quinta-feira, fevereiro 01, 2018

Nem em seus melhores sonhos, Lula e o PT contavam que houvesse tantos brasileiros contra a prisão e a favor da candidatura - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 01/02

Vamos ser claros? Nem em seus melhores sonhos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esperava contar com o resultado que colheu no Datafolha. Todas as pessoas com as quais conversei estão surpresas: à direita, à esquerda, ao centro… Há até as que estão perplexas. E, bem, cumpre torcer para que todos os pré-candidatos à Presidência façam uma análise criteriosa dos dados. E não me refiro à intenção de voto no líder petista no primeiro turno, entre 35% e 37%. Os dados mais relevantes são outros. Se estou surpreso? Não! Ando a bater de frente com o que chamo “direita xucra”. A razão essencial: essa gente só conhece “povo” de ouvir falar; para essa turma, trata-se de uma abstração; ela o entende apenas como o vulgo. E não! Não direi que a voz do povo é a voz de Deus. Há momentos na história em que foi a voz do capeta. Meu ponto é outro: Lula não se tornou Lula porque foi retirante, tem a língua presa, perdeu um dedo, foi pobre. Um pouco mais do que isso — vale dizer: muito mais do que isso — o liga às expectativas de milhões de pessoas. Seu partido fez um mal imenso ao Brasil. Mas cumpre ter um pouco de apreço pela história. Aos números.

Metade dos brasileiros acha que Lula deveria disputar a eleição: 47%; a outra metade, 51%, acha que não. A diferença está na margem de erro. Há empate técnico. Convenham: se há coisa que não conta com resistência na imprensa é a Operação Lava Jato. Ao contrário: infelizmente, coleguinhas aceitam ser porta-vozes passivos desse estranho mundo de procuradores, em que a condenação precede até a apresentação da denúncia. Ou não vimos alguns valentes que pertencem à operação a defender nas redes sociais que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) fosse preso? Ademais, exorbitam de suas funções ao fazê-lo, o que é um despropósito.

Depois de tudo o que se disse, depois de tudo o que se noticiou, depois de tudo om que se proclamou, depois da quase unanimidade conquistada pela Lava Jato na imprensa, haver metade do eleitorado a dizer que Lula tem de ser candidato, bem… É preciso refletir a respeito. Seria o caso de dizer que o povo não presta? Seria o caso de mandar o populacho para a Papuda? Seria o caso de fazer como Stalin fez com a Chechênia? Vamos esvaziar Banânia dessa gente chinfrim. Precisamos, afinal, de um povo à altura da nossa grandeza, não é mesmo?

Será que não há aí um juízo sobre a Lava Jato e seus métodos, ainda que assim a coisa não seja vocalizada? Não estaria em curso um certo enfaro de tudo isso?

Há outros números favoráveis a Lula. Dizem que sua condenação em segunda instância foi justa 50% dos entrevistados. Para 43%, foi injusta. “Ah, está longe da metade!” Nem tanto. Afinal, podem ser 45%. Digo que o resultado é espantosamente favorável a Lula porque é evidente que há certa crença reverencial na Justiça. Como me disse dia desses um taxista: “Não é possível que os juízes dissessem que ele é culpado se ele é inocente.” Mais: conhece-se o peso de uma informação devidamente editada nos telejornais, oriunda de senhores tão vetustas, grão-cavaleiros e cavalheiros da Ordem. A tendência natural é acreditar. Quem de nós nunca se flagrou, ao ver alguém enrolado com a polícia ou com a Justiça, a pensar, mesmo desconhecendo o caso: “Ah, alguma coisa, essa pessoa fez”.

Pois bem, 43% atravessam essa camada de glacê do senso comum para considerar que a condenação foi injusta. E, por óbvio, há nesse meio muita gente que nada tem a ver com o PT. O partido está longe de contar com a adesão de quase a metade do eleitorado.

As boas notícias para a Lula, em meio ao desastre, não terminam aí. Sim, a maioria acha que ele deveria ser preso: 53%. Mas é imensa a massa que pensa o contrário. E olhem que a guerra petista contra a decisão tomada pela Justiça está apenas no começo. Vai se intensificar e chegará ao auge na campanha eleitoral. Portanto, aquele que encarnar o antipetismo — não me parece que a estratégia de um candidato “anti” seja exatamente esperta — corre um sério risco de ter contra si uma já maioria.

“Ah, Lula não resistirá ao vídeo ou à fotografia sendo conduzido para a prisão…” Pois é… Ele não resistiria à denúncia, às delações, às acusações de Palocci, à condenação, à confirmação da condenação.

O que estou a dizer aqui, meus caros, é que o caldo de cultura para criar a figura do mártir já está dado. E não se trata de uma tramoia do PT. O que está a falar é vontade do povo, é a sua percepção.

Sim, há dados negativos para o ex-presidente. Nada menos de 54% dizem que ele sabia da corrupção e deixou rolar solta; 29%, que sabia, mas não tinha como impedir; só 13%, que ele a ignorava. Nota: 27% dizem que votariam com certeza num candidato indicado por Lula. É mais do que o dobro dos que acreditam na inocência. Pergunte-se de novo: será parcela do povo um bando de gente sem-vergonha?

O ponto não é esse. Sempre se considera que os poderosos ou sabem de tudo ou, ao menos, sabem mais do que dizem. Caso se indague se as pessoas acham que sucessivos papas sempre souberam dos casos de pedofilia, é provável que a maioria diga que sim. Afinal, um é presidente; os outros eram papas. Como não saber?

Não vejo como Lula possa ser candidato. A chance de o petismo falar e fazer bobagem quando se consolidar o impedimento é grande. Uma coisa é certa, no entanto: os números, hoje, conspiram a favor do partido e estão prontos para dar à luz um mártir. Se for decretada a prisão do ex-presidente, ele não vai fugir nem vai se entrincheirar. Irá para a cadeia e pedirá um habeas corpus. A chance de sair de lá está na esfera do direito.

O PT contará com milhões de eleitores já hoje sensíveis à sua leitura política dos fatos.

O que foi mesmo que escrevi no dia 17 de fevereiro do ano passado, na Folha? “Se todos os políticos são iguais, então Lula é melhor”.

A Lava Jato e a direita xucra, com sua burrice de seus preconceitos odiosos, ressuscitaram Lula. E ele está mais vivo do que se supunha. A cadeia, se vier, pode é turbinar a sua influência na eleição.

Troca de favor e proteção pautam relação do STF e outros Poderes - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 01/02

Episódios mostram que nossa corte suprema é um desastre


Na mesma semana em que o ministro Gilmar Mendes escapou de um linchamento, Lula viu-se nos maus lençóis reservados a quem não tem foro privilegiado. Distintos, os episódios apontam na mesma direção: nossa corte suprema é um desastre.

O livro sobre o tema ainda está para ser escrito, mas Conrado Hübner deu pistas excelentes na "Ilustríssima" (28/1) sobre como a corte "ataca o projeto de democracia", indo um passo além das duas reportagensmagistrais de Luiz Maklouf sobre o assunto na revista "Piauí".

Depois de 30 anos de Nova República, começa a cair por terra a fábula segundo a qual a Constituinte teria dado poder e autonomia às instituições de controle, estabelecendo um verdadeiro sistema de pesos e contrapesos. A evidência revela uma dinâmica bem menos rósea.

Chegou a hora de construirmos uma apreciação mais sofisticada e fiel aos fatos para explicar como chegamos até aqui. É apenas em posse desse diagnóstico que a sociedade brasileira poderá avançar na direção da reforma que, mais dia, menos dia, precisa acontecer.

O que aprendemos nos últimos tempos que antes não sabíamos?

Os constituintes de 1988 desenharam uma corte suprema que eles, políticos, pudessem influenciar. Por meio de mecanismos que hoje estão escancarados à vista de todos, sucessivos ministros da corte operaram e continuam operando como agentes da política partidária e representantes de grupos de interesse.

A relação entre o STF e os outros Poderes é pautada pela troca de favores e por proteção mútua. Quando as coisas vão bem, políticos eleitos geram oportunidades para que os ministros da corte consolidem suas respectivas redes de patronagem na estrutura burocrática da Justiça. Quando as coisas vão mal, a sangria é estancada com a anuência, o apoio ou a ativa intervenção do STF.

Nesse sistema, uma mão sempre lava a outra. Como a corte opera como uma central de distribuição de privilégios para grupos de interesse, os ministros atuam como líderes sindicais daquelas corporações das quais a classe política precisa para sobreviver. O espaço para controles efetivos é diminuto.

