domingo, fevereiro 06, 2011

DANUZA LEÃO

Luta de classes
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/02/11

Aprendi que a luta de classes começa dentro de casa, e mais especificamente, dentro da geladeira


HÁ UNS DOIS ANOS tive uma diarista que começava a trabalhar muito cedo -por escolha dela; às 6h ela já estava em minha casa. Uma morenona bem carioca, simpática, risonha, disposta, sempre de altíssimo astral.
Gostei dela, e como detesto fazer ares de patroa -e não sei-, tínhamos uma relação amistosa e legal, como devem ser todas as relações. Algum tempo depois, comecei a fazer aula de natação em um clube que fica a uns 500 metros de minha casa. A aula era às 7h, mas e a preguiça? Preguiça de levantar da cama, e enfrentar a distância ficou difícil. Tive então uma ideia: levá-la comigo. Assim, teria companhia para ir e voltar, e seria mais fácil a caminhada. Vamos deixar bem claro: não foi nem um ato de gentileza de minha parte, nem pensei apenas em meu proveito.
Achei que seria bom para as duas, e ela, que talvez nunca tivesse entrado numa piscina, ia adorar.
Perguntei se gostaria, ela ficou toda feliz, e, a partir daí, todos os dias íamos juntas, conversando.
Eu pagava minha aula e a dela, e às 8h30 estávamos de volta, alegres, falando sobre nossos progressos. Já que não posso mudar o mundo, pensei, estou exercendo o socialismo -ou a democracia- pelo menos em meu território. Mas notei que a cada vez que contava isso para os amigos, nenhum deles dizia uma só palavra; nem para achar que tinha sido uma boa solução, nem para ficar contra, nem ao menos para achar alguma graça. Silêncio geral e total.
O tempo foi passando. Comecei a perceber pequenos desvios no troco, às vezes dava por falta de uma das três mangas compradas na feira, os picolés que guardava no freezer desapareciam, os refrigerantes e sabonetes também, e eu pensava: "tem dó, Danuza, afinal ela toma duas conduções para vir, duas para voltar, a grana é pouca, se ela fica com oito ou dez reais da feira, é distribuição de renda. E se comeu metade do Gruyère, dizer que o queijo francês é só seu, é um horror"; e assim fomos indo.
Fomos indo até que um dia viajei por um mês, e quando voltei, houve problema com um cheque; coisa pouca, mas ficou claro, claríssimo, que tinha sido ela, e tive que demiti-la, o que aliás me custou bem caro, em dinheiro e pela deslealdade. Depois da demissão, fui descobrindo coisas mais graves -e nem vou contar todas, só uma delas: nos fins de semana, ela vinha com o marido, punha o carro na garagem do prédio e o casal passava o fim de semana na minha casa.
Depois de recibos assinados, tudo liquidado, chegou a conta do telefone do mês em que estive fora: havia 68 ligações para um único celular. Liguei para o número e soube que era de um funcionário do clube de natação, que ela paquerava.
Quando entrou a substituta, tive que comprar lençóis, toalhas e um monte de coisas que ela havia levado. Sei que não sou um modelo de dona de casa, mas alguém conta todos os dias quantos lençóis tem? E tranca os armários? Não eu. Durante um bom tempo fiquei mal: pela confiança, pela traição, depois de quase dois anos de convivência. E agora?
Não sei. Afinal, somos ou não somos todos seres humanos iguais, como me ensinaram? Ou é preciso mesmo existir uma distância empregado/patrão, como dizem outros? Ou esse foi um caso singular?
Aprendi que a luta de classes começa dentro de nossa casa, e mais especificamente, dentro da geladeira. E enquanto o mundo não muda, passei a comprar queijo de Minas, que além de tudo não engorda.

PS: com seu bigodinho recém-aparado, e o cabelo recém-pintado, Sarney está a cara do ator Dirk Bogarde em "Morte em Veneza".

GOSTOSA

ANCELMO GÓIS

Obama na favela
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 06/02/11

Barack Obama, o presidente norte-americano, vai passar o domingo 20 de março no Rio. Na agenda, uma visita a uma favela com UPP.

Pinto no lixo...
Em 1997, Bil Clinton, então presidente dos EUA, lembra?, visitou a Mangueira, com direito a uma frase de Jamelão que ficaria famosa:
— Ele está mais feliz do que pinto no lixo.

Grande sertão
Um dos livros fundamentais do país, “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa, vai virar história em quadrinhos pela Globo Livros.
O projeto terá roteiro do mestre Ziraldo e ilustrações de Jô Oliveira.

Longe de mim
Quarta-feira passada, na sessão de abertura do Congresso, o deputado Eduardo Cunha ficou em pé na frente da Mesa Diretora, de onde Dilma ia falar. A assessoria da Presidência se mobilizou para evitar que um eventual encontro dos dois pudesse render a alegria dos fotógrafos.

‘La Mano Santa’
Mão Santa, o ex-senador do Piauí que não se reelegeu, tenta uma das 18 vagas para brasileiros no Parlasul, o Parlamento do Mercosul. Começou até a estudar espanhol, acredite. Mão Santa tem sido visto em Brasília com uma gramática do idioma de Miguel de Cervantes embaixo do braço.

Livro de Sarney
Vai se chamar “Sarney, a biografia” o livro que a coleguinha Regina Echeverria lança dia 24 de março pela editora portuguesa Leya.
É o resultado de uma pesquisa de muitos anos sobre a vida do ex-presidente.

Nada de beijos

O que se diz na Esplanada dos Ministérios é que o estilo menos efusivo e retraído de Dilma a protege. Vai servir de desculpa para a presidente, ao contrário de Lula, não sair por aí abraçando e beijando polêmicos como Sarney, Renan, Collor e Jader.

Conteúdo nacional
Há na Esplanada dos Ministérios quem considere muito pequeno o conteúdo nacional da TV a cabo Sky.

Em nome do pai
Ana de Hollanda escolheu como representante do MinC em Minas o ex-deputado José Fernando Aparecido, que presidiu a Frente Parlamentar pela Cultura.

Vem a ser filho do saudoso José Aparecido, primeiro ministro da Cultura.

A querida dona Maria Ribeiro, viú-va de Prestes, festeja seus 81 anos, hoje, no Bar Cariocando, no Catete.

A missa de 7º dia do saudoso Ra-phael de Almeida Magalhães será terça, às 18h, na Igreja da PUC-Rio.

Ana e Hermann Baeta participam dia 16 do lançamento do livro dele em Maceió, “Os fantasmas da liberdade”.

Amanhã, Luiz Zveiter assume como desembargador membro do TRE. Em março, será eleito como candidato único à presidência do órgão.

A Marycota inicia seu bazar com peças Cristine Ban.

O site da Atto!, de Lívia Mercê, já está no ar (attopromocoes.com.br).

O coleguinha Valente Neto se aposentou e não dirige mais a comunicação do Benjamin Constant.

A designer Fernanda Nogueira lança o blog de festas http://convidesign.blogspot.com/. 

São João na Copa
A Fortaleza de São João, construída em 1565 a mando de Estácio de Sá, na Urca, no Rio, deve ser usada na Copa de 2014, talvez como alojamento de alguma seleção estrangeira. O lugar, onde nossa seleção treinou várias vezes antes da Granja Comary, foi visitado pelo Comitê Organizador.

Menezes Cortes
Ferve a briga entre os misteriosos sócios do Terminal-Garagem Menezes Cortes, no Rio.

Acertou no buraco
A enorme confraria de amigos de Antônio Carlos de Almeida Braga, 84 anos, jura que o empresário e desportista, jogando semana passada no Gávea Golf, no Rio, teria feito três holes in one, lance em que se acerta a bola no buraco numa tacada só.
Acaba no “Guinness”.

Só dá Luã
O cantor jovem Luã Santana, novo fenômeno fonográfico, vai desfilar pela Grande Rio.

