sexta-feira, junho 05, 2020

Fake news e chantagem: a batalha nos tribunais que divide os Weintraub - REVISTA VEJA


Fake news e chantagem: a batalha nos tribunais que divide os Weintraub
Em uma disputa na Justiça por patrimônio familiar, o ministro da Educação fustiga o pai com o mesmo espírito bélico que demonstra na vida públicaPor João Batista Jr. - OS ALIADOS - Os irmãos Arthur e Abraham Weintraub: discussão por um patrimônio de aproximadamente 3 milhões de reais ./Reprodução

É conhecida a maior parte das polêmicas e batalhas de Abraham Weintraub, o (ainda) titular da pasta da Educação. A extensa relação de desatinos inclui piada de cunho racista com sotaque chinês, falsa acusação de plantações de maconha em universidades públicas e, recentemente, na mais grave de suas manifestações destemperadas, a bravata “por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”, dita na célebre reunião comandada por Jair Bolsonaro no dia 22 de abril. No ambiente familiar, longe dos holofotes das redes sociais, terreno que usa com frequência para despejar provocações a adversários e caneladas na língua portuguesa, o ministro trava uma outra guerra ao lado do irmão, Arthur Weintraub, assessor especial do presidente. O inimigo é o pai deles, o psiquiatra Mauro Weintraub, devido a uma discussão sobre patrimônio que se arrasta na Justiça nos últimos anos. Até agora, não se conhecia quase nenhum detalhe sobre a pendenga que rachou o clã e revela no âmbito particular a mesma disposição bélica demonstrada em público pelo ministro.

A briga tem como ponto central a doação de quatro imóveis do pai a Renata, sua segunda mulher, com quem está casado há 24 anos. O total é de estimados 3 milhões de reais. A discussão começou em 2011, quando os irmãos deram um ultimato: se o pai não anulasse a doação e transferisse tudo para o nome deles, ficaria sem ver os três netos (filhos de Abraham com a economista Daniela Weintraub). Mauro argumentou que eles não seriam lesados da expectativa da herança natural que cabe aos filhos, que é de 50% do patrimônio, e que havia dado um apartamento de presente para cada um. Os irmãos não se conformaram com o argumento e entraram com quatro ações: duas no Tribunal de Pequenas Causas, apenas no nome de Arthur, para o pai continuar pagando o plano de saúde dele e um pedido de busca no imóvel para recuperar seus desenhos infantis. As outras duas, essas em conjunto, eram mais delicadas: anulação de doação e interdição.

A alegação dos irmãos era que Mauro, então com 61 anos, não gozava de juízo perfeito para administrar os próprios bens. Listaram inúmeras razões para tanto, como senilidade e incapacidade cognitiva. Argumentaram que Mauro não conseguiria administrar mais de 1 milhão de reais em investimentos bancários. Psiquiatra formado pela USP, Mauro fala fluentemente oito línguas: hebraico, espanhol, francês, italiano, iídiche, japonês e alemão, além de português. Os irmãos perderam, mas recorreram. O pai precisou fazer tomografia do cérebro para provar que não tinha problemas cognitivos. Em uma audiência para requerer a interdição, quando Mauro e o filho Arthur estiveram cara a cara, pessoas presentes lembram de o pai falar da sensação de receber “uma facada pelas costas”. O juiz Alexandre Lazzarini, da 9ª Câmara de Direito Privado de São Paulo, encerrou a ação de interdição da seguinte forma: “Sem êxito quanto à comprovação da incapacidade de seu pai para os atos de sua vida civil e nem apresentaram evidência de patologia”, escreveu o magistrado. Já o processo de anulação de doação está em fase final e, mesmo colecionando derrotas, os irmãos não desistiram da briga (procurados por VEJA, nenhum dos envolvidos quis falar sobre o caso).Os ALVOS - Mauro e Renata Weintraub, pai e madrasta, casados há 24 anos: o avô não vê os netos desde 2011 Arthur Vahia/.

Até então, nada no histórico familiar sugeria que a relação pudesse chegar a esse ponto. Mauro e Renata se casaram em 1996, seis anos após a separação de Mauro e Marilisa, mãe de Abraham e Arthur. Renata não foi o pivô do divórcio, conforme mostram os autos do processo. Os dois rapazes decidiram ficar com o pai após a separação e, quando ele se casou com Renata, conviveram em harmonia na mesma casa por cinco anos. Tudo corria bem até Marilisa morrer, em 2003, em decorrência de um acidente vascular cerebral. Os irmãos foram à Justiça para tirar da casa da mãe o padrasto, que se recusava a deixar a residência. Segundo pessoas próximas, a sensação de terem sido enganados pelo padrasto fez os irmãos, na sequência, centrar fogo na madrasta, mesmo que para isso fossem obrigados a romper com o pai.

Mauro Weintraub sempre foi o maior ídolo intelectual dos filhos. Foi dentro de casa que ambos aprenderam a tocar flauta e violão. Todos são conhecedores de mitologia grega. Embora escorregue na grafia portuguesa, Abraham sabe de cor passagens de Os Lusíadas, de Luís de Camões, e Arthur tem inglês impecável graças ao apreço por línguas, por parte do pai. O atual ministro da Educação desde sempre mostrou vontade de liderar: integrou grupo de escoteiros e gostava de saraus literários. Já Arthur tinha comportamento tímido e com oscilações de humor. Os dois adoravam escutar as histórias dos avós paternos, Joseph e Frida Weintraub, que migraram para o Brasil no fim dos anos 40, após trabalhar como escravos do regime nazista em uma fábrica de munições na cidade polonesa de Skarzysko-Kamienna. Ao chegar aqui, Joseph instalou-se no bairro da Lapa, em São Paulo, onde ajudou a fundar a Sinagoga Israelita da Lapa.

Mauro sempre foi ateu — e seus filhos há até pouco tempo também declaravam seguir o mesmo caminho. “Estou nessa área há trinta anos e posso garantir que nenhum deles pisou nesta casa”, conta um religioso que cuida da Sinagoga da Lapa. Parentes afirmaram a VEJA que o ministro da Educação recorre ao judaísmo apenas quando lhe convém. No enterro do avô paterno, em 2015, ele e o irmão não deram as caras. No recente episódio da busca e apreensão na casa de bolsonaristas envolvidos no inquérito das fake news, Weintraub equiparou a ação à Noite dos Cristais (ele não foi alvo da operação, mas é também investigado no caso). Na triste passagem histórica em questão, ocorrida em 9 de novembro de 1938, nazistas atacaram milhares de judeus na Alemanha, matando 91 e depredando centenas de lojas, edifícios e sinagogas. A comparação absurda gerou protestos da comunidade judaica no Brasil.RETÓRICA – Na célebre reunião em que falou em botar ministros do STF na cadeia; a fachada da sinagoga de São Paulo fundada por seu avô Joseph; e manifestação cobrando adiamento do Enem: muita confusão, pouca produção Marcos Corrêa/PR;Kaio Lakaio;Rafaela Felicciano/Metropoles/.

No governo Bolsonaro, Weintraub ocupa há algum tempo a lista de candidatos à demissão. Salvaram sua pele nos momentos mais críticos o fato de ser conhecido dentro do governo como o mais conservador dos ministros e, por isso, gozar do respaldo de Carlos e Eduardo Bolsonaro. A simpatia do Zero Dois e do Zero Três não o blindou, porém, de problemas com a Justiça. A bravata sobre a prisão dos ministros do STF lhe rendeu uma convocação da Polícia Federal para depor sobre o caso no último dia 29, quando optou por permanecer calado diante do delegado. No caso das fake news, um pedido do ministro da Justiça para anular o inquérito aguarda julgamento do plenário do STF, previsto para ocorrer no próximo dia 12. Weintraub responde ainda a um processo no Supremo por suposto racismo contra chineses. Ele foi aberto após o ministro insinuar em uma rede social que o país asiático lançou o coronavírus no mundo para se beneficiar com a doença. Como já foi destacado pelos próprios filhos do presidente, Weintraub serve muito mais à guerra cultural contra a esquerda do que à evolução da educação no país. Até projetos anunciados com alarde pelo governo, como os colégios militares, caminham a passos lentos. Na pandemia, o ministro fez uma enorme confusão sobre a necessidade de adiamento do Enem e só aceitou tomar a decisão óbvia depois da pressão do Senado. Nos últimos dias, aumentaram os rumores de que poderá pedir demissão do cargo em breve, conforme revelou a coluna Radar, de VEJA.