Além disso, as regras livram os ministros de qualquer tipo de "accountability", o processo pelo qual agentes públicos são responsabilizados por seus atos. Isso abre espaço para decisões monocráticas, para o uso de aeronaves da FAB fora das regras e para julgar em benefício de amigos ou de familiares. Abre espaço, ainda, para ministros que atuam como liderança do governo no plenário. O resultado são julgamentos politicamente orientados, que esgarçam a legitimidade da Justiça.

Esse jogo é um problema para a nossa democracia.

Matias Spektor

É doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV.

Só Maduro, sem Chávez - O Sistema Lula-PT ameaça, mas não tem força para dobrar o Brasil - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA - 01/02
O Sistema Lula-PT ameaça, mas não tem força para dobrar o Brasil

E o terremoto, onde está? Já deveria ter acontecido: à essa altura passou mais de uma semana depois que o ex-presidente Lula teve confirmada, por 3 a 0, a sua sentença de prisão, por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Tinha de ter acontecido, então, a rebelião dos trabalhadores, e do resto das classes populares do Brasil, contra a decisão da Justiça. Lembram? A liderança do PT, em peso, prometeu que não iria “obedecer” a decisão judicial. Eles garantiam, na verdade, muito mais que isso: era a população inteira do Brasil, e não apenas os diretórios do PT, que iria impedir a execução da sentença. Ou as autoridades competentes, que no caso ninguém sabe quais poderiam ser, anulavam a decisão do TRF-4 (e também a anterior, do juiz Sérgio Moro, ao que se presume), ou o Sistema Lula ia “partir pro pau”. Partir pro pau? O que quer dizer isso na prática, mais exatamente? Ninguém no PT deu um mínimo de informação concreta a respeito, mas pela cara brava e pelo palavreado enfurecido dos dirigentes o Brasil ia explodir, no mínimo.

Mas até agora, é claro, não aconteceu coisa nenhuma. A “convulsão social” prevista pelo ministro Marco Aurélio, do STF, até agora ainda não foi percebida ─ o ministro, como se lembra, declarou que a decisão do TRF-4 não poderia ser cumprida, pois qualquer ato legal contra Lula lançaria o país numa guerra civil. A cúpula do PT, reduzida hoje a figuras de comédia, obrigadas a se esconder no “foro privilegiado” do Senado para fugir ao Código Penal, também não entregou o que prometeu. Asseguraram à plateia que o povo iria “para as ruas”, pois não reconheciam mais o Poder Judiciário no Brasil, e ninguém foi a lugar nenhum. Na verdade, nem se sabia o que o “povo” iria fazer nas “ruas”. Sair no braço? Contra quem? Ocupar o Congresso, os palácios dos governadores, o quartel-general do Exército? Iriam tomar as centrais de distribuição de eletricidade? Com que armas iriam derrotar militarmente a “elite”? Armar uma greve geral por tempo indeterminado, no Brasil todo, de norte a sul? E imaginem só se ganhassem ─ que diabo iriam fazer na vida real? Pedir ajuda da Venezuela? É tudo uma perfeita palhaçada, mas é mais ou menos isso, ou exatamente isso, o que o Complexo Lula está falando.

Chega de PT “frouxo”. Chega de trabalhar “dentro das instituições”. Chega de “diálogo”. Chegou a hora de “radicalizar”. Chegou a hora do povo assumir “a luta”. Não reconhecemos a existência de “uma democracia” no Brasil. Etc. Etc. Etc. Ouvimos isso todo o santo dia. Nada de prático acontece, porque a grande verdade, uma verdade que o mundo político brasileiro vacila em reconhecer, é que Lula e o PT são minoria. Não têm força para dobrar o Brasil à sua vontade. Têm um Nicolás Maduro para sentar no trono, mas não o Hugo Chávez que o colocou lá com a força armada. Não têm a bomba atômica que ameaçam jogar no país ─ não têm sequer um buscapé. O que têm, de sobra, é a falta de coragem das lideranças políticas atuais que teriam a obrigação de enfrentá-los. Infelizmente, tais lideranças ─ e o ex-presidente Fernando Henrique se deixa apresentar entre elas ─ acham que o problema mais grave que o Brasil tem hoje é a possível prisão de Lula. Ou seja: o pior que poderia nos acontecer é cumprir a lei. “Enfrentar Lula? Eu não. Podem achar que eu sou a favor do Bolsonaro”. É o que estão dizendo tantas das nossas mais ilustres cabeças.

A luta contra os parasitas do Estado brasileiro - JOSÉ ANÍBAL

BLOG DO NOBLAT/REVISTA VEJA - 01/02

Reformar a Previdência é consenso entre os que não abrem mão da própria honestidade intelectual em nome de interesses político-partidários


Começamos 2018 com uma notícia promissora: o governo cumpriu a meta fiscal em 2017, inclusive com um resultado melhor que o ano anterior. É sinal do quão acertado foi interromper os desvarios do governo passado. Mas é indicativo também do quanto o caminho virtuoso da responsabilidade fiscal precisa ser continuado e que esse foi apenas um passo.

São muitos os passos a serem dados nos próximos anos, mas o primeiro de todos, inequivocamente, é aprovar a reforma da Previdência em discussão no Congresso Nacional. Trata-se, obviamente, de uma necessidade fiscal adequar os gastos do INSS às suas receitas e à nova realidade demográfica do país. Mas trata-se também de um golpe direto e contundente contra os privilégios de castas de burocratas que há décadas se apropriam do dinheiro público, protegidas por regramentos criados ou por eles próprios ou por força de seu lobby corporativista.

Reformar a Previdência é consenso entre os que não abrem mão da própria honestidade intelectual em nome de interesses político-partidários ou corporativistas. Sem exceção, todos os governos pós-Plano Real propuseram ou aprovaram alguma mudança no sistema de aposentadorias e pensões. Sendo assim, só o poder do lobby da alta burocracia e a fraqueza dos adeptos do proselitismo podem explicar as dificuldades de se aprovar uma proposta que será absolutamente neutra em relação aos mais pobres e rigorosa contra os privilegiados.

Esses, por sinal, demonstram sua força e capacidade também ao usarem brechas institucionais – algumas criadas por eles próprios – para não abrir mão de auxílios e penduricalhos e, com isso, terem um falso argumento legal para desrespeitarem o teto salarial do funcionalismo público. Querem ganhar mais que o brasileiro comum na ativa e quando se tornam inativos. Um escárnio contra o cidadão comum que sobrevive em um ano com o que os mandarins se queixam de ganhar em um único mês.

O Brasil gasta bilhões, nos três níveis da federação, nos três Poderes da República e também nos Ministérios Públicos, com auxílios e verbas indenizatórias injustificáveis. Tanto quanto as aposentadorias especiais, devem estar na pauta do dia colocar um fim a essa imoralidade. Tão importante quanto o combate ao desvio de dinheiro que deveria ir para saúde, educação e segurança é enfrentar o corporativismo que também parasita o Estado brasileiro. Derrotá-los não é tarefa fácil, mas está ao alcance das mãos dos deputados, no painel de votação da Câmara. Os brasileiros saberão reconhecer o valor de quem enfrentar essa chaga que ainda atrasa o futuro do país.

José Aníbal é economista, presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela e primeiro suplente de senador pelo PSDB-SP. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB.

EM DEFESA DE PRIVILÉGIOS 1: Juízes e membros do MP em ato contra reforma da Previdência e fim da mamata-moradia - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 01/02

Ah, nada como um dia depois do outro, não é mesmo? Há quanto tempo, meus caros, afirmo aqui que esse surto moralista que une o Ministério Público e setores consideráveis do Poder Judiciário tem como raiz não mais do que interesses corporativos das duas categorias? Quantas vezes afirmei que parte da perseguição — e a coisa não merece outro nome — a que foi submetido o presidente Michel Temer era também uma reação à determinação do governo de pôr fim a privilégios inaceitáveis? Quantos foram os textos no blog e os comentários em rádio e televisão em que afirmei que os que se apresentavam como paladinos da moralidade e heróis no combate à corrupção tinham como horizonte primeiro a defesa de seus próprios privilégios?

Agora, como queria Eça de Queiróz, não resta nem mais o manto diáfano da fantasia a cobrir a nudez crua da verdade. Daqui a pouco, nesta quinta-feira, ora vejam, procuradores da República, promotores e juízes vão promover uma patuscada em frente ao Supremo, no primeiro dia da volta do tribunal ao trabalho. Lá estarão membros dessas categorias e os líderes da miríade de entidades que os representam — há mais associações de juízes no Brasil do que queijos na França.

Eles têm uma pauta e algumas denúncias. Prestem atenção!