Rio 40 graus
O manual de instruções do MP4 Philips GoGear 16GB, rebimboca moderna que grava e toca música e vídeo, concorrente do iPod, diz que o aparelho não pode ser usado em temperaturas acima de... 35 graus. O aparelhinho está à venda nas melhores casas do ramo no Rio — onde, esta semana, chegou a fazer 40 graus.

Peixe da madame
A barraca de peixe Salvatore, na feira da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, agora aceita cartão de débito ou crédito.

FERREIRA GULLAR

O melhor que se faz é rir
FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/02/11

Uma das melhores qualidades de Dias Gomes era o senso de humor, cada vez mais raro nas novelas


FOI UMA pancada difícil de suportar a notícia de que meu amigo e parceiro Dias Gomes (1922-1999) havia morrido naquela noite de maio de 99, em São Paulo, num desastre de automóvel. Na verdade, o chofer do táxi que o levava -ele e Bernadete, sua mulher- para o hotel fez uma manobra insensata e foi abalroado por um ônibus.
Mas por que em São Paulo? É que fora assistir à estreia de uma peça teatral e, após o espetáculo, decidira jantar num restaurante próximo. Terminado o jantar, ele pediu que lhe providenciassem um táxi. O chofer, que parecia bêbado, dobrou onde não podia, colidiu com o ônibus e Dias, impelido para fora do carro, bateu com a cabeça numa mureta que separava as duas pistas. E tudo acabou para ele.
Lembro com frequência desses detalhes que determinaram a tragédia. E penso: se em vez daquele chofer tivessem chamado outro, Dias ainda estaria aqui, entre nós, vivo, brincalhão, escrevendo para a televisão e para o teatro. Mas como por mero acaso o chofer foi aquele e não outro, e também por acaso, naquele exato momento, veio o ônibus em alta velocidade... Seria mais fácil aceitar se ele tivesse morrido num hospital, vítima de uma doença incurável.
Fomos amigos e parceiros. A primeira parceria deu-se em "Dr. Getúlio, Sua Vida e Sua Glória" (1968). Ele já havia sacado a ideia básica da peça, que teria a estrutura narrativa de um desfile de escola de samba. Aliás, ele me chamou precisamente por causa de minha proximidade com as escolas de samba e porque a peça teria, como eixo, um samba-enredo, coisa que ele não saberia fazer.
Essa parceria nos aproximou tanto que, anos depois, quando voltei do exílio, ele, que era então roteirista da TV Globo, me convidou para colaborar na roteirização de seriados, minisséries e novelas.
Devo dizer que foi ele quem me ensinou a escrever para a televisão, já que minha experiência até então era apenas teatral. Esse convite, porém, era diferente daquele primeiro: agora, seu propósito era conseguir-me um meio de suprir as necessidades da família, agravada pela doença de dois filhos.
E foi também por isso que aceitei o convite, uma vez que escrever para a televisão não fazia parte de meus planos. Pelo contrário. Só então, por razões profissionais, passei a ver novelas e aprender os macetes necessários à sua roteirização. Sempre deixei claro que aquela não era a minha praia e isso talvez explique o fato de que, alguns meses após a morte do Dias, fui demitido. Era ele quem garantia minha permanência ali, exigindo me ter como parceiro.
Mas os anos que trabalhei na televisão muito me ensinaram de teledramaturgia e sobre o próprio veículo. Ao ser demitido, levei um susto, mas, ao constatar que sobrevivera 40 anos sem aquele salário, ganhei alma nova e convidei a Cláudia para um jantar comemorativo de minha demissão. Como sempre fui demitido dos empregos que tive, sei que ser demitido sempre faz bem.
Mas voltemos ao Dias, a quem tanto deve nossa teledramaturgia. Trabalhando com ele, pude observar o seu domínio da técnica narrativa e a capacidade de ir fundo nos problemas, de que são exemplos "Roque Santeiro" (1985), "O Bem-Amado" (1973) e "Saramandaia" (1976), entre muitas criações suas.
É que, por trás do teledramaturgo, estava o que Dias essencialmente era: homem de teatro. Algumas de suas criações para a televisão foram originalmente obras teatrais. Apesar dessa preciosa contribuição, inventando personagens que passaram a integrar nosso cotidiano, nenhum teatro ou logradouro público do Rio, cidade onde viveu a maior parte de sua vida, traz seu nome. Por quê, não sei.
Mas não importa. Ele se mantém presente na memória das pessoas que se comoveram com suas histórias e se identificaram com seus personagens. A toda hora, ouvem-se menções a Odorico Paraguaçu, à viúva Porcina, a Roque Santeiro e aos arapongas.
Uma das suas melhores qualidades era o senso de humor, cada vez mais raro em nossas telenovelas. Nele, sobrava. Quando surgiram duvidosos cursos para ensinar teledramaturgia, comentou, brincalhão: "Quem sabe faz e quem não sabe ensina".

ILIMAR FRANCO

PSB assedia Kassab
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 06/02/11

Os socialistas entraram na disputa pelo prefeito Gilberto Kassab (SP). O governador Eduardo Campos (PE) convidou Kassab, que já tinha negociado com o PMDB, a entrar no PSB. Campos resolveu fazer esse investimento depois que o governador Raimundo Colombo (SC) lhe disse que preferia trocar o DEM pelo PSB, e que seria muito bom fazê-lo em companhia de Kassab. Colombo também flertava com o PMDB, mas sua relação com o senador Luiz Henrique (PMDBSC) esfriou.

O PMDB tem quatro ministros e meio
Na manhã de quinta-feira, antes de ir ao encontro do ministro Antonio Palocci (Casa Civil), o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), reuniu-se com trinta deputados de primeiro mandato do partido. Lá, fez um longo discurso sobre o papel do PMDB no governo Dilma. Fala daqui, fala dali e ele diz: “Nós (PMDB) temos quatro ministérios e meio”. Um dos novatos perguntou: “Quem é o meio?”. Ele respondeu: “O meio é o Moreira Franco (Assuntos Estratégicos)”. Mais adiante, o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), questionou: “E o (Nelson) Jobim? (Ministro da Defesa)”. Henrique emendou: “Esse não conta. Ele não é do PMDB”.

A oposição precisa ter uma pauta de propostas, para não ser atropelada pelo Planalto, e que consiga atrair para o nosso lado uma parcela da base governista” — Aécio Neves, senador (PSDB-MG) 

Turbinada
Convidado para assumir a Autoridade Pública Olímpica, o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, quer acumular com a organização da Copa de 2014. O PCdoB está cada vez mais irritado com esse encaminhamento.

Índice Sarney
Em reunião do partido, o deputado Stédile (PSB-RS) reclamou do tamanho da sigla no governo Dilma. Disse que corresponde a 1,6% da participação de José Sarney e a menos de 0,5% do Orçamento da União. Segundo ele, o PDT administra orçamento dez vezes maior. O vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, pediu cópia do levantamento e vai levá-lo para o ministro Antonio Palocci (Casa Civil), na negociação do segundo escalão.

Na oposição
O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conversaram quinta-feira à noite num restaurante em Brasília. Possesso com Furnas, Cunha batia com os dedos indicadores na mesa. 

A PRESIDENTE Dilma Rousseff também desagrada ao PT. Avisou ao partido que não aceita a indicação de um político para presidir a Eletrosul. Quer um nome que tenha qualificação técnica.

OS PETISTAS querem que o vice Michel Temer convide o ex-deputado Flávio Dino (PCdoB), derrotado para o governo do Maranhão, para ser seu consultor jurídico. Temer topou, mas desde que a governadora Roseana Sarney (PMDBMA) não vete.

O GREENPEACE prepara um evento para avaliar os cem primeiros dias do governo Dilma Rousseff.

Confissão
Diante da possibilidade de seu grupo perder a eleição para líder do DEM na Câmara, o deputado Efraim Filho (PB) desabafou: “Estava ficando nervoso. Já faço oposição ao governo federal e, se a gente perde, seria oposição até na bancada.”

