terça-feira, julho 02, 2013

Amestrando proletários - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 02/07

O conhecimento verdadeiro não tem cor, sexo ou classe. E, quando tem, então não é conhecimento verdadeiro


O problema do pensamento politicamente correto é que ele nada tem de correto. Pior: na ânsia de impedir qualquer ofensa a grupos ou minorias, ele converte-se na mais grotesca ofensa que existe para esses grupos ou minorias.

A revista alemã "Der Spiegel" relata um caso que merece partilha: parece que a Universidade Livre de Berlim decidiu publicar um guia interno para que os alunos de famílias proletárias possam ser mais facilmente integrados na vida acadêmica. E que nos diz o guia?

Coisas sensatas. Primeiro, informa os estudantes da instituição que os coleguinhas proletários não se sentem naturalmente confortáveis em ambientes não proletários.

Mas o guia vai mais longe e exorta os alunos de classe média a gerar o ambiente ideal para que os coleguinhas proletários se sintam em casa. Como? Por exemplo, aconselhando a classe média a não criticar ou ridicularizar nenhuma afirmação dos coleguinhas proletários.

Para os autores do guia, os alunos proletários são como certas espécies zoológicas que é necessário proteger em "habitat" adequado. E isso implica não os assustar e, logicamente, não os alimentar com doses arcaicas de conhecimento "burguês" e "reacionário".

Como é evidente, o pensamento politicamente correto das patrulhas parte de duas ideias profundamente ofensivas.

A primeira ideia é a defesa explícita de que alunos de famílias proletárias estranham e definham em ambientes eruditos. Sim, seria possível fazer uma lista de intelectuais gerados pelo proletariado --de Jack London a D.H. Lawrence-- que marcaram a história da cultura ocidental.

As patrulhas politicamente corretas não conhecem essa lista. Preferem a caricatura do filho do operário fabril que só consegue ser feliz e "autêntico" no meio da fuligem. Livros, para ele, dão soneira. Ou coceira, tanto faz.

Mas é a segunda recomendação que impressiona pela sua evidente discriminação. Para as patrulhas, sempre que um aluno proletário abre a boca, é preciso ser condescendente para escutar as alarvidades que ele diz.

A universidade não é uma universidade, com a missão de corrigir erros e procurar algum conhecimento válido para todos. A universidade é uma grande encenação --ou, melhor ainda, uma sessão coletiva de terapia onde ninguém está certo (ou errado) porque todos estão certos (ou errados).

O que o pensamento politicamente correto produz não é difícil de imaginar: a perpetuação do estigma de alunos proletários e a impossibilidade de eles aprenderem alguma coisa (na universidade) para ascenderem social e economicamente (na vida profissional).

Quando se sai da universidade exatamente como se entrou, é preciso perguntar que mecanismo de atraso explica o resultado. Ironia: o atraso é promovido por aqueles que imaginam lutar contra ele.

Depois de críticas severas da imprensa alemã, o guia da Universidade Livre de Berlim foi retirado para "reformulação". Mas ele deveria ensinar duas lições preciosas aos fanáticos do pensamento politicamente correto.

Para começar, ele ensina como é tirânico falar em nome de grupos inteiros. Porque não existem grupos inteiros. O proletariado não existe. Os negros não existem. Os gays, as mulheres, os anões não existem.

O que existe são indivíduos diversos, com histórias ou interesses diversos. Haverá proletários que não gostam de livros. Haverá proletários que não vivem sem eles.

E haverá burgueses, genuínos burgueses, para quem ler, escrever e pensar são formas medievais de tortura. Conheço vários.

A caricatura do "proletário" como um jumento apedeuta diz mais sobre as patrulhas politicamente corretas do que sobre o proletariado que elas julgam defender.

Por último, respeitar as pessoas não significa tratá-las como crianças. Ou como velhos dementes a quem sorrimos e aplaudimos sempre que eles tentam vestir as cuecas pela cabeça.

O conhecimento verdadeiro não tem cor, sexo ou classe. E, quando tem, então não é conhecimento verdadeiro.

Um guia decente para uma universidade decente só precisava de duas mensagens: "bem-vindo" e "mostra o que vales". Nada mais.