A pauta:
– contra a reforma da Previdência — sim, os valentes se opõem à já moderadíssima proposta do governo; é que ela acaba com a aposentadoria integral da turma. Sabem como é? Esses heróis sem mácula precisam de uma boa vida, sustentada pelos desdentados, para poder cuidar da moralidade do país dos desdentados;
– contra o fim do auxílio-moradia, aquela prática indecente que consiste em pagar a todos os membros dessas categorias a bagatela de R$ 4.377,73 mensais, precisem eles ou não. Recebem o benefício, por obra e graça do ministro Luiz Fux, mesmo os que são proprietários de imóveis nas cidades em que trabalham. Os muito exigentes, como o casal Bretas de juízes — Marcelo e sua mulher — recebem o benefício em dobro.

O auxílio-moradia é apenas um dos benefícios que estão livres do Imposto de Renda e não contam para efeitos de teto salarial: há ainda auxílio-livro, auxílio-paletó, auxílio-creche, auxílio-mudança, auxílio-lanche, auxílio pós-graduação. Em suma, basta que essa gente suspire de alegria ou de melancolia, e os cofres públicos arcam com a conta. Uma beleza!

Pois bem. Eles vão fazer uma chacrinha hoje em frente ao Supremo e vão entregar um documento à ministra Cârmen Lúcia, sua aliada de primeira hora. Durante o recesso, ela impediu a posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. Tal nomeação está no âmbito da reforma da Previdência porque busca atrair o apoio do PTB para a mudança.

Os doutores também vão dizer, vejam vocês, que estão sendo vítimas dos terríveis políticos, coisa que era endossada até outro dia pela idiotia oportunista de alguns ditos “movimentos de rua” — alguns deles convertidos em caça-níqueis e em caça-votos. E quais seriam as evidências de que os políticos os perseguem? Ora, o projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade seria uma delas. A outra: a própria reforma da Previdência. Mais uma: o fim do auxílio-moradia.

Vejam como é difícil reformar o Estado brasileiro, acabando com os cidadão de primeira e de segunda classes. Os primeiros a levantar contra a mudança são aqueles que detêm o poder, em seu próprio interesse, de impedir as… mudanças!


EM DEFESA DE PRIVILÉGIOS 2: Em troca do combate à corrupção, 60 dias de férias, auxílio-moradia, auxílio-livro, auxílio-paletó, auxílio-creche, auxílio-mudança, auxílio-lanche, auxílio pós-graduação…

Representantes de entidades que vão promover o ato de juízes e membros do Ministério Público nesta quinta falaram com a imprensa.

A presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Norma Cavalcanti, tem a coragem de perguntar: “Por que só nós? Porque estamos combatendo a corrupção?” Como assim? Que “só nós” é esse? A reforma da Previdência é para todos. Ademais, combater a corrupção não é um favor que o MP faz ao país, mas o cumprimento de uma obrigação.

Para o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Jayme de Oliveira, há “movimentos coordenados que tentam enfraquecer a democracia no país”. Eu só não consegui entender em que medida a reforma da Previdência enfraquece a democracia. Pensei que ela saísse fortalecida à medida que não teremos mais brasileiros de primeira e de segunda classes.

Já Roberto Veloso, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), cita o que considera a grande obra das duas categorias nestes tempos: a prisões de Eduardo Cunha, de Sérgio Cabral e a condenação de Lula. Entendi. Por isso, então, eles merecem os mais altos salários da República, 60 dias de férias, auxílio-livro, auxílio-paletó, auxílio-creche, auxílio-mudança, auxílio-lanche, auxílio pós-graduação…

Daqui a pouco alguém ainda tem a coragem de defender também a condenação sem provas…

Querem saber? Agradeço a toda essa gente. Quando eu dizia que boa parte do esforço para destruir a classe política era só uma tentativa de setores do Judiciário e do Ministério Público de se colocar como o “Poder dos Poderes” da República, alguns acusavam meu exagero.

Aí está. Vejam quanto custa por ao ano ao país só o auxílio-moradia — R$ 1,6 bilhão — e depois pensem quanto tem nos custado, considerando a aposentadoria integral, entre outras benesses, a dedicação dessa gente ao combate à corrupção.

Essa turma perdeu a noção do ridículo. Mas, aos menos, as coisas estão postas agora no seu devido lugar.


EM DEFESA DE PRIVILÉGIOS 3: Quando quem denuncia e quem julga se junta para pressionar políticos, não resta no ar um cheiro de intimidação e ameaça?


Os juízes e membros do Ministério Público que se manifestam nesta quinta contra a reformada Previdência e o fim do auxilio-moradia vão se dizer perseguidos pelos políticos. Depois do ato em frente ao Supremo, vão para o Congresso. Sei…

Pergunto: procuradores, promotores e juízes não acham estranho que haja um protesto conjunto daqueles encarregados de formular a denúncia e daqueles encarregados de aceita-la ou de recusá-la e depois de julgar o réu?

E todos contra os políticos?

Outra pergunta: quem acusa e quem julga a pressionar, em parceria, os políticos, que podem ser acusados e julgados não exala, assim, um cheio ruim? É reivindicação ou intimidação? Não fica com cara de ameaça?

Uma aposta: Cármen Lúcia, a presidente do STF, dará um jeito de fazer alguma declaração que signifique um afago na turma. Afinal, ela também é contra a reforma da Previdência.

Numa palavra? Pois não!

Nojo!

Autoridade de menos - EDSON JOSÉ RAMON

GAZETA DO POVO - PR - 01/02

O país que promete igualdade de oportunidade para todos é cada vez mais desigual em razão da avassaladora ignorância intelectual de sua gente


Inegavelmente o mundo vive tempos de mudanças rápidas, e por vezes radicais. Mudanças causadas pelo avanço da tecnologia são as mais percebidas e rapidamente incorporadas pela sociedade. Neste caso, o exemplo mais vigoroso é o surgimento dos smartphones, usados freneticamente por todos, com efeito avassalador na alteração do comportamento das pessoas.

Mas há uma mudança silenciosa que se prenuncia no seio da sociedade, e que se desenvolve em nome dos direitos individuais e da liberdade de expressão, do politicamente correto e da autonomia das pessoas. Refiro-me à falta de respeito, ao descompromisso com o convívio social, à falta de educação das pessoas, com absoluto desprezo pelas regras. Este comportamento ganha corpo e se avoluma no seio da sociedade brasileira, sem que ninguém saiba onde poderá desaguar.

Ele começa ingenuamente em casa, com pais que não impõem sua autoridade sobre filhos e deixam de estabelecer limites. Quem ainda não assistiu a cenas lamentáveis de crianças de tenra idade confrontando seus pais quando algo lhes é negado? É frequente ver crianças protagonizando espetáculos deploráveis por receber um simples não – e, pior, sem receber qualquer reprimenda.

O Brasil pede socorro, que só pode vir na forma de regras mais rígidas, no respeito à hierarquia, às instituições, aos mais velhos, às leis e regulamentos 


Essa perda de autoridade vai de casa para a escola. Professores de ensino fundamental e médio relatam histórias impressionantes de alunos desobedientes que não compreendem por que devem se submeter a regras banais de salas de aula, como ficar sentado, não utilizar celular, prestar atenção, não conversar e respeitar o professor. Nas redes pública e privada, há professores que simplesmente desistem de ministrar aulas, tamanha a desatenção e bagunça dos alunos, limitando-se a passar o conteúdo no quadro e tentando explicá-lo para os poucos que se interessam pela matéria.

Já está estabelecido por regramento formal que o aluno não pode ser admoestado com vigor e nem punido, o que dá aos bagunceiros carta branca para barbarizar. A velha e boa suspensão dos tempos antigos, ou a expulsão nos casos mais agudos, não existem mais. Aos poucos se extingue também a reprovação, o que logo permitirá que alunos saiam semialfabetizados, mesmo depois de vários anos na escola. No Paraná, os diretores de escolas públicas são escolhidos pela comunidade escolar, predominantemente pelos alunos. E quem eles escolhem? Os mais tolerantes, amigos dos alunos.

A pergunta é: qual o futuro dessa geração? A resposta é uma só, e já estamos assistindo aos resultados dessa barbárie. Menos cidadãos felizes, bem resolvidos e produtivos; em contraponto, infelicidade, mão de obra sem qualificação, salários menores e aumento da criminalidade, além da “morte” da língua portuguesa, com predomínio da linguagem coloquial inculta e absoluta falta de conjugação dos verbos, onde a primeira, segunda e terceira pessoas do plural são substituídas pelo indefectível “a gente”, singularizando todos os verbos pronunciados posteriormente. “E assim a gente vai levando. É nóis!”

O país que promete igualdade de oportunidade para todos, conforme estabelecido na Constituição de 1988, é cada vez mais desigual em razão da avassaladora ignorância intelectual de sua gente. Em vez de melhorar a educação para todas as pessoas, estabelecemos cotas para afrodescendentes e alunos de escolas públicas, porque estes não têm a condição educacional de quem veio de boas escolas privadas. Isso necessariamente puxa para baixo a qualidade do ensino superior, que por sua vez forma profissionais menos qualificados, com reflexos em todas as áreas de atividade.