Fogo brando

Muito descontentamento no PMDB. Os deputados dizem que o partido está cedendo espaços demais para os aliados no Congresso e no governo. Reclamam que estão sendo sacrificados em função da eleição do presidente da Câmara em 2013.

GOSTOSA

MARCELO GLEISER

 Rir é o melhor remédio
MARCELO GLEISER
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/02/11

Se a depressão e a tristeza afetam o organismo, me parece razoável que o riso possa atuar a seu favor


OUTRO DIA, li na revista americana "New Yorker" um artigo sobre o "guru do riso" que anda atraindo milhões de pessoas. Não, não se trata de um comediante famoso, e sim de Madan Kataria, médico indiano de Mumbai que desenvolveu técnicas para induzir o riso nas pessoas.
Segundo Kataria, o riso faz bem, tanto à saúde física quanto à psicológica. Seu movimento vem se espalhando pelo mundo e atrai muitas celebridades. Recentemente, Kataria apareceu no palco dos estúdios da Sony Pictures, em Los Angeles, ao lado da atriz Goldie Hawn.
Quem entender um pouquinho de inglês pode ver vídeos do médico em ação emlaughteryoga.org. Eu assisti e ri muito. Existe algo de contagioso no riso, mesmo quando começa forçado. E logo deixa de ser.
Será que o riso pode melhorar sua saúde? Quem não acredita que rir só faz bem (quando não é malicioso, claro)? Se não gostássemos de rir, comédias não existiriam. Arthur Koestler, em seu livro "O Ato da Criação", argumenta que humor e criatividade têm muito em comum.
Numa boa piada, existe uma ruptura lógica, um ponto em que a narrativa toma um rumo inesperado. É aí que rimos. Todo mundo sabe que piada explicada não é engraçada.
Koestler diz que esse ponto de ruptura surge na criação, quando uma visão nova e inesperada surge dos recessos do inconsciente. Sabemos muito pouco sobre criatividade e riso. As ideias de Koestler deveriam ser mais exploradas.
Vários estudos vêm tentando quantificar os benefícios médicos do riso. Se a depressão e a tristeza podem afetar negativamente o sistema imunológico, parece razoável que o riso possa ajudá-lo. Porém, de modo geral, os resultados desses estudos são contraditórios. Alguns dizem que o riso é mesmo bom para a saúde. Outros, que não faz diferença.
Talvez os resultados ambíguos venham do tamanho relativamente pequeno dos estudos, ou porque em alguns deles o riso é induzido a partir de comédias na TV, como "O Gordo e o Magro" e "Abbot & Costello".
O assunto é fascinante o suficiente para merecer estudos mais detalhados. Qual a diferença entre o riso dos humanos e o dos gorilas, que riem quando sentem cócegas? Será que rir de uma piada pode ser usado como teste de inteligência em computadores? Semana passada perguntei se máquinas podem se apaixonar. Será que podem rir? Ou melhor, ter senso de humor?
Robert Provine, neurocientista da Universidade de Maryland que realizou estudos baseados na observação de pessoas em situações sociais, escreveu: "A melhoria da saúde a partir do riso permanece uma meta inatingida, mesmo que extremamente desejável e viável". Existem muitos tipos de riso, alguns relacionados com a comunicação entre dois ou mais humanos, outros fisiológicos, quando sentimos cócegas.
Quando falei no assunto com leitores aqui nos EUA, recebi várias mensagens, algumas de pessoas com câncer, relatando como o bom humor faz com que se sintam melhor. Sei que quando olho para a minha estátua do "Buda Sorridente", me sinto bem. Talvez o nível de meus hormônios relacionados com o estresse decresçam um pouco. Mesmo que a ciência permaneça inconclusiva, vou tentar alguns exercícios de Kataria. Afinal, fora uma câimbra na barriga, mal não vai fazer.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"

CELSO MING

Menos pão, mais gritaria
Celso Ming 
O Estado de S.Paulo - 06/02/11

Em casa onde não tem pão, todos gritam e ninguém tem razão, adverte o ditado. E é com preocupações voltadas para o potencial político explosivo do que está acontecendo que as autoridades do mundo começam a se mexer.

Os preços dos alimentos estão em forte escalada. Saltaram 23,9% em 2010 e, em janeiro, já subiram 3,4%. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, na condição de presidente rotativo do G-20, avisa que o controle da situação, ou o que isso venha a significar, está no centro da pauta de discussões.

Quinta-feira, em Washington, o presidente do Fed (o banco central americano), Ben Bernanke, defendeu-se da cada vez mais frequente acusação de que é o principal causador da escassez da comida (a seguir você tem a explicação). No mesmo dia, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, fez um apelo para que os dirigentes mundiais enfrentassem corajosamente o problema. Amanhã, o ministro das Finanças do país mais poderoso do mundo, Tim Geithner, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, desembarcará no Brasil para coordenar ação conjunta sobre o tema.

As divergências são enormes e começam pelo diagnóstico. Sarkozy insiste em que o principal problema é a ação dos especuladores, que estariam apostando dinheiro grosso na alta das commodities. É por isso, também, que a ação de Bernanke está sendo questionada. O Fed injetou US$ 1,7 trilhão na economia numa operação conhecida como afrouxamento quantitativo e vai reforçando com mais US$ 600 bilhões. Esse é o principal motivo pelo qual os mercados estão encharcados de dinheiro. Mas não dá para apontar o dedo acusador apenas para o Fed. Todos os bancos centrais dos países ricos estão despejando recursos nas suas praças.

Um segundo diagnóstico é o de que essa disparada de preços tem a ver com adversidades climáticas em grandes países produtores de grãos: seca na Ucrânia, China e Argentina; e inundações na Austrália.

Outro grupo de analistas aponta as compras maciças feitas por pessoas, especialmente na China, Tailândia e Bangladesh, que decidiram reforçar os estoques como medida de segurança alimentar.

Há, em quarto lugar, a velha acusação de que os países ricos, como os Estados Unidos, toda a União Europeia e também o Brasil, estão canalizando cada vez mais grãos para produzir biocombustíveis.

O quinto diagnóstico põe ênfase no crescimento do consumo. Mais de 40 milhões de asiáticos, principalmente na China, ascendem todos os anos ao mercado de consumo. Essa gente começou a se alimentar melhor. E essa é explicação suficiente para que se entenda todo o resto. Como nos acidentes de avião, não dá para excluir nenhum dos fatores. Todos eles concorrem para a produção do mesmo efeito. No entanto, o aumento do consumo global parece ser o mais importante.

As consequências disso podem ser terríveis. Em 2008, quando os preços do arroz triplicaram, os técnicos do Banco Mundial calcularam que 100 milhões de pessoas voltaram para abaixo da linha da pobreza. E, de barriga vazia, o risco de conflitos políticos tende a aumentar.

Se há enormes divergências de diagnóstico, mais ainda as há em relação às medidas a serem tomadas. Mas a análise dessas fica para outro dia.


CONFIRA


Braço de ferro

A forte resistência da presidente
Dilma Rousseff às pressões dos sindicatos para puxar para cima o reajuste do salário mínimo é a primeira demonstração de que os tempos são de redução das despesas públicas. O aumento do salário mínimo elevaria as despesas dos Estados e municípios, que têm muitos funcionários recebendo o salário mínimo, e teria um impacto ainda maior nas finanças da Previdência Social, que possui mais de 50% dos beneficiários ganhando aposentadoria equivalente ao valor do salário mínimo.

Disparada

No período de 12 meses terminado em 31 de janeiro, os preços internacionais das commodities alimentares subiram 28,3%. Os da soja acumularam alta de 55%; os do milho, 64%; os do açúcar, 54%; os do café, 80%; e os do trigo, 50%.

Alta dos juros?