Ueba! Sobrou pra Shakira! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 02/07

E agradecemos a seleção brasileira e as quengas brasileiras. Por deixarem os espanhóis de coxa bamba!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Ordem e Protesto! Hoje não tem política! Ganhamos a Copa da Confudeurações!

Ei Espanha, Vai Pegar Piranha! Grito de Guerra no Maracanã: "Ei Espanha, Vai Pegar Piranha!".

E sobrou pra Shakira! Todo mundo só queria zoar com a Shakira! Rolando no Facebook: "LEK LEK LEK 3 X 0 LOCA LOCA LOCA"!

E o Piqué sendo expulso? Esse apanhou e dormiu no sofá! E logo depois da expulsão do Piqué, veio a notícia bomba: "Shakira aguarda Fred na sua cobertura". Rarará!

E o Fred fazendo gol deitado. Ele deve fazer coisas incríveis deitado, só faltava o gol.

E o Neymar? Brilhante! E o David Luiz tirando a bola dentro do gol? A Seleção da Ejaculação Precoce: Neymar, um minuto, GOL! Neymar, dois minutos, GOL. Fred, um minuto, GOL!

E esta: "Manifestações continuam no entorno do Maracanã". Tô adorando essa nova palavra: "entorno". Agora temos o campo, a arquibancada e o entorno!

E não aguento mais a Globo cobrindo protesto por via aérea. Tá me dando vertigem!

E aquela cabine da Globo? O Ronalducho fala pra dentro, o Galvão tá rouco e o Casão ninguém entende!

E a Espanha tirou o Mata e botou o Jesus e não adiantou nada. O Mata morreu.

E agradecemos a seleção brasileira e as quengas brasileiras. Por deixarem os espanhóis de coxa bamba! E os rancorosos de plantão dizendo que a vitória foi armada. Cegos de ódio! E a coisa mais sensacional: o Brasil dando olé justo na Espanha. Rarará!

E o Felipe Amassa? Como disse o tuiteiro Wellington Moraes: "O Massa largou como o Senna e deu azar como o Rubinho!". Rarará!

E eu sou tão fã da Shakira que quando estive em Cartagena fui até Barranquilla, cidade natal da diva. Em peregrinação! Agora: #XakiraXatiada! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

E o Feliciano na Marcha para Jesus? Feliciano e Malafaia em cima do trio elétrico. Então não era trio, era o Bonde do Armário! Rarará! Gaiola das Loucas! E o Malafaia é o Malafeio. Além de mala, é feio pra caraca! Rarará! Feliciano e Malfafaia em O Bonde do Armário! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

A terceirização nas empresas estatais - JOSÉ PASTORE

O ESTADÃO - 02/07

A falta de uma regulamentação clara do processo de terceirização tem afetado severamente as empresas estatais. Muitas vêm sendo objeto de condenações judiciais que redundam em pesadas multas e integração de empregados de empresas prestadoras de serviços em seus quadros. No nível federal, podem ser citados a Petrobrás, as subsidiárias da Eletrobrás, o Banco do Brasil, Caixa Econômica, o BNDES, a os Correios, hospitais e universidades públicas e vários outros. São comuns as multas que estipulam R$ 10 mil por dia e por trabalhador que participa da chamada terceirização ilícita, além de pesadas indenizações por dano moral coletivo.

O ambiente está ficando aflitivo para o governo num tempo em que as parcerias entre as atividades dos setores público e privado são cada vez mais necessárias. São elas que potencializam a criatividade, facilitam a transferência de tecnologias e fazem avançar a competitividade das empresas. Não há alternativa. Nenhuma empresa - pública ou privada - consegue fazer tudo sozinha. A divisão do trabalho é essencial para atingir os níveis de produtividade que permitem crescer, gerar lucros e ativar os investimentos.

Quando se multa e se impede uma empresa de terceirizar, bloqueia-se sua capacidade de crescer. No caso das estatais, isso eleva seu custo de operação e afeta a qualidade dos serviços. Um hospital público, assim como uma universidade ou um banco, tem inúmeras atividades que são mais bem executadas por profissionais especializados e que pertencem a outras empresas. O mesmo ocorre com uma produtora de petróleo. Aliás, nesse setor, no mundo inteiro, as operações são feitas com um terço de profissionais fixos e dois terços terceirizados - exatamente o que ocorre com a Petrobrás. Os primeiros realizam atividades que as empresas consideram estratégicas e o pessoal terceirizado realiza as demais.