Estamos vivenciando o obscurantismo no Brasil em pleno século 21. Enquanto isso, nos países mais organizados, menos permissivos, que premiam a meritocracia e não a mediocridade, vive-se o iluminismo. Formam-se cidadãos melhores, cientistas, estudiosos, que respeitam regras, pessoas que progridem e fazem crescer a economia e a nação.

Este Brasil pede socorro, que só pode vir na forma de regras mais rígidas, no respeito à hierarquia, às instituições, aos mais velhos, às leis e regulamentos. Caso contrário, continuaremos a ser o Brasil da corrupção, do jeitinho, da tolerância, onde se espera que o governo venha salvar os pobres. O país dos incultos, ignorantes ou dos intelectuais que cortejam os pobres e os ideais da esquerda, mas que passam suas férias no primeiro mundo, desfrutando da organização, do respeito ao próximo e da segurança que eles oferecem. É hora de repensar o Brasil e de restabelecer a autoridade.


Edson José Ramon, empresário, é presidente do Instituto Democracia e Liberdade (IDL) e ex-presidente da Associação Comercial do Paraná (ACP).

Lula e o triplex que diz não ser seu - ROBERTO MACEDO

ESTADÃO - 01/02

Insisto na necessidade de combater as suas narrativas que deturpam fatos

“Estou condenado por causa de um desgraçado de um apartamento que não é meu. Que eles me deem o apartamento, então, porque assim justifica a condenação.” Frequentemente Lula repete afirmações absurdas como essa, porque o que ele quer mesmo é absolvição, sempre insistindo que o imóvel envolvido na sua condenação não lhe pertence.

Nessa afirmação sobrou até para o apartamento, chamado de desgraçado. Mas é bem charmoso, um triplex na cobertura de um prédio de frente para o mar no Guarujá e com elevador para superar uma distância de apenas sete metros, mesmo com escada interna. Nunca vi apartamentos com elevador interno. Talvez existam, mas excepcionalmente. E, nesse prédio, em contraste com o status social dos que nele têm propriedades admitidas como suas, revelando excepcionalidade por si mesma suspeita.

O advogado de Lula, Cristiano Zanin, repete o que diz Lula. Em declaração recente, reafirmou que o triplex pertence à OAS e que Lula “jamais recebeu as chaves, jamais passou um dia e jamais passou uma noite” nele. Ora, a discussão do assunto está centrada numa possível troca e na reforma do imóvel original ou recebido em troca. Numa situação desse tipo não se dá a ocupação do apartamento, e com o noticiário em torno do assunto teria sido evitada por Lula e seus familiares.

A condenação, primeiro pelo juiz Sergio Moro e depois com pena ampliada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), está muito bem justificada nos autos e foi sancionada por três desembargadores dessa Corte no julgamento de segunda instância.

Hoje optei por abordar esse assunto porque me preocupa a insistência de Lula, de seu advogado e de seus apoiadores em usar essa narrativa conveniente para trombetear a “injustiça” da condenação. No embate eleitoral deste ano as narrativas serão parte importante da disputa entre candidatos. Essa tem formato simples e um potencial muito grande de convencer pessoas mal informadas. E também crentes em Lula pouco exigentes em suas convicções. “Como condenado, se o apartamento não é meu?” é a síntese de sua narrativa.

Assim, quem se opõe a ela deve fazer um grande esforço em sentido contrário. Nessa linha, outra narrativa também simples, mas sem ficção, pode ser bem assentada, como segue. Primeiro, recorrendo ao artigo 316, que no Código Penal integra o capítulo dos crimes praticados por funcionário público contra a administração pública. Entre eles, trata do assim definido: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. Pena: reclusão, de dois a oito anos, e multa.”

Note-se que o cerne desse crime é a vantagem indevida, e essa reforma do triplex, na qual está exaustivamente provado o envolvimento de Lula e de membros de sua família, configura vantagem indevida em seu benefício, mesmo que ele não fosse o proprietário do apartamento. Ou seja, na configuração desse crime a propriedade não tem relevância. Na mesma linha, é provável que Lula também seja condenado no processo conhecido como o “do sítio de Atibaia”, cuja propriedade formalmente não é dele, mas que frequentava habitualmente e onde foi feita uma reforma em benefício dele compartilhado por outras pessoas, também custeada por construtora envolvida na Lava Jato.

Segundo, recorrendo ao artigo 327 do mesmo código, para explicar por que Lula recebeu pena maior do que a prevista pelo artigo 316. O parágrafo 2.º daquele artigo diz que “a pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta...”.

Como as narrativas de Lula & Cia. costumam recorrer a argumentos para lá de descabidos, é preciso prevenir-se até mesmo quanto aos mais absurdos, como eventualmente o de que Lula nunca foi funcionário público. Mas o mesmo parágrafo fala em direção de órgão da administração direta e Lula ocupou a mais importante delas, a Presidência da República. E, de forma incisiva, há o preâmbulo do artigo 327: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente, ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.

E a propriedade do apartamento como fica? Volto à afirmação de Lula, citada no início deste texto: “Que eles me deem o apartamento, então, porque assim justifica a condenação”. Como já disse, não quer isso, mas a absolvição. Ademais, na última segunda-feira o site deste jornal noticiou, em matéria do jornalista Fausto Macedo, que o juiz Sergio Moro optou por levar o triplex a leilão. Para ele, o apartamento é considerado produto de crime e, por isso, nem Lula nem a construtora envolvida, a OAS, têm direito sobre o bem. O imóvel e suas reformas, supostamente custeadas pela OAS, são vistos pelo magistrado de Curitiba e pelos desembargadores do TRF-4 como propinas de R$ 2,2 milhões da empreiteira para o ex-presidente. Também soube que o valor auferido deverá ser depositado em conta judicial.

Em retrospecto, entendo que Lula e/ou sua falecida esposa adquiriram um apartamento no prédio do triplex, talvez originalmente outro, que seria trocado por esse maior e reformado. Vejo aí uma possibilidade de ele ter de volta apenas o dinheiro seu e que não veio pelo propinoduto para pagar a reforma e a diferença de preço relativamente ao do apartamento original. Morar no prédio é o que ele não vai fazer.

Infelizmente, estou a seguir essa insólita novela, que ainda não terminou. E virão mais capítulos com a eleição presidencial. Candidato ou não, Lula será um importante protagonista dela. Insisto na necessidade de combater suas narrativas que deturpam fatos, chegando a ouvidos não vacinados contra seus disparates.

*Economista (UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior

Realismo e prudência - EVERARDO MACIEL

ESTADÃO - 01/02

Essa é a reforma da vez. No campo tributário, nada mais repele o investidor estrangeiro que a insegurança jurídica, a lerdeza processual e as saúvas burocráticas


Os efeitos da reforma tributária de Trump, recém-aprovada pelo Congresso americano, ainda não estão claros, inclusive sobre a saúde fiscal dos EUA. Sua concepção contrariou a bem urdida proposta do seu próprio partido, o Republicano, e constitui uma complexa redução na tributação das pessoas jurídicas e físicas, com efeitos diferenciados por tipo de negócio.

O aspecto mais visível da reforma foi a redução, na alíquota do IRPJ, de 35% para 21%. Esse fato estimulou, imediatamente, especulações no Brasil quanto à necessidade de acompanhar a iniciativa americana, sob pena de perdermos competitividade fiscal, malgrado se saiba que estamos enfrentando um colossal déficit fiscal, que, se não mitigado, afugentará investimentos. A competição fiscal é tão antiga quanto a história dos impostos e somente se torna predatória quando afronta leis internas ou convenções internacionais.

No âmbito internacional, é difícil prevenir a competição nociva, porque inexiste uma convenção multilateral para fixar os limites da competição e um organismo capaz de impor sanções aos países infratores. É longeva a predação perpetrada pelos paraísos fiscais, que abrigam múltiplas espécies de crime, como sonegação, corrupção, atividades financeiras associadas ao terrorismo e ao tráfico de armas e drogas, etc.

Mas reduções nas alíquotas do IRPJ devem ser vistas com cautela. Uma alíquota nominal, ainda que óbvio, não determina o imposto devido, o que conta é a efetiva, que inclui a base de cálculo.

Em 1995, as alíquotas do IRPJ, no Brasil, foram reduzidas: a máxima, de 42% para 25%; a mínima, de 25% para 15%. A arrecadação, contudo, cresceu consistentemente, conforme atestam os dados da Receita. Foram muitas as razões. A mais destacada delas foi a eliminação da dedutibilidade da correção monetária do patrimônio líquido, mais perverso instrumento de concentração de renda, pela via tributária, já concebido no País. Em 1992, por exemplo, com inflação muito alta, o recolhimento do IRPJ das grandes empresas foi pífio.

