas metrópoles cindidas em guetos sociais e, portanto, estruturalmente violentas? Por que eles amam tanto o retrógrado Minha Casa Minha Vida, um programa que ergue habitações populares distantes dos centros das cidades, reiterando um padrão secular de segregação espacial? Copa, Jogos Olímpicos, Porto Maravilha: a roda da fortuna da especulação imobiliária.

Numa mesa-redonda, Guilherme Boulos, o líder do MTST, inverteu a sequência temporal dos eventos para justificar a falência econômica da Venezuela chavista pelo colapso das cotações do petróleo. A caravana do “Odeio você” avança, de olhos vendados, rumo ao passado. Eles não reconhecem que, sob Hugo Chávez, somente se aprofundou a histórica dependência venezuelana das rendas petrolíferas, nem que a “revolução bolivariana” implodiu sob o peso de seus próprios erros, degenerando num regime autoritário, repressivo e impopular. No século XXI, a esquerda brasileira ainda cultua a figura do caudilho latino-americano.

Podemos ter nosso próprio Che? Wagner Moura, cuja inteligência política é inversamente proporcional a seu talento dramático, clama por recursos públicos para um filme sobre Marighella. Ele quer cercar seu personagem com a auréola do romance, ajudando a convertê-lo em marco de memória. A luta armada, o “foco revolucionário”, ofereceu os pretextos ideais para a evolução da máquina repressiva, contribuindo involuntariamente com a sedimentação da ditadura militar. À luz da história, compreende-se o erro trágico dos militantes que se engajaram naquela aventura. Já a romantização da tragédia, tanto tempo depois, e na vigência das liberdades democráticas, deve ser classificada como o ato típico de um idiota.

Na Europa, as correntes principais da esquerda aprenderam com a experiência totalitária soviética o valor fundamental da democracia. Na América Latina, o percurso de aprendizado foi interrompido pela Revolução Cubana, com seu infindável cortejo de mitos. Cuba é o nome da caverna escura que aprisiona a esquerda brasileira. Um quarto de século atrás, o PT chegou a qualificar o regime castrista como uma ditadura indefensável. Hoje, celebra tanto o defunto “modelo socialista” cubano (isto é, o estatismo stalinista) quanto as reformas econômicas deflagradas por Raúl Castro (isto é, um sistema de mercado sem a contrapartida de direitos políticos e sindicais). Nesse pátio de folguedos do anacronismo ideológico, encontra-se com sua dissidência agrupada no PSOL.

“Odeio você, Cunha!”. A performance da esquerda apoia-se num álibi primário. Eles dizem, com razão, que Eduardo Cunha está no DNA do governo Temer. Porém, obliteram o fato de que, sem a engrenagem da corrupção partidária institucionalizada sob o lulo-dilmismo, Cunha seria apenas mais um corrupto de terceira classe. O ódio caetaneado, um produto político seletivo, opera simultaneamente nos registros da memória e do esquecimento. Cunha é Temer — mas é também Lula e Dilma.

Nos idos de junho de 1968, interpretando “É proibido proibir”, Caetano desafiou uma plateia que urrava contra as guitarras elétricas dos Mutantes, pateticamente identificadas ao “imperalismo americano”. Hipnotizados pelo romance da esquerda latino-americana, os jovens odiavam tudo que não fosse Vandré. O Caetano de hoje representa a negação do Caetano original: no Citibank Hall, ele arrependeu-se de si mesmo, curvou-se às vaias do passado, escreveu o epílogo de uma biografia autorizada.

Pablo Milanés desempenhou, ao longo de décadas, o triste papel de trovador oficioso de Fidel Castro. Caetano faz uma melancólica imitação tardia, candidatando-se a trovador de Lula e Dilma. Ninguém deveria odiá-lo por esse motivo. No fim, sua performance reflete os fracassos e as frustrações de uma esquerda enclausurada na gruta de seus mitos. O “velhote inimigo que morreu ontem” está entre nós, bem vivo.

Demétrio Magnoli é sociólogo

Educação no foco - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 22/09

Governo acelera reforma do ensino médio e se arma para batalha da PEC de gastos



Por falta de indicadores não é que a Educação no Brasil está onde está. Há hoje uma série de estudos esmiuçando como caminha o setor, onde se localizam os principais gargalos e os principais avanços. Nos últimos dias, pelo menos duas levas de estatísticas foram divulgadas e só comprovaram o que o bom senso sugere, ou seja, que o País ainda está longe de uma posição confortável em termos de Educação.

