terça-feira, abril 29, 2014

Lula em seu labirinto - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/04
Talvez não seja coincidência que Lula, neste momento de extrema pressão sobre si, tenha sido diagnosticado com labirintite no hospital Sírio-Libanês, em SP. Em psicanálise, o labirinto é um modo de circular, andar, expressar-se sem finalidade marcada. Mas de não perder a cinética, o movimento, sair da apatia. 
Lula em seu labirinto talvez seja uma imagem perfeita para explicar a situação atual do ex-presidente, pressionado para assumir o lugar de Dilma na campanha presidencial, mas resistindo com receio de colocar em risco sua lenda. 

Na estranha entrevista que deu em Portugal, disse que o julgamento do mensalão foi 80% político, numa peculiar dosimetria que já foi classificada pelo ministro Marco Aurélio Mello de "coisa de doido". Não haveria grandes novidades nessa fala, a não ser a medição do que foi política e do que foi jurídico na opinião de Lula. Mas o ex-presidente mostrou mesmo o desencontro de seus pensamentos quando, confrontado com o fato de que as pessoas condenadas eram líderes do PT, disse ao entrevistador que eram pessoas que não mereciam a sua confiança. 

Não é possível deixar de ser solidário a José Dirceu, Delúbio Soares, João Paulo Cunha e José Genoino neste momento em que, mais uma vez, Lula tenta tirar o corpo fora dos malfeitos em que seu partido vem se metendo. 

Dias antes dessa entrevista, ele se escusou de comentar o escândalo da Petrobras, alegando para os jornalistas estar "por fora". Como ficou muito feio dizer que estava "por fora" da compra polêmica da refinaria de Pasadena realizada no seu governo, Lula consertou a declaração dizendo, como sempre, que a culpa era da imprensa, os jornalistas entenderam errado. Ele dissera, na verdade, que estava fora (do país) e por isso não falaria sobre o assunto. 

Mas dias depois aceitou falar mal do STF para uma televisão portuguesa? Qual a coerência? Na mesma entrevista, Lula exercitou sua incoerência, uma hora dizendo que não estava ali para criticar o Supremo, e em seguida dizer que o julgamento fora político. Exigir coerência de Lula parece ser demais. 

A História mostra, no entanto, que os encarcerados do PT são todos de alta confiança de Lula em sua caminhada do sindicalismo à política partidária, e, daí, para a Presidência. Vejamos o caso de Dirceu. Fundador do partido ao lado de Lula, os dois sempre estiveram juntos dominando a direção do partido. 

Quando se distanciaram, perderam o controle do PT e permaneceram no ostracismo um bom período. Só retornaram ao controle partidário quando se uniram novamente, para ficarem juntos até a chegada ao Planalto. 

O julgamento do mensalão os separou, Lula brilhando pelo mundo, Dirceu na cadeia. Pode ser que, em relação a Dirceu, Lula tenha tido um "ato falho", revelando sua desconfiança da lealdade de Dirceu. 

Já Delúbio era o homem de confiança de Lula na estrutura partidária e companheiro de bar, o que estreitou muito a relação. Nos bons tempos do poder, Delúbio trocou a cachaça pelos bons vinhos e os botequins pelos restaurantes caros, mas a lealdade a Lula se manteve, tanto que aceitou calado a expulsão do PT depois do mensalão. 

Genoino foi a pessoa de confiança posta na presidência do PT quando Dirceu foi para a Casa Civil coordenar o 1º governo Lula, ser o "capitão" do time, como Lula certa vez definiu. Por tudo isso, as declarações de Lula, sempre afirmando que um dia provará a verdade, provocam reações como a de Marco Aurélio, que ontem diagnosticou um "distanciamento da realidade" nas atitudes do ex-presidente. Interessante é que o autismo é comumente ligado ao labirinto. 

ministro do STF admite que, "na dosimetria, pode até se discutir alguma coisa; agora a culpabilidade, não. A culpa foi demonstrada pelo estado acusador". Também o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, classificou o julgamento do mensalão como "um processo jurídico com um julgamento jurídico". 

O fato de que apenas três dos ministros que terminaram o julgamento não foram nomeados nem por Lula nem por Dilma é um argumento definitivo para falar da lisura do julgamento, e Marco Aurélio Mello fez um bom resumo da situação: "A nomeação é técnico-política e se demonstrou institucional. Como eu sempre digo: não se agradece com a toga". 

Mas, como diz um psiquiatra amigo meu, a vida e a política são labirintos.

A idealização da inveja - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 29/04

Os invejosos são aqueles que preferem prejudicar os ricos em vez de ajudar os pobres


Se ontem eu usava carroça como meio de transporte, e hoje posso dirigir meu próprio carro, eu piorei ou melhorei minha situação? Se eu não tinha acesso a computadores e internet, e hoje tenho, minha qualidade de vida melhorou ou piorou? Se consumo hoje bem mais proteína, e tenho acesso a muito mais remédios, devo ficar feliz ou triste?

Essas parecem perguntas bobas, até sem sentido, pois as respostas são óbvias. Ou nem tanto. Há um grupo enorme de pessoas na esquerda que não valoriza tais conquistas, pois ignora os avanços dos mais pobres em relação ao seu passado, focando apenas no hiato entre eles e os mais ricos.

Ou seja, se antes eu tinha que usar carroça e hoje posso curtir meu próprio carro, isso não importa, caso meu vizinho tenha um carrão mais luxuoso. As esquerdas são obcecadas com a questão da desigualdade material, com o gap entre ricos e pobres, sem levar em conta o avanço na condição de vida dos mais pobres sob o capitalismo, que é impressionante.

Pensemos por um minuto na vida de um trabalhador americano de classe média hoje. Ele possui um carro com segurança e conforto, ar-condicionado em sua casa, computador e internet, inúmeros tratamentos modernos para todo tipo de doença, fartura de alimentos frescos etc. Compare-se isso ao estilo de vida de um nobre medieval, e ficará claro o incrível progresso capitalista.

Mas os socialistas só se importam com a distância entre ricos e pobres, não com a distância entre os pobres de hoje e os pobres de ontem, ou os pobres dos países mais capitalistas e os pobres de países menos capitalistas. Por que tanta obsessão com a desigualdade em si, em vez de se preocupar com o nível absoluto de miséria?

Parte da explicação é a premissa absurda de que a economia é um jogo de soma zero, que a riqueza é estática. Assumem que José é rico porque João é pobre, ignorando que ambos podem ter ficado bem mais ricos com o passar do tempo. Enxergando apenas um bolo fixo, focam somente em sua divisão mais igualitária. Já os liberais sabem que o capitalismo é o fermento que faz o bolo como um todo crescer sem parar, graças aos ganhos de produtividade.

Outra parte da explicação tem caráter mais psicológico. A inveja é a mais mesquinha das paixões humanas, disse John Stuart Mill. Infelizmente, ela está enraizada em nossa natureza. Os invejosos são aqueles que preferem prejudicar os ricos em vez de ajudar os pobres. Acham que podem correr mais se o vizinho quebrar as pernas.

Partindo desse pressuposto, podemos concluir que o socialismo é a idealização da inveja. Basta notar que sempre atacam mais os ricos do que qualquer outra coisa. Não desejam efetivamente melhorar a vida dos pobres, pois isso se faz com mais capitalismo. Querem resultados iguais porque não suportam as diferenças, não toleram o fato de que alguns conseguem acumular fortunas, ainda que oferecendo bens e serviços que melhoram a vida de todos nós.

Thatcher dizia que a Inglaterra precisava de mais milionários e mais bancarrotas. Ela sabia que quem cria riqueza são os empreendedores, aqueles que arriscam o próprio capital ou o de terceiros em empreitadas inovadoras, que nem sempre vingam. E condenava a esquerda socialista justamente por preferir reduzir a diferença entre ricos e pobres mesmo que tornando os pobres mais pobres.

O novo guru das esquerdas, o francês Thomas Piketty, virou sensação simplesmente porque resgatou o velho marxismo sob nova embalagem. Sua proposta de taxar em até 80% os mais ricos é apenas o antigo ranço igualitário mascarado de altruísmo. Punir os mais ricos nunca ajudou de verdade os mais pobres. Mas bandeiras demagógicas como essa tocam fundo nos corações mais invejosos, ansiosos por destruir as diferenças materiais no mundo.

Seres humanos não são insetos gregários. Felizmente, somos diferentes. Cada um tem sua habilidade, sua vocação, sua inteligência e sua própria sorte. Sem falar do mérito e do esforço totalmente desiguais. É claro, portanto, que os resultados serão também muito diferentes.

Não existem milhões de jogadores com o talento de Neymar, ou milhões de modelos com a beleza e o carisma de Gisele Bunchen. Tampouco existem milhões de empresários como Jorge Paulo Lemann. É injusto que ganhe muito mais com seu talento específico?

Confiscar o patrimônio dos mais ricos vai apenas afugentar aqueles com mais capacidade de criar riqueza. A França já está sofrendo com isso. Mas a esquerda não liga, pois seu objetivo não é gerar mais riqueza para todos, e sim tirá-la dos que têm mais. Pura inveja.

Troço de doido - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 29/04

BRASÍLIA - É assim que começa. Quando 20 dos 32 deputados do PR lançam o "volta Lula", não pense que é uma bobagem, coisa dos 20 ou só do PR. Não é. Reflete o temor crescente sobre as chances de Dilma e pode ser o fio da meada.

Para amenizar o impacto, os deputados dizem que, se não tem tu, vão de tu mesmo. Ou seja, se Lula não ceder --apesar de cada vez mais assanhado--, eles engolem Dilma. Não é exatamente estimulante...

A isso se somam vários outros sinais de rejeição à reeleição. O próprio PMDB, principal partido da base aliada, inclusive com a Vice-Presidência da República, tem se rebelado --ou tem rebelados-- no Rio Grande do Sul, no Paraná, no Rio de Janeiro, na Bahia, no Ceará...

Em Minas, a desistência do senador Clésio Andrade de concorrer ao governo foi comemorada como apoio certo às candidaturas do PT, mas, ontem, ele disse em nota que só vai decidir "mais à frente" quem apoiará ao governo do Estado e ao Senado.

Assim como o retrato de Lula subiu à parede da liderança do PR na Câmara, o de Dilma sumiu do gabinete de Clésio Andrade no Senado. E ele é presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT).

E o que dizer do ex-prefeito Gilberto Kassab, que está com Dilma, mas janta daqui com Aécio Neves, reúne-se dali com Eduardo Campos?

Há, portanto, um recuo em relação a Dilma, um compasso de espera, como se a turma estivesse esperando para ver no que vai dar --ou para onde as pesquisas sopram.