A arrecadação cresceu porque a redução da alíquota nominal foi compensada por um grande aumento na base de cálculo, ainda que mitigado pela introdução dos juros remuneratórios do capital próprio, isenção na distribuição dos resultados, aumento dos limites de opção pelo lucro presumido, etc.

De qualquer forma, é certo que a reforma de Trump vai produzir mudanças na competição fiscal internacional. Mas é preciso tempo para avaliar as repercussões, inclusive em virtude das contramedidas que serão adotadas por outros países. Alguns exemplos: Portugal e Itália já adotaram incentivos para a transferência de domicílio fiscal de não residentes; o Reino Unido e a Argentina fixaram uma trajetória decrescente de alíquotas do IRPJ; ainda que de eficácia incerta, os países da União Europeia deflagraram retaliações aos paraísos fiscais.

O presidente francês, Emmanuel Macron (Valor, 25/1/2018), conquanto tenha extinto o esdrúxulo imposto de solidariedade sobre a fortuna, ponderou que a propensão generalizada à redução de impostos pode ser uma corrida para o fundo do poço. Os investidores estrangeiros buscam, com legitimidade, aplicar seus recursos em países que ofereçam maior segurança, rentabilidade e liquidez, para o que concorre, com relevância, a tributação.

O Brasil dispõe de institutos, como juros remuneratórios do capital próprio e isenção na distribuição de resultados, que podem ser diferenciais na atração de investimentos. Lamentavelmente, temos, em contraste, um iníquo processo tributário e uma parafernália burocrática, que inferniza a vida do contribuinte e estimula a corrupção. Essa é a reforma da vez. No campo tributário, nada mais repele o investidor estrangeiro que a insegurança jurídica, a lerdeza processual e as saúvas burocráticas.

De resto, é acompanhar, com realismo e prudência, a evolução dos fatores que interferem na competição fiscal internacional, não só a alíquota nominal, para agir no momento certo.

*CONSULTOR TRIBUTÁRIO, FOI SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL (1995-2002)

Conquistar o investidor brasileiro - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 01/02

Caberá aos candidatos conquistar o eleitor e acalmar quem investe no Brasil


Apesar das condições econômicas ainda frágeis e de a crise fiscal ameaçar o fôlego da recuperação, o ano de 2017 surpreendeu positivamente. A confiança de empresários e consumidores avança.

O comportamento das contas externas, no entanto, não empolga. Indicam que o investidor local está cauteloso; muito mais que o estrangeiro. E isso representa um desafio para candidatos a presidente.

O “hiato financeiro”, que registra as operações liquidadas de entrada e saída de recursos do País, ficou negativo em U$ 6,2 bilhões em 2017. Focando apenas no fluxo financeiro, que exclui o movimento de mercadorias e serviços para fora do País, houve saída líquida US$ 2,5 bilhões.

Essa cifra negativa não deve ser tomada como sinal de desinteresse do estrangeiro (não residentes, no jargão técnico) pelo Brasil. Os estrangeiros investiram US$ 64,4 bi lhõesnas várias modalidades de investimento; US$ 9 bilhões a mais em relação a 2016.

A principal modalidade foi o investimento direto, que engloba a participação no capital de empresas locais e os empréstimos entre empresas (intercompany). Foram US$ 65,2 bilhões em 2017 (pela metodologia do hiato financeiro). Houve inclusive aumento da participação (market share) do Brasil no investimento direto global, após o tombo de 2015. Enquanto o investimento direto no mundo caiu 16%, no Brasil houve aumento de 8%, segundo a Unctad.

Nas demais modalidades de investimento estrangeiro – como Bolsa, renda fixa e empréstimos – o quadro melhorou. Depois de uma saída de US$ 13,8 bilhões em 2016, o total foi de apenas US$ 0,8 bilhão de saída em 2017.

É verdade que a participação dos estrangeiros na dívida pública federal se reduziu em US$ 11 bilhões. Por outro lado, a taxa de rolagem de empréstimos externos não foi nada mal. Atingiu 99% ante 64% em 2016. Tomando apenas o financiamento ao setor privado, a rolagem foi de 101% ante 70%.

Não há sinal de fuga de recursos de estrangeiros. Pelo contrário, há alguma confiança desses investidores.

O mesmo não pode ser dito dos investidores locais (residentes). Pudera, os brasileiros viveram o trauma da crise dos últimos anos e sentem mais as incertezas eleitorais e o risco de retrocesso na agenda econômica.

Os investidores locais enviaram US$ 68,6 bilhões ao exterior em 2017; US$ 22,5 bilhões a mais em relação a 2016, em que pese a natural busca por diversificação de investimentos e oportunidades no exterior.

O que mais chama a atenção são os “créditos comerciais e adiantamentos” (US$ 45,9 bilhões), que são em boa medida recursos de exportadores mantidos no exterior. Já a saída de investimentos em carteira (Bolsa, renda fixa, fundos de investimento) atingiu R$ 10,4 bilhões.

Para 2018, o Banco Central está relativamente otimista, pois projeta entrada líquida de US$ 23,3 bilhões na conta financeira, ante a saída de US$ 2,5 bilhões no ano passado. Isso graças ao investimento líquido dos estrangeiros, que deverá atingir US$ 89,9 bilhões, segundo o BC, sendo US$ 72 bilhões de investimento direto.

Faz sentido o otimismo do BC. A economia deverá exibir maior vigor em 2018, empurrando a confiança dos agentes econômicos para o campo otimista. Segundo nossos estudos, essa é uma variável-chave para explicar a entrada de recursos no País, junto com os preços das commodities. O diferencial de juros é menos importante.

Tem muito dinheiro na mesa dos investidores brasileiros. Além dos recursos no exterior, os locais estão com muitos investimentos domésticos concentrados no curto prazo. As chamadas operações compromissadas acumulam R$ 1,04 trilhões.

Em tempos de crise fiscal e enorme demanda por investimento em infraestrutura, seria sábio tentar atrair esses recursos, a começar com um discurso eleitoral responsável dos candidatos a presidente.

Nessa eleição que poderá ser menos ruidosa do que se imagina, fruto do amadurecimento do debate econômico, caberá aos candidatos não apenas conquistar o eleitor, mas também acalmar quem investe no Brasil.

*ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

A metamorfose do emprego e a previdência social - CELSO MING

ESTADÃO - 01/02

A transformação das relações de trabalho e do emprego é irreversível e isso exigirá um novo modelo de financiamento das aposentadorias

Depois de um tempo de perplexidade ou de escolha errada de culpados, comentaristas e economistas de todas as tendências começam a entender que as relações de trabalho passam por rápidas mudanças. Falta garantir ocupação para o trabalhador e como enfrentar o problema da cobertura da previdência social.

A perplexidade mencionada também produz a escolha do inimigo errado. É o que tem acontecido com os taxistas. Saíram apedrejando carros do Uber e do Cafiby, reivindicando igualdade de tratamento, sem ver que o uso dos aplicativos não tem retorno.

Reação similar se vê quando sindicalistas atacam as reformas trabalhistas por terem incorporado o trabalho temporário, sem levar em conta que a legislação não o criou, mas apenas reconheceu realidades em curso no mercado.

Alguns economistas recomendaram cobrança de impostos sobre o uso de robôs, para reduzir dispensas de mão de obra por causa da incorporação de novas tecnologias. Robô é pequena parcela das inovações. Muito maior alcance sobre o mercado de trabalho tem a intensificação do uso de tecnologia de informação e dos aplicativos. Os bancos, por exemplo, não se robotizaram. Apenas se informatizaram e permitiram movimentações financeiras e pagamentos de contas por meio da internet, dos cartões e do celular. Com isso, são dispensados empregos (de bancários) e, também, agências bancárias. As greves dos metroviários de São Paulo, alegadamente contra a privatização, são, na verdade, contra a tendência de automação na condução de trens. Nesse sentido, a reação dos metroviários é movimento retrógrado. Em mais alguns anos, a maioria dos veículos será conduzida autonomamente. É mudança incentivada pelos governos não só porque querem lutar contra a poluição atmosférica, mas, também, porque precisam reduzir as despesas na saúde pública produzidas por acidentes de trânsito – a grande maioria causada por erros humanos.

Como tantas vezes repetiu esta Coluna, está em curso uma irreversível transformação das relações de trabalho e do emprego tal como conhecemos.

Estudo de 2017 da consultoria McKinsey aponta que até 2030 apenas a automação deverá fechar 400 milhões de vagas de trabalho no mundo. O resultado disso não está claro. O futuro parece apontar para as atividades autônomas, sem relações de emprego.