Essa estocada já está provocando inflação e, mais cedo ou mais tarde, os bancos centrais serão obrigados a atacar com alta dos juros.

JANIO DE FREITAS

À beira da solidariedade
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/02/11

A falta da devida reação do Brasil parece mais solidariedade à ditadura Mubarak


DITADURAS, como os jornais, têm morte lenta. E, talvez, não faltem semelhanças entre alguns dos motivos que as encerram e os fecham.
Mesmo um levante à maneira dos que reavivam o mundo árabe, ocorrido de um momento para outro, não é repentino. Vem de um processo de saturação lento e provocado pela contradição entre o proporcionado e o necessário ou desejado.
Nas ditaduras, como nos jornais, a morte acomete, a rigor, muito antes de sua ronda ser uma evidência fácil. Não que omita indícios: são sutis, apenas.
É curioso que, no caso das ditaduras, os governantes de outros países estejam sempre entre os últimos a perceber os sinais. Deve ser o sentimento de poder indestrutível, fruto de sua própria ilusão.
Não é novidade que o presidente dos Estados Unidos critique a CIA e os tantos serviços de espionagem militares e civis, por nem pressentirem na Tunísia e no Egito algo a informar às suas cidadelas. O mesmo se deu com os serviços europeus.
O governo brasileiro caiu em um torpor penoso. A nota afinal emitida foi tão insignificante que passou sem ser percebida, não mais que referência, quando chegou a sê-lo. Também no caso da Tunísia, mas sobretudo no do Egito, estarem os fatos no estrito âmbito interno, e portanto aquém de manifestações públicas do governo brasileiro, não é argumento sustentável factual, moral e historicamente.
Inúmeras razões integram os acontecimentos egípcios na política internacional, e mesmo nas relações comerciais que cruzam o planeta.
Não é justificável que, diante de um movimento com tais implicações, o Brasil se mostre catatônico - e quando já se pretende partícipe do pequeno círculo de decisões mundiais. E, afinal de contas, se o Brasil, que ainda lida com feridas deixadas por sua ditadura, tem com a democracia e os direitos humanos o compromisso citado por Dilma Rousseff na posse, a omissão é um desmentido do governo a si mesmo.
Sim, o Brasil tem interesses comerciais a considerar. Mas, antes de tudo, não têm tal dimensão, com o Egito, que representem necessidade de Estado, a ponto de sobrepor-se a tudo mais. E ter posição e iniciativa, na possível ação internacional para atenuar a gravidade humana do confronto egípcio, não excede a ação legítima de uma democracia.
A atitude do governo diante da hostilidade aos jornalistas brasileiros, por parte do governo do Egito, é consequência extrema da sua omissão. Não por serem jornalistas, mas por serem brasileiros em situação legal e manterem conduta correta como estrangeiros, os hostilizados, saqueados em seu equipamento e bagagem, invadidos em seus quartos, induzidos a deixar o Egito, em nenhum caso levaram o governo brasileiro à reação forte e eficiente, que é de sua obrigação.
Já como jornalistas, estavam todos em exercício profissional sujeito a princípios internacionais. Não os transgrediram, e o governo egípcio nem os acusou de tal, para tratá-los como delinquentes. A falta da devida reação do governo brasileiro assemelha-se a solidariedade à ditadura Mubarak.

VINICIUS TORRES FREIRE

 Mentirinhas da revolução
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/02/11

Ocidente morre de medo da revolta no Egito; mídia comemora "redes sociais", mas censura Al Jazeera


HÁ TANTO riso, ó, tanta alegria com a revolução no Egito, mas também pouco siso e, ó, tanta hipocrisia. É repulsiva de farisaica a atitude ocidental em relação ao caso egípcio, tanto na política como na interpretação do tumulto. Senão, vejamos.
1) Houve tanta falação deslumbrada a respeito de mais uma revolução "twittada" ou "facebookeada", agora essa do Egito. Todo mundo tão animado com essa modinha, esse clichê autocentrado, etnocêntrico e ignorante sobre revoluções digitais, tão animado com as "possibilidades das novas mídias", blablablá, mas as grandes operadoras de TV nos EUA e no Brasil, ao menos, não oferecem o serviço da Al Jazeera, aliás empastelada no Cairo.
Essa TV é feita por gente que entende mais de árabes do que quase nós todos, que vai a lugares que não são frequentados por ocidentais, que fala a língua de quem faz a revolução, quando não são seus parentes ou amigos. Tanta conversa mauricinha sobre "novas mídias" e, no fim das contas, há censura velada de a velha mídia da TV, a censura das transmissões da Al Jazeera, cassação político-comercial de um ponto de vista diferente, o árabe;
2) Qual foi a atitude do governo do progressista Barack Obama no início do tumulto no Egito? Apoiar o regime do ditador e patrocinador de torturas, repressões e corrupções Hosni Mubarak. Obama e cia. baixaram um pano rápido diante dessa vergonheira quando perceberam que Mubarak não se aguentaria nas pernas. Mas já dera o vexame. Enfim, eles se torcem de medo que aquele povo que vive ali perto demais da Europa e em torno dos poços do petróleo balancem o coreto para valer. É o óbvio. Mas é bom ressaltar o vexame, aliás mais um do progressista de fancaria Obama;
3) Por falar em imposturas, Nikolas Sarkozy, disse que o "risco" de partidos islâmicos ganharem a eleição não é desculpa para proibir eleições no Egito. Uhm. Em 1990 e 1991, a Frente Islâmica de Salvação (FIS) ganhou as primeiras eleições livres na Argélia. Em 1991, levou 82% do parlamento. E então vieram o golpe militar e massacres do pessoal da FIS, golpe com o apoio quase indisfarçável da França, que depois viria a ser vítima de ataques terroristas de garotos árabes orientados por islamistas fulos com os franceses;
4) A elite e os burocratas corruptos da autocracia egípcia e o establishment euroamericano estão doidos para se livrar de Mubarak e tocar tudo como dantes no quartel;
5) Aparentemente, o estopim da revolta egípcia foi a falta de pão, paz e liberdade num país desigual e cheio de jovens irados e sem futuro. Semanas antes das revoltas no norte da África, a elite político-midiática ocidental voltara a falar da "inflação das commodities", sobre as "reformas de mercado" que melhorariam a oferta de comida no mundo pobre etc. Como em 2008, no outro pico da inflação da comida, quando o neocon bushista Robert Zoellick se candidatou ao Oscar de demagogia ao aparecer num palco segurando de braços abertos um pão e um pacote de arroz em um encontro do Banco Mundial, que preside. O pão é caro ou inexiste no mundo pobre entre outros motivos devido aos subsídios vergonhosos que Europa e EUA dão a seus agricultores. Alguém aí tem ouvido alguma coisa sobre a falta de pão no Egito? Falam de petróleo, Suez, Israel, islamistas loucos etc.

GOSTOSAS

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

Terra à vista
SONIA RACY
O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/02/11

Sofrendo com enchentes, Guarulhos começará a tirar do papel projeto para a construção de cinco piscinões para conter as águas das chuvas. O que ainda é pouco, perto do plano inicial de 30. O Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado está mapeando as áreas. Desapropriações vêm por aí.

Caixa de entrada
Ainda no assunto enchentes, moradores de áreas de alagamento de 37 das 49 cidades da Região Metropolitana de SP já recebem alertas via celular.

Bússola

Sobre a mesa de Michel Temer repousa o livro 125 Contos, de Guy de Maupassant. A obra retrata a burguesia francesa do século 19 de modo irônico, expondo todos os seus defeitos sem piedade. Como dizem os críticos, trata-se apenas da imperfeição humana revelada por palavras...

Aposta

Cauã Reymond escolheu Felipe Bragança para roteirizar e dirigir seu primeiro longa como produtor. Que deve estrear em 2013. 
Comprou os direitos de dois livros de Rodrigo de Souza Leão, Todos os Cachorros São Azuis e Me Roubaram Uns Dias Contados. Sobre internações em instituições psiquiátricas.