Embora tenha menos projeção que o irmão, Arthur não fica atrás na capacidade de criar confusões. No Palácio do Planalto, ganhou o apelido de “homem-tocha”, por inflamar todas as discussões e ser aliado dos integrantes do gabinete do ódio, como é conhecida a central de produção de fake news contra inimigos do governo. Ex-ateu, o advogado de formação virou evangélico recentemente. Nas hostes bolsonaristas, isso é um upgrade no currículo, uma vez que Bolsonaro declarou querer alguém “terrivelmente evangélico” para o STF. Em reuniões no Planalto, Arthur já se queixou de o pai ter deixado “tudo” para a madrasta, sem fazer cerimônia sobre a batalha familiar. A guerra dos Weintraub, que tanto influenciam a cabeça do presidente, começa dentro de casa.

Aliado de Bolsonaro, Trump cita Brasil como mau exemplo no combate ao coronavírus - O GLOBO



Aliado de Bolsonaro, Trump cita Brasil como mau exemplo no combate ao coronavírus

Presidente dos EUA diz que estratégia brasileira foi como a da Suécia e afirma: 'Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido até 2 milhões ou mais de vidas'
O Globo e agências internacionais

05/06/2020 - 14:20 / Atualizado em 05/06/2020 - 15:17Donald Trump e Bolsonaro, durante visita do presidente brasileiro em março deste ano: preocupado com o aumento no número de casos do novo coronavírus no Brasil, proibiu que viajantes oriundos do país entrem nos EUA Foto: JIM WATSON / AFP
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WASHINGTON — O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, citou nesta sexta-feira o Brasil como exemplo de país com dificuldades para lidar com a pandemia do novo coronavírus, seguindo o mesmo caminho da Suécia, país que não impôs quarentenas e decidiu se basear principalmente em medidas voluntárias de distanciamento social e higiene pessoal, mantendo a maioria das escolas, restaurantes e empresas abertas. No Brasil, o governo federal não adotou nenhuma medida de isolamento social, mas governos regionais implantaram quarentenas em diversos níveis.

— Se você olhar para o Brasil, eles estão passando por dificuldades. A propósito, eles estão seguindo o exemplo da Suécia. A Suécia está passando por um momento terrível. Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido 1 milhão, 1 milhão e meio, talvez até 2 milhões ou mais de vidas — disse Trump na Casa Branca, acrescentando que agora é hora de acelerar a reabertura.

A Suécia tem um número muito maior de casos de Covid-19 do que seus vizinhos nórdicos. O número de mortes no país, que tem cerca de 10 milhões de habitantes, já passa de 4.600, enquanto Noruega, Dinamarca e Finlândia, com uma população somada de 16,6 milhões, registraram ao todo cerca de 1.100 mortes. Esta semana, o governo sueco admitiu que deveria ter adotado medidas mais contundentes de isolamento social para conter a pandemia.

Em entrevista nos jardins da Casa Branca, diante de jornalistas, o presidente americano também defendeu a estratégia adotada por seu governo contra a doença e disse que agora os EUA devem mudar o foco para se concentrar em proteger grupos de risco e permitir uma maior reabertura da economia. Os Estados Unidos são o país do mundo com o maior número de casos do novo coronavírus, com 1,9 milhão de infecções e mais de 108 mil mortos.

— Tomamos todas as decisões corretas — afirmou o presidente americano, pedindo aos governadores dos estados que ainda têm medidas parciais de confinamento que suspendam as restrições. — Tínhamos a maior economia da História. E essa força nos permitiu superar esta horrível pandemia, que já superamos, em grande medida. Acho que estamos indo bem.


Criticado por subestimar inicialmente a ameaça do vírus, Trump disse ainda que as autoridades devem se concentrar em proteger os idosos, com maior probabilidade de morrerem, e permitir que os jovens voltem ao trabalho e à escola.

O Brasil é o segundo do mundo em número de casos, atrás dos EUA, com quase 615 mil infecções confirmadas pelo Ministério da Saúde e 34.021 mortes, mas tem neste momento a maior taxa de aceleração da doença no mundo, uma vez que quase diariamente registra mais casos e mortes do que os EUA. No fim de maio, a Casa Branca anunciou a proibição da entrada de viajantes vindos do Brasil no país, medida precedida por diversas advertências.

Apesar disso, diversos governos municipais e estaduais têm anunciado planos para afrouxar as medidas de distanciamento social no Brasil diante da pressão econômica provocada pela paralisação das atividades, o que levou especialistas a alertarem para o risco de um agravamento da situação.


Lulocentrismo - GUSTAVO NOGY

GAZETA DO POVO - PR - 05/06

Lula foi o proletário que todo ideólogo pediu a Marx no finzinho dos anos 70. Com as greves do ABC, surgiu como liderança simbólica no hiato entre uma ditadura que acabava e uma democracia em gestação.

Acontece que ele e a democracia tinham relação complicada. Tratavam-se com estranhamento, senhor, senhora, “entra, Lula”, “é cedo ainda, Democracia”. Sem intimidade, como primos distantes que se vissem nas festas de aniversário e nos sepultamentos.

Talvez por isso o PT tenha votado contra o texto da Constituição de 88, dita cidadã, quando havia consenso entre direita e esquerda que, embora prolixa e esquizofrênica, aquela constituição seria melhor do que a falta de qualquer constituição. Depois assinou porque tinha de assinar.

Finda a ditadura, terminado o desastroso governo Sarney, Lula disputa pela primeira vez a presidência, numa das eleições mais esquisitas da história (superada somente em 2018).

Eleito Fernando Collor de Mello, com aquilo roxo, Lula ficou roxo de raiva e assumiu o papel cujo texto sabia de cor e salteado: o de oposição sistemática, inoportuna e oportunista a qualquer projeto, proposta, promessa que não fossem dele.

Collor durou pouco, estragou muito, saiu de cena, Itamar saiu do camarim, e o Brasil, nos planos de Lula, fazia as vezes de palanque, de palco, de picadeiro. Ele quebrava a quarta parede e falava com o povo.

O seu povo, mais precisamente: os proverbiais 30% de fiéis que o acompanharam nas futuras derrotas para o, ora vejam, intelectual uspiano FHC, convertido num centro-esquerdista civilizado e de propensões liberalizantes.

Pois o sociólogo reuniu alguns dos maiores economistas e capitaneou – ainda no governo de Itamar Franco, e depois em seu próprio governo – um nada desprezível plano monetário e de estabilização que, defeitos à parte, fez do Brasil um país viável novamente.

Sim, FHC cometeu erros. Sim, a reeleição foi um deles. Reeleição denunciada (e depois desejada) pelo PT, que pediu impeachment (impeachment é golpe?), desprezou o Plano Real, criticou cada privatização ou tentativa de modernização da máquina pública.

O relativo sucesso de FHC no aumento do poder aquisitivo dos mais pobres (com o controle inflacionário e os programas sociais) ofendia o representante oficial dos mais pobres. O pobre era propriedade privada do PT. Ainda é.

Porque Lula nasceu para ser oposição. E oposição continuaria sendo, para sempre, se não tivesse encontrado um certo marqueteiro, se não tivesse assinado uma certa carta, se não tivesse acenado com uma das mãos a banqueiros e empreiteiros, e com a outra a sindicatos e militantes.

Repaginado, todo paletó-e-gravata, enfim conquistou a simpatia do eleitorado excedente e do empresariado leniente. O saudosismo do intelectual marxista virou carne no homem que àquela altura já não era nem vestígio de operário – ganhava presentes, abraçava ditadores, multiplicava o patrimônio. Mas ninguém precisa levar tudo tão a sério. O que vale é a intenção.

E a intenção foi se desvelando sem muita demora. Iniciado um bom primeiro governo, em que conduziu a política econômica de maneira razoável, logo em 2005 o país vê estourar o escândalo do Mensalão. Aquilo que ele acusou em FHC, ele foi lá e fez melhor.

Joaquim Barbosa desmontou o esquema de compra de votos e prendeu metade da cúpula. O então presidente só foi salvo porque o povo gostava dele, os banqueiros gostavam dele, a oposição gostava dele, o Congresso gostava dele.

O inferno astral viria aos poucos, bem devagarinho, com os primeiros deslizes na condução da economia, e os primeiros (ou segundos, ou terceiros) comprometimentos com o Centrão daquela época, que não era chamado de Centrão. Os 300 picaretas com anel de doutor.

Se, naquele momento, terminado o segundo mandato, tivesse devolvido a bola para que o jogo continuasse a ser jogado sem ele, talvez hoje sua biografia fosse outra: mais parecida com biografia que com ficha corrida. Ele não é capaz dessa grandeza.