Dentre os motivos mais frequentes para a punição das empresas estatais estão o desrespeito à terceirização dita ilícita por incidir em atividades-fim das contratantes e o alegado descumprimento do procedimento de concurso para a admissão de pessoal.

A exigência da atividade-fim decorre da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, da qual se depreendem dois problemas. O primeiro se refere à enorme dificuldade de distinguir uma atividade-meio de uma atividade-fim. O segundo decorre da irrelevância dessa distinção.

Não existe nenhum manual de direito do trabalho que separe de modo claro uma atividade-meio de uma atividade-fim. Mesmo que tal distinção fosse possível, ela não tem a menor relevância para aquilo que é prioritário na terceirização, que é a garantia da proteção para todos os trabalhadores que participam do processo tanto do lado da prestadora como da tomadora de serviços. De que adianta respeitar a aludida distinção se a prioridade é proteger os trabalhadores? Quanto ao segundo motivo, é claro que o concurso público nas empresas estatais é reservado aos que vão integrar seus quadros fixos e não aos profissionais que integram os quadros de empresas que, como contratadas, prestam serviços específicos e determinados.

A terceirização constitui um elemento importante na economia brasileira e, graças ao aprimoramento constante de seus serviços, as empresas apresentam grandes ganhos de eficiência e de competitividade. Isso tem sido fundamental para o aperfeiçoamento dos trabalhadores, o que acaba proporcionando ganhos generalizados para a sociedade.

A grave situação das empresas estatais no que tange à terceirização é um motivo mais do que relevante para disciplinar de uma vez por todas a contratação de serviços especializados com as devidas garantias aos trabalhadores. Em meu entender, o projeto de lei (PL) que melhor contempla as exigências da terceirização moderna e não precarizante é o PL 4.330/2004, ora em discussão na Câmara dos Deputados.

A massa e a horda - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

O ESTADÃO - 02/07

Encerradas as manifestações populares, recomenda-se fazer o inventário do que sobrou passado o furacão. Quando se imaginava que o governo da presidente Dilma Rousseff se achava forte e que o Bolsa Família lhe garantiria a reeleição, eis que, de um momento para o outro, tudo foi abaixo, o índice de aprovação popular despencou e já se especula com a volta de Lula, como derradeira chance de vitória do PT em 2014.

O que se passou nas últimas semanas, e alterou os rumos do País, não era previsto. Da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) à Polícia Federal e aos serviços de informações das polícias estaduais, passando pela comunidade de cientistas políticos, ninguém imaginou que o aumento de 20 centavos no preço do Bilhete Único se transformasse no estopim capaz de deflagrar avassaladora temporada de perigosas agitações urbanas.

Nenhuma autoridade se revelou preparada e capaz assumir posição lúcida diante das massas. Dezenas de milhares tomaram de assalto as ruas, praças e avenidas e a única solução consistiu - como era comum durante o regime autoritário - no emprego da polícia e de tropas de choque. Repentinos abalos sísmicos fizeram aflorar do subsolo social a indignação que há entre estudantes, trabalhadores, donas de casa, pequenos empresários, servidores públicos, aposentados, denunciando a revolta do povo diante dos desmandos federais, estaduais, municipais. A Nação presenciou, sem sentido pejorativo, algo como o estouro da boiada, magistralmente descrito por Euclides da Cunha em Os Sertões.

Brasileiros de todas as camadas sociais e idades, convencidos de que não dispõem de canais de comunicação com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, renegaram os representantes políticos para proclamar, com as vozes das ruas, que nenhum dos partidos reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral é credor de confiança. Do PMDB, o primeiro de extensa relação, ao Partido Ecológico Nacional (PEC), cujo registro leva o n.º 30, passando por PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, PSD, PSDB, PP, PSL, PCO, todos, na opinião generalizada, são meras siglas controladas por dirigentes indefinidos ideologicamente, na disputa do poder pelo poder, de ministérios, empresas públicas, sociedades de economia mista, empregos e dinheiro.