A única sorte de Dilma é que todas essas crises, éticas, políticas, econômicas, ocorrem com muita antecedência. Em 2006, por exemplo, Lula foi ao fundo do poço com mensalão e aloprados, mas se reelegeu no final.

Há, porém, uma diferença fundamental: em 2006, a economia estava bem. Em 2014, há a soma de escândalos, descontrole político e economia devagar, quase parando. O cenário eleitoral é de dúvidas. E só piora a cada fala estapafúrdia de Lula.

Envelhecimento no campo - XICO GRAZIANO

O Estado de S.Paulo - 29/04

Nas comemorações do Dia do Trabalho, que ocorrem esta semana, sempre se costuma reclamar, com razão, do desemprego. Na economia agrária, porém, esse problema desapareceu da agenda. Ao contrário de antes, quando sobrava gente na roça e não havia faina para todos, atualmente o campo se esvaziou. Procura-se trabalhador.

"Apagão de mão de obra" foi destaque da Bienal da Agricultura, encontro recentemente promovido, em Cuiabá, pela Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato). Especialmente no Centro-Oeste, nas fronteiras de expansão da agricultura nacional, depara-se com forte escassez de pessoal. Segundo Alexandre Mendonça de Barros, consultor presente no evento, o grande desafio hoje é "encontrar, qualificar e reter o profissional" na fazenda. Nada fácil.

Nas novas regiões agropecuárias do Brasil central impera o mundo da moderna tecnologia. E a oferta de trabalho local não mostra tarimba capaz de operar os sistemas tecnológicos, mecanizados e computadorizados que funcionam na linha de produção rural. A "agricultura de precisão", conectada aos satélites de posicionamento global (GPS), avança maximizando a produtividade e minimizando o uso de insumos. Maravilha tecnológica da lavoura nacional, o plantio direto, que permite realizar duas ou três safras sucessivas na mesma área, ou ainda a integração entre a lavoura e a pecuária - sai a soja entra a boiada - são sistemas que exigem elevada qualificação profissional. Tudo mudou desde quando a enxada carpia o mato do milharal e as galinhas caipiras botavam ovos no ninho do curral.

Onde ocorreu a ocupação agrícola tradicional, como nas zonas cafeeiras de Minas Gerais e São Paulo, próximas das montanhas da Mantiqueira, o gargalo anda apertando na hora da colheita. No passado, sobrava gente para a apanha do café; hoje, é cada vez mais difícil encontrar pessoas dispostas a subir os morros, derriçar os grãos, varrer o chão, ensacar o produto. Fora a qualidade. O que se fala, por aí afora, é que sumiram os trabalhadores dedicados, e os que se recrutam agora fazem meros bicos, sem gosto pelo serviço. Desejam ocupações mais "nobres" do que sofrer debaixo do sol escaldante. A escassez e a baixa qualificação da mão de obra afetam igualmente a colheita manual na citricultura. Pior, volta e meia se descamba para o litígio na Justiça. Em vários setores de produção no campo, a outrora alegria da colheita se transformou no desgosto da encrenca trabalhista.

Nesse contexto, a mecanização da colheita continua se impondo. Há meio século as primeiras colheitadeiras, mais simples, começaram a chegar às lavouras de milho e de arroz. Depois, mais elaboradas, avançaram para o feijão e o algodão. O progresso tecnológico nunca cessou. Complexas e eficientes máquinas dominaram também fases jamais imaginadas escaparem do processo manual, por serem difíceis, tais como o arranquio de batatas ou de amendoim. O último degrau da sofisticação da colheita chegou aos cafezais. Poucos conseguem imaginar como uma supercolheitadeira consegue, com seus múltiplos bastões, qual dedos vibratórios, derrubar os grãos de café por dentro da planta, derrubando-os automaticamente sem quebrar a galharia. Simplesmente sensacional.

Há tempos os economistas agrários discutem sobre este dilema histórico: a falta de trabalhadores estimulou a mecanização da colheita ou foi a introdução da colheita mecânica que expulsou os operários rurais? A difícil resposta, semelhante ao enigma do ovo e da galinha - quem veio primeiro? -, pouco importa aqui. Fundamental é mostrar que, na realidade da agricultura brasileira atual, existe falta de mão de obra generalizada, nas tarefas simples ou qualificadas, lacuna que em alguns lugares já está causando a desistência da produção rural. Nem se encontram mais facilmente trabalhadores permanentes dispostos a residir nas propriedades rurais. Desamparadas, cresce nelas o roubo vulgar.

Soma-se a esse cenário socioeconômico um terrível fenômeno demográfico: o envelhecimento dos agricultores. Não apenas os operários progressivamente se distanciam do campo, em busca das oportunidades e do modo de vida oferecidos na cidade grande, como poucos filhos permanecem ao lado dos pais, suportando sua trajetória, atavicamente apaixonados pelo ambiente agrícola. Os jovens saem para estudar e buscam fazer brilhar sua carreira longe da poeira do estradão. Nada segura a força de atração dos aglomerados urbanos.

Não é exclusivo do Brasil. Na Europa, o envelhecimento dos produtores rurais vem sendo analisado há muito tempo. No relatório (2013) do Parlamento Europeu para a aprovação da atual Política Agrícola Comum (PAC), lamenta-se que apenas 7% dos agricultores europeus apresentam menos de 40 anos e que daqui a cerca de 10 anos 4,5 milhões de produtores rurais irão se aposentar. Esse drama agrário atrapalha a inovação, empaca a produtividade, reduz a ousadia. A notória perda de competitividade agrícola foi compensada com fartos subsídios, que seguram a renda familiar e confortam os agricultores, mas, ao mesmo tempo, os acomoda.

Nos EUA também se discute, nestes dias, a alteração nos vistos de entrada para trabalhadores estrangeiros, incluindo o programa H2-A, destinado aos assalariados temporários na agricultura. A Califórnia, especialmente, ressente-se da falta de mão de obra rural. Segundo a Western Growers Association, 80 mil acres de frutas e vegetais deixaram de ser cultivados no Estado em decorrência da falta de braços nas lavouras.

Como atrair gente para o trabalho na agricultura? Como estimular os jovens a permanecerem no campo? As respostas indicarão o Brasil que será construído no futuro.

Contrapé cambial - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 29/04

O governo está usando a política cambial como parte da estratégia anti-inflacionária. Ao contrário do que o Ministério da Fazenda sempre disse — que um dólar alto era bom para a economia —, em menos de um ano, o Banco Central injetou US$ 88 bilhões no mercado de câmbio em operações de swap cambial. O objetivo é impedir a desvalorização do real, que pressiona ainda mais a inflação.

Os exportadores acham que estão sendo prejudicados com essa política. Se o real se valoriza, há estímulo às importações e perda de competitividade das empresas exportadoras. Se, ao contrário, a moeda brasileira perde valor, a inflação, que já está alta, fica ainda mais pressionada, porque sobe tudo: os produtos importados, os componentes usados pela indústria brasileira, a energia de Itaipu e as commodities, porque têm cotação em dólar. Outro efeito negativo é o aumento do prejuízo da Petrobras na importação de gasolina e diesel.

Ao iniciar essa política de intervenção no câmbio, o Banco Central queria evitar a volatilidade provocada pela ameaça da retirada dos estímulos monetários nos Estados Unidos. Mas o estresse com essa retirada já foi reduzido, e a política de intervenção no mercado de câmbio permaneceu. As operações do BC foram anunciadas em meados do ano passado para vigorar até dezembro. Mas depois continuaram. Os exportadores estão achando que ficaram em segundo plano.

— O governo considera hoje que a exportação é algo secundário. A prioridade é o combate à inflação, porque este é um ano de eleição e preços altos vão tirar votos nas urnas. Aumento de vendas para o exterior não vai garantir voto nenhum — disse o presidente da AEB, José Augusto de Castro.

O diretor-executivo da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, faz a mesma avaliação. Ele é que fez o cálculo que conclui que o BC já ofereceu US$ 88 bilhões em liquidez ao mercado, por meio de operações de swap cambial, desde agosto de 2013.

— O governo tem um problema maior para resolver que é a inflação. Com isso, o setor exportador ficou em segundo plano. São três forças atuando sobre o câmbio. As operações do BC; a vinda de capital especulativo, atrás de juros altos; e também a captação de empresas no exterior. Elas estão antecipando esse movimento, por medo de uma piora de cenário à frente, com o calendário eleitoral — disse.

A alta do real, segundo José Augusto de Castro, retarda investimentos por parte dos exportadores. Durante muito tempo, os empresários ouviram das principais autoridade que o objetivo do governo era que o real ficasse mais fraco. Diante da mudança brusca de política, cresce a incerteza, o que reduz a propensão para investir.

O presidente da AEB já admite que sua projeção para a balança comercial este ano está defasada. Em janeiro, previa superávit de US$ 7 bilhões. Em junho, vai refazer as contas para uma estimativa próxima de zero.

— Ninguém esperava essa virada no câmbio, nem exportadores, nem economistas. Os juros altos do Banco Central já trazem capital especulativo para o país, e, ainda assim, o BC continua oferecendo dólares em operações de swap — disse.

A balança comercial está com déficit acumulado de US$ 6,4 bilhões até a terceira semana de abril. Esse é um dos motivos para o resultado negativo no balanço de transações correntes registrado até março, um déficit de 4,71% do PIB, no primeiro trimestre. A expectativa era de que o real mais fraco pudesse dar um fôlego às exportações e inibir não só as importações mas também o gasto de turistas brasileiros no exterior.

Ninguém quer inflação alta, e a taxa tem estado alta demais. Os exportadores brasileiros têm que ser competitivos mesmo quando a moeda brasileira está valorizada. O câmbio não pode ser nem instrumento de garantir competitividade de exportador, mas também não pode ser uma parte do arsenal anti-inflacionário. As intervenções do BC se justificam para evitar a volatilidade excessiva dos momentos de crise, mas não podem ser uma forma de buscar um dólar mais barato. Um dos pés do tripé que tem mantido o país com a economia estabilizada é que o câmbio precisa flutuar e o BC só entra para evitar os excessos. Não parece ser isso o que está acontecendo agora.

No triunfo dos generais, a agonia do Partido Fardado - OLIVEIROS S. FERREIRA

O Estado de S.Paulo - 29/04

Os ministros da Guerra e da Marinha deram seu aval ao golpe de 1937 e, em 1945, decidiram depor Getúlio Vargas. Generais de exército pediram a renúncia de Getúlio em 1945. O ministro da Guerra levou o Congresso a depor dois presidentes da República. Mas foi um general de divisão quem comandou a tropa que saiu de Minas Gerais em 1964 e permitiu a derrocada do regime. Poucos se dão conta da complexidade do processo que se iniciou em 31 de março de 1964.