É o caso do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que acompanha o desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática, e do “Education at a Glance”, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mede a evolução do setor em 41 países.

O que falta é uma política pública adequada para reverter esses indicadores com mais eficiência e rapidez. A julgar pelos discursos de campanha de candidatos a qualquer cargo eletivo, a Educação é a prioridade das prioridades para dar impulso ao crescimento do País. Mas, quando são postas à prova, essas promessas quase sempre não se sustentam. Basta ver como alguns ocupantes das pastas de Educação são indicados – naquela cota de agrados aos partidos da coalização. Mesmo políticos do primeiro time olham com descaso para a Educação, preferindo se alojar nos ministérios “que furam poço”, ou seja, aqueles que têm mais verbas e obras físicas para fazer alarde junto ao eleitorado.

Nesse sentido, vem em boa hora a decisão do governo Temer de editar uma MP para apressar a entrada em vigor da reforma do ensino médio. Inicialmente prevista para ser projeto de lei, a reformulação acabou virando MP, para não concorrer com outros temas na congestionada pauta do Congresso. Os objetivos são, em resumo, flexibilizar os currículos escolares, com a combinação de matérias obrigatórias e outras mais ligadas a interesses específicos dos alunos, ampliar a jornada escolar e reforçar o ensino profissionalizante.

Pelas lentes do Ideb 2015, é possível verificar que o ensino médio está estagnado desde 2011 e abaixo da meta fixada pelo Ministério da Educação: a nota é de 3,7, numa escala de 1 a 10, frente a um objetivo de 4,3. Só dois Estados, Amazonas e Pernambuco, conseguiram atingir o alvo. Na rede privada, sempre considerada um oásis, a nota obtida em 2015 foi a mais baixa da série histórica, iniciada em 2005.

Na comparação com o grupo da OCDE, embora se constate uma melhora em relação às edições anteriores, o Brasil também continua em desvantagem. Também aí aparece o gargalo do ensino médio. Em 2013, mais da metade da população de 25 a 64 anos não havia concluído o ensino médio, enquanto a média geral era de 24%. No ensino profissionalizante, o desnível é ainda maior. Só 8% das matrículas no ensino médio no Brasil referem-se a essa modalidade de curso – a terceira menor participação entre os 41 países.

Mas, se a urgência para mudar o ensino médio é praticamente um consenso, o mesmo não ocorre com a política que se desenha para os investimentos na educação. É verdade que, no estudo da OCDE, fica visível que o problema do financiamento da educação no Brasil não se resume ao quanto se gasta, mas inclui também o como se gasta. Vamos às contradições: em 2013, o Brasil aplicou na Educação 16% do total de gastos públicos, cinco pontos acima da média da OCDE. Parece muito? Quando se desce ao investimento por aluno, no entanto, a realidade é bem mais sombria. Enquanto o investimento por aluno no ensino fundamental e médio é equivalente a cerca de US$ 3,8 mil anuais, entre os mais baixos registrados no levantamento, no ensino superior sobe para US$ 13,5 mil, e chega perto da média de US$ 15,8 mil.

Diante desses números, esquenta o debate sobre a decisão de submeter as áreas sociais, incluindo a Educação, aos limites gerais impostos na PEC do teto do gasto público. Para especialistas, o risco de uma abordagem excessivamente “fiscalista” da questão é nivelar a educação por baixo e não eliminar as distorções já existentes.

Crime sem castigo - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 22/09

BRASÍLIA - Sobravam convicções, mas faltavam provas do aval do Planalto ao plano de anistiar a prática de caixa dois. Agora não faltam mais. O ministro Geddel Vieira Lima, articulador político do governo Temer, saiu em defesa do perdão a quem ocultou dinheiro de campanha.

O peemedebista disse ao jornal "O Globo" que a existência de projetos para tipificar o crime de caixa dois significa que a prática ainda não é ilegal. Por isso, argumentou ele, quem ocultou dinheiro da Justiça Eleitoral não deve ser punido.

"Anistia serve a quem cometeu um crime. No caso do caixa dois, se não tem crime, não tem anistia", afirmou o ministro. "Agora, quem foi beneficiado no passado, quando não era crime, não pode ser penalizado".