Robin Hood

Bandido quebrou o vidro de um carro e roubou a bolsa da motorista. Dias depois, dentro de uma caixa dos Correios foi encontrada sacola fechada com clipe e cartão de visita da vítima. Dentro: passaporte, documentos, óculos de grau, cartões de banco, chaves e até... um chiclete mascado.

Responsabilidade social
No clássico de hoje, entre Palmeiras e Corinthians, jogadores entrarão em campo de mãos dadas com 22 atendidos da Apae de São Paulo e uma bandeira da entidade. Motivo? Chamar atenção para a causa da deficiência intelectual e dar início às comemorações de 50 anos da associação.

Sessenta estudantes coreanos do programa de voluntariado da Hyundai estão em São Paulo. Participam de força-tarefa para arrumar a casa de mil famílias carentes.

Diane von Furstenberg dará prêmio para mulheres "inspiradoras", eleitas por voto popular. A Cartier também. Está com inscrições abertas para prêmio dirigido a empreendedoras que desenvolvem trabalhos sustentáveis e criativos.

O BNDES e o Instituto Camargo Corrêa uniram esforços. Assinaram acordo de cooperação para financiar ações do Futuro Ideal, programa de estímulo ao empreendedorismo juvenil, em 32 municípios brasileiros. Em cinco anos, serão investidos R$ 50 milhões.

Vincent Fremont, parceiro de Andy Warhol, deu aula para alunos da rede estadual que fazem formação em Linguagem Multimídia na Oi Kabum, instituto de responsabilidade social da Oi, no Rio. E agradou. Fremont está no Brasil para a exposição Warhol TV, até o dia 3 de abril na Oi Futuro Flamengo.

A Usiminas comemora. Recebeu selo do Instituto Minas pela Paz pelo desenvolvimento do Projeto Regresso, de reinserção de detentos no mercado de trabalho. Desenvolvido em Pouso Alegre, Minas, onde a empresa está sediada.


Detalhes nem tão pequenos...

1. Nem tudo foi preto no branco na passarela montada na Bienal.

2. Drinques de ótimo nível rolaram soltos em jantar nos Jardins.

3. Em noite de homenagem para Julia Roitfeld, convidada não passou despercebida.

4. As teclas do piano têm som de infância: feitas de Lego.

5. Dizem que Lulu Santos pensava neste braço quando compôs "Como uma Onda".

6.As tranças invadiram Brasília e ecoaram na SPFW.

7.A Maria Bonita apostou fichas no clássico batom vermelho.

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

Crescimento é um processo de longo prazo
José Roberto Mendonça de Barros
O ESTADO DE SÃO PAULO 06/02/11

O crescimento econômico, em seu sentido mais amplo, é o objetivo de todos os países, especialmente daqueles onde os níveis de renda ainda são modestos. Maior renda possibilita maiores níveis de consumo e de bem-estar, especialmente se também ocorrerem melhoras distributivas que permitam estender os frutos do sucesso a todas as famílias, eliminando os focos de pobreza e a insegurança alimentar. A busca do progresso e do entendimento de suas causas é um fenômeno, do ponto de vista histórico, relativamente recente e vem da época da revolução industrial inglesa e dos economistas clássicos.

Uma das poucas coisas sobre as quais não perduram dúvidas é que o crescimento é um fenômeno de longo prazo. Todas as regiões gozam de certos períodos de expansão, por diversas causas. Entretanto, poucos países conseguem sustentar um progresso suficientemente rápido por longos períodos, de sorte a mudar permanentemente a sociedade e a sua posição relativa entre as nações. Da mesma forma, o sucesso do passado não garante o do futuro, isto é, os países podem perder vitalidade e viabilidade. A China dos séculos 18 e 19 é um bom exemplo a ser lembrado.

Pretendo neste e no próximo artigo mostrar alguns casos de sucesso, a posição do Brasil e alguns insucessos, visando a contribuir para o entendimento das dificuldades que acompanham a busca pelo progresso.

O desenvolvimento é uma contínua superação de tensões, onde a solução de um problema abre a porta de mais dois. Envolve e resulta em modificações de toda a sociedade. Depende de algumas causas gerais, necessárias em todos os lugares (por exemplo, sem investimento não há crescimento) e coisas específicas (dotação de recursos, instituições). É um processo construído, mesmo que muitas vezes não se tenha a total dimensão do evento, no momento de sua ocorrência. As demandas começam mais simples (como superar o riscos de fomes generalizadas ou o colapso do comércio internacional) e vão se sofisticando a partir de sucessos iniciais, passando a incluir a redução de recessões recorrentes, melhor distribuição de renda, redução de desigualdades regionais, inclusão das mulheres e, mais recentemente, a questão ambiental.

A forma mais simples de medir o crescimento econômico ainda é dada pela evolução do Produto Interno Bruto (PIB). Sabemos que esta é uma medida imperfeita, pois não incorpora questões como a distribuição de renda e qualidade de vida. Daí porque os economistas começaram também a se utilizar de outras medidas, como o popular Índice do Desenvolvimento Humano (IDH), que, além de renda, incorpora a longevidade e a educação. Entretanto, séries longas para vários países existem apenas para o PIB e a população, o que não é muito grave, pois ao longo do tempo PIB e qualidade de vida são bastante correlacionados.

Também a forma mais simples de comparar o desempenho de países ao longo do tempo é referenciá-los àquele de melhor performance, que no período recente são os EUA. Assim, a evolução do PIB de cada país é apresentada, em cada momento, como uma porcentagem do equivalente americano.

Utilizamos aqui a monumental base de dados coletada pelo economista inglês Angus Maddison, recentemente falecido. O período de análise vai de 1850 até 2008. Os valores estão em dólares de 1990 e são ajustados pela Paridade do Poder de Compra (PPP). O gráfico 1 mostra o PIB per capita americano, que cresce durante todo o período, refletindo sua ascensão à condição de maior e mais importante economia (embora não seja o maior PIB per capita).

O crescimento brasileiro de longo prazo teve um desempenho mediano, pois, embora a produção tenha crescido, nosso PIB per capita flutua em torno de 20% do americano há mais de cem anos, com um breve pico em torno de 1980, quando pareceu que o País iria decolar. A crise de 1982 liquidou com o sonho do Brasil Potência.

Uma comparação com a Coreia do Sul mostra bem o que dissemos acima. Como se vê no gráfico 3, o PIB coreano foi por muito tempo similar ou pior que o brasileiro, especialmente considerando os problemas da península no início dos anos 50. Tão próximo quanto 1970, a Coreia era mais pobre que o Brasil.

A partir daí, o desempenho coreano é um fenômeno, colocando o país no grupo dos desenvolvidos. Muito se discutiu do porquê dessa diferença, mas duas razões fundamentais são universalmente aceitas: a Coreia realizou um enorme esforço educacional (este economista estava na Universidade Yale, em 1973, quando os coreanos começaram a chegar em massa para fazer doutorado) e sempre buscou ter uma indústria competitiva, exposta à concorrência global.

Também se discute muito a importância da política industrial, tema bem controverso. Aqui, uma coisa parece segura: além da educação, a Coreia fez esforço na direção de construir um sistema de inovações, que hoje é bem significativo. Por outro lado, tenho dúvidas que a escolha de campeões nacionais tenha sido fator decisivo, dado o grande número deles que foi quebrando ao longo do caminho e o frequente socorro do Estado aos mesmos. Na mesma época, o Brasil também buscou campeões nacionais, sem que isso tivesse catapultado nosso crescimento, embora vários dos grupos ainda existam até hoje.

O caso da Coreia não é o único, pois mostramos no gráfico 4 o desempenho de Taiwan, bastante parecido com o caso coreano. Na realidade, Coreia, Taiwan, Cingapura e Hong Kong são hoje regiões de alta renda e plenamente desenvolvidas.