Uma das consequências dessa transformação é a destruição das bases atuais de financiamento das aposentadorias e pensões. No Brasil e na maior parte dos países do mundo, a previdência social se assenta em financiamento tripartite. Contribuem para ela o empregador, o empregado e o próprio tesouro nacional. Esse triângulo é quebrado à medida que a mão de obra é dispensada.

Ou seja, os rombos dos sistemas previdenciários não acontecem só porque os jovens estão entrando mais tarde no mercado de trabalho e a expectativa de vida aumentou. Já acontecem e vão acontecer ainda mais porque todo o mercado de trabalho está em profunda mutação. Ainda não há solução para o problema.

CONFIRA:

» Queda no desemprego


Mais devagar do que o desejado, o desemprego vai recuando. O índice de desocupação fechou 2017 nos 11,8% da mão de obra ativa, em parte porque aproveitou a abertura sazonal de postos de trabalho. Como a atividade econômica vai se recuperando, novos avanços no emprego devem ser esperados ao longo de 2018. Mas, ainda que o PIB aumente de ritmo, é improvável que os postos de trabalho cresçam na mesma proporção. Isso tem a ver com a automação e com os aplicativos, como está no texto acima

Despioras que certa esquerda não vê - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 01/02

EMPREGO, crédito, massa de salários e dívida das famílias despioram ou melhoram em ritmo mais acelerado desde o fim do ano passado. São as rodas da carruagem do consumo, que, nesse andar, deve sustentar o crescimento de pelo menos 2,5% da economia em 2018.

Parece amalucado ou, pior ainda, governismo dizer que há melhorias, em particular no mundo do trabalho.

Como se soube nesta quarta-feira (31), a taxa média de desemprego de 2017 foi ainda maior que a de 2016, talvez a maior em duas décadas (a nova série de dados de desemprego começa oficialmente em 2012. Números anteriores são estimativas de estimativas). Mas não é o que vem ao caso aqui, agora.

Desde a metade de 2017, o total de rendimentos do trabalho cresce em geral mais de 3% ao ano. O número de pessoas empregadas voltou a crescer também em julho. Em dezembro, mesmo a taxa de desemprego parou de subir (ante o mesmo mês do ano anterior).

Os empréstimos novos (concessões de crédito) crescem de modo sistemático desde agosto passado; no caso do crédito para pessoas físicas, desde maio. A despesa média das famílias com juros e amortização de débitos cai desde fins de 2016. Em novembro de 2017, dado mais recente, o serviço da dívida caiu ao menor nível para o mês desde 2010.

Como seria plausível esperar e, de fato, acontece, a despesa de consumo cresce com a renda e o crédito. Não é destino, futuro certo. Pode até ser que o consumidor volte à retranca devido a uma anomalia desconhecida. Mas não é provável. O consumo, como de costume, vai reagindo às variações de renda e crédito.

Além do mais, algumas brisas favoráveis devem soprar com um tico mais de força. As taxas de juros básicas da economia devem ficar em nível historicamente baixo. As extorsivas taxas bancárias devem cair mais (o canal de crédito deve enfim desentupir).

O gasto do governo não deve baixar tanto mais assim, para o bem ou para o mal. O investimento público, que caiu a níveis infames e destrutivos, deve ficar pelo menos estagnado. Temos alguma ajuda da finança internacional, com juros baixos, até que venha o sururu, e preços de commodities mais altos.

Isto posto, é óbvio que estamos em ruínas. Mas a economia se recupera. Não se quer dizer que esta foi a melhor ou mais justa estratégia de recuperação econômica (ao contrário) ou que o desemprego voltará a um nível decente (8%?) antes de meia dúzia de anos. Pior, o governo está quebrado e não sabemos como ou de onde virá o investimento.

Quer-se dizer apenas que um crescimento de 3% é viável (ainda não é certo) e até essa ninharia faz diferença na vida do povo miúdo, o que certa esquerda ignora de modo lunático.

Interessante notar, por fim, que um dos piparotes essenciais dessa retomada econômica nanoscópica veio de um artifício heterodoxo, assunto meio varrido para debaixo do sofá por economistas oficiais ou oficiosos.

A recuperação econômica engasgava quando o saque das contas inativas do FGTS vitaminou a economia com R$ 44 bilhões. Pouco dinheiro? O aumento da massa salarial em 2017 foi de R$ 50 bilhões (ante 2016). Todo o investimento em obras do PAC do ano passado não passou de R$ 40 bilhões. Convém pensar a respeito, para o futuro também.

Ora, a lei - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo - 01/02

Prefeito pode furar sinal vermelho, juiz pode ganhar mais que o teto, ficha suja condenado pode ser candidato a presidente


Um amigo meu, professor da Universidade de Miami, cientista reconhecido, foi parado pelo guarda. Excesso de velocidade. Tentou se explicar: “Sim, estou apressado, mas o senhor compreenda, estou atrasado para uma aula na universidade...” Nem terminou a frase. “Atrasado, professor? Não tem problema, vou aplicar a multa bem rapidinho”, disse o policial, enquanto teclava no celular. “Pronto, pode ir, e cuidado, há outros pontos de fiscalização.”

No Rio, um dos carros utilizados pelo prefeito Crivella teve 55 multas no ano passado, das quais 38 por excesso de velocidade, sete por passar no sinal vermelho e cinco por circular na faixa exclusiva de ônibus.

Ficou por isso mesmo. As multas foram canceladas porque, tal é a alegação, autoridades têm o direito de não respeitar as leis de trânsito. Ou, dito pelo avesso, furar sinal vermelho é legal para o prefeito. Ou ainda: o motorista de um carro oficial pode, legalmente, colocar em risco a vida de outros motoristas e pedestres.

E por que o prefeito teria esse direito? Digo o prefeito porque certamente a culpa não é do motorista. Algum superior manda: desça o pé porque Sua Excelência está atrasada. Alguém poderia dizer: o motorista pode recusar uma ordem ilegal ou cuja execução possa causar danos a ele e a terceiros. Mas não funciona assim, conforme todos sabemos.

Pode parecer um caso pequeno, mas basta dar uma olhada no noticiário para se encontrar uma sequência de histórias com o mesmo enredo: a lei não vale para autoridades nem para as elites políticas.

Por exemplo: nenhum funcionário pode ganhar mais que o juiz do Supremo Tribunal Federal. Logo, vencimentos superiores a esse teto são ilegais, certo?

Errado: assim como criaram exceções para legalizar o excesso de velocidade, o “sistema” inventou verbas indenizatórias que tornam legal o excesso de vencimentos. Caso do auxílio-moradia, pago mesmo a funcionários que têm casa própria e cujo cônjuge também recebe a mesma vantagem.

Lula foi condenado em segunda instância, por unanimidade, e tornou-se ficha suja, inelegível, portanto. O ex-presidente luta de todas as maneiras para escapar da cadeia e ser candidato — uma prerrogativa do réu. Mas reparem os argumentos apresentados pela sua defesa e por diversos outros chefes políticos: sendo Lula um líder popular, pré-candidato e primeirão nas pesquisas, as condenações não deveriam ser aplicadas. Quer dizer, a lei não deveria ser aplicada.

Já são três casos: o prefeito pode furar sinal vermelho, o juiz pode ganhar mais que o teto, um ficha suja condenado pode ser candidato a presidente. O prefeito é responsável pelo respeito às leis do trânsito; o juiz é responsável pela aplicação da lei em geral, inclusive da que trata de remunerações do funcionalismo; e o presidente é responsável pela ordem legal republicana.

Todos legalizando o ilegal. E desmoralizando a política. Tem mais. Em defesa da deputada Cristiane Brasil, governistas e aliados dizem que não há qualquer problema em ter um ministro do Trabalho envolvido com ... questões trabalhistas. Mais ou menos como se o chefe da Receita Federal estivesse enrolado com a Receita.

Há centenas de parlamentares processados por crimes comuns, muitos já réus em mais de uma ação, e que continuam legislando, não raro em causa própria. A lei penal não vale para eles.

A Caixa Econômica Federal está em óbvia situação difícil, consequência de uma combinação de má gestão e corrupção. Três vice-presidentes acabam de ser afastados e não se pode esquecer que Geddel Vieira Lima, hoje preso, foi justamente vice-presidente da Caixa.

Por isso, sem dinheiro, a Caixa está restringindo a concessão de empréstimos, inclusive para governos estaduais. Bronca geral dos parlamentares da base. Ameaçam não votar a reforma da Previdência ou qualquer outra coisa. Ocorre que se a Caixa fizer tais empréstimos aos estados, sem aval da União, estará cometendo uma ilegalidade. E se o Ministério da Fazenda der o aval, seria outra ilegalidade.