Especialistas em direito eleitoral apontam ao menos duas leis que já enquadram o financiamento ilegal de campanhas. O Código Eleitoral prevê pena de até cinco anos de prisão para quem "omitir" ou "inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita para fins eleitorais".

A lei de crimes contra o sistema financeiro proíbe "manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida". Neste caso, a pena é de um a cinco anos.

A procuradora Silvana Batini, professora da FGV no Rio, explica que o caixa dois sempre foi crime. "O problema é que temos um baixíssimo histórico de punição no Brasil", afirma. Ela diz que políticos e financiadores fazem um cálculo de custo e benefício antes de tapear a Justiça Eleitoral. "Como a chance de punição era baixa, o caixa dois sempre foi um bom negócio", conclui.

Se restar alguma dúvida no Planalto, recomenda-se ouvir a ministra Cármen Lúcia. Em 2012, ela enquadrou réus do mensalão que diziam que o escândalo era "só caixa dois". "Caixa dois é crime. Caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira", afirmou. "E isso não é só, isso não é pouco". Para azar de quem discorda, a ministra acaba de assumir a presidência do Supremo.

Os limites de Lula - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 22/09

Ex-presidente e seus advogados decidiram simplesmente denunciar o sistema judicial brasileiro, como se aqui vigorasse a mais grossa ditadura


O ex-presidente Lula se considera um perseguido político. Essa será sua linha de argumentação no processo em que é acusado de auferir vantagens do esquema do petrolão, flagrado pela Lava Jato. Isso significa que, agora transformado em réu pelo juiz federal Sergio Moro, Lula exercerá seu direito de defesa além da mera formalidade, uma vez que atende às exigências do devido processo legal e ao mesmo tempo nega sua validade, pois considera o processo ilegítimo e vê o tribunal e os promotores como integrantes de um complô para impedir sua volta à Presidência da República.

Assim, Lula e seus advogados decidiram simplesmente denunciar o sistema judicial brasileiro, como se aqui vigorasse a mais grossa ditadura. Para Lula, o processo nem deveria existir, dado que sua inocência é clara como a luz do dia e só é questionada por quem tem má-fé. Por esse raciocínio, a Justiça só provará sua isenção se absolver Lula e se lhe pedir desculpas, algo que o ex-presidente, aliás, já cobrou.

Tal estratégia mal esconde a aflição de Lula com o risco de vir a ser preso. A denúncia que Moro aceitou já é a segunda relativa ao petrolão – a primeira, que corre na Justiça Federal de Brasília, o acusa de obstrução de Justiça. No caso que está na 13.ª Vara Federal de Curitiba, Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no esquema de assalto à Petrobrás, do qual, segundo o Ministério Público Federal, o ex-presidente é o “comandante supremo”.

A acusação afirma que Lula recebeu R$ 3,7 milhões em propina da empreiteira OAS entre 2006 e 2012. Moro considerou haver “indícios razoáveis” de que um triplex no Guarujá foi dado pela OAS a Lula, embora a empresa tenha se mantido como proprietária formal. A empreiteira realizou melhorias no apartamento sob orientação da mulher de Lula, Marisa Letícia, razão pela qual a ex-primeira-dama também foi denunciada. Ademais, a empreiteira custeou o armazenamento do acervo que o ex-presidente alega ser seu, acomodado em 14 contêineres. O presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto – outro denunciado –, reconheceu esse pagamento, mas insistiu que não se trata de crime. Okamotto não disse qual foi a contrapartida para tanta generosidade.

A acusação de que Lula chefiou o petrolão não consta do processo, embora tenha sido enfatizada pelos procuradores na apresentação da denúncia. Moro entendeu que essa omissão se justifica porque a acusação de associação criminosa consta de processo que, por envolver agentes com foro privilegiado, corre no Supremo Tribunal Federal. Mesmo assim, o juiz considerou que a acusação dos promotores sobre o papel proeminente de Lula no esquema é relevante, uma vez que as vantagens materiais dadas pela OAS ao ex-presidente só se justificariam no contexto do petrolão.

Moro também deixou claro que este ainda não é o momento de fazer um exame das provas, mas apenas de analisar se a denúncia tem justa causa. Isso significa que a aceitação da denúncia não representa qualquer julgamento sobre a culpa do réu, que “poderá exercer livremente sua defesa”.