Mostramos também no gráfico 4 o caso do Chile, que apresenta uma evidente reversão na trajetória de crescimento relativo a partir de 1990. Neste caso, não pairam dúvidas de que o sucesso chileno tem tudo a ver com os processos de estabilização, abertura e reformas pelas quais o país passou a partir de 1990. O Chile é mais um caso a mostrar que com inflação alta e persistente não existe crescimento de longo prazo, algo que boa parte da América Latina ainda insiste em desconhecer.

Finalmente, mostramos a evolução relativa dos gigantes asiáticos China e Índia. No caso chinês, é visível a mudança de trajetória a partir de 1980, inclusive com o fator de aceleração. Mas também é visível que nós falamos de um país apenas mediano em termos de renda relativa per capita. É por isso que os chineses não podem parar de crescer, coisa que acreditamos que continuará a ocorrer. Finalmente, o caso indiano, onde o PIB per capita de apenas 10% do americano revela o tamanho do desafio que o país tem pela frente. China e Índia mostram também que a demanda potencial por commodities é absolutamente gigantesca, se ajustarmos por suas populações.

Os casos que mostramos, evidentemente, não são os únicos de sucesso, pois vêm imediatamente à mente os países nórdicos, o Canadá e a Austrália. Entretanto, todos eles mostram, definitivamente, que o crescimento é um processo de longo prazo, de várias gerações. Devemos, pois, ficar vacinados contra autoavaliações triunfalistas que falam que o Brasil desenvolveu com sucesso um novo modelo de crescimento econômico.

GOSTOSA

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Tempo de muda
Fernando Henrique Cardoso
O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/02/11

É hora de a oposição falar forte e esquecer as questões pequenas


Novo ano, nova presidente, novo Congresso atuando no Brasil de sempre, com seus êxitos, suas lacunas e suas aspirações. Tempo de muda, palavra que no dicionário se refere à troca de animais cansados por outros mais bem dispostos, ou de plantas que dos vasos em viveiro vão florescer em terra firme. A presidente tem um estilo diferente do antecessor, não necessariamente porque tenha o propósito de contrastar, mas porque seu jeito é outro. Mais discreta, com menos loquacidade retórica. Mais afeita aos números, parece ter percebido, mesmo sem proclamar, que recebeu uma herança braba de seu patrono e de si mesma. Nem bem assume e seus porta-vozes econômicos já têm que apelar às mágicas antigas (quanto foi malfalado o doutor Delfim que nadava de braçada nos arabescos contábeis para esconder o que todos sabiam!) porque a situação fiscal se agravou. Até os mercados, que só descobrem estas coisas quando está tudo por um fio, perceberam. Mesmo os "velhos bobos ortodoxos do FMI", no linguajar descontraído do ministro da Fazenda, viram que algo anda mal.

Seja no reconhecimento mal disfarçado da necessidade de um ajuste fiscal, seja no alerta quanto ao cheiro de fumaça na compra a toque de caixa dos jatos franceses, seja nas tiradas sobre os até pouco tempo esquecidos "direitos humanos", há sinais de mudança. Os pelegos aliados do governo que enfiem a viola no saco, pois os déficits deverão falar mais alto do que as benesses que solidarizaram as centrais sindicais com o governo Lula.

Aos novos sinais se contrapõem os amores antigos: Belo Monte há de vir à luz com cesariana, esquecendo as preocupações com o meio ambiente e com o cumprimento dos requisitos legais; as alianças com os partidos da "governabilidade" continuarão a custar caro no Congresso e nos ministérios, sem falar no "segundo escalão", cujas joias mais vistosas, como Furnas (está longe de ser a única) já são objeto de ameaças de rapto e retaliação.

Diante de tudo isso, como fica a oposição?

Digamos que ela quer ser "elevada", sem sujar as mãos (ou a língua) nas nódoas do cotidiano nem confundir crítica ao que está errado com oposição ao país (preocupação que os petistas nunca tiveram quando na oposição).

Ainda assim há muito a fazer para corresponder à fase de "muda". A começar pela crítica à falta de estratégia para o país: que faremos para lidar com a China (reconhecendo seu papel e o muito de valioso que podemos aprender com ela)? Não basta jogar a culpa da baixa competitividade nas altas taxas de juro. Olhando para o futuro, teremos de escolher em que produtos poderemos competir com China, Índia, asiáticos em geral, Estados Unidos, etc. Provavelmente serão os de alta tecnologia, sem esquecer que os agrícolas e minerais também requerem tal tipo de conhecimento. Preparamo-nos para a era da inovação? Reorientamos nosso sistema escolar nesta direção? Como investir em novas e nas antigas áreas produtivas sem poupança interna? No governo anterior os interesses do Brasil pareciam submergir nos limites do antigo "Terceiro Mundo", guiados pela retórica do Sul-Sul, esquecidos de que a China é Norte e nós, mais ou menos. Definimos os Estados Unidos como "o outro lado" e percebemos agora que suas diferenças com a China são menores do que imaginávamos. Que faremos para evitar o isolamento e assegurar o interesse nacional sem guiar-nos por ideologias arcaicas?

Há outros objetivos estratégicos. Por exemplo, no caso da energia: aproveitaremos de fato as vantagens do etanol, criaremos uma indústria alcoolquímica, usaremos a energia eólica mais intensamente? Ou, noutro plano, por que tanta pressa para capitalizar a Petrobras e endividar o Tesouro com o pré-sal em momento de agrura fiscal? As jazidas do pré-sal são importantes, mas deveríamos ter uma estratégia mais clara sobre como e quando aproveitá-las. O regime de partilha é mesmo mais vantajoso? Nada disso está definido com clareza.

O governo anterior sonegava à população o debate sobre seu futuro. O caminho a ser seguido era definido em surdina nos gabinetes governamentais e nas grandes empresas. Depois se servia ao país o prato feito na marcha batida dos projetos-impacto tipo trem-bala, PACs diversos, usinas hidrelétricas de custo indefinido e serventia pouco demonstrada. Como nos governos autoritários do passado. Está na hora de a oposição berrar e pedir a democratização das decisões, submetendo-as ao debate público.

Não basta isso, entretanto, para a oposição atuar de modo efetivo. Há que mexer no desagradável. Não dá para calar diante de a Caixa Econômica ter se associado a um banco já falido que agora é salvo sem transparência pelos mecanismos do Proer e assemelhados. E não foi só lá que o dinheiro do contribuinte escapou pelos ralos para subsidiar grandes empresas nacionais e estrangeiras, via BNDES. Não será tempo de esquadrinhar a fundo a compra dos aviões? E o montante da dívida interna, que ultrapassa um trilhão e seiscentos bilhões de reais, não empana o feito da redução da dívida externa? E dá para esquecer os cartões corporativos usados pelo Alvorada, que foram tornados "de interesse da segurança nacional" até ao final do governo Lula para esconder o montante dos gastos? Não cobraremos agora a transparência? E o ritmo lento das obras de infraestrutura, prejudicadas pelo preconceito ideológico contra a associação do público com o privado, contra a privatização necessária em casos específicos, passará como se fosse contingência natural? Ou as responsabilidades pelos atrasos nas obras viárias, de aeroportos e de usinas serão cobradas? Por que não começar com as da Copa, libertas de licitação e mesmo assim dormindo em berço esplêndido?

Há sim muita coisa para dizer nesta hora de "muda". Ou a oposição fala e fala forte, sem se perder em questiúnculas internas, ou tudo continuará na toada de tomar a propaganda por realização. Mesmo porque, por mais que haja nuances, o governo é um só Lula-Dilma, governo do PT ao qual se subordinam ávidos aliados.

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Sarney usa Koleston Corvo!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/02/11

E o Mubarak gastava todo o dinheiro em tintura. Ele lançou um plano de saúde pro Egito: o MORRAMED!