O general Mourão Filho, chefe militar da revolução, bateu continência a Costa e Silva, general de exército e o mais antigo, que assumiu por ato próprio o Ministério da Guerra. Mourão rendeu-se à hierarquia.

O respeito à hierarquia presidirá todo o processo - embora houvesse momentos em que os generais em comando agiam sob pressão de seus comandados, os que, especialmente em dezembro de 1968, formavam no que chamei, em vários escritos, de Partido Fardado. O Partido Fardado é mais estado de espírito que organização. Um pequeno grupo que existiu até o governo Médici, como se fosse obra de quem buscasse, em diferentes momentos, aglutinar os que se consideravam os reais defensores da ordem (um Estado bem ordenado) e dos valores que as Armas haviam inscrito em suas almas, devendo agir contra qualquer governo que os ameaçasse.

Foi, contudo, a hierarquia o que impediu que o Brasil se transformasse num Egito do coronel Nasser. Este foi o drama do Partido Fardado desde sempre: os que nele formam rompem a hierarquia e a disciplina e forçam os generais a agir, sabendo, porém, que sem o totem, a mole militar (Oliveira Viana) não se moverá. Para que o totem decida romper o respeito à Constituição, é preciso que considere que o Estado bem ordenado e os valores que o Exército cultua correm risco. Só então ele se move - e leva com ele os generais e todo o Partido Fardado.

Isso posto, é importante perceber que há um dramatis persona neste doloroso processo. Para muitos, será Vargas. Para esses, João Goulart seria a imagem refletida de Getúlio, o "fronteiriço" que não conhece a Nação. Para o Exército, porém, é João Goulart, não o estancieiro do Sul, mas o político, que tem poder e poderá fazer alianças que afrontem a ordenação do Estado, cuja estrutura assenta na hierarquia, e os valores castrenses.

São os coronéis, em 1954, com seu Memorial, quem primeiro constroem a persona Jango. Os generais se calam - mas Vargas demite Jango e o ministro da Guerra. Em 1955, na "Novembrada", Goulart é apenas vice-presidente e, para os generais, é preciso manter a ordem e dar posse a JK. Em 1961, o respeito à Constituição fará dele presidente, comandante em chefe das Forças Armadas. Heck, Denys e Moss, ministros, exigem sua renúncia. Veem na persona Jango que se construiu depois da Novembrada, no seu vínculo com sindicatos operários agressivos e o Partido Comunista, um perigo para o Estado. Afastados, Denys e Heck iniciam a conspiração, isolados ou cercados de poucos oficiais. O que veio depois é história nos anais das Armas: a revolta dos Sargentos (1963), o comício do dia 13 de Março, a revolta na Esquadra e a dos fuzileiros que aclamam Anselmo e, sendo presos, são anistiados por ato presidencial que viola a Constituição, o discurso de Goulart aos sargentos. A persona Jango ganhou vida. Mourão, em Juiz de Fora, subleva sua tropa para deter o golpe Jango-comunista, que vê em marcha.

O Partido Fardado segue os generais - mas pretende ultrapassá-los na "limpeza" geral, assumindo o controle das comissões de investigação criadas para punir corruptos. A política do presidente Castelo Branco é posta em xeque. Com o AI-2, Castelo recupera o controle da situação e ganha para sempre a hostilidade do Partido Fardado, que, cego para a realidade política que se criara, vê em Costa e Silva - seu candidato e o do mundo empresarial - o homem para fazer a sua revolução, que até então ninguém soubera definir qual seria. Contra comunistas e políticos, com certeza; contra empresários, talvez.

Castelo Branco sabe que sucessivos pronunciamentos militares denegrirão a imagem do País no exterior. Se cede à pressão em favor de Costa e Silva, criará condições para que não haja mais totens nas Armas. A reforma que faz na lei das promoções impedirá que um general permaneça na ativa tempo suficiente para construir a coorte de seguidores de sua visão do Brasil e de seu futuro. A percepção da ameaça da subversão armada e o ato do Congresso recusando que Moreira Alves fosse julgado pelo Supremo Tribunal Federal levam ao AI-5, com suas consequências dramáticas. A junta militar, depondo o civil vice-presidente da República, só pode ser compreendida como indicadora de que os ministros que a integram não têm como conduzir o processo e vencer a agitação que, surda, lavra nos quartéis. Convocarão eleições e definem o corpo eleitoral: as Armas. Antes de passar o poder ao general Médici, liquidam, por decreto-lei, o Partido Fardado: os ministros militares terão poder discricionário para transferir para a reserva - "expulsar", diriam seus adversários - os oficiais de qualquer patente que possam representar ameaça à hierarquia. Antes, com o Ato-17, haviam deixado claro aos oficiais fiéis à revolução que o poder era deles.

A lei de Castelo sobre as promoções, o AI-17 e o decreto-lei da "expulsória" (sempre em vigor) consagraram o Princípio do Chefe. Os governos civis que vieram depois não mais precisaram se preocupar com os militares e sua visão da ordem nem com a preservação dos valores castrenses. Os chefes militares que dirigiram o País depois do 31 de março de 1964 criaram as condições para que as Armas fossem afastadas dos conselhos que definem a grande política do Estado e celebraram o réquiem do Partido Fardado.

A perigosa infiltração política em fundos de pensão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/04

Costuma-se saber que essas fundações deram algum mau passo apenas quando o rombo é irreversível, e precisa ser coberto. Quase sempre, pelo contribuinte


Como em economias mais desenvolvidas, no Brasil os fundos de pensão ganham expressão como grandes investidores, por serem importantes captadores de poupança. A peculiaridade brasileira está no fato de que as maiores entidades deste mercado são ligadas a empresas estatais, por administrarem o pecúlio de seus funcionários. Têm, por isso, uma relação incestuosa com o Estado, nem sempre muito transparente. Entidades de interesse privado, estas fundações de estatais vivem em dois mundos: no privado, quando vai tudo bem; e no público, quando necessitam de aporte das mantenedoras (Petros/Petrobras, Previ/Banco do Brasil, Funcef/Caixa Econômica, etc).

Há cerca de 40 anos, o economista Roberto Campos, embaixador, ministro do Planejamento de Castello Branco, volta e meia mostrava em artigos no GLOBO como o Banco do Brasil transferia mais dinheiro para a fundação Previ do que, em dividendos, ao Tesouro Nacional. O corporativismo, como é praxe no Brasil, falava mais alto.

Com o PT no poder, e a CUT, seu braço sindical, já presente em vários desses fundos, Petros, Previ e outras fundações ampliaram a presença no mundo dos grandes negócios em operações em que era possível detectar a presença de interesses políticos. A questão é intrincada porque, pelo seu tamanho, estes fundos são importantes alavancadores de investimentos. Tanto que no governo FH tiveram papel-chave no programa de privatização. E continuam a fazer o mesmo, agora em projetos de concessão no setor de infraestrutura, no governo Dilma. O problema é quando influências políticas patrocinam maus negócios. Pasadena é apenas um deles. E os realizados por fundos de estatais, no sigilo dos gabinetes? A função do ex-petista André Vargas de "facilitador" de negócios para o doleiro Youseff é um alerta. Sua ação foi detectada pela PF no Ministério da Saúde, dada a facilidade de trânsito de um deputado petista junto a um ministro também petista, Alexandre Padilha. E também junto à Funcef (Caixa). O fundo garante que a proposta de negócio feita por Youseff não foi aceita. Ainda bem. Mas, quanto a outras propostas feitas neste e outros balcões semelhantes?

Um aspecto sério de tudo isso é que se costuma saber que esses fundos deram algum mau passo apenas quando o rombo é irreversível, e precisa ser coberto. Neste momento, costumam bater às portas do Tesouro. Sempre em nome do "social" — e das íntimas relações com o governo.

No momento, revelou o GLOBO no domingo, ocorre um conflito na cúpula da Petros, fundo da Petrobras, estatal em que o aparelhamento político foi extenso. Um rombo na fundação pode atingir meio bilhão de reais. Facções de sindicalistas se digladiam em torno do problema.

Tudo indica que um dia esta conta será transferida, via Petrobras, ao Erário. Para impedir esses desfechos, em que o contribuinte é convocado a contribuir, roga-se por uma vigilância efetiva dessas entidades. E seu distanciamento dos poderosos de ocasião.

100% político - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 29/04
Lula desvaloriza decisão do STF sobre o mensalão como apenas 20% jurídica, uma conta de quem se acredita salvador da pátria e do PT
A entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva à Rádio e Televisão de Portugal (RTP) que foi ao ar no sábado não é a primeira oportunidade em que escolhe solo estrangeiro para dar declarações temerárias sobre o mensalão. Neste caso, o ex-presidente preferiu atacar as instituições, ao contrário do que fez quando ocupava a Presidência.

Em Paris, a 15 de julho de 2005 (seis semanas após estourar o escândalo do mensalão), o então presidente admitiu que o PT tivesse cometido erros e que precisava explicar-se à sociedade. Afirmou que o Estado brasileiro iria apurar o caso até o fim. A temeridade, na ocasião, foi tentar justificar os erros como algo que todos os partidos praticam no Brasil.

Em Lisboa, Lula fez algo muito mais grave: pôs sob suspeição o próprio Supremo tribunal Federal.

O ex-presidente disse à jornalista Cristina Esteves, da RTP, que não iria examinar decisões da Suprema Corte e fez exatamente o oposto, ao declarar que a decisão fora 80% política e 20% jurídica. Foi além: tudo não teria passado de um massacre para destruir o PT; a história do mensalão, com o tempo, deverá ser recontada.

A afoiteza, a enumeração fantasiosa de conquistas de governos petistas e o espantalho da conspiração das elites são característicos da única retórica que Lula demonstra conhecer --a de palanque. A incongruência de dirigir-se nesse tom a ouvidos portugueses sugere que o petista em realidade pretendeu enviar mensagens algo cifradas ao Brasil, que correligionários entenderão como ordem para "ir para cima" dos adversários.

Em outras palavras, Lula parece bem mais disposto a se tornar candidato do que semanas atrás.

Sim, ele disse e repetiu, na entrevista, que não está candidato e que será cabo eleitoral de Dilma Rousseff. Mas, com a esperteza que atribui ao brasileiro, reiterou o lugar-comum de que, em política, não se pode dizer "nunca" (como preferiria a sucessora, ainda que talvez lhe convenha Lula verbalizar críticas ao STF que ela, como mandatária de outro Poder, não se permite externar).

"Troço de doido", reagiu o ministro do STF Marco Aurélio Mello, um dos poucos, ao lado de Gilmar Mendes e de Joaquim Barbosa, a se pronunciar sobre a contabilidade luliana. Não é loucura. Temeridade, por certo, jactância, mas cometidas com método e cálculo, zero de desvario.