Lula indicou a gerentona Dilma Rousseff. Dizem que ela é honrada e não participou do esquema de corrupção. Pode ser, pode não ser. O que sabemos é que, se honra lhe sobrava, competência lhe faltava. Cada ano a mais de governo era um ano a menos de Brasil.

A Operação Lava Jato, em que pese o jacobinismo suicida, mostrou que o aparelhamento do Estado ia muito além do que se convencionava fazer na já pouco envergonhada política nacional. Por muito menos, durante décadas, o PT acusou todos os outros partidos.

Petistas bradarão: “Sérgio Moro prendeu um inocente!” Do ponto de vista processual, a prisão de Lula foi controversa. Havia montanhas de indícios, mas também havia parcialidade. Outros processos virão, outras sentenças pesarão, veremos.

Abro parêntese. Presunção de inocência (judicial) não é presunção de ingenuidade (política). Me custa acreditar que ele não conhecia, nem se aproveitava, do esquema que movimentou bilhões de reais no seu governo, sob o seu governo, para o seu governo. Fecho parêntese.

O relógio do populismo andou, Dilma sofreu impeachment, Temer assumiu, Lula foi preso, Haddad foi boneco, Bolsonaro foi eleito, Lula foi solto.

Até que, nos últimos dias, uma ampla frente de oposição ganhou forma e conteúdo. Líderes políticos, intelectuais, artistas, eleitor comum. A ideia é juntar forças, aparar arestas, relevar divergências, antes que seja tarde demais para haver forças, arestas e divergências. Todos de acordo?

Nem todos de acordo. Lula gira em torno de seu próprio eixo e defende o lulocentrismo. Declarou, com a soberba peculiar, que não assina, endossa, aprova ou se entusiasma com movimentos suprapartidários. A única força suprapartidária no país é Lula e somente Lula.

A esquerda democrática se enforca no cordão umbilical do PT. Mãos atadas, pés amputados, não sabe o que fazer, o que propor, nem consegue correr para longe do narcisismo autofágico de Lula. Tudo o mais constante, o movimento suprapartidário morrerá no parto.

O fim toca o início. Lula encontra a si mesmo, sua versão mais antiga, sob as muitas camadas de tintura cívica que já começam a descascar, na encruzilhada entre a autossabotagem e a mistificação. O Brasil? É o palanque, o palco, o picadeiro.

O ‘terrorismo’ que convém - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/06

Trump e Bolsonaro usam o “terrorismo” como muleta para a imaturidade democrática


As manifestações contra o racismo decorrentes do horrível assassinato de George Floyd extravasaram as fronteiras de Minneapolis e ganharam as ruas de algumas das principais cidades dos EUA, sobretudo da capital, Washington, e da Europa. A despeito da emergência sanitária, milhares de jovens têm se reunido todos os dias para clamar por justiça na punição do assassino, o policial Derek Chauvin, e pelo fim da rotineira violência policial praticada contra os negros, que sofrem tão somente pela cor da pele. Nos corações e mentes desses jovens, é como se a letalidade potencial do novo coronavírus fosse menos ameaçadora que o velho racismo estrutural que há muito tempo macula a história do país que arquitetou os pilares da democracia moderna. “Ninguém aqui esquece o receio de contrair a covid-19”, disse um dos manifestantes, “mas certas coisas precisam mudar.”

Em questão de dias, manifestações que estavam restritas aos EUA irromperam em cidades da Holanda, da França e do Reino Unido, principalmente, e lá despertaram tensões locais adormecidas, muitas delas decorrentes de processos de colonização que resultaram numa massa de cidadãos alijados da distribuição dos ganhos advindos do desenvolvimento econômico e social nesses países. Em Paris, por exemplo, os manifestantes foram às ruas cobrar explicações sobre a morte de um jovem negro e pobre ocorrida há mais de quatro anos dentro de uma delegacia de polícia. Em Londres, milhares de pessoas ocuparam o Hyde Park e vocalizaram a dor e a revolta por casos que quase sempre têm o mesmo desfecho que o de George Floyd no Reino Unido. Em Berlim, manifestantes pintaram o retrato de Floyd num pedaço remanescente do Muro. O Brasil não ficou à margem desse movimento por um mundo mais justo. Há poucos dias, também houve uma manifestação contra o racismo em Curitiba. Embora não fosse a tônica da manifestação havida na Avenida Paulista, em São Paulo, no fim de semana passado, também houve lá protestos contra a violência racial, que foram desfigurados por radicais.

É fundamental registrar que a maioria dessas manifestações ocorre de forma absolutamente tranquila, em que pesem registros de choques episódicos entre a polícia e os manifestantes nos EUA, na França, no Reino Unido e no Brasil. Ao analisar as manifestações, Karen Donfried, presidente do The German Marshall Fund of the United States (GMF), fundo de cooperação transatlântica inspirado no Plano Marshall, classificou o racismo como uma segunda “pandemia” que o mundo civilizado precisa urgentemente enfrentar. Em nenhum momento de sua reflexão, Donfried classificou os atos de protesto como “terrorismo”, o que só mostra quão absurdos são os presidentes Donald Trump e seu ventríloquo brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro, as únicas lideranças políticas a ameaçar usar força militar contra as manifestações de rua por sua suposta natureza “terrorista”. Não se pode dizer que o GMF, corolário da ação americana pela consolidação da democracia liberal na Europa Ocidental, seja “comunista” ou “esquerdista”.

Não por acaso, Donald Trump e Jair Bolsonaro são os únicos presidentes que classificam os manifestantes como “terroristas” porque a nenhum dos dois interessa o crescimento dessas manifestações, que não só podem, como irão, mais cedo ou mais tarde, revelar críticas às suas administrações. No Brasil, aliás, isto já está ocorrendo. Aqui, o racismo ainda é uma pauta lateral nos protestos, direcionados em grande medida contra os diuturnos ataques de Bolsonaro contra a democracia e as instituições republicanas. Se povoadas por “terroristas”, portanto, justificar-se-ia, na visão da cúpula bolsonarista, o emprego das Forças Armadas para coibir tais manifestações, o que é um completo absurdo. Eventuais crimes praticados nestes atos são de competência das polícias estaduais, não das Forças Armadas.

No fundo, tanto nos EUA como no Brasil, o que se observa é um flagrante desprezo de seus presidentes pelo escrutínio público e institucional, incapazes que são de liderar e fazer política no ambiente democrático, ou seja, sujeitos às limitações do sistema de freios e contrapesos

Vírus tendem a ser inflexíveis - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de S. Paulo - 05/06

Quarentena meia-boca não basta para reduzir substancialmente a circulação do Sars-CoV-2



Não é que os planos de reabertura econômica dos governadores sejam irracionais. Eles se baseiam nos parâmetros cientificamente relevantes, como a evolução do contágio e a ocupação dos leitos hospitalares, e, mais importante, preveem a possibilidade de volta do isolamento social, caso os números piorem.

Receio, porém, que eles tenham deixado de levar em conta aspectos menos racionais do comportamento humano.

Num mundo ideal, em nome da previsibilidade, as discussões sobre como sair da quarentena precederiam a própria quarentena. Só que não vivemos num mundo ideal, mas sim em um no qual a simples menção a uma abertura futura faz com que muitas pessoas passem a comportar-se como se já tivéssemos voltado à normalidade, sabotando os esforços de distanciamento social.

Dada essa idiossincrasia humana, que é bem conhecida de psicólogos, psiquiatras e economistas comportamentais, não sei se foi muito inteligente falar em retomada num momento em que, em grande parte dos estados, ainda é forte a circulação comunitária do vírus. O risco é vermos as curvas voltarem a subir antes mesmo de as termos estabilizado.

Nesse quesito, o Brasil não está se saindo muito bem. Acho que nosso relativo fracasso tem algo a ver com o tão celebrado jeitinho brasileiro, definido como flexibilidade criativa em relação a regras. Um bom exemplo é o do empresário que, para poder abrir suas lojas de eletrodomésticos, passou a vender também arroz e feijão.

Não digo que o jeitinho seja sempre ruim. Há muitas situações em que jorros de flexibilidade são desejáveis. Mas a contenção de uma epidemia não é uma delas. Vírus tendem a ser inflexíveis. O resultado disso são quarentenas meia-boca, que não bastam para reduzir substancialmente a circulação do Sars-CoV-2 e, justamente por isso, vão prolongando os dolorosos efeitos da inatividade econômica. É uma espécie de pior dos mundos pandêmico.