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E os dois personagens da semana: Sarney e Mubarak. E eles usam a mesma tinta de cabelo. Koleston Corvo! Rarará!
E um festival de predestinados. É que em BH tem um urologista chamado doutor Reginaldo MARTELO. Será que ele martela os pudendos dos outros? E sabe como se fala partes pudendas lá na Bahia? Partes por dentras. Rarará!
E direto de Chapecó: Clínica de Cirurgia Plástica Rafael TIRAPELLE! E em Fortaleza tem um engenheiro de antenas chamado Antenor. Rarará!
E o Eramos6 revela que uma das pragas do Egito sobrevive. No Brasil: Sarneykamon. O avô do Tutankamon! Sarneykamon, a Múmia Brasileira! Vamos enfaixar o Sarney e despachar pro Egito. Mas enterra bem fundo! O Morimbundo de Fogo. O Finado Vivo! Ele parece mesmo uma coruja empalhada! Eu cresci vendo o Sarney pela TV!
E na reprise de "Vale Tudo", no canal Viva, já tinha uma foto do Sarney pendurada no escritório da Odete Roitman! E diz que a família Sarney tem um embrião congelado. Pro Senado de 2030! E o Brasil quer saber: quando o Sarney morrer, se ele morrer, na hipótese remota de ele morrer, o Maranhão fica pros filhos ou volta pro povo? Rarará!
E o Mubarak? Eu acho que ele gastava todo o dinheiro da corrupção em tintura. E eu vi a foto do ditador do Iêmen. Que é a cara do Mubarak. Tudo de cabelo tinto negro corvo. A Koleston deve exportar todo o estoque pros ditadores árabes! Koleston Negro Corvo! E o Mubarak lançou um plano de saúde pros egípcios: o MORRAMED! E foram saqueadas duas múmias! Já sei, a Hebe e o Nelson Rubens. Rarará!
E manchete do Sensacionalista: "Ronaldinho Gaúcho se poupa na estreia pra não prejudicar a noitada". Rarará. E o Timão? Toliminado. Tolima 2, Togordo 0! O gramado reclamou das péssimas condições do Ronaldo. Rarará! O Corinthians já foi eliminado da Libertadores, da Pré-Libertadores e, no ano que vem, será eliminado NO SORTEIO!
E o calendário de 2011: o Carnaval caiu em março e o Corinthians caiu em fevereiro! E um leitor me disse que, quando o Timão ganhar a Libertadores, "a minha gata vai botar ovo, todos os planetas estarão alinhados e a Angelina Jolie vai trocar o Brad Pitt por mim". Rarará!
A situação tá ficando egípcia.
Nóis sofre, mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

SUELY CALDAS

Falta um programa de governo
Suely Caldas
O ESTADO DE SÃO PAULO - 06/02/11

Na disputa entre PT e PMDB pelo comando de Furnas, o governo Dilma jogou pelo empate e a partida terminou 1 x 1 - sai a turma do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e entra a de José Sarney (PMDB-AP). Obviamente, o PT não sai perdendo: também será contemplado com a escolha do resto da diretoria. A derrota ficou com a arquibancada, os brasileiros, que assistiram a um jogo decepcionante e medíocre, com os mesmos jogadores oportunistas e aproveitadores de sempre. Não viram brilhar em campo um time renovado, com craques competentes em gestão e resistentes às tentativas de uso político-partidário, escalados com critérios técnicos pela nova treinadora/presidente.

Quem acreditou nos discursos de Dilma Rousseff do dia da vitória eleitoral e no ato da posse ("Serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente...") ficou frustrado nos últimos dias com o desfecho da troca de comando de Furnas e, mais ainda, com a mensagem que a presidente leu no Congresso, na abertura dos trabalhos legislativos, na quarta-feira.

A decisão de ir ao Congresso - em vez de enviar o texto da mensagem pelo ministro da Casa Civil, como fizeram antecessores - acendeu a esperança de que ela estava ali para acertar os ponteiros com os parlamentares. Ao mesmo tempo que prestigiaria a Casa, escolhendo aquele ato para anunciar seu programa de governo, cobraria dos parlamentares uma parceria justa e honesta para aprová-lo, sem precisar recorrer ao miúdo jogo sujo da troca de favores, do toma lá dá cá, em cada matéria proposta pelo Executivo.

Em vez de um gesto de grandeza e finalmente anunciar seu programa de governo, combinando-o com mudanças de atitude, com uma convivência decente entre Executivo e Legislativo, Dilma limitou-se a reafirmar compromissos corriqueiramente assumidos com desenvolvimento, educação, saúde e segurança, pedir apoio para "acabar com a miséria", propor um "pacto de avanço social" e defender as reformas política e tributária. Nenhuma palavra em relação à expectativa de todos os brasileiros por uma prática política transparente, simbolizada no movimento que reuniu milhões de assinaturas e culminou na aprovação da Lei da Ficha Limpa.

Quem é contra um pacto de avanço social ou acabar com a miséria? Obviamente, ninguém em bom estado de saúde mental. A questão é como chegar lá. Falta detalhar um programa de governo com definição de metas e providências, regras, instrumentos para alcançá-las. Entre o desejo e a realidade, há um enorme vácuo que Dilma precisa rechear.

Há exemplos aos borbotões, mas fiquemos neste: nos últimos dias, Dilma e seus ministros propõem reduzir a folha de salários e, como a alíquota do INSS (20% da folha para as empresas) é o item mais pesado, a ideia é reduzi-la, gradativamente, até os 14%. Tudo bem, ninguém é contra. Mas tem um problema: essa renúncia fiscal engole a receita da Previdência, agravando ainda mais o déficit que, em 2010, consumiu R$ 44,3 bilhões da arrecadação de impostos. O que fazer para compensar a perda? Até agora, o governo nada disse. Tampouco Dilma tem mostrado interesse em tocar a reforma da Previdência, que é injusta com quem ganha salário mínimo e perdulária com os altos salários dos aposentados do serviço público.

Quem governa e tem poder de alocar 36% do valor total de dinheiro que circula na economia é obrigatoriamente levado a fazer escolhas. Por isso Dilma prometeu na mensagem ao Congresso "promover a qualidade do gasto público". Todos os antecessores fizeram o mesmo e até hoje os brasileiros esperam pelo cumprimento.

É justo reconhecer que os governos FHC e Lula melhoraram a distribuição de renda no País. Mas o quadro tributário segue perverso. É aceitável que famílias mais pobres, que vivem com dois salários mínimos, comprometam 48,9% de sua renda com impostos, enquanto ricos, que vivem com mais de R$ 20 mil, consumam só 26,3%? É isso que está em questão na reforma tributária.

BRAZIU: O PUTEIRO

ELIANE CANTANHÊDE

Meritocracia e apagão
Eliane Cantanhêde
FOLHA DE SÃO PAULO - 06/02/11

Por essas ironias da vida e da política, o apagão castigava 33 milhões de pessoas, num cálculo, ou 47 milhões, em outro, enquanto a presidente Dilma Rousseff fatiava justamente os riquíssimos cargos do setor elétrico.

Sete Estados foram atingidos, sem luz e sem água. Houve problemas de trânsito e de tráfego aéreo. Hospitais, delegacias e presídios acabaram prejudicados. Mas o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, dizia que o sistema é "robusto", um dos melhores do mundo, e que tudo não passou de "interrupção temporária de energia".

Conclui-se que apagão no governo dos outros é apagão mesmo, mas no nosso é falha técnica.

Para Dilma, porém, esse é um setor multiestratégico, fundamental para o desenvolvimento. E porque foi da Secretaria de Energia do Rio Grande do Sul e do Ministério das Minas e Energia que ela emergiu para a Casa Civil, para a campanha de 2010 e, finalmente, para a Presidência da República.

Apagões causam perdas, tumultos e mau humor, mas deixam Dilma particularmente irritada, pois mexem com seus brios e jogam sua imagem de boa gestora na penumbra. Ainda mais com Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves alardeando que são donos de Furnas.