Mas o direito à ampla defesa não parece interessar a Lula. Confrontado com tão evidentes sinais de que não é a “viva alma mais honesta deste país”, como certa vez se jactou, o ex-presidente parece intuir que será irremediavelmente condenado caso se submeta apenas ao devido processo legal. Assim, Lula desencadeou uma campanha mundial para caracterizar o processo como político.

No Brasil, Lula mandou que os candidatos petistas nas eleições municipais, que já enfrentam enormes dificuldades para superar a hostilidade do eleitor, usem a campanha para defendê-lo. Assim, o chefão petista atrela o seu destino e o do partido no que pode ser o abraço dos afogados. No exterior, a tigrada deflagrou uma campanha constrangedora intitulada “Stand with Lula” (“Estamos com Lula”), que pede apoio internacional ao ex-presidente, caracterizado como “pai do Brasil moderno”.

Como sempre, Lula refugia-se em mentiras e fabulações, ofendendo a inteligência alheia e a própria democracia, para não ter de responder por seus atos. Felizmente, porém, sua margem de manobra parece se estreitar cada vez mais.

Moro aceita denúncia, e Lula radicaliza politização da defesa - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/09

Sistema judiciário precisa estar atento à estratégia do lulopetismo de alardear uma falsa perseguição ao ex-presidente, também conhecido por se defender pela vitimização


O juiz Sérgio Moro, responsável pelos principais processos da Lava-Jato na primeira instância, não repetiu o tom histriônico adotado por procuradores da força-tarefa quando destacaram o papel de Lula como “comandante” do esquema, ao apresentarem os termos da denúncia do ex-presidente Lula e de Marisa Letícia, ex-primeira-dama, entre outros, no caso do tríplex do Guarujá e da guarda do acervo presidencial. Moro, porém, acolheu a fundamentação do pedido do MP da conversão do ex-presidente em réu, e assim demonstrou equilíbrio.

Fazem parte da mesma denúncia o indefectível Léo Pinheiro, da OAS, Paulo Okamotto, sombra de Lula no instituto do ex-presidente, e quatro ex-executivos da empreiteira. Há um encadeamento de fatos que evidenciam que o tríplex, a dispendiosa reforma no imóvel, e a também custosa guarda do acervo presidencial devam ser vantagens indevidas da OAS para Lula. Sem considerar o não menos célebre sítio de Atibaia, em cuja reforma também está envolvida a Odebrecht, assunto que não consta deste processo. O volume bilionário de obras que a Petrobras, sob estrito controle do PT, concedeu às duas empresas justificaria os mimos. Daí o grupo responder pelos crimes de corrupção, bem como de lavagem de dinheiro.

Por seu lado, Lula, companheiros e advogados aprofundam a linha política de defesa, talvez como uma reação típica de quem terá dificuldades de contra-argumentar com base em provas substantivas. Foi sintomático Lula definir o ato de Moro como “espetáculo de perseguição”.

A resposta dada ao indiciamento veio também de Nova York, por meio de videoconferência, para onde foram representantes do lulopetismo e advogados para mobilizar simpatizantes locais, aproveitando a passagem do presidente Temer pela cidade, onde compareceu à abertura da assembleia geral da ONU.

Tende, então, a crescer a acusação da suposta parcialidade de Moro, e do viés “político” do trabalho da força-tarefa da Lava-Jato. O próprio ministro do STF Teori Zavascki, responsável na Corte por processos com direito a foro especial, já reclamou de advogados de Lula por estarem “embaraçando” as ações que tramitam na Corte sobre o ex-presidente. Depois, o ministro se retratou, mas ficou o registro.

Pela segunda vez, Lula vira réu na Lava-Jato. A primeira ocorreu na Justiça de Brasília, em que é acusado de tentar obstruir as investigações. A coreografia seguida pela defesa do ex-presidente e declarações dele próprio, na mesma linha definida quando foi conduzido de forma coercitiva a depor, em São Paulo, são um alerta ao Ministério Público e aos tribunais em que tramitam processos nos quais o ex-presidente é citado.

Todos precisam se blindar contra a estratégia de politização ao extremo da defesa, embalada pela também conhecida vitimização do réu. O que se espera do sistema judiciário é a avaliação fria de provas e contraprovas.