Lula mostrou-se como o que é, 100% político. E, no contexto de crescente descrédito e perda de popularidade da presidente que fez eleger, 80% cabo eleitoral do PT e 20% pré-candidato --proporção que não hesitará em virar a seu favor caso confie em eventual vitória.

Lavando dinheiro público - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 29/04

Uma amostra, apenas uma amostra, do que se faz com o dinheiro do contribuinte no Brasil - quando os que deviam zelar por ele estão olhando para o outro lado ou fingem manter os olhos bem fechados enquanto as lambanças correm soltas no seu campo de visão - está no relatório da Polícia Federal (PF) sobre a evasão de divisas em escala industrial para a qual foi usado o Laboratório Labogen. Trata-se de uma das tantas firmas de fachada abertas pelo megadoleiro Alberto Youssef para que pudesse aprimorar o exercício de sua especialidade. O seu nome veio a público pela primeira vez no curso da CPI do Banestado que, entre 2002 e 2004, apurou a remessa ilegal de cerca de R$ 30 bilhões para o exterior pelo clássico método do dólar cabo, a transferência virtual de valores.

Antes de ser preso e indiciado - assim como o seu colaborador próximo Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás -, Youssef havia modernizado a sua atividade. A quebra do sigilo bancário e fiscal do Labogen, no âmbito da Operação Lava Jato, da PF, evidenciou que, entre janeiro de 2009 e dezembro de 2013, a firma assinou 1.945 contratos de câmbio em nome de duas coligadas, que também levam o seu nome, para importações fictícias de medicamentos. Com isso, Youssef pôde transferir para seus cúmplices em Hong Kong e Taiwan US$ 113,3 milhões. Pelas contas da Procuradoria-Geral da República, foi mais. No mesmo período, as contas de três outras empresas - Hmar Consultoria em Informática, GFD Investimentos e Piroquímica Comercial - foram usadas por Youssef para despachar recursos obtidos de negócios superfaturados com órgãos públicos. Graças a 991 contratos mutretados de câmbio, desovaram no estrangeiro outros US$ 71 milhões.

A rede de lavanderias de Youssef terá movimentado ao todo R$ 10 bilhões, informou a Polícia Federal quando ele foi preso, em 17 de março último. Na semana passada, o doleiro foi acusado formalmente de ter usado o Labogen e similares de fachada para tirar clandestinamente do País US$ 444,7 milhões. Essa informação foi até certo ponto ofuscada pela divulgação de mensagens monitoradas pela PF entre ele e o deputado André Vargas, eleito pelo PT paranaense. Na mais bombástica do lote, de novembro de 2013, o parlamentar escreveu ao cambista que o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pré-candidato ao governo paulista, sugeriu o nome de um executivo para trabalhar no Labogen. O indicado, Marcus Cezar Ferreira da Silva, tinha sido nomeado em 2011 coordenador de promoção e eventos da pasta. Padilha negou ter parte com a história e anunciou que interpelará o deputado na Justiça. Ele, por sua vez, foi pressionado a sair do PT.

Só que Marcus Cezar está de fato no Labogen desde o ano passado, informa a Folha de S.Paulo. Ganha R$ 25 mil mensais para fazer lobby. Para a PF, o operador e testa de ferro da firma é o administrador Leonardo Meirelles. O relatório policial equipara a atuação do laboratório-lavanderia a uma "ferramenta para sangria dos cofres públicos". A Procuradoria é mais específica. Atribui a Youssef e ao ex-petroleiro Paulo Roberto Costa a prática de lavagem de dinheiro ilícito arrecadado mediante esquemas de corrupção e peculato (apropriação de recursos por funcionário da administração direta ou indireta). A cena do crime seriam as obras da inacabada Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, de cujas contas superfaturadas Costa teria extraído R$ 7,95 milhões em propinas. A instalação tinha sido orçada em US$ 2,3 bilhões. Não sairá por menos de US$ 20 bilhões.

"Caracterizada pela divisão formal de tarefas", afirma a Procuradoria, o Labogen tinha por objetivo "obter, direta ou indiretamente, vantagem indevida derivada dos crimes de peculato, corrupção ativa e corrupção passiva e lavagem de dinheiro em detrimento da Petrobrás". Nessa e em outras áreas, wheeler-dealers como Youssef e seus indispensáveis parceiros no Executivo, no Congresso e nas estatais fazem parte das tantas engrenagens responsáveis pelo crescimento criminoso do custo e da eternização das obras públicas no País. Sem falar na sonegação de tributos por negociantes inescrupulosos. Ao Estado resta pouco mais do que correr atrás do prejuízo.

Racismo é impunidade - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 29/04
O racismo envergonhado lembra história que figura em manuais de psicologia. Cedinho, a criança entra assustada no quarto dos pais. Queixa-se de que há um monstro debaixo da cama. Eles atribuem o medo a pesadelo. Acalmam-na e a deixam acabar o soninho ali mesmo. Na manhã seguinte, o episódio se repete. A resposta também. No terceiro dia, a menina não aparece. Pai e mãe estranham. Tomados por mau pressentimento, entram no dormitório da filha. Ela está morta, corpinho estraçalhado.
Fechar os olhos para a realidade, ensina a narrativa, pode dar alívio momentâneo, mas não resolve o problema. Ao contrário. Agrava-o. Racismo é fato. No Brasil, manifesta-se em diferentes situações com tal frequência que pode parecer natural como o suceder dos dias e das noites ou das estações do ano. É o caso da seleção para empregos, da escolha de cargos em comissão, da indicação de ocupantes do alto escalão. O andar de cima tem cor. É branco. Um colorido aqui ou ali atesta: a exceção confirma a regra.

A vergonha não constitui marca verde-amarela. Espalha-se mundo afora. Dois episódios do fim de semana servem de triste confirmação. Ambos têm relação direta com o esporte - alvo frequente de expressões de intolerância com as diferenças. Em confronto de Barcelona e Villareal, torcedor atirou uma banana no campo em direção a Daniel Alves. O brasileiro reagiu com elegância. Pegou a fruta, descascou-a e a comeu. A resposta, divulgada pelas redes sociais, ganhou repercussão internacional.

Em solidariedade ao colega, Neymar postou no Instagram foto com o filho, Davi Lucca. Os dois com banana na mão e a mensagem: #somostodosmacacos. Na primeira hora, 8 mil pessoas retuitaram a hashtag. A presidente Dilma Rousseff condenou o ato do torcedor em notas postadas nas redes sociais. Barack Obama também se manifestou, mas em reação a episódio similar ocorrido nos Estados Unidos.

Áudio atribuído a Donald Sterling, presidente do time de basquete Los Angeles Clippers, vazou a recomendação feita por ele à namorada para que não exibisse em público associação com negros: "O pouco que estou lhe pedindo", diz, "é não fazer publicidade em torno disso e não trazê-los para os meus jogos". O fato, como não poderia deixar de ser, revoltou os jogadores da Associação Americana de Basquete (NBA), formada predominantemente por atletas negros.

Não se deve ao acaso a repetição de agressões racistas. Elas se devem à impunidade. Depois dos atos que envergonham as consciências civilizadas do planeta, sobram palavras e faltam ações. Impõem-se penas capazes de inibir ofensas do gênero nos estádios. Sanções brandas - advertências, multas, suspensão de torcedores ou de alas em estádios - provaram ser insuficientes. É hora de punições exemplares. Duas foram anunciadas ontem. O Villarreal proibiu o torcedor intolerante de frequentar o estádio do time. O Los Angeles Clippers perdeu patrocinadores. Que venham outras.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“É a CPI da vingança”
Senador Aécio Neves (PSDB-MG) sobre a ameaça do governo de criar a CPI do Metrô


AO RENEGAR AMIGOS, LULA CAUSOU MAL-ESTAR NO PT

O ex-presidente Lula provocou grande mal-estar no governo e no PT ao declarar, em entrevista à TV portuguesa RTP que os mensaleiros cumprindo pena no presídio da Papuda não são da sua “confiança”. Até porque não é verdade: um dos presos, José Dirceu, por exemplo, exerceu em seu governo o cargo de maior confiança de presidente da República: ministro-chefe da Casa Civil, espécie de “primeiro-ministro”.

CALOU FUNDO

Um dos mais afetados pela declaração de Lula, segundo fontes do PT, foi o ex-deputado José Genoino, velho amigo do ex-presidente.

OFENDIDOS

Outros velhos amigos, que estão presos e não entregaram o líder, como Delúbio Soares, sentiram-se ofendidos com a afirmação de Lula.

MACUNAÍMA VIVE

Ao renegar os amigos mensaleiros, Lula dá razão aos que o comparam a Macunaíma, o “herói sem caráter” da obra de Mário de Andrade.

PERGUNTA NO PT

Após negar três vezes amizade a “cumpanhêros” do mensalão, Lula vai dizer que sua íntima amiga Rose também “não era de sua confiança”?

PARA OBTER APOIO, AÉCIO PODE BUSCAR VICE NO PSD

Convidado ao jantar oferecido pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, domingo, o senador Aécio Neves (PSDB) intensifica as negociações para fechar um acordo político que pode passar, inclusive, pela posição de vice, na chapa tucana. O PSD tem a oferecer precioso tempo de TV, no horário gratuito, na disputa pela Presidência da República, e a retirada da candidatura de Kassab ao governo paulista.

CORTE PETISTA

A candidatura de Kassab ao governo paulista é incentivada por Lula. O objetivo é tirar votos de Geraldo Alckmin, para forçar o segundo turno.

CHANCE

O PSDB vê na queda da presidente Dilma nas pesquisas a chance de atrair partidos como o PSD, que também negociam com o PT.

PSD SERRISTA

O PSDB tem tudo a ver com o PSD: o partido foi criado por Kassab com o estímulo do ex-prefeito paulistano José Serra.

EIS O ACORDO

O deputado André Vargas corre risco zero de ter seu mandato pedido pelo PT, que não quer cutucar ainda mais a fera com vara curta. Além disso, ele poderia alegar pressão e perseguição do PT

RECRUTADOS

O PT indicará José Pimentel (CE) relator e João Alberto (PMDB-MA), obediente a José Sarney, para presidir a CPI da Petrobras. Ou seja, a CPI será instalada dia 7, mas não vai investigar coisa alguma.

TÁTICA DE GUERRILHA

Cresce no Congresso a tese de que o “volta Lula” é alimentado pelo próprio ex-presidente, que se colocaria como alternativa à presidenta Dilma, roubando qualquer espaço ou protagonismo da oposição.