Aceso em São Paulo, o rastilho alastrou-se, provocando explosões pelo caminho, pois não lhe faltaram barris de pólvora, acumulados por administrações venais. Corrupção à solta e impune, dinheiro do contribuinte investido na construção de estádios faraônicos, vizinhos de hospitais quebrados, escolas degradadas, ruas esburacadas, e a insegurança generalizada levaram o povo às manifestações, que deveriam ser ordeiras, mas, por carência de lideranças e de interlocutores, desaguariam em condenáveis atos de vandalismo.

Gustavo Le Bon, autor de Sociologia das Multidões, descreve o que denominou "multidão psicológica", ou "alma coletiva". A seu ver, "o fato mais surpreendente apresentado por uma multidão psicológica é o seguinte: quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, por mais semelhantes ou dessemelhantes que possam ser o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o mero fato de haverem se transformado em multidão dota-os de uma espécie de alma coletiva". Para Le Bon, "o estado normal da multidão contrariada é o furor".

Sigmund Freud, por sua vez, em Psicologia das Massas, ensina que o caráter inquietante e coercitivo das formações coletivas consiste na afinidade com a horda primitiva, da qual descende. Para se manter dentro da ordem, segundo Freud, a massa exige o chefe investido de poderes absolutos, sem o qual se perde, fica fora de controle e parte para a violência.

Não bastasse, sempre ocorre algo que Le Bon e Freud não chegaram a conhecer: a ação de provocadores. Infiltrados por radicais de esquerda e de direita, ocultam-se dentro da massa, até que surjam oportunidades de agir. Como advogado de sindicatos, na Secretaria e no Ministério do Trabalho, conheci vários, sempre empenhados em estimular badernas, para alcançar algum proveito político.

Entender as origens e o desdobramento das manifestações não é difícil. Basta observar o semblante dos participantes. Agrupados em grandes massas, conduzidos por vagas palavras de ordem, sem um líder, hierarquia e organização, extravasaram frustrações diante do procedimento leviano de representantes que, depois de eleitos, renegam compromissos e abandonam quem os elegeu. Agora, exigem que se afastem, caiam fora, permitam a mudança de homens e costumes.

As redes sociais, tecidas via internet, passaram a fazer as vezes de associações, religiões, sindicatos e partidos. É por meio delas que internautas se conhecem, se expressam, constroem laços de solidariedade, transmitem mensagens, com a velocidade que antigas gerações nunca tiveram. A descoberta das redes como veículos de mobilização política é a extraordinária novidade, que partidos e políticos revelam desconhecer, e não saber usar.

As maiores surpresas dos últimos dias correram à conta do comportamento das autoridades. Da perplexa presidente Dilma a patéticos ministros, governadores, nenhuma esteve à altura da crise. Diminuíram-se ao entregarem à polícia a impossível tarefa de resolver, com balas de borracha, gás lacrimogêneo e cassetetes, problemas de cunho social.

Cabe agora, sobretudo aos jovens, fincar pé na vida política com o propósito de injetar vida e dar alma a partidos agonizantes e desalojar pelo voto, em 2014, anacrônicos e corruptos dirigentes. Se tiverem êxito, embora parcial, os sacrifícios terão sido válidos e o Brasil estará a caminho de se transformar no País governado por representantes do povo.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 02/07

Governo paulista cria PPP para construir fóruns
O governo paulista vai publicar amanhã a chamada pública para a primeira parceria público-privada (PPP) que prevê a construção e a gestão de seis fóruns.

Serão duas unidades na capital, na Lapa e em Itaquera, e quatro no interior, em Guarulhos, Bauru, Presidente Prudente e Carapicuíba.

"São seis grandes obras que vão ajudar a Justiça, dar melhor condição de trabalho ao Ministério Público, aos advogados, aos defensores e, principalmente, beneficiar a população", diz o governador Geraldo Alckmin.

O Estado cede os terrenos e a iniciativa privada se encarrega da construção e da administração das unidades.

Em troca, terá o direito de explorar serviços, como estacionamentos, alugar espaços e, em terrenos maiores, até erguer prédio de escritórios para advogados, por exemplo. A concessão é de 25 anos.