Estranha impunidade - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 22/09

O alagoano José Renan Vasconcelos Calheiros, filiado ao PMDB, é o que se pode definir, em toda a extensão pejorativa do termo, como um político profissional



O notório senador Renan Calheiros investe-se de superioridade moral para criticar o “exibicionismo” dos integrantes da Operação Lava Jato. Trata-se da mesma pessoa, que a lassidão dos costumes reconduziu à presidência do Senado Federal, que em 2007 precisou renunciar ao mesmo posto para salvar o mandato de senador e está sendo investigado agora em 12 inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), 9 deles relativos à Lava Jato. “Exibicionismo” é a exposição dessa folha corrida, simultânea à farisaica exibição de virtudes cívicas – tudo com o óbvio objetivo de evitar que se faça justiça.

O alagoano José Renan Vasconcelos Calheiros, filiado ao PMDB, é o que se pode definir, em toda a extensão pejorativa do termo, como um político profissional. Como tal, aferra-se à convicção de que o eleitor tem memória curta e sente-se à vontade para praticar o adesismo irrestrito que o tem levado a aliar-se sempre aos poderosos de turno, no interesse de suas próprias conveniências políticas. De Collor a Dilma, Calheiros esteve sempre no poder.

Quando era deputado estadual em Alagoas, Calheiros acusava o então prefeito de Maceió, Fernando Collor de Mello, de ser o “príncipe herdeiro da corrupção”. Já deputado federal, com a eleição de Collor à Presidência da República, em 1989, tornou-se seu líder na Câmara dos Deputados e, entre outras proezas, anunciou uma ampla devassa no governo anterior, de José Sarney. Mas não conseguiu o apoio de Collor para se eleger governador de Alagoas em 1990 e virou-se contra ele, acusando-o de traição.

Com Itamar Franco na Presidência após a renúncia de Collor, Renan assumiu por cerca de dois anos a vice-presidência da Petroquisa, subsidiária da Petrobrás.

Fernando Henrique Cardoso tornou-se presidente da República em 1995 e já encontrou Renan Calheiros na cúpula do PMDB. Aceitou nomeá-lo ministro da Justiça, por indicação do senador Jader Barbalho (PMDB-PA).

Em 2002, o PMDB fez uma aposta eleitoralmente errada e apoiou a candidatura tucana de José Serra à Presidência da República. Mas o equívoco foi imediatamente corrigido após a vitória de Lula. O PMDB passou a integrar a base aliada do novo governo e, em fevereiro de 2005, o PT apoiou a primeira eleição de Renan para a presidência do Senado Federal. Dois anos depois, em fevereiro de 2007, o alagoano, já composto com seu correligionário José Sarney, reelegeu-se para o que seria um curto mandato, ao qual foi forçado a renunciar, em novembro, numa negociação que lhe preservou o mandato de senador.

O escândalo que ficou conhecido como Renangate estourou em maio de 2007, quando foi publicada a notícia de que a empreiteira Mendes Júnior pagava uma mesada de R$ 12 mil à amante com quem Renan tinha uma filha. Seguiram-se outras denúncias graves: a compra de uma emissora de rádio em Alagoas, em nome de laranjas; a emissão de notas fiscais frias para justificar rendimentos; tráfico de influência na compra de uma fábrica de refrigerantes. Ao todo, foram apresentadas seis representações ao Conselho de Ética do Senado pedindo a cassação do mandato de Renan.

Mas as transgressões de Renan Calheiros em 2007 eram brincadeira de criança em comparação com o que viria. Vale repetir: são 12 inquéritos junto ao STF, 9 dos quais relativos à Lava Jato. Em 7 de junho último, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, chegou a pedir a prisão de Renan Calheiros – como parte de um grupo ilustre de peemedebistas integrado também por José Sarney, Eduardo Cunha e Romero Jucá – sob a acusação de tentar obstruir os trabalhos da Operação Lava Jato.

A folha corrida de Renan Calheiros distingue-se, por exemplo, da de Eduardo Cunha, que já teve o mandato cassado, porque o alagoano é um devoto das sombras e evita desafiar abertamente o governo – qualquer governo. Mas isso não explica por que Renan Calheiros continua se beneficiando da proverbial morosidade da Justiça, o que o estimula a desafiá-la com crescente desassombro.