IRRESPONSABILIDADE

Para enfrentar o drama dos imigrantes haitianos que chegam em massa ao Brasil, o governo federal ao menos deveria parar de emitir vistos de turistas ou “humanitários” a quem chega sem o primeiro.

CHANCE PERDIDA

Em crise de labirintite, o ex-presidente Lula poderia ter procurado um médico cubano, dando uma força no programa Mais Médicos, de Dilma e do ex-ministro Alexandre Padilha. Mas preferiu o Sírio Libanês.

TERRA DO NUNCA

Boa pauta para os presidenciáveis: tirar as duas décadas de gaveta do projeto do ex-senador Marco Maciel (DEM-PE) regulamentando a profissão de lobista. O multidoleiro Yousseff pagaria imposto de renda.

PAPO FIADO

Dono da terceira maior bancada na Assembleia Legislativa de São Paulo, o PV obteve, há mais de mês, a garantia do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de que ocuparia a Secretaria de Minas e Energia.

EM ESPERA

Aspirante à cadeira no Senado, o líder do PSB na Câmara, Beto Albuquerque (RS), já avisou ao PMDB que só entrará na disputa caso o senador Pedro Simon desista de sair candidato à reeleição.

EL TONTO

A tontura que levou Lula ao Hospital Sírio Libanês, no fim de semana, ganhou diagnóstico no Twitter: “Labirintite 8 anos, rótulo vermelho”.


PODER SEM PUDOR

DE CAVALOS E MULHERES

O velho líder gaúcho Flores da Cunha caminhava no Rio de Janeiro, quando foi surpreendido por um amigo:

- Governador, como tem passado?

Já no fim da vida, o ex-governador era um poço de queixas:

- Não estou muito bem. As finanças estão em baixa. Mas farei um empréstimo no banco e resolverei isso...

- Não acredito, governador! O senhor foi tudo na política. Como, logo o senhor, tendo que fazer um empréstimo para as despesas diárias?!

O velho Flores pensou um pouco e respondeu:

- Meu mal, caro amigo, foram cavalos mancos e argentinas ligeiras...

TERÇA NOS JORNAIS

- Estadão: Ex-assessor de Padilha era canal com Saúde, diz Labogen
Folha: Lula não entende a independência da Justiça, diz Barbosa
Globo: Empreiteiras repassaram R$ 90 milhões a doleiro
Correio: A guerra de R$ 8 bi que terceirizou a Esplanada
Zero Hora: Mantega confirma ações de incentivo à venda de carros
Brasil Econômico: Alta de alimento bate no limite e muda projeção do IPCA

segunda-feira, abril 28, 2014

Beleza roubada - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 28/04

 É duro aceitar que algumas pessoas são mais capazes e mais afortunadas do que outras 

Há muito suspeitava que um dia as mulheres mais bonitas iam ser de alguma forma castigadas por nossa sociedade. Meu temor, em parte, se confirmou. Incluindo aí também um castigo para os homens mais bonitos. E por quê? Porque pesquisas recentes parecem provar que homens mais bonitos e mulheres mais bonitas têm mais sucesso profissional, e isso é "imperdoável" num mundo em que a inveja e o ressentimento fazem a política das nações. Vivemos numa era do ressentimento.

 Claro, dirão que critérios de beleza variam. Sim, numa certa medida mais gordinhas hoje parecem estar em baixa. As magrelinhas podem fazer sucesso em passarelas e nos espelhos de lojas, mas nem sempre encantam o desejo de todos os homens. E mais: não creio que as figuras das "bruxas" deixem alguma dúvida sobre o que era "feio" (não me refiro às mulheres, muitas delas bonitas, que hoje se dedicam a cultos da Europa pré-cristã). 

De qualquer forma, o livro "Beauty Pays: Why Attractive People Are More Successful" (A beleza paga: por que as pessoas mais atraentes são mais bem-sucedidas), de Daniel Hamermesh (indicado pelo excelente artigo do "Valor Econômico"), aprofunda o que é essa beleza que paga bem no mercado profissional. O artigo parte da bela Marissa Meyer, CEO do Yahoo!, para discutir o novo problema a ser enfrentado pelos mais bem-sucedidos que forem mais belos. 

Os burocratas dos tributos (em países como os EUA), parasitas que passam o dia pensando em como tirar dinheiro de quem produz dinheiro, já tiveram uma ideia incrível: taxar quem tiver mais sucesso profissional e for bonito. 

Como será que esse personagem de Kafka (vejo-o como um rato cheio de formulários na mão) vai fazer para identificar a beleza como parte da razão de uma pessoa ser ainda mais achacada pelo fisco? Testemunhos dos "prejudicados" na carreira pela "injusta" beleza dos outros? O livro em questão, no seu capítulo oito, discute as possíveis "proteções legais para os feios"!

 Difícil dizer, mas sem dúvida vão descobrir uma forma, porque o Estado está sempre aquém na "ponta da entrega", mas sempre além da imaginação em competência na "ponta da arrecadação".

A base do ódio organizado à beleza e à riqueza (travestido de taxação em nome da justiça "sócio-estética") é o velho ressentimento. Nietzsche é um analista social e político muito mais sofisticado do que o guru Marx. Luta de classes é o "nome fantasia" do ressentimento que se tem contra os mais afortunados e mais competentes. É difícil aceitar que algumas pessoas sejam mais capazes e mais afortunadas (a velha Fortuna de Maquiavel, que, como toda mulher, ama a ousadia e a coragem) do que outras. 

Adam Smith, pai da noção de sociedade comercial (ou sociedade de mercado), sabia que havia um risco de crescimento da "frouxidão" generalizada com o enriquecimento. Mas a contingência (ou acaso ou fortuna) que está na base da visão de mundo de Smith fere nossa sensibilidade de carentes.

 Sua "cosmologia" não parece reconhecer uma ordem inteligente superior que equilibre de modo "justo" as diferentes capacidades pessoais. A famosa "mão invisível" equilibraria apenas os resultados totais da riqueza, mas não a inveja de quem é menos capaz. 

A sociedade de mercado é uma ferida narcísica incurável para quem nela fracassa. E é difícil não ser, uma vez que todos somos infelizes e carentes em algum nível. Os "marcadores" dessas diferenças que ninguém quer dizer o nome (beleza, riqueza, inteligência, originalidade), acolhidas pela sociedade de mercado, são detestados pelo narcisismo carente, fonte inesgotável de ressentimento. 

Portanto, a psicologia nietzschiana do ressentimento deveria ser mais levada a sério quando se discute política no mundo contemporâneo. 

Dica: o ódio às belas, rancor atávico das feias, o ódio aos mais capazes, rancor atávico dos menos capazes, nunca foi descrito de modo tão claro como pela filósofa Ayn Rand em seu "Revolta de Atlas" (uma das referências bibliográficas que nossa universidade nega a seus alunos), livro antídoto às mentiras do ressentimento. Leia

Por que o governo erra tanto? - CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

O ESTADO DE S. PAULO - 28/04

A má condução da política econômica brasileira não decorre de meros equívocos de gestão

São sobejamente conhecidas as causas da quase estagnação da economia brasileira nos últi­mos anos. As condições internacio­nais tornaram-se menos favoráveis, principalmente o fim do boom de pre­ços das commodities e a elevação (ain­da relativamente modesta) dos juros internacionais de médio e longo pra­zos. Mas, mais importante, é o fracas­so, hoje inconteste, da nova matriz macroeconômica, o pomposo apeli­do escolhido pelo governo para a combinação de deterioração das contas públicas,perda de autonomia do Ban­co Central, ativismo cambial, política industrial alicerçada em subsídios e aumento do protecionismo para setores escolhidos e excessiva interferên­cia governamental na economia.

Esse diagnóstico já foi explorado adnauseam por vários e competentes analistas. Meu propósito neste artigo é tentar responder a questão que está no título, qual seja, a razão de o gover­no cometer tantos equívocos na condução da política econômica.

Todo governante sabe que em de­mocracias, em última instância, os eleitores o julgarão nas urnas pelo que sentem em seus bolsos. O célebre slogan do marqueteiro do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, Ja­mes Carville, "é a economia, estúpido!", dito há cerca de duas décadas, mantém- se mais atual do que nunca.

No Brasil, as pesquisas mostram que a queda na avaliação positiva do governo e a consequente redução nas intenções de voto em Dilma se devem principalmen­te à elevação da inflação, que acaba con­taminando a percepção do eleitor sobre outras questões tais como risco de per­der o emprego, aumento dos juros, etc.

Dessa forma, é óbvio que o governo não erra porque quer. Errar é humano, mas a má condução da política econômica brasileira não decorre de meros equí­vocos de gestão. A raiz do problema está na forte componente ideológica de membros do alto escalão governamen­tal, que os impede de entender e respei­tar os princípios básicos que regem o funcionamento de uma economia de mercado.

Na literatura há dois livros admiráveis que analisam os principais obstáculos ao crescimento econômico sustentável da maior parte das nações. O primeiro, The Elusive Questfor Growth (A Elusiva busca do crescimento),foi escrito em 2001 por Willian Easterly, economista que ocupou destacados postos no Banco Mundial.

O segundo, de 2012, Why Nations Fail? (Por que as nações fracassam?), de autoria de Daron Acemoglu e James Robinson, já é considerado um dos mais completos trabalhos escritos até o presente sobre a importância de instituições políticas in­clusivas para o crescimento econômico.

Mas quais as principais lições que po­demos extrair desses trabalhos que po­dem nos ajudar a entender as causas dos desacertos da política econômica brasileira? As ideias de Easterly podem ser resu­midas em uma única frase, usada com abundância em seu livro, qual seja, "as pessoas respondem a incentivos". O au­tor demonstra que muitos programas do Banco Mundial,baseados em perdão de dívida, ajuda externa e crédito barato, que visavam a promover a industrializa­ção de países pobres como Bangladesh e Paquistão, por exemplo, fracassaram porque as instituições sociais e políticas dessas nações não eram capazes de ge­rar incentivos corretos para o empreen­dedorismo. Aproximar-se da elite econô­mica, que também detinha o poder polí­tico, e angariar benefícios via corrupção e troca de favores era muito mais rentá­vel do que assumir riscos empresariais, mesmo dispondo de crédito altamente subsidiado para o investimento. Nesse ambiente não há espaço para a meritocracia e para a inovação.

Já o trabalho de Acemoglu e Robinson faz uma extensa e detalhada análise histórica, desde o período neolítico aos nos­sos dias, e demonstra de forma cabal que a diferença de crescimento econô­mico entre as nações não se deve, como muitos pensavam e alguns ainda pen­sam, a fatores geográficos, culturais, religiosos ou raciais. A linha divisória está na existência ou não de instituições sociais inclusivas, no sentido de que o sistema político não seja dominado por determinados segmentos da elite econômica que impedem o funcionamento da des­truição criativa, sem a qual não haverá inovação nem crescimento econômico sustentável.