Tá com fome, nordestino pobre? Coma a propaganda que Bolsonaro faz de si - REINALDO AZEVEDO

UOL 05/06


O governo Bolsonaro está de parabéns. A Secretaria de Comunicação precisa de recursos para melhorar a imagem do presidente. Sabem como é... Aquela máquina que o "Mito" chama "imprensa a meu favor" — que imprensa não é; não vamos confundir as coisas — precisa do leite de pata estatal.

Ora, se é para tirar dinheiro de algum lugar para melhorar a imagem do demiurgo, por que não do Bolsa Família, mais especificamente dos recursos que seriam destinados ao Nordeste?

E foi o que os valentes fizeram. Transferiram R$ 83,9 milhões do programa para a área de comunicação. A seguir o critério que tem vigorado, daqui a pouco, uma parte dos recursos vai para o "jornalismo" do "sim" e do "sim, senhor", e outro tanto, para sites pornôs...

E não! Ninguém nega que isso tenha acontecido. Ao contrário: o governo admite e assina embaixo.

Informa o Estadão:
"A portaria que prevê a transferência dos recursos do Orçamento foi publicada na edição desta terça-feira, 2, no Diário Oficial da União (DOU). O ato foi assinado pelo secretário executivo do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. Segundo técnicos do Congresso, como não há recurso extra, apenas realocação dentro do Orçamento, não é preciso de aval dos parlamentares. O valor total destinado ao Bolsa Família no ano inteiro é de R$ 32,5 bilhões."

O Ministério da Cidadania, responsável pelo programa, onde brilha a sapiência do notável Onyx Lorenzoni emitiu uma nota explicando a barbaridade:
"A folha de pagamento do Programa Bolsa Família (PBF), no mês de abril, foi custeada em 95% por recursos do auxílio emergencial. Naquele mês, 13.566.568 famílias beneficiadas com o PBF receberam o benefício. Em abril foram destinados às famílias mais de R$ 15 bilhões".
"É importante destacar que o auxílio emergencial destinou às famílias do PBF, na Região Nordeste, mais de R$ 7,7 bilhões, em abril, o que beneficiou a 6.851.543 famílias".

Huuummm. Parece fazer sentido, né? Calma!

Também o Ministério da Economia se pronunciou. A nota é gigantesca. Vai na íntegra, só para que não pareça que os valentes não tiveram espaço para se explicar:
"Sobre o remanejamento de dotações orçamentárias por meio da Portaria nº 13.474, de 2 de junho de 2020, que suplementou a Presidência da República em R$ 83,9 milhões, o Ministério da Economia esclarece:
Nenhum beneficiário do Programa Bolsa Família foi prejudicado no recebimento de seu benefício e, com a instituição do Auxílio Emergencial no âmbito do coronavírus, a maioria teve benefícios superiores. De acordo com o Ministério da Cidadania, a legislação não permite que sejam pagos os dois benefícios para os mesmos beneficiários, concomitantemente. Portanto, esse espaço orçamentário pode ser utilizado para atendimento de outras despesas da União, o que justifica o cancelamento citado na referida Portaria.
O pedido de reforço da dotação para a Secretaria Especial de Comunicação Social - SECOM, solicitado pela Presidência da República, foi aprovado pela Junta de Execução Orçamentária - JEO. Ele vai recompor o orçamento que foi reduzido durante a apreciação do Projeto de Lei Orçamentária 2020 no Congresso Nacional. Esta recomposição está autorizada pelo art. 4º, caput, inciso V, da Lei nº 13.978, de 17 de janeiro de 2020 (LOA 2020).
Cabe ainda citar que, após a execução orçamentária e financeira do primeiro mês do Auxílio Emergencial observou-se que, em abril, aproximadamente 95% dos beneficiários do Programa Bolsa Família se qualificaram para receber o Auxílio Emergencial em substituição ao PBF. Desse modo, ocorreu forte redução na execução da dotação dessa ação, caindo de uma média mensal em torno de R$ 2,5 bilhões para R$ 113,1 milhões, conforme abaixo:
Janeiro/2020 - R$ 2.476.039.000,00
Fevereiro/2020 - R$ 2.470.677.819,00
Março/2020 - R$ 2.530.838.900,00
Abril/2020 - R$ 113.137.782,00

Por fim, em função das restrições orçamentárias, dos recursos que não serão utilizados do Programa Bolsa Família, R$ 11,4 milhões já foram utilizados para ampliar as dotações do Sistema Nacional para Identificação e Seleção de Público-Alvo para os Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único. Outros valores serão utilizados em despesas prioritárias nos próximos meses. Estes remanejamentos serão implementados em acordo com as projeções do Ministério da Cidadania de forma a que não haja prejuízo aos beneficiários do Programa Bolsa Família.

VOLTO

Está convencido, leitor? Então caiu no "enrolation".

Vamos opor os fatos à cascata oficial. Reportagem da Folha do dia 2, com dados oficiais, informa:
O Bolsa Família atendeu menos famílias nas regiões Norte e Nordeste em maio deste ano do que no mesmo mês de 2019, justamente no momento em que o governo avalia prorrogar o auxílio emergencial e economistas falam em criar uma renda básica permanente para reduzir as desigualdades sociais. Nas regiões mais ricas do país, o Sul e o Sudeste, houve um aumento no número de beneficiários, considerando o mesmo período. Há um ano, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) iniciou uma sequência de cortes de famílias e praticamente travou a entrada de novos beneficiários.

Com o afrouxamento do Orçamento neste ano por causa da pandemia, mais dinheiro foi destinado ao programa e o governo atende a mais pessoas carentes. Mas a fila de espera ainda persiste. São 433 mil famílias aptas a receber o benefício e que ainda aguardam liberação, segundo dados obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.

CONCLUO

Eis aí. Há nada menos de 433 mil famílias aptas a receber o Bolsa Família, e o dinheiro não chega. Não obstante, preocupado com a sua imagem, Bolsonaro arranca a comida da boca dos miseráveis para fazer propaganda pessoal.

O governo que, na prática, anuncia em sites pornôs pratica pornografia política e social explícita.

Brasil da pandemia convive com país de Bolsonaro - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 05/06


Nos últimos cem dias, a pandemia matou 34.021 brasileiros, guindando o Brasil ao terceiro lugar no pódio mundial de vítimas do coronavírus.

Nesse mesmo período, Jair Bolsonaro formulou a teoria da gripezinha, afastou dois ministros da Saúde, converteu o ministro da Justiça de "ícone" em delator, tornou-se investigado num inquérito criminal, inaugurou uma temporada de distribuição de cofres para o centrão, informou ao país que não é "coveiro", perguntou "e daí?" e declarou que "todos morrerão um dia", é coisa do "destino".

Fica claro que há dois países no mesmo pedaço de mapa. Há o Brasil da pandemia, que perde a guerra para o vírus, e o Brasil em que Bolsonaro decidiu viver, num estado de isolamento institucional. O brasileiro começa a sentir a falta que faz um presidente.

Escolhas minúsculas - BRUNO BOGHOSSIAN

Folha de S. Paulo - 05/06

Ao tirar R$ 83,9 mi do Bolsa Família, equipe de Bolsonaro revela suas prioridades


Em tempos de aperto, o governo foi procurar alguns trocados no cofre para melhorar a própria imagem. Numa portaria publicada nesta quinta (4), o Ministério da Economia tirou R$ 83,9 milhões do orçamento do Bolsa Família e repassou o dinheiro para bancar um aumento de gastos da Presidência com ações de publicidade institucional.

O valor representa uma fração minúscula das despesas totais do programa social, mas reflete com nitidez as prioridades e as escolhas políticas da equipe de Jair Bolsonaro.

A pasta de Paulo Guedes tentou justificar a tesourada. Afirmou que 95% das famílias atendidas passaram a receber o auxílio emergencial criado na pandemia do coronavírus. "Nenhum beneficiário do Bolsa Família foi prejudicado no recebimento de seu benefício", acrescentou.

Faltou dizer que o programa tem hoje uma fila de espera de 430 mil famílias —que se cadastraram, mas ainda não recebem o pagamento. Esse corte, de acordo com técnicos do governo, poderia atender 70 mil famílias no segundo semestre deste ano.

Os contabilistas do Ministério da Economia, entretanto, não foram além das cifras de uma planilha. A pasta fala como se o dinheiro estivesse sobrando, mas não explica por que o governo decidiu inflar justamente o orçamento de comunicação institucional do Palácio do Planalto, enquanto o país ainda tenta conter a pior crise sanitária desta geração.

O dinheiro remanejado seria suficiente para comprar mais de 3.500 ventiladores pulmonares usados no tratamento das vítimas do coronavírus. Quando o Ministério da Saúde assina contratos para a produção desses equipamentos, o governo faz festa para divulgar a proeza.