A retomada da infraestrutura - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 22/09

Não se trata de pensar que o setor privado aparece apenas para compensar as omissões do Estado, e sim de saber que é o protagonismo é do setor privado e do cidadão organizado



É impensável a hipótese de o Brasil voltar a crescer de forma sustentável sem que antes sejam vencidos os enormes gargalos na infraestrutura que o mantêm no atraso econômico e sem condições de participar com eficiência do competitivo mercado mundial. Mas é igualmente impensável ser possível dotar o país de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos estratégicos, bem como garantir produção e segurança energética, se dependermos exclusivamente dos deficitários cofres públicos. Nem seria também inteligente deixar estes setores sob a histórica ineficiência da administração estatal – o próprio bom senso nos diz que é melhor buscar na iniciativa privada os recursos e a expertise gerencial que faltam ao governo. Não se trata de pensar que o setor privado aparece apenas para compensar as omissões do Estado, e sim de saber que é do setor privado e do cidadão organizado o protagonismo em muitos setores e atividades.

Aceitas estas premissas, elogie-se a sinalização do governo Temer de que pretende delegar ao setor privado a construção, a melhoria e a administração de alguns dos mais importantes projetos infraestruturais de que o país carece. São cerca de 30 as propostas de levar a leilão concessões que abrangem principalmente os setores de transporte e energia, segundo anunciou dias atrás o ministro Moreira Franco, que conduz o Programa de Parceiras de Investimentos lançado pelo governo federal.

É verdade que alguns dos projetos já estavam nos planos de concessões elaborados no mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. Regras pouco atraentes, economia em recessão e, sobretudo, escassez do atributo mais fundamental para o êxito dos empreendimentos – a segurança jurídica – distanciaram deles os capitais nacionais e estrangeiros eventualmente interessados em explorar os filões que lhes eram oferecidos. A nova conjuntura política pós-impeachment e a flexibilização dos marcos regulatórios propostos afiguram-se, agora, como fatores mais favoráveis ao sucesso dos leilões.

Em uma das mudanças mais significativas, afastou-se a imposição de limites mínimos de participação societária do Estado nas empresas concessionárias. Esta exigência foi um dos fatores que reduziram o interesse privado pelo setor aeroportuário, já que, no governo Dilma, a aparelhada Infraero mantinha obrigatoriamente elevada participação no capital e na administração dos aeroportos ofertados em concessão, uma fórmula que acabou se voltando contra a própria estatal.

Mas tão importantes quanto as regras são as motivações do novo governo. Seria lamentável que as rodadas de concessões fossem vistas apenas como fonte de arrecadação na tentativa de reequilibrar as finanças públicas. Neste sentido, aliás, a expectativa é de que eles rendam, em 2017, R$ 27 bilhões de receita extra para a União. É indubitável a urgência de promover o saneamento das contas e até se pode admitir que as concessões sejam lançadas também com este fim, mas trata-se de um aspecto secundário diante da necessidade e da urgência de prover o país de obras e serviços que assegurem os requisitos mínimos para o país vencer a recessão, recobrar o tempo perdido, reiniciar o processo de crescimento, recuperar os empregos, melhorar a renda da população.

Mais que isso: o pacote de concessões do governo Temer precisa representar também uma mudança de postura. Se nos governos petistas, com suas evidentes propensões ao estatismo, os capitais privados eram vistos como intrusos apenas tolerados, nesta nova gestão eles precisam ser atraídos como parceiros e protagonistas do desenvolvimento. Uma virada político-ideológica que só fará bem ao país e ao seu futuro.

Lula réu, de novo - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 22/09

Em uma decisão cuidadosa, dada a dimensão política do acusado, o juiz federal Sergio Moro aceitou a denúncia apresentada na semana passada pelo Ministério Público Federal e transformou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em réu num processo criminal.

É a segunda vez que o petista adquire esse incômodo status. No primeiro caso, na Justiça Federal do Distrito Federal, Lula terá de se haver com a suspeita de participação numa trama destinada a comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras.

Agora, em Curitiba, o ex-presidente responderá a acusações de lavagem de dinheiro e corrupção.

Esses crimes corresponderiam a uma pequena fração dentro de um grande esquema de desvios, do qual teriam participado executivos de empreiteiras, diretores da Petrobras, doleiros e políticos.

