quinta-feira, setembro 14, 2017

Muito a explicar - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 14/09

Desde o começo desse incrível imbróglio, esperava-se que Rodrigo Janot, comprovadamente despreparado para o cargo que ocupa, pedisse demissão. Já que decidiu ficar, então que ao menos reconheça seus inúmeros erros

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que “nunca se viu, em toda a nossa história, tantas investigações abertas e tantos agentes públicos e privados investigados, processados e presos”, razão pela qual resta à defesa dos implicados “tentar desconstruir, desacreditar a figura das pessoas encarregadas do combate à corrupção”. Foi uma forma nada sutil de se referir às críticas que ele e sua equipe vêm sofrendo em razão do espantoso acordo de delação premiada com o empresário Joesley Batista e do açodamento das denúncias contra vários políticos e altas autoridades sem o devido embasamento. Segundo Janot, quando há uma grande ofensiva contra a corrupção como a que ele e outros procuradores da República conduzem, “muitas pernas tremem”.

São palavras de quem, ele sim, precisa se defender. Ninguém no Brasil, salvo os criminosos, se opõe à luta contra a corrupção. Muito ao contrário: a Lava Jato e operações congêneres resultam da resolução dos brasileiros de atacar esse que é um dos principais flagelos nacionais. O que tem causado profundo incômodo é o messianismo dos que se julgam em uma cruzada moral contra os políticos em geral, comportamento que os induz a agir algumas vezes em desafio ao Estado de Direito, como se a causa justificasse o atropelamento da lei. Esse incômodo aumenta consideravelmente quando se observa que Janot tem sido incapaz de esclarecer as diversas dúvidas e suspeitas que surgiram sobre os procedimentos de integrantes da Procuradoria-Geral desde que veio à luz a bombástica delação de Joesley Batista.

Uma instituição como a Procuradoria-Geral, dedicada a defender a ordem jurídica, deveria ser a campeã da transparência. No entanto, o que se tem observado é que, dia após dia, surgem informações que indicam um comportamento reprovável de alguns de seus integrantes envolvidos nas nebulosas negociações do acordo com Joesley, sem que o procurador-geral tenha sido capaz de dar explicações plausíveis para isso. O máximo que consegue é dizer-se “ludibriado”.

O caso mais célebre é o do ex-procurador Marcelo Miller, que, ao que tudo indica, orientou o Grupo J&F e o empresário Joesley Batista a elaborarem os acordos de leniência e de delação premiada quando ainda era integrante da Procuradoria-Geral e um dos principais assessores de Rodrigo Janot. O próprio Janot já admitiu a ação de seu ex-assessor e pediu a prisão de Miller, que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu – embora, em seu despacho, tenha dito que são “consistentes” os indícios de que Miller praticou o delito de obstrução de Justiça.

A exótica decisão de Fachin é apenas mais um elemento carente de explicação numa história que causa espanto contínuo e progressivo – a começar pelo fato de que ela só veio à luz em razão do estranho acaso da entrega de uma gravação involuntária de Joesley Batista que, entre um drinque e outro, conta como se associou a procuradores para obter a desejada imunidade total.

Com esse novo escândalo, surgiram suspeitas de que, além de Marcelo Miller, ao menos outros dois procuradores, muito próximos de Rodrigo Janot, teriam atuado em favor de Joesley. Recorde-se, a propósito, que um outro procurador chegou a ser preso, em maio, sob acusação de ser informante de Joesley.

Ou seja, há robustas razões para cobrar de Janot esclarecimentos sobre o que se passa no Ministério Público sob sua chefia. De nada adianta dizer-se enganado. É preciso que o procurador-geral pare de insultar a inteligência dos cidadãos – como quando disse que conversou apenas sobre “amenidades” ao ser flagrado em encontro fora da agenda, atrás de engradados de cerveja num botequim de Brasília, com um dos principais advogados de Joesley na véspera da prisão do empresário.

Desde o começo desse incrível imbróglio, esperava-se que Janot, comprovadamente despreparado para o cargo que ocupa, pedisse demissão. Já que resolveu ficar, então que ao menos reconheça seus inúmeros erros, que tanto custaram ao País, em vez de maliciosamente atribuir a seus críticos a pecha de inimigos da Lava Jato.