Pois o pessoal não vê aí qualquer obstáculo. É só aprovar alguma regra legalizando essa ilegalidade, um assalto à Caixa — e assim se vai, quebrando uma estatal atrás da outra.

Eis porque a Lava-Jato causa alvoroço. A operação está dizendo que roubar é crime e que os ladrões vão para a cadeia. Dizendo só, não, está aplicando a regra segundo a qual a lei vale para todos. Simples, assim. É um assombro.

A nova afronta de Lula - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 01/02

Pedido de habeas corpus preventivo mostra que a estratégia da defesa do chefão petista foi e continua a ser a transformação de um caso jurídico em ato político


Lendo-se o caudaloso pedido de habeas corpus preventivo impetrado na terça-feira pela defesa do sr. Lula da Silva no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mais uma vez fica claro que os advogados do ex-presidente não estão interessados em defendê-lo objetivamente das acusações que resultaram em sua condenação, em duas instâncias, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A estratégia da defesa do chefão petista foi e continua a ser a transformação de um caso jurídico em ato político, razão pela qual o pedido de habeas corpus transborda de ataques a quem ousou colocar Lula no banco dos réus e, pior, teve o atrevimento de condená-lo à prisão.

Mais uma vez, o sr. Lula da Silva abusa das mais caras garantias constitucionais do regime democrático para, maliciosamente, converter os tribunais em palanques. O habeas corpus, um desses eficazes remédios contra o arbítrio, pode ser pedido, em qualquer pedaço de papel escrito à mão, sem a necessidade de advogado, por qualquer um que considere ameaçado seu direito à liberdade em face do risco de prisão ilegal. Assim, para começo de conversa, não havia necessidade de apresentar um cartapácio para pedir o habeas corpus em favor de Lula, a não ser, é claro, que a intenção fosse fazer do pedido um panfleto eleitoral, em acintoso desrespeito às instituições.

No pedido, os advogados consideram que Lula não pode ser preso, entre outras razões, porque, quando presidente, “implementou diversas políticas de prevenção e repressão à criminalidade organizada”, o que demonstra seu “profundo compromisso” com “o combate à corrupção”. Ademais, diz o requerimento, Lula é “líder absoluto nas pesquisas” para a Presidência e, por esse motivo, “a privação de sua liberdade” traria “prejuízo irreversível ao exercício da democracia no país”. Por fim, a petição adverte que “não há como negar” que a prisão de Lula “terá desdobramentos extraprocessuais, provocando intensa comoção popular” e “influenciando o processo democrático”.

O resto do pedido dedica-se a repetir, uma a uma, a chorumela já rejeitada em dois julgamentos, como se a responsabilidade do ex-presidente ainda estivesse em discussão.

Diante de tudo isso, só se pode presumir que a intenção dos advogados de Lula não é defendê-lo, mas sim denunciar ao mundo que seu cliente é vítima de perseguição política por ser quem é, como se vivêssemos num estado de exceção. Para esse fim, Lula contratou até um advogado australiano, Geoffrey Robertson, para representá-lo no Comitê de Direitos Humanos da ONU – e Mister Robertson não tem decepcionado: segundo ele, a Justiça brasileira é “arcaica” e “enviesada”, sendo incapaz de dar a Lula um julgamento “justo”.

Felizmente, o ministro Humberto Martins, do STJ, a quem coube avaliar o pedido de habeas corpus, não se deixou abalar pelos argumentos politiqueiros dos advogados. Ao indeferir o pedido, o ministro Martins ignorou por completo a ladainha da defesa, atendo-se ao que é matéria de direito. E, segundo o magistrado, não há dúvida: habeas corpus só pode ser concedido para evitar iminente prisão ilegal. No caso de Lula, a prisão nem é iminente, pois a execução provisória da pena só acontecerá depois de esgotados os recursos na corte de apelação, nem será ilegal.

O mérito do habeas corpus ainda será julgado pela 5.ª Turma do STJ. Se lá também for rejeitado, como se espera, não há dúvida que a defesa de Lula levará o caso ao Supremo Tribunal Federal, o que provavelmente era sua intenção desde o início, contando com o fato de que aquela corte tem se mostrado permeável a pressões políticas. Interessa a Lula provocar o Supremo a rever a orientação segundo a qual a execução provisória da pena pode começar logo depois da condenação em segunda instância.

Seria imenso retrocesso se isso acontecesse, antes de mais nada porque significaria que o Supremo acataria casuísmos. Felizmente, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, disse que revisar a decisão sobre a prisão em segunda instância com base no caso do ex-presidente seria “apequenar” o tribunal. Mais do que isso: pode-se dizer que o Brasil se apequenaria diante de Lula.

As centrais sindicais bancam o avestruz - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 01/02

Sindicalistas convocam protesto nacional para o dia de votação da reforma da Previdência, sem oferecer uma alternativa para um problema evidente


Centrais sindicais escolheram o dia 19 de fevereiro – quando o governo pretende colocar a reforma da Previdência em votação na Câmara dos Deputados – para o que chamam de “Jornada Nacional de Luta”. O slogan escolhido, “Se botar pra votar, o Brasil vai parar”, mostra, no mínimo, uma intenção de adotar as mesmas estratégias aplicadas em abril do ano passado; e, na pior das hipóteses, o que as centrais chamam de “reforçar a pressão no Congresso Nacional” pode até se transformar em agressão antidemocrática que realmente impeça a votação no plenário da Câmara.

Evocar o “sucesso” do movimento de abril, no entanto, é uma grande falácia. As centrais sindicais estimaram em 40 milhões o número de brasileiros que teriam “cruzado os braços” em protesto contra a reforma da Previdência, mas a verdade é que é impossível estimar o número exato dos que aderiram ao protesto de forma consciente. Os manifestantes desrespeitaram abertamente o direito de ir e vir dos brasileiros com bloqueios em estradas e ruas importantes de várias metrópoles, e uma das categorias paradas era a dos trabalhadores do transporte coletivo – em Curitiba, até mesmo decisões judiciais foram desrespeitadas. Por isso, pode-se estimar que boa parte desses 40 milhões que os sindicalistas alegam ter participado da paralisação era formada por cidadãos que desejavam ir ao trabalho, mas foram impedidos de fazê-lo.

O protesto de abril só conseguiu resultado por violar os direitos dos cidadãos, impedidos de se deslocar até seus locais de trabalho

Recorde-se, por exemplo, o protesto de novembro de 2017. Sem os bloqueios e sem a paralisação no transporte coletivo, o brasileiro praticamente não percebeu que havia algum movimento de massa para reclamar das reformas. O maior dos atos realizados no país, em São Paulo, não juntou mais de 2 mil pessoas. Isso é suficiente para mostrar que o fator decisivo em abril foi realmente a violação dos direitos dos cidadãos, impedidos de se deslocar até seus locais de trabalho. Se em fevereiro os sindicalistas conseguirem interferir na mobilidade, poderão conseguir números semelhantes aos de abril de 2017 e bravatearão sobre uma “adesão em massa” que é pura ilusão.

Independentemente dos métodos usados, e que só serão conhecidos mesmo no dia do protesto ou às vésperas dele, salta aos olhos desde já que, assim como ocorreu ao longo de todo o ano passado, as centrais sindicais não oferecem nenhuma alternativa à reforma que está sendo proposta. Limitam-se a chamar a reforma de “retrocesso” e a denunciar a “campanha enganosa do governo Michel Temer”, como diz a nota assinada pelos presidentes de seis centrais – incluindo Paulinho da Força, teoricamente integrante da base aliada do governo na Câmara. Não há uma palavra sobre como resolver o déficit bilionário da Previdência Social, tanto do setor privado quanto do público.

As centrais sindicais têm vários motivos para se opor a Michel Temer: umas o fazem por motivos ideológicos, satélites que são do petismo; outras não perdoam o fim do imposto sindical, aprovado na reforma trabalhista. Mas a reforma da Previdência é uma urgência para o país, e é contra o Brasil que as centrais trabalham quando preferem a postura do avestruz, fingindo que não existe um problema que ameaça as aposentadorias futuras dos trabalhadores de hoje.

A esquerda diante da aventura lulopetista - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 01/02

Afastado Lula das urnas, legendas aliadas precisam ter estratégias para não depender da candidatura do ex-presidente, bem como petistas que querem se reeleger


Bravatas no estado democrático de direito têm fôlego curto, e não seriam as de Gleisi Hoffmann, de Lindbergh Farias, de João Pedro Stédile e de outros que contrariariam a regra. O tempo passa, e ameaçar com mortes, com brigas de rua e mandar recado desaforado a instituições ficam em segundo plano diante de questões práticas. Não bastasse de nada valerem diante da lei.