Considerando apenas contratos referentes a duas refinarias da estatal, o MPF estima que a construtora OAS tenha distribuído R$ 87,6 milhões em propina, dos quais R$ 3,7 milhões direcionados a Lula. A parte do ex-presidente, de acordo com a denúncia, se consubstanciou num apartamento em Guarujá e no armazenamento de bens.

Moro considerou que as provas apresentadas nesta fase inicial são suficientes para dar andamento à ação penal. Destacou, contudo, que daí não decorre nenhum juízo definitivo sobre a responsabilidade criminal do ex-presidente –ou seja, existe um caminho a ser trilhado até a eventual condenação.

"Tais ressalvas são oportunas", escreveu Moro, pois a presença de Lula entre os réus pode "dar azo a celeumas de toda a espécie". Com razão, continuou: "Tais celeumas, porém, ocorrem fora do processo. Dentro, o que se espera é observância estrita do devido processo legal, independentemente do cargo outrora ocupado pelo acusado".

O aparte do magistrado vem bem a calhar, e não só pela atenção que o julgamento do líder petista tende a atrair. Assim como integrantes do MPF abusaram da retórica quando do oferecimento da denúncia, Lula mostra-se disposto a se defender na arena em que se sai melhor: a dos discursos políticos.

É seu direito, obviamente, disputar a opinião pública. Caso tenha pretensões eleitorais nos próximos anos, o ex-presidente precisa dar à militância uma bandeira para agitar —mesmo que feita com a puída fantasia de vítima.

A estratégia, todavia, resultará inútil se, até 2018, o petista vier a ser condenado em duas instâncias da Justiça, hipótese em que se verá enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Se quiser provar sua inocência, portanto, Lula deve fazê-lo nos autos —mas talvez nessa arena sua defesa já não soe convincente.

A tese da perseguição - EDITORIAL ZERO HORA - RS

ZERO HORA - 22/09


Ao aceitar a denúncia do Ministério Público contra o ex-presidente Lula e colocá-lo no banco dos réus da Operação Lava-Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o juiz Sérgio Moro adotou procedimento semelhante ao que o levou a condenar ou absolver banqueiros, empresários, servidores públicos, doleiros e políticos de pelo menos três partidos. Ainda que os crimes de que o ex-presidente é acusado possam parecer pouco relevantes quando confrontados com os desvios de grandes somas atribuídos a outros réus, o dever da Justiça é julgar se ele recebeu ou não algum tipo de propina dos saqueadores da Petrobras, independentemente do valor.

O que importa é que ele tenha um julgamento justo, com oportunidade para se defender e, se for o caso, comprovar sua inocência. Só não cabe é partir da presunção de que ele está sofrendo perseguição política — justificativa raramente utilizada nas investigações, prisões e condenações de empresários, servidores e até mesmo dos políticos já condenados, os ex-deputados Pedro Correa (PP-PE), Luiz Argôlo (ex-SD-BA) e André Vargas (ex-PT-PR), além do ex-ministro José Dirceu (PT) e de João Vaccari, ex-tesoureiro do PT. Nem o Ministério Público nem o Judiciário merecem, até o momento, a suspeição de investigar e julgar por critérios ideológicos.

Ninguém ignora a dimensão política do ex-presidente, conquistada ao longo de uma carreira pública singular. Mas popularidade não significa imunidade. Lula, como qualquer outro brasileiro, tem que prestar contas à Justiça quando convocado para tal — e é isso o que está ocorrendo no momento. Evidentemente, sua notoriedade também não deve servir de pretexto para excessos e para condenações prévias.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

BRINCOS DE GRIFE DE LUXO PODEM COMPLICAR DILMA
A força-tarefa da Lava Jato trabalha com uma informação que pode complicar Dilma. Há registro de que, quando presidente, ela teria ganhado de presente, de um ex-ministro, um par de brincos Tiffany’s, de Nova York, uma das grifes mais caras do mundo. Adquirido por US$ 75 mil, equivalem a mais de R$ 240 mil. O problema é que a legislação proíbe o servidor público de receber presente de qualquer tipo ou valor.

PROVA RECOLHIDA

A informação sobre os brincos de Dilma foi obtida durante investigação contra o ex-ministro presenteador, cujo nome é mantido sob sigilo.

ALVO DA LAVA JATO

O ex-ministro presenteador, segundo fonte com acesso à força-tarefa, é um senador da República investigado na Lava Jato.