Lula, segundo Palocci - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 14/09

Ex-ministro corrobora que os escândalos da corrupção petista não foram eventos isolados


O depoimento do ex-ministro Antonio Palocci ao juiz Sérgio Moro é mais que um libelo acusatório. É uma peça histórica que corrobora que os escândalos de corrupção dos governos petistas não foram eventos isolados. O mensalão e o petrolão foram o resultado de uma operação criminosa instalada na mais alta cúpula do governo federal a partir do primeiro mandato de Lula da Silva e que se manteve após a eleição de Dilma Rousseff. Ao evidenciarem uma vez mais a continuidade no ilícito ao longo dos anos, imune às mais variadas trocas de cargos, as declarações de Palocci deixam também claro quem era o chefe desse sistema perverso que tantos males causou e causa ao País. Não era José Dirceu, nem Antonio Palocci, nem Dilma Rousseff. Quem detinha o comando e quem batia o martelo nas negociações era o sr. Lula da Silva.

Palocci confirmou ao juiz Sérgio Moro que são verdadeiras as denúncias de pagamento de vantagens indevidas, em forma de doação de campanha e benefícios pessoais durante os governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Suas declarações não foram feitas no âmbito de uma delação premiada, mas ditas ao final do depoimento que o ex-ministro da Fazenda prestou, no dia 6 de setembro, à 13.ª Vara Federal de Curitiba, num processo em que Palocci, Lula e mais seis pessoas são réus sob a acusação de terem recebido propina da empreiteira Odebrecht por contratos com a Petrobrás.

Segundo o ex-ministro da Fazenda, Lula fez um “pacto de sangue” com a Odebrecht no qual a empreiteira se comprometeu a pagar R$ 300 milhões ao PT. Realizado no final do segundo mandato de Lula, o acerto incluiria um terreno para o Instituto Lula, o sítio de Atibaia e o aluguel de um apartamento de cobertura em São Bernardo do Campo. “Eu chamei de pacto de sangue, porque envolvia um presente pessoal que era o sítio (de Atibaia)”, esclareceu Palocci. Na ocasião, a empreiteira teria ainda se comprometido a contratar o ex-presidente para palestras com cachê de R$ 200 mil cada. Em troca, a Odebrecht continuaria recebendo favores ilegais do governo federal sob a gestão de Dilma Rousseff.

Palocci assegurou que a pupila Dilma Rousseff sabia do esquema criminoso do chefe Lula e com ele compactuava. “Numa reunião no dia 30 de dezembro de 2010 (...) o presidente Lula leva a presidente Dilma, presidente eleita, para que ele diga a ela das relações que ele tinha com a Odebrecht e que ele queria que ela preservasse o conjunto daquelas relações em todos os seus aspectos, lícitos e ilícitos”, disse Palocci.

O depoimento também desmascara a falsa imagem com que Lula da Silva gosta de se apresentar, de líder político que enfrenta os poderosos em nome das causas dos pobres. Ao retratar a relação do líder petista com o clã Odebrecht, o ex-ministro indicou não haver qualquer tipo de tensão. “Esse relacionamento (entre Lula e os representantes da empreiteira) sempre foi fluído e na base de confiança.”

O depoimento de Palocci, que foi por longo tempo homem de confiança de Lula e o poderoso ministro da Fazenda no primeiro mandato do petista, complica qualquer tentativa de defesa do ex-líder sindical. Além de confirmar que Lula sabia das falcatruas envolvendo o governo federal e a Odebrecht, o depoimento mostra também um traço de comportamento do ex-presidente que era inaceitável, não faz muito tempo, até pelo laxo PT: a corrupção para proveito pessoal. O partido fingia não ver os desvios em nome da causa, mas continuava criticando o enriquecimento ilícito pessoal. Parecia ser o modo como a legenda tentava enganosamente se diferenciar da imagem típica de políticos corruptos. Na sua estranha ética, os “bons petistas” infringiam a lei em prol do partido, mas não punham dinheiro no próprio bolso. Pois bem, até desse último ponto de honra o PT abriu mão para não ter de abandonar seu líder. Após o depoimento de Antonio Palocci, o partido emitiu nota se solidarizando com o ex-presidente, justamente aquele que, antes de deixar o cargo, deu um jeito de entesourar um sítio, uma cobertura e polpudos cachês.