Um ponto importante no trabalho de Acemoglu e Robinson é que a histó­ria demonstra que é possível nações com estruturas sociais não inclusivas, desde que dotadas de um governo cen­tral capaz de impor regras, registrarem fases de forte crescimento econômico induzido pelo Estado, como ocorreu na ex-União Soviética entre as décadas de 20 e 60 do século passado e que fasci­nou muitos analistas ocidentais em re­lação aos méritos do regime econômi­co comunista.

Mas os autores demonstram que tais crescimentos são temporários e autolimitantes, pois os detentores dos pode­res econômico e político impedem o funcionamento da destruição criativa, o verdadeiro motor do crescimento. Do Oriente Médio na Revolução Neolítica, passando pelo Império Romano e pela

União Soviética, a história está reple­ta de exemplos da ascensão, da estag­nação e do desmantelamento de eco­nomias baseadas nesse tipo de insti­tuição social excludente.

Portanto, compreender os princípios básicos que norteiam o funciona­mento das economias de mercado não é tarefa simples, tampouco intui­tiva. E é isso que falta aos principais responsáveis pela condução da política econômica brasileira, mais do que boa vontade de acertar. Sobretudo, há uma evidente dificuldade em cap­tar, em toda sua profundidade, a ideia aparentemente simples, mas va­liosa, de que as pessoas respondem a incentivos.

E esse desconhecimento que faz o governo acreditar que pode baixar na marra juros e tarifas de serviços públi­cos, aceitar alto risco de apagão por falta de energia, controlar preços, alte­rar constantemente as regras do jogo na economia,beneficiar setores esco­lhidos em detrimento de outros e não perceber que isso corrói os incentivos para investir e assumir riscos empre­sariais, a despeito da generosa oferta de crédito subsidiado.

Etanol: até quando? - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 28/04

Pare para pensar: quantas vezes, nos últimos tempos, você passou num posto de combustíveis e abasteceu seu carro flex com etanol? Se você considera apenas o bolso, e é natural que seja assim, é provável que pouquíssimas vezes não tenha enchido o tanque com gasolina. Não é um contrassenso num país como o Brasil?

A mais verde e amarela das tecnologias alternativas, muito menos poluente e danosa ao ambiente e à saúde das pessoas, e uma das mais eficazes opções à queima do combustível fóssil, vive crise sem precedentes no país.

Tenho andado muito pelo interior do Brasil e visto de perto o vigor da nossa agropecuária e a dedicação dos nossos produtores. Por tudo isso, é contraditória a gravidade da crise por que passa a nossa produção de álcool. Nos últimos anos, mais de 40 usinas fecharam. Outras estão em processo de recuperação judicial ou enfrentam graves dificuldades. Milhares de pessoas já perderam o emprego.

Trata-se de situação completamente distinta da que se projetava poucos anos atrás. Até então o Brasil estava fadado a ser a maior potência mundial de energia renovável.

Caminhávamos para ser a vanguarda da sustentabilidade, exemplo em um mundo em busca de fontes não fósseis, limpas e mitigadoras do aquecimento global pela redução das emissões de CO2.

Descarrilamos, contudo.

Não foi obra do acaso. Não foi barbeiragem de produtores, nem irresponsabilidade de investidores. Não foi mera consequência da mudança de ventos na economia global.

Foi, isso sim, produto de equívocos cometidos por uma gestão que está matando o etanol brasileiro. É um estrago de grandes proporções, que se espalha por longa cadeia de produção que envolve 2,5 milhões de trabalhadores e centenas de municípios do país.

Sem perspectivas de melhora, as usinas não investem, o mercado não reage e o Brasil chega ao ponto de importar etanol dos EUA --e com desoneração tributária concedida pelo governo federal. Como pode?

Os produtores não precisam de muito, mas têm nos faltado o básico. Basta que o governo não atrapalhe, como tem feito, defina uma política de longo prazo para o setor energético e reestabeleça condições mínimas de competitividade: equilíbrio na formação de preços, tributos adequados e algum amparo na forma de linhas de crédito que realmente funcionem.

Não é algo tão complicado, mas é tudo o que o governo petista não faz.

Há uma crise de confiança instalada no país. As vítimas vão caindo pelo caminho --e são cada vez mais numerosas.

É o futuro do Brasil que está sendo sabotado. No caso do etanol, é toda uma experiência de mais de 40 anos que está sendo jogada no lixo pela vanguarda do atraso.

Os donos do poder - NELSON PAES LEME

O GLOBO - 28/04

Saqueiam o Erário de forma torpe, solerte e desavergonhada. E nenhuma força do restante da sociedade civil lhes contrapõe qualquer resistência


Raymundo Faoro, em seu antológico “Os donos do poder”, faz um diagnóstico certeiro e preciso da origem do patrimonialismo brasileiro: a Casa de Aviz portuguesa no Século XIV. Os reis de Portugal se consideravam proprietários do país e da nação. Essa cultura atravessou mares e séculos e se enraizou com toda a força no Brasil e na nossa concepção de Estado soberano. Hoje já não há a Casa de Aviz. Outros são os tempos e outros são os donos do poder. A Petrobras que o diga.

O Estado brasileiro sempre foi um paquiderme a serviço desses “donos” eventuais do poder. Inicialmente foram os próprios reis portugueses, depois os imperadores, depois os militares positivistas da República Velha. Depois o ditador Vargas em duas etapas, sendo que na última já dividiu parte do poder (inclusive a Petrobras) com um peleguismo ainda incipiente e amadorista. Nada parecido com o atual, altamente sofisticado e requintado. São pelegos muitas vezes com PhD e que andam acompanhados, em jatinhos executivos, de poderosos empreiteiros e subempreiteiros de gigantescas obras públicas. Alguns com mandato popular nas câmaras, assembleias legislativas e até no Congresso Nacional. Pelegos que tomam vinhos caríssimos de safras de colecionador, mas não arredam pé de um sindicalismo em decadência porque alinhado a um socialismo que já não existe. Um socialismo que foi atropelado pela revolução científico-tecnológica e pela deterioração da vida planetária, de todas as espécies viventes a exigir rever as prioridades no campo do social e da própria economia de mercado.

Com a ditadura militar que tomou conta do Brasil de 1964 a 1984, esses líderes sindicais de outrora se organizaram com mestres acadêmicos, também sindicalistas públicos em estado de pureza ideológica, egressos das universidades estatais, na resistência democrática, e fundaram um partido político, com o placet dos militares, especialmente do general Golbery do Couto e Silva, pretenso ideólogo do regime militar. Estratificou-se assim uma tecnoburocracia de oposição à tecnoburocracia militar no governo e que passou a dominar o aparelho partidário do Partido dos Trabalhadores, desfraldando a bandeira do vestalismo na política e do igualitarismo no social.

Esse partido, aparentemente ingênuo e idealista, forjado ainda nos ideais distributivistas da pré-Guerra Fria e do trotskismo revolucionário do princípio do século passado tinha, no entanto, um projeto histórico de poder idêntico ao dos reis de Portugal, dos imperadores, dos militares positivistas, dos ditadores e dos militares golpistas: tomar conta do aparelho do Estado e tornar-se dono da República e de sua economia altamente estatizada e burocratizada. O próprio Faoro já vaticinara: “Sobre as classes sociais que se digladiam, debaixo do jogo político, vela uma camada político-social, o conhecido e tenaz estamento burocrático nas suas expansões e nos seus longos dedos.” Esses longos dedos hoje pertencem a esses novos donos do país.

Ascenderam ao poder. Locupletaram-se nas companhias e bancos estatais, reinventando o “presidencialismo de coalizão” com o pior do fisiologismo herdado da ditadura militar. E aí estão. Não há força que os remova. Saqueiam o Erário de forma torpe, solerte e desavergonhada. E nenhuma força do restante da sociedade civil lhes contrapõe qualquer resistência. Até quando irão corroendo o tecido republicano, ninguém sabe. Seu combustível é a ignorância, a indigência cultural e a miséria humana.

As próximas eleições gerais que se avizinham serão decisivas para o futuro desses novos “donos do poder” e sua percepção atrasada e ultrapassada de Estado. Mas, seja qual for seu resultado, esta República se esgotou. É ingente um novo pacto que inaugure a próxima, em que o poder seja realmente partilhado com o soberano: o restante do povo brasileiro que a tudo assiste perplexo e desorientado. Uma imensa tarefa de reconstrução do Estado brasileiro é o que se espera, mas ainda não se percebe no discurso dos candidatos.

Os antitudo e a eleição - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O Estado de S.Paulo - 28/04

Partidários de Dilma Rousseff agarram-se a uma conta aritmética para brandir otimismo sobre sua reeleição: a soma das intenções de voto dos outros candidatos é uma fração do eleitorado da presidente. Conclusão aparentemente óbvia, Dilma não teria para quem perder. Mas há sempre a chance de perder para si mesma.

Na pesquisa Ibope de abril, Dilma, mesmo em queda, marcou 37%, enquanto Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) e os sete anões somaram apenas 25%. É a expressão do desconhecimento dos candidatos anti-Dilma, mas também da sua incapacidade até agora de despertar o eleitor. Toda a oposição junta equivale ao contingente de desesperançados da política, aos antitudo.

Um a cada quatro eleitores está declarando voto nulo ou branco. É uma taxa excepcionalmente alta para padrões brasileiros. Parece mais uma forma de o eleitor expressar sua insatisfação com o sistema político em vigor do que um plano para outubro. Na solidão da urna, todos esses brasileiros vão invalidar os votos?

Pelo retrospecto, é improvável. A média histórica de votos inválidos é ao menos metade do que aparece hoje nas pesquisas: se considerarmos todos os primeiros turnos presidenciais entre 1989 e 2010, dá 12%, mas caindo. Nos três últimos, a taxa baixou para 9%. E foi ainda menor nos segundos turnos: 6%.

Por que, então, o branco/nulo está tão alto? Porque grande quantidade de brasileiros não está nem aí para o que vai acontecer nas urnas. Responder que vai anular ou votar em branco é, também, um jeito menos vexatório de dizer "não sei".

Três de quatro eleitores que estão hoje no branco/nulo dizem ter nenhum ou pouco interesse no pleito de outubro. Já entre os eleitores de Dilma, Aécio e Eduardo a maioria declara ter muito ou médio interesse na eleição. Ou seja, quem já se decidiu é o eleitor mais politizado ou que ainda acredita na política. Os demais só vão fazer sua opção quando não tiverem outra saída.

A implicação desses números é que, mantida a tendência histórica, a maioria dos eleitores que aparecem hoje na coluna do branco e nulo vai migrar para algum dos candidatos a presidente no decorrer da campanha eleitoral. Mas para qual?