BRINCOS PÚBLICOS

A lei determina que presidentes transfiram ao patrimônio público todos os presentes que recebam no exercício do cargo.

NOME AOS BOIS

Foram ministros de Dilma Gleisi Hoffmann (PT-PR), Eduardo Braga (PMDB-AM), Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Bezerra (PSB-PE)...

CORRUPÇÃO REDUZ CHANCE DE PARTIDOS DE ESQUERDA

A crise ética que arrasa o PT desenvolveu rejeição do eleitorado a “partidos de esquerda”, que também se envolveram em escândalos ou se solidarizaram a governos petistas rejeitados. Confirmadas as previsões das pesquisas, nenhum prefeito “de esquerda” será eleito nas regiões Sul e Sudeste. No Centro-Oeste, o candidato do Psol lidera em Cuiabá. O PT, somente em Rio Branco e Porto Velho. Ponto final.

EM EXTINÇÃO

Pesquisas em capitais do Nordeste, reduto de Lula, indicam chances boas de três candidatos a prefeito do PDT e um do PCdoB. Zero do PT.

MAIOR DERROTA

A maior derrota do PT deve ser em São Paulo, maior colégio eleitoral do País: pelas pesquisas, Fernando Haddad não chega ao 2º turno.

HEGEMONIA

As urnas devem confirmar a hegemonia do PSDB e do PMDB como os maiores partidos políticos do País. Os dois lideram em sete capitais.

MARCA DO PÊNALTI

Se Geddel Vieira Lima (Governo) não for demitido ou não pedir para sair, fica parecendo que o presidente Michel Temer aprova a defesa que o ministro fez do indefensável; a anistia para políticos no caixa 2.

BIOGRAFIA EM CURSO

Ao criticar o fatiamento do impeachment por Ricardo Lewandowski, o ministro Gilmar Mendes disse que “cada um faz com sua biografia o que quiser”. Agora, o ex-presidente do STF continuará escrevendo sua biografia na 2ª Turma do STF, que julga os casos da Lava Jato.

GRANDE COISA

Sobre a atitude de meia dúzia de bolivarianos, que deixaram o plenário da ONU quando o presidente Michel Temer discursava, uma pergunta atormenta Brasília: o que será do Brasil sem essas grandes potências?!

FALTA A BANDEIRA

Dilma acabou uma curiosa tradição, que era até atração turística: o hasteamento da bandeira verde do presidente (com brasão da República ao centro), indicando sua presença. Ela não queria que se soubesse onde estava. Michel Temer deveria restabelecer a liturgia.

VAI DIZER QUE SIM

O jornalista Eduardo Oinegue dirá ao presidente Michel Temer, nesta quinta-feira, 22, que, mediante algumas ponderações, decidiu aceitar o convite para ser o novo porta-voz do governo.

CÁRMEN ESCALA O TIME

A ministra Carmen Lúcia definiu seu time de comunicação. Mariângela Hamu vai tocar a área no Supremo Tribunal Federal e Luiz Cláudio Cunha, um dos mais admirados jornalistas do País, foi designado para a Secretaria de Comunicação do Conselho Nacional de Justiça.

QUEIXA CORPORATIVISTA

O deputado e policial civil Laerte Bessa (PR-DF) criticou norma da Polícia Federal que alterou as regras do embarque armado em aviões de carreira. Agora, só os federais têm essas prerrogativas.

BARRACO CEARENSE

Cadeirante e chefe de campanha do PSOL de Sobral (CE), Edmilson Moreira diz ter sido agredido por Lia Gomes, irmã de Ciro Gomes e de Ivo Gomes, o prefeito candidato, na Universidade do Vale do Acaraú.

EU SÓ QUERIA ENTENDER

Quando Lula diz ser o mais honesto dos brasileiros, ele está nos chamando de Nação de desonestos?


PODER SEM PUDOR

RAPOSA PLURAL

José Maria Alkimin encontrou um cabo eleitoral na Praça 7, em Belo Horizonte, e foi logo perguntando:

- Como vai? E a esposa? E as crianças?

- A mulher está ótima, deputado, mas por enquanto é só uma criança...

- E eu não sei que é um filho só? - disfarçou Alkimin, diante do interlocutor cético - É um menino que vale por muitos! Então, como vão "os meninos"?