É um problema prático para o PT, antes de mais nada, tentar impedir juridicamente a prisão de Lula, depois do julgamento dos embargos de declaração pelo TRF-4, em Porto Alegre, que não revogam a condenação do ex-presidente.

Assim como é questão objetiva o que fazer diante das eleições. Há a ideia juvenil de manter a candidatura de Lula “a qualquer custo”. De que forma, se a Lei da Ficha Limpa é de clareza translúcida? Condenado em segunda instância, por colegiado de juízes, fica inelegível por oito anos.

É da mesma fonte de inspiração romântica recorrer a organismos da ONU. Quem conhece a organização sabe que, no balaio de entidades que a compõem, cabe qualquer reclamação. Pode inspirar manifestações de militantes, algum artigo militante no “New York Times”, no “Le Monde" ou “Guardian”, mas sem qualquer efeito concreto.

Outro aspecto são as alianças do PT. Antes mesmo do julgamento de Porto Alegre, o PCdoB já tratava de lançar Manuela D’Ávila ao Planalto. Ciro Gomes embarcou no PDT e Marcelo Boulos, do MTST, conversa com o PSOL. Agora, parecem caminhos sem volta.

Há, ainda, o PSB, meio órfão desde a morte de Eduardo Campos, mas que serviu para Marina Silva mostrar força em 2014. Havia quem, no partido, desejasse aliar-se a Lula. Mas, em São Paulo, é forte a aliança do partido com o PSDB do governador Geraldo Alckmin, cujo vice, Márcio França, do PSB, deverá disputar o Palácio dos Bandeirantes com apoio tucano e, em troca, apoiar Alckmin para presidente. O campo da esquerda pode ficar desfalcado do PSB, ou pelo menos, da totalidade da legenda.

O novelo de interesses ameaça o lulopetismo com o risco de ficar sozinho em qualquer aventura que insista em manter o cadáver eleitoral de Lula em pé. Dentro do próprio PT, a segunda bancada do Congresso, é possível que muita gente busque aliança própria que lhe garanta a reeleição, na falta de Lula e de seu poder de atrair votos.

Numa eleição “casada”, quando se escolhem do presidente da República ao deputado estadual, compor alianças é fundamental. E nesta ainda serão aceitas coligações na escolha de deputados, federais e estaduais.

Então, o toque de bater em retirada não deve soar apenas entre aliados do lulopetismo, mas dentro do próprio partido. Apesar de toda a afinidade ideológica entre legendas e do carisma messiânico do ex-presidente.


Conta rachada com os pobres - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 01/02

Governo será forçado a fazer um doloroso aperto financeiro para ajustar as contas públicas

Uma conta de até R$ 20 bilhões será rachada entre todos os brasileiros, neste ano, para atender a interesses minoritários. Os ganhadores serão servidores federais, empregados da Eletrobrás, ricos investidores em fundos fechados e sócios de empresas desoneradas de contribuições sociais. Os maiores perdedores serão os pobres. Se nada mudar, o governo enfrentará uma severa frustração de receita e ao mesmo tempo despesas superiores às planejadas. Será forçado, portanto, a um doloroso aperto financeiro, mais penoso que o necessário, em condições políticas menos adversas, para mais um ano de ajuste das contas públicas. É preciso respeitar o teto de gastos, manter o déficit primário dentro do limite de R$ 159 bilhões e ainda preservar a chamada regra de ouro, sem tomar empréstimos para financiar despesas de custeio, como salários. Ainda se desconhece o tamanho da correção necessária, mas um corte definitivo de gastos entre R$ 5 bilhões e R$ 8 bilhões é dado como certo em Brasília.

Os obstáculos são políticos, muito mais que financeiros. Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, impediu o governo de adiar o aumento salarial do funcionalismo. A reoneração da folha de pagamento das empresas, com restabelecimento das contribuições previdenciárias normais, ficou emperrada no Congresso. O cancelamento de gastos deve compensar os dois empecilhos e evitar o rompimento do teto de gastos.

Mas outras incertezas permanecem e tornam justificável o contingenciamento de outras despesas. Não se trata, aí, de cancelamento definitivo. Se a execução orçamentária evoluir bem, o governo poderá restabelecer os gastos programados. A privatização da Eletrobrás, bloqueada inicialmente pela Justiça e agora dependente da aprovação de um projeto de lei, é uma das dúvidas mais importantes. Na incerteza, o bloqueio de cerca de R$ 12 bilhões pode ser inevitável.

Talvez o corte definitivo seja mantido na faixa prevista. Mas o contingenciamento adicional afetará o ritmo de realização das despesas. Também afetará a qualidade da execução orçamentária, prejudicando a oferta de serviços públicos. Quanto mais limitado o cumprimento do programa original, maior o custo imposto a muitos milhões em benefício de um número pequeno de favorecidos.

Mas o prejuízo será muito maior, nos próximos anos, se a administração fracassar nos ajustes e nas reformas. No ano passado, o déficit primário do governo central ficou em R$ 124,4 bilhões pelas contas do Tesouro ou em R$ 118,4 bilhões pelos cálculos do Banco Central (BC). Em qualquer caso, bem abaixo do limite de R$ 159 bilhões. Ainda assim, o déficit foi muito grande, porque o superávit de R$ 58 bilhões contabilizado pelo Tesouro foi pulverizado pelo déficit de R$ 182,4 bilhões da Previdência, que mais uma vez evidencia a urgência da reforma previdenciária. O conjunto do setor público – União, Estados, municípios e estatais – fechou o ano com déficit primário de R$ 110,6 bilhões, graças a resultados positivos de governos subnacionais.

Somando-se a esse resultado a conta de juros, chega-se ao déficit nominal de R$ 511,4 bilhões, 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2016, o buraco havia correspondido a 8,9% do PIB. A melhora decorreu de uma forte restrição de gastos, de maior arrecadação propiciada no segundo semestre pela recuperação econômica e por um importante conjunto de receitas extraordinárias. Receitas especiais, como a da privatização da Eletrobrás, ainda incerta, continuam muito importantes para os planos oficiais.

Juros básicos em queda, graças à inflação reduzida, atenuaram as despesas financeiras, mas, ainda assim, a dívida bruta do governo geral chegou a R$ 4,8 trilhões, ou 74% do PIB. Em um ano essa proporção subiu 4,1 pontos porcentuais. Conter o endividamento é um desafio crucial. Se o peso da dívida em relação à economia seguir aumentando e o crédito do País continuar sendo rebaixado, será difícil evitar um desastre financeiro. A maior parte da conta irá, de novo, para os pobres e mais vulneráveis.

Teto para iniciantes - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 01/02

Em seu primeiro ano de vigência, o teto inscrito na Constituição para as despesas do governo federal mostrou o que tem de virtuoso e de potencialmente destrutivo.

O balanço recém-divulgado das contas do Tesouro Nacional em 2017 serve como exemplo didático de como o mecanismo, se mantido por tempo suficiente, vai reequilibrar o Orçamento da União.

Os gastos primários –ou seja, sem a inclusão dos pagamentos da dívida pública– ficaram submetidos à regra que impede crescimento acima da inflação (a alta foi até um pouco inferior à variação dos preços); já as receitas apresentaram ligeiro aumento, semelhante à expansão da economia.

Com isso, o deficit do caixa caiu de R$ 161,3 bilhões (2,6% do Produto Interno Bruto), no ano anterior, para ainda gigantescos R$ 124,4 bilhões (1,9% do PIB).

Acreditando-se que a arrecadação, assim como o PIB nacional, continuará a avançar em taxa superior à da inflação, o congelamento das despesas fará com que o rombo caia ano a ano. Em algum momento da primeira metade da próxima década, projeta-se, o saldo do Tesouro voltará ao azul.

Simples e intuitivo, esse cálculo inspira entre os credores do governo a confiança necessária para que se evitem por ora sobressaltos financeiros mais graves, como uma corrida ao dólar ou a cobrança de juros mais elevados.

Entretanto a camisa de força imposta sobre os desembolsos federais já provoca consideráveis embaraços administrativos e tensões políticas –que tendem a acirrar-se.

Na ausência de reforma, o crescimento contínuo dos encargos da Previdência Social vai tomando o espaço orçamentário das demais áreas. Caíram no ano passado os dispêndios não obrigatórios em saúde e educação e, em especial, as obras de infraestrutura.

As corporações estatais mostraram poder político para elevar salários e gastos com pessoal. Nos próximos anos brigarão ferozmente, não resta dúvida, para se manterem a salvo dos limites da despesa.

Sem que se revejam prioridades e privilégios, o teto proporcionará saldos melhores –imprescindíveis– à custa de piorar a qualidade do gasto público. Em 2017, funcionou o dispositivo contábil; a tarefa política essencial de redesenhar um Orçamento equilibrado e socialmente justo está por ser feita.