Já que expressões e metáforas não têm mais dono, Dilma endureceu, bateu na mesa, jogou pesado, avisando que quem manda é ela. Matou a cobra e mostrou o pau: tirou Furnas de Cunha e de Alves e deu para José Sarney.

Ficou tudo em família (em todos os sentidos).

Furnas tem investimentos de mais de R$ 1 bilhão. A Eletrobras, de mais de R$ 8 bilhões. Faz sentido que o grupo de Cunha e Alves dispute com o de Sarney e que Dilma desempate a favor de Sarney, que já controla o ministério com Lobão.

Que fique claro: é tudo para o bem de todos e a felicidade geral da nação. A disputa é de meritocracia e para evitar que ocorram novos apagões, ops!, interrupções temporárias de energia.

ELIO GASPARI

A pergunta de Simonsen ronda o Planalto
ELIO GASPARI

O GLOBO - 06/02/11

A turma do trem-bala precisa de R$ 33 bilhões e continua procurando dinheiro na bolsa da Viúva


OS REPÓRTERES Leonardo Souza e Andreza Matais informam que a Empresa de Correios recebeu ordens para entrar como sócia minoritária num dos consórcios que disputam a concessão do projeto do trem-bala que ligaria o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas. Ordem dada, ordem recebida.
Nunca se fez um estudo para determinar a importância de uma sociedade dos Correios com o trem de alta velocidade. Esse tema nunca entrou na discussão do projeto de financiamento da obra. A ECT só foi chamada para botar dinheiro no trem-bala porque falta quem queira fazê-lo.
A doutora Dilma cuida do trem-bala desde o tempo em que ele era apenas uma ideia e sabe que essa iniciativa já passou por tenebrosas leviandades. Primeiro se esqueceram de Campinas. Depois projetaram uma linha do Rio a São Paulo sem prever paradas intermediárias.
Diziam que a obra de R$ 18 bilhões seria inteiramente financiada pela iniciativa privada. Hoje, com o projeto corrigido, ele está estimado em R$ 33 bilhões, com R$ 20 bilhões saídos do BNDES.
Ultimamente, ajeitou-se com a mão uma garantia de demanda para o concessionário. (Com garantia de demanda e a mão do BNDES, Eremildo, o Idiota, cria uma empresa de radiotáxi para a Lua.)
Os Correios entrariam no negócio porque 50% do seu faturamento está no transporte de correspondências e mercadorias entre o Rio e São Paulo. Ninguém mediu a demanda para um frete mais lento que o avião e mais rápido que a rodovia.
No Palácio do Planalto, onde Dilma Rousseff dá expediente, aconteceu uma das cenas emblemáticas da época de delírios megalomaníacos do Estado na segunda metade do século 20. Nos anos 70, lá estavam reunidos o presidente Ernesto Geisel, seu ministro dos Transportes, general Dirceu Nogueira, e o professor Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda.
O general Dirceu descrevia as maravilhas do projeto de uma linha que transportaria minério das jazidas de Minas Gerais ao porto do Rio. Era a Ferrovia do Aço e teria mais de cem túneis, um dos quais com 8,6 quilômetros de extensão.
Joia do Brasil Grande, ficaria pronta em mil dias ao preço de US$ 1,2 bilhão e as composições rodariam a cem quilômetros por hora.
Foi quando Simonsen perguntou: "General, essas pedras têm pressa?" (A linha só ficou pronta em 1990. Custou pelo menos o triplo.)
As pedras não tinham pressa. Quem a tinha eram a banca internacional, empanturrada de petrodólares, e os fornecedores de equipamentos ferroviários, emparedados pela recessão europeia. Precisavam de freguesia para seus produtos e seus empréstimos.
Nesse tempo delirante, o governo de São Paulo comprou, por US$ 500 milhões, 80 locomotivas elétricas da fornecedora francesa Alstom. O repórter André Borges mostrou que, 30 anos depois, 48 delas continuam encaixotadas num galpão de Campinas e irão a leilão, como sucata, valendo no máximo R$ 0,30 o quilo.
Os desastres do passado ocorreram porque "o Planalto mandou tocar" obras sem projetos ou respeito às leis do mercado. O trem-bala não precisa seguir o mesmo caminho. Se ele é viável, haverá investidores interessados. Se é inviável, inviável é.

FHC
O programa de TV do PSDB da última quinta-feira mostrou o tamanho de seu erro durante a última campanha eleitoral ao esconder Fernando Henrique Cardoso.
Além dele, o tucanato só ofereceu platitudes. Isso para não se falar do senador-filantropo Alvaro Dias denunciando a corrupção nacional.

EMBRAER CHINESA
O governo brasileiro está fazendo sentir a Pequim que as dificuldades criadas para a ação da Embraer na China poderão atrapalhar as relações comerciais entre os dois países.
Pode ser, mas também é possível que o governo chinês esteja fazendo sentir que as dificuldades criadas para seus investimentos em Pindorama atrapalham a vida das empresas brasileiras que fazem negócios por lá.

O FARAÓ E O XÁ
Só o tempo dirá se Hosni Mubarak sofre de fato de um câncer no esôfago. Essa suspeita o acompanha desde a metade do ano passado e explicaria seu relativo isolamento na última semana e até seu confesso enfado com o poder.
Há 31 anos, quando ocorreu um levante popular parecido no Irã, o xá Reza Pahlevi parecia desnorteado. Era efeito do tratamento a que se submetia desde 1974, quando descobriram que padecia de um câncer. Ele tomava uma droga quimioterápica que provocava alucinações e agitação. Para segurar essa barra, mandava dez miligramas de Valium por dia, com direito a perda de memória e sonolência.

KASSAB E O PMDB
O prefeito Gilberto Kassab deve pensar duas vezes antes de pular do DEM para o PMDB.
Corre o sério risco de perder o mandato num julgamento do Supremo Tribunal.

A AL JAZEERA FEZ FALTA NA TV A CABO
Em 1990, quando os Estados Unidos bombardearam Bagdá, a emissora CNN estabeleceu-se como uma poderosa rede de notícias internacionais. Foi nela que o presidente Bush (pai) acompanhou o ataque noturno à cidade.
Na revolução egípcia, o companheiro Obama acompanhou parte dos acontecimentos pela Al Jazeera, emissora baseada no Qatar e financiada pelo emirato local.
Enquanto a CNN e a BBC cobriam a revolução do Cairo com punhos de renda e preferência por análises de europeus e americanos, a Al Jazeera expunha a história da rua, com longas transmissões, ao vivo, das multidões do Cairo.
A relevância do trabalho da emissora levantou uma questão nos Estados Unidos e nos demais países, inclusive o Brasil, onde nenhuma grande operadora de TV a cabo oferece o serviço da Al Jazeera: quem manda é o mercado, mas será que a voz de uma emissora com um ponto de vista árabe é desprezível?
É certo que a Al Jazeera pode ser acusada de facciosa, mas a Fox News está aí para provar que isso pode até ser virtude. Nos Estados Unidos, esse apagão vem sendo chamado de "censura corporativa".
É dura a vida da emissora. Suas transmissões e seus jornalistas são aporrinhados pelo mundo afora. Ela foi censurada por Mubarak e já teve sua sede em Cabul e Bagdá atingida por mísseis americanos.
A cineasta brasileira Julia Bacha é coautora de um premiado documentário sobre a Al Jazeera.Chama-se "Sala de Controle" ("Control Room") e trata da invasão do Iraque.

A quem interessar possa, e tenha meios para comprar e-books, saiu um ótimo livro expondo os erros e as lorotas de George Bush e seus aloprados no Iraque e no Afeganistão. Chama-se "The Longest War" (US$ 12,99 no Kindle). Seu autor é Peter Bergen, consultor de segurança nacional da CNN. Quem quiser um ponto de vista oposto, pode baixar, a partir de terça-feira, as memórias do ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld, por US$19,99.