Com os novos milhões, a Secretaria de Comunicação da Presidência quase dobrou seu orçamento para essas ações. Nessa rubrica, já foram contabilizadas despesas com campanhas para melhorar a imagem do governo no exterior e até com a manutenção das contas do Planalto nas redes sociais, que costumam encher o presidente de elogios.

A pandemia e o aumento da desigualdade - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 05/06

A parcela mais pobre da população é a mais afetada pela pandemia, e isso desencadeia consequências para todos


A pandemia produz uma sensação de sufoco. Mas sufoca incomparavelmente mais a parcela da população mais pobre. E isso desencadeia graves consequências para todos, também para os ricos e para as classes médias.

Essa pode ser uma das razões por que nas principais cidades dos Estados Unidos e em outras metrópoles do mundo tanta gente venha se manifestando em protesto contra a violência cometida por um policial do Estado de Minneapolis que tirou a vida de mais um negro, George Floyd. Também, como ele disse pouco antes de morrer (“não consigo respirar”), ficou muito mais difícil e mais inseguro buscar oxigênio para o sustento da família.

A renda vai desabando em todos os países. A expectativa dos analistas é de que, neste segundo trimestre, o PIB da primeira economia do mundo, os Estados Unidos, caia cerca de 30% em termos anuais. Também por lá, o desemprego pode saltar para acima dos 25% da força de trabalho, o recorde negativo obtido ao longo da Grande Depressão.

Os mais atingidos nos Estados Unidos, relata-nos o economista Mohamed A. El-Erian na revista Foreign Affairs de 2 de junho, são os trabalhadores informais e as mulheres, principalmente as integrantes das minorias étnicas (negras e hispânicas).

O cenário parece ainda mais desolador no Brasil, onde o tombo do PIB, o desemprego estrutural e a desorganização da economia são muito maiores. As ocupações informais, os bicos e as virações são ainda mais atingidos, porque a economia está paralisada, os negócios não saem, o consumo vai sendo adiado e, nessa paisagem, não há para onde ir, de modo a garantir certo sustento. A distribuição do auxílio social pelo governo, de R$ 600 por CPF, ainda segura alguma coisa, mas ninguém sabe até quando e a que custo para as contas públicas.

Até mesmo as defesas corporativas contra os efeitos do isolamento social prejudicam ainda mais os mais pobres. A redução de salário com proporcional redução da jornada de trabalho e garantia de estabilidade beneficia apenas os que já estavam empregados. O trabalho em casa (home office) é um recurso que não pode ser aproveitado por mais de um terço dos trabalhadores, conforme estudo feito por pesquisadores da Universidade de Chicago. E beneficia os bem remunerados profissionais liberais e funcionários de maior renda do setor financeiro.

Os cenários pós-pandemia sugerem que também na recuperação os prejuízos para os mais pobres serão maiores. A economia será reerguida com maior digitalização do comércio e dos serviços bancários, com aumento da ocupação diretamente de casa e com maior emprego da robotização pela indústria. São soluções altamente poupadoras de mão de obra. Tendem, portanto, a reduzir as oportunidades de trabalho dignamente remunerado.

A história mostra que, em situações assim, o agravamento das condições sociais tende a vazar para a política. Se não houver resposta convincente da sociedade, pode colocar em perigo as instituições democráticas. Por praticamente todo o mundo ocidental, as classes médias já vinham demonstrando indignação e impressionante prontidão para atender a apelos de populistas e demagogos.

As manifestações que agora se realizam pelo mundo mostram que o sufoco geral pode vir a se tornar criadouro de autoritarismos, protecionismos de toda ordem e xenofobia.

E há o fator bumerangue, que recai sobre as empresas. Menos emprego, menos renda e menos salário são, também, menos mercado e menos faturamento. Portanto, têm impacto sobre a sobrevivência de segmentos do setor produtivo. Para obterem gás para sobrevivência ao longo dessa temporada de quebra de caixa, muitas empresas se endividaram. E, todos sabemos, endividamento excessivo sabota o investimento e o futuro.

Desde já, os dirigentes mais responsáveis parecem preocupados com a obtenção de soluções. O problema é que nada se consegue fazer sem mais injeção de recursos, numa situação em que os cofres públicos estão mais do que espremidos.

E não se podem menosprezar dois efeitos colaterais em geral adversos: maior intervenção do Estado na economia e na política e aumento compulsivo da carga tributária. Uma saída é mais do que urgente. Como observa o professor El-Erian, nessa matéria, a acumulação de problemas sem solução tende a se autoalimentar e a tornar uma reversão cada vez mais difícil e mais politicamente custosa.

Economia e o meio ambiente - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 05/06

Mercados fechados, investidores retraídos e perda de patrimônio, esse é resultado da política ambiental do governo Bolsonaro


O meio ambiente e a economia andam tão juntos que hoje deveria ser também o dia da economia. A reconstrução que se viverá pós-pandemia seria mais eficiente, mais pujante, mais atualizada se o objetivo fosse o de fazer a transição para uma outra forma de se produzir com baixa emissão. Nos últimos dias, para mostrar como os dois temas estão juntos, o parlamento holandês decidiu rejeitar o acordo União Europeia-Mercosul e um grupo de deputados americanos mandou uma carta para o USTR, escritório comercial da Casa Branca, avisando que não é possível sequer começar a negociar um acordo comercial com o Brasil porque a imagem do país, no governo Bolsonaro, está ligada à destruição ambiental e ao desmonte das leis de proteção.

Ricardo Salles faz um papel totalmente avesso ao que deveria fazer como ministro do Meio Ambiente. Foi nomeado como se fosse um cavalo de troia. Sua função é desmontar por dentro o Ministério e ele tem se aplicado em executá-la. Nunca tinha ido à Amazônia quando virou ministro e hoje, um ano e seis meses depois de nomeado, sua maior preocupação é com o seu carro blindado. Ontem, teve que dar marcha à ré e revogar o despacho com o qual ele pretendeu revogar a Lei da Mata Atlântica.

Ele sabia que sua canetada era tão grosseira que acabaria perdendo na ação civil pública que estava na Justiça impetrada pela SOS Mata Atlântica, Associação dos Procuradores do Meio Ambiente e pelo MPF. Por isso, revogou o despacho no qual orientava o Ibama a não seguir a Lei da Mata Atlântica e aplicar no bioma as regras do Código Florestal. A Lei é mais protetiva que o Código, entre outras razões porque esse é um bioma muito ameaçado e o ordenamento foi resultado de duas décadas de negociação no Congresso. Com uma canetada ele tentou desmontar esse arcabouço legal. Exatamente como contou na reunião ministerial que era a oportunidade do momento. Argumenta, em sua defesa, que sempre foi a favor da “desburocratização”. Ora, isso não é desburocratizar, é infringir a lei. Disse que irá agora ao STF para saber se o que vale é o Código ou a Lei. A SOS Mata Atlântica avisou ontem que irá até o Supremo também para defender a integridade da Lei.

A carta dos deputados americanos que integram o Committee on Ways and Means, uma espécie de comissão de revisão orçamentária e tributária, foi dirigida a Robert Lighthizer, do USTR, que, recentemente, após uma conversa telefônica com Ernesto Araújo, falou em “intensificar a parceria econômica” entre os Estados Unidos e o Brasil. Os deputados dizem que fazem “fortes objeções a esse acordo”. Nos parágrafos seguintes eles explicam, em resumo, que o governo Bolsonaro tem feito um desmonte da legislação ambiental no país. Que na campanha disse que faria isso, e após eleito está indo da retórica aos atos. Disseram que não é crível que o Brasil adote os padrões de proteção ambiental e trabalhista exigidos por acordos comerciais, como o que os Estados Unidos têm com o México e o Canadá.

É um comitê dirigido por um democrata, mas isso não atenua o fato de que até nos Estados Unidos, país ao qual a diplomacia brasileira escolheu para ser caudatário, não é possível fazer acordo, diante do imenso retrocesso que o Brasil vive na área ambiental. O único passo que havia sido dado na diplomacia comercial de Bolsonaro, o acordo União Europeia-Mercosul, pode dar para trás exatamente pelo aumento do desmatamento.

Salles criticou, em entrevista ontem, os que, segundo ele, “jogam pedra no Brasil”. Ou seja, ele faz aquela confusão comum em mentes autoritárias entre os atos de uma administração e os interesses do país. Um governo que tem o projeto de reduzir proteção ambiental, que estimula o aumento do desmatamento, provocará prejuízos à nação que vão além do comércio. Vai destruir patrimônio natural, com o impacto em perda de solo e água. Vai provocar o fechamento de mercados, e o país deixará de ser visto como um bom local para investimentos. Hoje, todos os grandes fundos têm regras de compliance com exigências ambientais.