Raramente para a incumbente. Na pesquisa Ibope de abril, 75% dos eleitores que declararam que votariam em branco ou anulariam escolheram a seguinte frase para descrever sua opinião sobre Dilma: "Não votaria nela de jeito nenhum para presidente". Apenas 12% admitiram a possibilidade de votar na petista. O resto não soube responder ou não a conhece o suficiente.

Se não será majoritariamente para Dilma, para quem, então, migrarão os eleitores insatisfeitos? Aécio Neves e Eduardo Campos têm chances equivalentes entre si, mas não muito maiores do que a presidente: 63% dos antitudo não votariam de jeito nenhum no tucano, e 61% dizem o mesmo sobre o pernambucano.

O problema parece estar também na imagem dos candidatos de oposição, ambos netos e herdeiros de políticos tradicionais. Mesmo mais conhecida do que Eduardo e Aécio, Marina Silva teria, se candidata, menor rejeição entre os insatisfeitos. Só 53% dos antitudo se dizem também anti-Marina. Entre eles, ela vai melhor até do que Lula, que alcança 60% de rejeição nesse grupo.

A rejeição maior a Dilma indica que alguém da oposição teria mais chances de conquistar o voto dos insatisfeitos. Mas não só.

CEO do Ibope Inteligência, Marcia Cavallari comparou o perfil dos eleitores que declaram voto na presidente, na oposição e em ninguém. Da geografia à escolaridade, passando por renda, cor e religião do eleitor, quem diz que votaria nulo ou em branco é muito mais parecido com o eleitor oposicionista do que com quem declara voto em Dilma. É o que basta? Depende da presidente.

Se confiar apenas na aritmética e não conquistar parte dos antitudo, Dilma deve desocupar o Planalto antes do previsto.

Perdendo o respeito - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 28/04

BRASÍLIA - A liturgia do poder diz que algo anda errado quando um visitante, convidado ao palácio, não poupa de críticas seu anfitrião. Pior quando os áulicos presentes ao salão não escondem sua satisfação com o desconforto do chefe.

Pois tal cena se deu em pleno Palácio do Planalto, durante recente reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chamado Conselhão, que reúne governo, empresários e sindicalistas para debater os rumos do país.

Presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil, Ubiraci Oliveira, para surpresa dos presentes, disparou críticas ao governo.

Protestou contra promessas não cumpridas de verbas para mobilidade urbana. "O governo foi à TV em junho passado e apresentou um investimento de R$ 50 bilhões. Mas o que estou observando é que, de lá para cá, a situação não melhorou."

Disse mais. "Enquanto isso, corte no Orçamento para fazer superavit, taxa de juros nas alturas e exorbitantes transferências de recursos ao exterior para pagamento de juros aos bancos estrangeiros."

Dilma, na mesa principal, ouvia a tudo de semblante carregado. Na plateia, ministros e assessores faziam, protegidos dos olhares da chefe, gestos de concordância. Teve quem sorrisse de satisfação. Talvez nem tanto pelo conteúdo, mas pela coragem do convidado.

Ao final, Ubiraci foi efusivamente cumprimentado por colegas do Conselhão. Um empresário disse: "Mandou bem". Da anfitriã, ganhou um aperto de mão seco.

O sindicalista lavou a alma de muito assessor que já não aguenta mais as descomposturas da chefe e de empresários que se cansaram do jeito sabe tudo de Dilma.

Enfim, o estilo irascível da petista só joga contra ela própria. Leva ao isolamento --tem ministro que hoje prefere evitar o Planalto-- e sufoca a criatividade de sua equipe. Algo que não combina nem um pouco com a boa governança.

Jornalismo com alma - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O Estado de S.Paulo - 28/04

Antes da era digital, em quase todas as famílias existia um álbum de fotos ou uma caixa de sapatos cheia de fotografias. Lá estavam as nossas lembranças, os nossos registros afetivos. Muitas vezes abríamos o álbum ou a caixa e a imaginação voava. Era bem legal.

Agora, fotografamos tudo e arquivamos compulsivamente. Nossa antiga caixa de sapatos foi substituída pelas galerias de fotos de nossos dispositivos móveis. Temos overdose de fotos, mas falta o mais importante: a memória afetiva, a curtição daqueles momentos. Fica para depois. E continuamos fotografando e arquivando. Pensamos, equivocadamente, que o registro do momento reforça sua lembrança, mas não é assim. Milhares de fotos são incapazes de superar a vivência de um instante. É importante guardar imagens. Mas é muito mais importante viver cada momento com intensidade.

Algo análogo, muito parecido mesmo, ocorre com o consumo da informação. Navegamos freneticamente no espaço virtual. Uma enxurrada de estímulos dispersam a inteligência. Ficamos reféns da superficialidade. Perdemos contexto e sensibilidade crítica. A fragmentação dos conteúdos pode transmitir certa sensação de liberdade. Não dependemos, aparentemente, de ninguém. Somos os editores do nosso diário personalizado. Será? Não creio, sinceramente. Penso que há uma crescente nostalgia de conteúdos editados com rigor, critério e qualidade técnica e ética. Há uma demanda reprimida de reportagem. É preciso reinventar o jornalismo e recuperar, num contexto muito mais transparente e interativo, as competências e a magia do jornalismo de sempre. É preciso olhar para trás para dar saltos consistentes.

"Hoje", dizia Nelson Rodrigues, "ninguém imagina o que eram as velhas gerações românticas da imprensa. Mudaram o jornal e o leitor. No ano passado, houve uma chuva inédita, uma chuva bíblica, flagelando a cidade. Desde Estácio de Sá não víamos nada parecido. E todo mundo morreu e desabou, e se afogou, menos o repórter. Não houve uma única baixa na reportagem. Fez-se toda a cobertura do dilúvio e ninguém ficou resfriado, ninguém espirrou, ninguém apanhou uma reles coriza. Por aí se vê que há, entre a nossa imprensa moderna e o fato, uma distância fatal. O repórter age e reage como um marginal do acontecimento. Antigamente, não. Antigamente, o profissional sofria o fato na carne e na alma."

Jornalismo sem alma. É o diagnóstico de uma doença que contamina inúmeras redações. O leitor não sente o pulsar da vida. As reportagens não têm cheiro do asfalto. As empresas precisam repensar o seu modelo e investir poderosamente no coração. É preciso dar novo brilho à reportagem e ao conteúdo bem editado, sério, preciso, isento.

É preciso contar boas histórias. Com transparência e sem filtros ideológicos. O bom jornalista ilumina a cena, o repórter manipulador constrói a história. Na verdade, a batalha da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Mas alguns procedimentos, próprios de opções ideológicas invencíveis, transformam um princípio irretocável num jogo de aparência.

A apuração de mentira representa uma das mais graves agressões à ética e à qualidade informativa. Matérias previamente decididas em guetos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é honesta, não se apoia na busca da verdade, mas num artifício que transmite um simulacro de isenção, uma ficção de imparcialidade. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: repercussão seletiva. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a notícia. Cria-se a versão.

Sucumbe-se, frequentemente, ao politicamente correto. Certas matérias, algemadas por chavões inconsistentes que há muito deveriam ter sido banidos das redações, mostram o flagrante descompasso entre essas interpretações e a força eloquente dos números e dos fatos. Resultado: a credibilidade, verdadeiro capital de um veículo, se esvai pelo ralo dos preconceitos.

A precipitação e a falta de rigor são outros vírus que ameaçam a qualidade. A incompetência foge dos bancos de dados. Na falta de pergunta inteligente, a ditadura das aspas ocupa o lugar da informação. O jornalismo de registro, burocrático e insosso, é o resultado acabado de uma perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores com o fechamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as pautas não nascem da vida real, mas de pauteiros anestesiados pelo clima rarefeito das redações, é preciso ter a coragem de repensar todos os processos.

Autor do mais famoso livro sobre a história do jornal The New York Times, Gay Talese vê alguns problemas a partir da crise que atingiu um dos jornais mais influentes do mundo. Embora faça uma vibrante defesa do Times, "uma instituição que está no negócio há mais de cem anos", Talese põe o dedo em algumas chagas que, no fundo, não são exclusividade do diário americano. Elas ameaçam, de fato, a credibilidade da própria imprensa. "Não fazemos matéria direito, porque a reportagem se tornou muito tática, confiando em e-mail, telefones, gravações. Não é cara a cara. Quando eu era repórter, nunca usava o telefone. Queria ver o rosto das pessoas. Não se anda na rua, não se pega o metrô ou um ônibus, um avião, não se vê, cara a cara, a pessoa com quem se está conversando", conclui Talese.

O jornalismo precisa recuperar a vibração da vida, o cara a cara, o coração e a alma.

Próximo ao totalitarismo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 28/04

É lamentável que, nos governos do PT, o Brasil, líder da América Latina, tenha perdido a capacidade crítica em relação ao chavismo. Isto se deu pela adoção da “diplomacia companheira”, relacionamento pautado mais por afinidade ideológica do que pelas tradicionais linhas da política externa brasileira. Não que estas devam ser imutáveis, mas a mudança foi para pior.

Em nome de uma frente ideológica comum e da retomada de superados conceitos e bandeiras da esquerda, o governo brasileiro passou a considerar “democrático” o regime chavista, que mantém apenas algumas características formais desse sistema de governo, mas, no essencial, se aproxima muito mais do velho caudilhismo e do totalitarismo.

A Venezuela e discípulos — Bolívia, Equador, Nicarágua — mantêm instituições análogas aos poderes Legislativo e Judiciário. Só que esvaziadas de suas prerrogativas republicanas. Isto se deve à adoção por Hugo Chávez e seguidores, do “kit bolivariano”, um conjunto de ações capaz de criar um regime sob medida para o Poder Executivo.

Os chavistas dizem que o caráter democrático é atestado pela realização de eleições. Mas não mencionam que o primeiro item do tal kit é a adoção de um forte discurso nacional-populista, capaz de angariar votos para vencer o referendo, que é o segundo item do kit. Através dele, se aprova a instalação de uma constituinte capaz de transformar as instituições democráticas, que as tinha a Venezuela, em organismos submissos ao Executivo. Instaura-se o cesarismo.

Na Venezuela, os partidos políticos tradicionais foram banidos e virtualmente instituiu-se o partido único, tal a superioridade do governista PSUV. Garantiu-se, assim, o beneplácito da Assembleia Nacional aos projetos chavistas. E a composição do Judiciário ficou à mercê do Executivo, assegurando-lhe vantagem no exame de relevantes questões nacionais.