Neste Dia do Meio Ambiente o que há a comemorar é a persistência da sociedade civil em conter as investidas do governo Bolsonaro. O recuo de ontem foi em relação à medida que Salles baixou quando pensava que estava todo mundo distraído —“porque a imprensa só fala de Covid” — para tentar passar a boiada. Não passou.

Governo discute termos para renegociar dívidas - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 05/06

Desoneração da folha está em debate desde a campanha


O governo começa a avaliar a situação econômica e financeira das empresas que resistiram, até agora, ao tsunami da covid-19 e prepara alguns parâmetros para uma grande renegociação de dívidas.

Acumulam-se dívidas contraídas e impostos prorrogados com os compromissos correntes. O governo tem ciência de que muitos vão ter que jogar com prazos mais longos para fazer esses acertos. Na parte dos tributos que foram protelados, os parâmetros da renegociação deverão constar da proposta de reforma tributária.

Houve, de março para cá, a suspensão do pagamento do FGTS por três meses; foram adiadas as contribuição de empresas para o PIS/Pasep e COFINS e, também, foram prorrogados os prazos para o pagamento do Simples Nacional; dentre outros.

As medidas destinadas a estimular a oferta de crédito para as médias, pequenas e micro empresas por força da pandemia se esgotaram.

Agora a tarefa é fazer com que elas cheguem ao tomador final. Para isso, a opção foi revigorar a linha de crédito para o pagamento da folha de salários. construir garantias para as operações e procurar persuadir os bancos privados a entrar no financiamento para esse universo de companhias.

As últimas linhas de crédito foram providenciadas nesta semana quando o governo editou medida provisória criando o Programa Emergencial de Acesso a Crédito para as pequenas e médias empresas, que irá garantir parte dos empréstimos feitos por bancos a essas instituições mediante aporte de até 20 bilhões de reais do Tesouro no Fundo Garantidor de Investimentos (FGI) administrado pelo BNDES. Essa iniciativa destina-se à empresas com faturamento anual entre 360 mil e 300 milhões de reais em 2019, e os recursos financiados são de livre utilização podendo, por exemplo, reforçar o capital de giro das companhias.

Cálculos dos técnicos do Ministério da Economia indicam que o programa de acesso ao crédito pode viabilizar R$ 100 bilhões em empréstimos a empresas de médio porte.

O Programa Nacional de Apoio às Microempresas e às empresas de pequeno porte- Pronampe - prevê um aporte de R$ 15,9 bilhões do Tesouro no Fundo de Garantia de Operações (FGO), administrado pelo Banco do Brasil, para cobertura da inadimplência de até 85% da carteira.

O Pronampe foi, ao lado do acesso ao crédito citado acima, um dos últimos a ser criado da lista de novas linhas de crédito no âmbito da pandemia da covid-19 e só entrará em vigor mesmo na próxima semana. Pretende-se, com ele, alcançar mais de 3 milhões de microempresas e se os bancos privados não aderirem, o governo vai tentar transferir toda a operação para a Caixa. O banco estatal está negociando com as empresas das “maquininhas” para usa-las como instrumento para fazer o crédito chegar no pipoqueiro.

Fontes da área econômica já começaram, também, a duvidar da possibilidade de tornar o auxilio emergencial de R$ 600,00 um programa perene, ainda que de menor valor. As condições fiscais não permitem mais um plano de assistência sem que se reveja todos os outros. A ideia do governo é pagar mais duas ou três parcelas de menor valor desse auxílio e encerrar o programa, assinalam técnicos

Também não consta do leque de alternativas consideradas pela área econômica do governo, prorrogar o prazo original de três meses das demais medidas destinadas a ajudar as empresas a passar por essa tempestade preservando empregos, tais como redução da jornada de trabalho com a respectiva redução dos salários, suspensão do contrato de trabalho, dentre outras A única que teve seu prazo de vigência prorrogado foi a do financiamento da folha de salários, que não teve sucesso e está sendo refeita.

Recuperar a medida provisória que cria a carteira verde amarela é a nova prioridade do ministro da Economia, Paulo Guedes, para abrir a possibilidade de emprego para quem vai perder o auxilio emergencial, indicam fontes oficiais. A MP 905, que permitia a escolha entre dois regimes de contrato de trabalho, caducou no fim de abril sem que o Congresso a votasse.

Assessores da área econômica salientam que se as iniciativas concebidas na carteira verde amarela demandarem emenda constitucional e não uma simples medida provisória, “faremos a proposta de emenda”. A aposta é que com menos direitos trabalhistas haverá mais emprego para os jovens que estão entrando no mercado de trabalho.

A desoneração dos encargos que as empresas pagam sobre a folha de salário é outra ideia que vem sendo discutida desde a campanha eleitoral mas, até hoje, o governo não conseguiu emplacá-la.

A política de desoneração da folha começou a ser adotada em 2011, com a substituição da cobrança de uma alíquota de 20% de contribuição previdenciária sobre a folha de salários por um porcentual sobre o faturamento. Desde então, a União já abriu mão de mais de R$ 100 bilhões em arrecadação e reduziu sobremaneira os setores beneficiados.

A discussão esbarrou na necessidade de o governo arrumar um novo imposto para compensar a perda de receitas com a desoneração da folha. A proposta de instituir uma tributação sobre transações financeiras, seguindo o modelo da velha e mal v ista CPMF, foi barrada pelo presidente da República. Mas a realidade é que ela nunca saiu da cabeça do ministro da Economia.

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Um experiente ex-parlamentar que foi constituinte, disse que não há mais plateia para as “bravatas” que saem da côrte de Brasília. Elas não mais repercutem no “mundo real”. Para esse ex-parlamentar que bem conhece o que ele chama de bravatas da corte, as atenções estão voltadas, agora, para a costura política que o presidente Jair Bolsonaro está alinhavando com os parlamentares do conhecido Centrão. É na construção de uma base parlamentar que o governo vê o caminho para a aprovação de novas reformas.. Será de pouca valia, porém, jogar no colo do Centrão, a tarefa de evitar um eventual impeachment de Bolsonaro. Esse é um bloco de parlamentares bastante pragmático.

Para atravessar a Terra dos Mortos - REINALDO AZEVEDO

Folha de S. Paulo - 05/06

Para superar esse momento, basta que o parceiro de trajetória defenda a democracia


Nestor Forster, que responde pela embaixada do Brasil em Washington, expressa em telegrama reservado a leitura que faz o Brasil da crise deflagrada nos EUA com o assassinato de George Floyd. O texto, revelado nesta Folha pela sempre competente Patrícia Campos Mello, é uma espécie de boletim do hospício em que nos transformamos. A análise pouco ou nada diz sobre aquele país, mas entrará para a história como um dos emblemas do desastre que vivemos por aqui.

Pesquisas indicam que a maioria dos americanos considera que Donald Trump se comporta mal na resposta à onda de protestos. O republicano George W. Bush e o democrata Barack Obama se solidarizam com o movimento contra o racismo. James Mattis, ex-secretário de Defesa de Trump, diz: "É o primeiro presidente em toda a minha vida que não tenta unir o povo americano nem finge tentar. Em vez disso, ele tenta nos dividir".

Esqueçam. Essas personalidades nada sabem sobre o próprio país. Há alguém que vê um Trump irrepreensível na crise: Forster! Sua análise pode não credenciá-lo como observador competente dos fatos, mas faz dele um exemplar prosélito de uma causa. A mídia, segundo o diplomata, acusaria um inexistente racismo sistêmico naquele país, em associação com a "cultura da queixa", promovida pelo Partido Democrata. Ele presta solidariedade a Trump, que enfrentaria uma "obsessiva campanha de mídia contra o chefe do Executivo".

O "Antifa", diz, busca a "abolição do capitalismo e o esmagamento do fascismo", mas seu "'modus operandi' é caracterizado justamente por atitudes associadas aos movimentos fascistas europeus dos anos 1930 e à selvageria dos movimentos revolucionários em geral, como agressão física, depredações, incêndios e saques".

Forster põe ainda em dúvida se os negros são mesmo alvos preferencias da polícia e dá destaque a analistas que veem nos protestos uma "onda de ódio" que, "sob o pretexto racial, volta-se, na verdade, contra os valores fundamentais da democracia americana".

O telegrama não fala sobre os EUA, mas sobre o Brasil. Forster não sai em defesa de Trump, mas de Jair Bolsonaro. Não se trata de uma peça de análise, ancorada nos fatos, na realidade, nos seus possíveis desdobramentos. O que se lê é proselitismo de resistência reacionária ao suposto "mal", que ou extermina ou é exterminado.

Dizer o quê? Nenhum de nós, creio, contou chegar a esta altura da vida e dos acontecimentos tendo de sobrepor uma clivagem a todas as outras: aquela que distingue a sanidade da insanidade. Por isso se veem tantos desiguais assinando uma mesma petição.

Integro a primeira leva de signatários do manifesto Estamos Juntos, em defesa da democracia e contra a fascistização do poder. Lula, por exemplo, não quis se misturar com alguns ou com muitos de nós e deixou isso claro sem nem indagar, ao nos passar um sabão, se alguns ou muitos gostaríamos de nos misturar com ele. Que seja bem-sucedido ao cultivar o seu jardim. Não é hora de alargar pinimbas.

O telegrama de Forster nos diz uma vez mais que é preciso operar, agora, no "Modo Básico de Defesa da Sobrevivência". Basta, para atravessar a terra dos mortos, que o parceiro de trajetória defenda a democracia como valor universal e que esteja comprometido com os direitos humanos. Se o futuro se fará com mais Estado ou com menos, eis um tema para quando recuperarmos a autonomia sobre o que nos divide.

Forster não deve ter reportado ao governo brasileiro que os comandantes militares dos EUA, em carta inequívoca, datada do dia 2, lembram que seu papel é defender a Constituição e seus valores. Mais: destacam que a Guarda Nacional -- com a qual Trump ameaçou os manifestantes -- está sob o comando dos governadores.

Enquanto alguns dos nossos generais ameaçam o país com golpe e outro sobrevoa a Praça dos Três Poderes com óculos escuros, à moda Pinochet, os que respondem pela maior máquina de guerra da Terra dizem a seu tresloucado presidente, guia genial de Forster e dos insanos de Banânia: é a Constituição que manda nos canhões, não os canhões na Constituição.

Dobradinha Bolsolula - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 05/06

Se Bolsonaro se aliar a Lula, seus seguidores continuarão com ele


Jair Bolsonaro se elegeu prometendo acabar com a corrupção, mas, a cada minuto, trabalha na sombra para impedir que ela seja investigada. E, mesmo assim, seus seguidores continuam com ele. Bolsonaro se faz de vestal para seu público, embora já tenha entrado para o governo cercado de laranjas, bandidos digitais e simples matadores e sua própria família seja um ninho de ratos. Mas seus seguidores continuam com ele. Bolsonaro se valeu da aura de santidade de Sergio Moro para se eleger e tratou-o a bofetadas no ministério, até que Moro se cansou, foi embora e o denunciou. Mas, entre ele e Moro, seus seguidores continuaram com ele.

Bolsonaro vive repetindo o bordão bíblico de que “a verdade vos libertará”, mas ninguém mente mais do que ele. Não há dia em que não desdiga o que disse na véspera, não transfira para os adversários as suas próprias lambanças e não ejacule ameaças que sabe que não poderá cumprir. E não há dia em que não seja desmentido. Mas seus seguidores continuam com ele.

Bolsonaro prometeu acabar com a velha política do toma lá, dá cá e, ao se ver ameaçado de impeachment, aliou-se aos piores praticantes dessa política —inclusive os que serviram aos governos Lula, Dilma e Temer. Bolsonaro nem se dá ao trabalho de disfarçar. Mas seus seguidores continuam com ele. Aliás, se Bolsonaro se aliar a Lula, seus seguidores também continuarão com ele.

E não há nada de absurdo nesse hipotético casamento —lembre-se de que Lula, traindo seu passado e seus eleitores, aliou-se um dia a Fernando Collor, José Sarney, Paulo Maluf e a grande parte dos, segundo ele, “300 picaretas do Congresso”. Em política, os picaretas se entendem, e uma união Bolsonaro-Lula, por mais improvável, não é impossível.

Na verdade, ela sempre aconteceu —porque, como se viu nesta semana, Lula precisa de Bolsonaro para sobreviver e vice-versa. Salta uma dobradinha Bolsolula.

Nas ruas - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 05/06


Em tempos de pandemia, a pulsão individual tem que ser controlada pela realidade, o que é difícil de acontecer. Nos deparamos, então, com situações excêntricas que definem quem está ao lado de quem.

Partidos políticos de oposição pedindo para o povo não ir às ruas protestar contra o governo de Bolsonaro? O próprio presidente incentivando manifestações populares, quebrando o distanciamento social e abraçando seus seguidores?

Partidários dos movimentos da sociedade contra o governo acham que não é o momento de fazer protestos nas ruas, por causa do coronavírus. E, ainda por cima, há o perigo de pessoas se infiltrarem para fazer baderna e dar razão a Bolsonaro.

Mesmo assim, várias manifestações estão programadas para o próximo domingo, e deve haver confronto, apesar de o presidente Bolsonaro ter pedido aos seus seguidores para não se manifestarem no mesmo dia que os opositores. Tentou parecer magnânimo: “Deixem as ruas para eles”.

Está sendo apenas realista, já viu que as ruas não são suas, como chegaram a comemorar seus seguidores em frente ao Palácio do Planalto numa daquelas domingueiras a cada dia mais esvaziadas.

Novamente o “nós contra eles” incensado pelo ex-presidente Lula, que levou três semanas para aderir ao movimento pelo impeachment de Bolsonaro, e agora renega a frente ampla que se tenta construir contra o governo porque não aceita estar junto de pessoas que não o consideravam um preso político, mas um político preso, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ou o ex-ministro Ciro Gomes.

Parece que não aprendeu com a derrota de 2018, ou quer repetir a dose em 2022, achando que fazendo a coisa errada seguidamente acaba dando certo no final. Não dá. Einstein já ensinou: “A definição de insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes”.

Petistas menos inflexíveis aderiram a diversos movimentos, mas barraram a assinatura de Sérgio Moro. Essa é apenas uma das grandes diferenças que separam Mandela de Lula, apesar da tentativa de igualá-los: Mandela juntou-se a Frederik de Klerk, presidente do governo sul-africano que o manteve na cadeia por 30 anos, para assinar o fim o apartheid. Na Espanha pós-franquista, o líder conservador Adolfo Suarez e o socialista Felipe Gonzalez não deixaram de ser adversários para assinar os Pactos de Moncloa.

Claro que não estamos nem perto desses marcos históricos, mas pela instransigência demonstrada por uma parte petista da esquerda, não chegaremos lá. Bolsonaro criticou – com razão – a baderna que aconteceu em Curitiba, em protesto contra o racismo e o fascismo, mas, sem razão, chamou os manifestantes de “terroristas”.

Ontem, um deputado governista quis propor uma lei que criminalizasse quem queimar a bandeira nacional, como aconteceu em Curitiba. O presidente da Câmara Rodrigo Maia perguntou: “E quem leva cartazes e faixas defendendo o fechamento do Congresso vai ser criminalizado também?”.

Essa é a questão central do “nós contra eles” tão ao gosto de Bolsonaro e Lula, ambos com popularidade decadente. Classificar de “terroristas” os manifestantes contrários, mas incentivar que seus apoiadores a se armarem para “defender a democracia”, é uma “bolsonarice” típica.

O melhor exemplo é o acampamento dos 300 em Brasília, comandado pela militante Sara Winter, que posa armada com revolver e metralhadora e está sendo investigada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito das fake news.
Em meio a esse pandemônio político, Bolsonaro anunciou que vai flexibilizar a posse e o porte de armas. São demonstrações de agressividade perigosas num momento como o que estamos vivendo, em que o presidente perde a capacidade de ser intermediário, um negociador entre as partes, porque está envolvido com um lado da questão, e o incentiva a se manifestar e a se armar.

Manchando o Brasil e o agronegócio - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/06

O governo Bolsonaro marcou mais um gol contra o País. O protecionismo europeu teve o ponto contado a seu favor


Especialista em manchar a imagem do Brasil, o governo Bolsonaro acaba de marcar mais um gol contra o País. O protecionismo europeu, especialmente forte no setor agrícola, teve o ponto contado a seu favor. O Parlamento holandês aprovou moção contra o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Assinado há quase um ano, depois de negociado por duas décadas, o pacto só valerá depois de ratificado por todos os países participantes. Se o protecionismo prevalecer, também Argentina, Paraguai e Uruguai, sócios do bloco sul-americano, pagarão pela política antiambiental do governo brasileiro.