Este arranjo político foi feito para possibilitar a colocação em prática do projeto chavista, ineficiente e burocrático, pois calcado numa gigantesca intervenção estatal em todos os quadrantes da vida do país. Não se pode dizer que, no início, não houve avanços, sobretudo na redução da pobreza. Mas houve retrocessos demais. Basta dizer que um dos países mais ricos do mundo em petróleo está arruinado, importa quase tudo que consome, pouco produz, deixou a infraestrutura se deteriorar e sofre com o desabastecimento — a população tem enorme dificuldade para comprar alimentos e produtos básicos —, e uma criminalidade em ascensão. Caracas é hoje a segunda cidade mais violenta do mundo.

Gestões da Unasul, capitaneadas pelo Brasil, tentam hoje uma saída para a profunda divisão política do país. Mas o governo brasileiro agiu mal ao deixar que a situação chegasse a tal ponto. Ao invés de suspender o Paraguai do Mercosul para dar vez à Venezuela, deveria ter invocado a cláusula democrática do bloco para mostrar que só seriam aceitos países com sua democracia em dia. Mas democracia de fato.

Um recorde inconveniente - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 28/04
Minimizar a importância de más notícias tem sido hábito constante e crescente de nossas autoridades, principalmente as da equipe econômica. Mas, por mais que se queira fazer pouco do que ocorre nas contas externas do país, não dá para não se preocupar com os resultados do primeiro trimestre. O Brasil acaba de conhecer um recorde incômodo: o deficit em transações correntes - que inclui as exportações e importações de mercadorias, a compra e venda de serviços e as chamadas transferências unilaterais (como as remessas de lucros e doações) - somou US$ 25,18 bilhões.
Não é pouca coisa. Trata-se do maior rombo nessa conta em toda a sua série histórica, iniciada em 1947 (há 66 anos). Significa que os negócios do Brasil com o resto do mundo estão desequilibrados, como ocorre com o trabalhador que anda comprando mais do que pode comprar só com o salário, sem, portanto, a ajuda do crediário ou, pior ainda, do cartão de crédito.
Além dessa constatação, há dois aspectos que só aumentam a gravidade desse mau desempenho do país. Internacionalmente, é aceito que um país em desenvolvimento, em determinados momentos e sob certas circunstâncias, acumule deficit em transações correntes que não ultrapasse valor correspondente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). O resultado negativo do trimestre bateu em 3,7%. Não quer dizer que essa proporção será mantida o ano todo, mas acende, ou deveria acender, luz amarela nos painéis de controle dos responsáveis pela política econômica.

O segundo aspecto é como cobrir esse deficit. No caso do trabalhador, o "buraco" foi pelo carnê de prestações e pelo parcelamento do cartão. No caso do país, pode ser coberto de duas maneiras. A mais saudável delas, pela entrada de investimentos estrangeiros não especulativos no país. A mais cara, por meio do endividamento, seja pela emissão de títulos do governo, seja por contratos de empréstimos e financiamentos. Foi por abusar dessa segunda modalidade que o Brasil, nos anos do milagre econômico, atolou-se em dívidas que o levaram a declarar moratória (default).

Superada a má fase e tendo adotado políticas de controle fiscal e da inflação, o Brasil voltou a ser confiável, a atrair capitais na forma de investimentos diretos em empresas, principalmente no período anterior à crise mundial de 2008. Hoje, essas entradas de recursos não se dão mais na proporção desejada, e o deficit em transações do trimestre não pode ser coberto por esses investimentos.

Resta apelar para o financiamento, e é aí que entram as agências classificadoras de risco. Dependendo da avaliação delas, o país pode pagar mais caro e até nem conseguir o empréstimo. É, portanto, urgente que o Brasil melhore seu desempenho comercial. É preciso acelerar acordos comerciais com países capazes de comprar e pagar por nossas mercadorias e, é claro, adotar políticas de aumento da competitividade da economia, ou seja, reduzir a carga tributária, investir o quanto antes em infraestrutura e modernizar a legislação que rege as atividades produtivas.

Caridade com chapéu alheio - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 28/04

Desde o grande terremoto que devastou o Haiti, em 2010, o Acre se converteu na principal porta de entrada de um significativo fluxo de imigrantes haitianos ilegais. O direito internacional e a lei brasileira não reconhecem esses clandestinos como refugiados - e, portanto, como candidatos a visto permanente. Mas o governo federal petista criou instrumentos para regularizar a presença deles no País e decidiu não repatriar aqueles que entram de forma irregular, o que serve como um convite para a imigração em massa. Já chegam a 20 mil os haitianos que ingressaram no Brasil pelo Acre. Como as cidades acrianas que os receberam não têm condições de suportar esse aumento populacional, o governo estadual encontrou uma forma simples de resolver o problema: enviar os haitianos para outros Estados.

Nas últimas semanas, 400 deles chegaram a São Paulo - sem nenhum aviso prévio por parte do governo acriano, que financiou as viagens, feitas inclusive em aviões da Força Aérea Brasileira. A maioria procurou a ajuda de parentes e amigos que já vivem na capital paulista, mas 100 deles pediram abrigo na Casa do Migrante, no Glicério. Mantido pelos padres da Igreja Nossa Senhora da Paz, o local tem capacidade para apenas 100 pessoas. A situação dos imigrantes é, portanto, precária.

Com razão, a secretária paulista de Justiça e Defesa da Cidadania, Eloisa de Souza Arruda, se mostrou indignada. Chamou de "desleal" o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, por não tê-la informado antes sobre o embarque dos haitianos. "Esse secretário Nilson Mourão não procurou seu equivalente em São Paulo, que, por acaso, sou eu, para providenciar os cuidados adequados. Procurou o padre da pastoral e avisou que 'alguns' haitianos chegariam aqui. Chegaram 400", queixou-se Eloisa. Para ela, "nos padrões internacionais, isso poderia ser classificado como deportação forçada".

Como resposta, o governo acriano, que é do PT, apontou um "viés político" na reação da administração tucana de São Paulo. Para o secretário Mourão, os paulistas tentam "transformar um problema humanitário, de tão fácil solução para o Estado mais rico da Federação, em uma crise". Já o governador Tião Viana preferiu dizer, numa argumentação rasteira, que a reclamação é fruto de racismo da "elite paulista", que quer "assegurar seu território livre de imigrantes do Haiti".

Ao contrário do que dizem os petistas, o problema não se resolveria com a caridade do "Estado mais rico" do País. A situação chegou ao ponto atual graças à inabilidade do governo federal. Em lugar de lidar com os imigrantes ilegais conforme a legislação em vigor, segundo a qual o deslocamento por desastre natural não configura motivo para a concessão de visto de refugiado, a administração petista inventou um instrumento improvisado chamado "visto humanitário".

A intenção do governo era mostrar que o Brasil, na era petista, era diferente dos países ricos, que expulsam os imigrantes ilegais. Mas o golpe de propaganda não funcionou. As exigências para obter o tal visto são tantas - passaporte em dia, atestado de bons antecedentes, comprovante de residência e o pagamento de uma taxa de US$ 200, além de um mês de espera para que a documentação seja emitida - que a maioria dos haitianos que pretendem vir ao Brasil prefere pagar aos "coiotes" no Peru e no Equador para ajudá-los a entrar clandestinamente no País.

Como a situação no Acre tornou-se insustentável graças a essa política tão marqueteira quanto desastrada, o governo petista local preferiu a solução "provisória, paliativa e descoordenada", nas palavras de Camila Asano, da ONG de direitos humanos Conectas: livrar-se dos imigrantes.

A crise gerada pela imigração em massa dos haitianos no Norte do Brasil não pode ser agravada por políticas irresponsáveis dos governos envolvidos. É preciso ter consciência dos deveres humanitários, mas também é preciso saber que as leis que limitam a entrada de estrangeiros devem ser cumpridas, pois o preço a ser pago pela leniência travestida de solidariedade é rateado por toda a sociedade.

À espera de um ajuste - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE S. PAULO - 28/04
Calmaria no mercado de trabalho é mais um sinal de que economia se deteriora de modo lento e gradual, com reflexos diretos no cotidiano
Uma calmaria abateu-se sobre o mercado de trabalho no primeiro trimestre deste ano. Como em tantos aspectos da vida econômica que dizem mais respeito ao cotidiano da população, como no caso do consumo ou da renda, não se detecta piora, mas avanços cada vez mais vagarosos --ou estagnação.
O número de empregados deixou de crescer nas regiões metropolitanas. O emprego formal cresce com mais vagar. Um setor importante da cadeia industrial, as montadoras de veículos, começa a dispensar funcionários.

No entanto, a taxa de desemprego é historicamente baixa. A renda média dos trabalhadores cresce ainda bem acima da inflação.

Tal balanço tem algo de extraordinário, pois o país cresceu de modo modestíssimo no último triênio, sem perspectiva de aceleração para este 2014 e para o ano seguinte.

A taxa de desemprego é a proporção daqueles que procuram trabalho, mas não encontram colocação. Não tem aumentado, em especial porque jovens de 18 a 24 anos optam por apenas estudar, dadas oportunidades maiores de financiar seu curso universitário e a melhoria de renda de suas famílias.

A oferta de trabalho não tem diminuído, embora pareça estagnar, porque empresas preferem represar trabalhadores treinados e qualificados, atitude facilitada em parte pela redução de custos trabalhistas devido à desoneração de impostos sobre a folha de pagamentos.

Parece difícil, porém, que tal situação perdure. Os custos salariais em alta pressionam a inflação, o que resulta em taxas de juros maiores, o que acabará por arrefecer mais a atividade econômica.

Os indicadores de confiança do consumidor e do cidadão estão nos níveis mais fracos desde a crise de 2009. O brasileiro ressente-se da inflação persistente e de dificuldades algo maiores de encontrar trabalho e obter reajustes salariais.

A manutenção do emprego em alguns setores, em especial da indústria, parece depender de novas medidas de estímulo financiadas por impostos, reivindicação de montadoras e metalúrgicos. Mas o governo só pode dar tais incentivos se permitir deterioração ainda maior das contas, grande empecilho à aceleração do crescimento.

Excetuadas as hipóteses de acidente grave na economia mundial ou de gesto tresloucado das autoridades econômicas, o incremento do desemprego não será crítico, ao menos neste ano.

Deve persistir, no horizonte visível, o equilíbrio medíocre de baixo crescimento, inflação no limite e desemprego baixo, insustentável no médio prazo. A alta de preços ou o excesso de gastos externos implicarão algum ajuste e um ciclo de alta do desemprego.

Enquanto o ajuste não vem, o ambiente econômico se deteriora de modo lento e gradual, com reflexos no cotidiano, percebidos pelo cidadão comum desde meados do ano passado. Não há crise. Mas a paciência se esvai, ainda que a conta-gotas.