O Parlamento austríaco já havia votado contra o acordo. Se nada mudar, o governo da Áustria terá de se opor à ratificação. O governo holandês ainda está livre para votar a favor, mas o acúmulo de pressões contrárias, em toda a Europa, é inegável. A questão ambiental é parte dos desentendimentos entre os presidentes francês e brasileiro. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, evitou, até agora, comprometer-se com a aprovação final do acordo.

Direitos humanos e ecologia são invocados, na Europa, contra a ratificação do pacto com o Mercosul. Focadas no Brasil, as críticas mencionam a devastação da Amazônia, a destruição de reservas do Cerrado e riscos para os indígenas. Membros de entidades comunitárias se alinham entre os críticos. Um deles é o vice-presidente da Comissão de Agricultura e de Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu, o eurodeputado português Francisco Guerreiro, do partido Pessoas, Animais, Natureza.

Entrevistado pelo Estado, ele citou a política do presidente Jair Bolsonaro e atribuiu o desmatamento da Amazônia à indústria madeireira e aos grandes empresários da agropecuária. A ação desses grupos, segundo ele, destrói a floresta e a biodiversidade, produz seca generalizada e oprime as comunidades indígenas. O acordo, acrescentou, reforçará essas tendências e isso justifica a oposição dos Verdes Europeus.

Nenhum crítico menciona diretamente os interesses protecionistas da agropecuária europeia, uma das mais defendidas do mundo. Os produtores europeus, limitam-se a argumentar esses críticos, enfrentarão uma injusta desvantagem se tiverem de competir com agricultores e pecuaristas livres de restrições ambientais.

As acusações são falsas, quando se trata da parte mais moderna e mais competitiva da agropecuária brasileira, aquela de fato presente, com muita eficiência, no mercado internacional. Mas a confusão, muito útil ao protecionismo europeu, é favorecida pelo governo brasileiro e por alas bolsonaristas do agronegócio.

As palavras do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na vergonhosa reunião ministerial de 22 de abril, forneceram precioso material aos protecionistas. Foi particularmente repulsiva a ideia de aproveitar a atenção da imprensa na covid-19 para fazer “passar a boiada” do afrouxamento de regras. O apoio de parte do empresariado ao ministro da devastação, por meio de anúncio na imprensa, foi um sério fator agravante. Houve quem se opusesse a esse apoio, na Sociedade Rural Brasileira, mas prevaleceu a decisão infeliz.

A Associação Brasileira do Agronegócio recusou-se a participar da nota. Seu presidente, Marcello Brito, criticou a ação proposta pelo ministro e defendeu outras formas de discutir e rever a legislação ambiental, depurando-a, quando necessário, de excessos. “Nós mudamos a Previdência de forma transparente. Não precisa passar as coisas de baciada”, disse ele ao Estado.

Uma boa política ambiental no Brasil beneficia em primeiro lugar os brasileiros, preservando o clima e a saúde. Mas interessa também ao mundo e por isso é importante em termos diplomáticos e comerciais. O presidente, no entanto, pouco se interessa pela saúde dos brasileiros, como comprova seu comportamento em relação à covid-19. Além disso, seu despreparo em assuntos diplomáticos e econômicos é notório. Surpreendente, mesmo, é o comportamento de algumas entidades do agronegócio defensoras da destruição ambiental.

Devaneio financeiro - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 05/06

Em meio a crises, real e ações têm surto de alta com base em premissas frágeis


Não é novidade que mercados financeiros mostrem tendências destoantes da chamada economia real, por vezes em momentos dramáticos de crise. Ainda assim, surpreende a aguda valorização recente do real e da Bolsa de Valores, dadas a recessão profunda e a grave instabilidade política do país.

A mudança foi súbita. Neste ano, até meados de maio, a cotação do dólar chegou a acumular alta de 46% e teve recorde nominal de R$ 5,88. Desde então, o movimento se inverteu, e a moeda americana fechou nesta quinta (4) a R$ 5,13. Juros locais recuaram, e a Bovespa subiu 10% em duas semanas.

Mais do que alguma melhora da avaliação das perspectivas do Brasil, são fatores externos que parecem exercer influência primordial no fenômeno. Ao longo de maio teve início a reabertura gradual da economia na Europa e nos Estados Unidos, que mostram sinais consistentes de contenção da pandemia.

Depois do colapso do segundo trimestre, espera-se nessas regiões rápida recuperação da atividade na segunda metade do ano, com ajuda dos gigantescos estímulos monetários e fiscais adotados pelos principais países.

Nas projeções do Fundo Monetário Internacional, a economia mundial retomaria o patamar anterior à crise no final de 2021 ou um pouco adiante, com forte desempenho da China —isso se não houver uma segunda onda de contágio, até aqui não observada.

Mesmo considerando incertezas e riscos nesse cenário otimista, o relaxamento das restrições físicas certamente fortalecerá a demanda e ajudará a ancorar os preços das matérias-primas. Nas últimas semanas houve expressiva recuperação de preços de petróleo, minério de ferro e metais industriais.

No âmbito doméstico, a tensão política e institucional não impediu que os ativos brasileiros também se beneficiassem. O entusiasmo da finança aparenta até ter ganho impulso adicional com a divulgação do repulsivo vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.

Entre operadores, grassa a leitura de que a crise política teria sido amainada —e que a aproximação do presidente Jair Bolsonaro com parlamentares do centrão favorecerá a governabilidade.

Tal racionalização não leva em conta, ao que parece, a ameaça que esse arranjo precário representa para a agenda de reformas econômicas e ajuste orçamentário —sem falar na inevitável deterioração adicional das contas públicas durante o enfrentamento da pandemia e seus efeitos.

O otimismo se assenta, pois, em bases frágeis. Na indústria e no comércio, na renda e no emprego, as más notícias tendem a persistir.

Constituição não dá brecha para golpe de estado - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 05/06

A Carta foi redigida sob o princípio da subordinação do poder militar ao civil


O flerte do bolsonarismo com um regime militar aparece de várias formas, nenhuma dissimulada. Vai de declarações ameaçadoras de filhos, como a de Eduardo Bolsonaro sobre o “momento de ruptura” — que, segundo ele, ocorrerá, faltando apenas saber “quando” —, a manifestações periódicas, pequenas e barulhentas, pró-golpe, recepcionadas calorosamente pelo presidente Bolsonaro ao pé da rampa do Planalto.

O departamento de agitação e propaganda golpista desses grupos julga ter um suposto lastro legal para uma intervenção militar por meio de uma interpretação enviesada do artigo 142 da Constituição. Este estabelece que as Forças Armadas estão “sob a autoridade suprema do Presidente da República (...) e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Numa leitura interessada deste trecho, Bolsonaro teria base legal para convocar as Forças Armadas nestas circunstâncias. E poderia avançar mais, abrangendo casos de “invasão de poderes”. Por exemplo, se o Planalto entender que o Supremo avança sobre seus espaços institucionais, algo nada preciso, mas que poderia desatar crises graves contra os interesses do país.

Seria um contrassenso se a Constituição de 1988, feita para sacramentar o retorno do poder civil e das garantias democráticas depois da ditadura militar, deixasse espaço para os militares se arvorarem como Poder Moderador, função que já foi exercida pelo imperador. Admita-se que o fato de os militares terem dado o golpe que em 1889 derrubou a Monarquia e instaurou a República possa ter cultivado neles uma cultura de tutela sobre a nação. Mas o tempo passou.

Esta discussão jurídico-política tem sido travada por juristas e em boa hora mereceu uma apreciação formal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em um parecer que não deixa dúvidas. Fica evidente que assunto de tamanha importância como a relação entre os poderes e, em particular, o campo de ação das Forças Armadas, ainda mais em um país latino-americano, não pode ser abordado com base em uma frase da Carta ou parte dela.

É básico entender que a Constituição é um todo, não pode ser consultada com lupa, em busca de fragmentos de texto que atendam ao interesse do leitor. Como fazem sectários religiosos em livros sagrados. Também não se deve deixar de lado que a atual Constituição “estabeleceu um modelo institucional de subordinação do poder militar ao civil”, frisa a OAB. E o artigo 142, assim como todos os demais, está subordinado a este princípio.

Outro equívoco é achar que o presidente pode convocar as Forças Armadas para intervir no Legislativo e/ou no Judiciário. Não pode, porque iria contra o artigo 2º da Carta, sobre a separação dos poderes. Foi construído um sistemas de freios e contrapesos, como nas democracias modernas, pelo qual os impasses são resolvidos no Judiciário, e dúvidas constitucionais, no Supremo. A ideia do “golpe constitucional” é uma contradição em termos.