O valor estimado em 2011 era de R$ 130 milhões, mas agora, atualizado, deverá ser bem maior, segundo Eloisa Arruda, secretária da Justiça e da Defesa da Cidadania.

O edital deve sair em setembro e a entrega dos fóruns está prevista para 2016.

A parceria visa a acelerar a construção dos fóruns e reduzir custos com aluguéis, energia, manutenção, segurança e reformas, entre outras despesas, diz Arruda.

"Os espaços para o Ministério Público, a Defensoria Pública e a OAB, também estão contemplados."

Os endereços e períodos de visita aos terrenos serão publicados nos próximos dez dias. O prazo máximo para a conclusão e a apresentação de projetos dos interessados será de dois meses.

Porto para Belo Monte
A Norte Energia, responsável pela usina de Belo Monte, conseguiu aprovação da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) para operar um porto em Vitória do Xingu (PA).

A instalação faz parte de uma infraestrutura logística montada para a construção da hidrelétrica, entre as regiões central e oeste do Pará.

O objetivo do porto é facilitar o transporte fluvial de máquinas e de equipamentos pesados da área de montagem da usina, que seguem do porto de Belém até o sítio Belo Monte (uma das barragens).

Mesmo com o aval da Antaq, publicado ontem no "Diário Oficial" da União, a empresa só poderá iniciar as atividades após receber licença de operação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

O atracadouro ficará pronto em agosto, segundo a Norte Energia. Uma ponte rolante será concluída em outubro.

Após a conclusão da hidrelétrica, prevista para 2019, o porto poderá ser usado para movimentação de passageiros e outros tipos de cargas.

Para isso, porém, será preciso pedir nova autorização da Antaq e da Secretaria de Portos da Presidência.

COMÉRCIO COM MENOS FÔLEGO
Com a alta de apenas 1,6% do varejo em abril, ante o mesmo período de 2012, a consultoria econômica LCA reduziu a previsão de crescimento do setor para este ano de 5,5% para 5,0%.

Em 2012, o comércio varejista teve uma expansão de 8,4%, de acordo com dados do IBGE.

O resultado abaixo do esperado em abril deste ano está atrelado aos alimentos, cujo volume de vendas registrou queda de 5,4%. No mês anterior, a elevação havia sido de pouco mais de 4%.

O desempenho fraco desse segmento é consequência do aumento dos preços ocorrido em meio à desaceleração dos salários e às limitações da capacidade de endividamento dos consumidores, aponta a consultoria.

No acumulado do primeiro quadrimestre do ano, o varejo cresceu 3,0%. Nos últimos 12 meses, 6,4%.

IMPULSO EXTERNO
Na maior indústria de máquinas de Sertãozinho, a Sermatec Zanini, que também enfrenta alta ociosidade, a situação deve melhorar no segundo semestre, diz o presidente Antonio Carlos Christiano.

O nível de produção, porém, só irá crescer graças a negócios fechados fora do país, como a fabricação de duas caldeiras de grande porte --para uma usina de açúcar na Venezuela e uma termoelétrica no Uruguai.

"O setor não pode trabalhar assim, tendo picos e vales", afirma.

No mercado interno, a companhia tem atualmente apenas um projeto novo --que havia sido contratado antes de 2008 e ficou um período paralisado.

Com investimentos feitos na renovação de canaviais em 2012, a produção de cana deve crescer e se aproximar neste ano da capacidade instalada do setor e, por isso, diz ele, a expectativa é que as usinas voltem a se expandir em 2014.

"Mas a indústria precisa de regras claras e duradouras que incentivem o investimento, pois há mercado para consumir mais etanol e bioeletricidade no país."

Indústria de máquinas para usinas tem 60% de ociosidade
A falta de projetos de novas usinas de açúcar e álcool causa reflexos nas empresas de máquinas e equipamentos em um dos principais polos do setor, em Sertãozinho, no interior de São Paulo.

A ociosidade média nas fábricas chega a 60%, de acordo com cálculos do Ceise Br (centro nacional das indústrias do setor).

As companhias da região produzem todos os tipos de equipamentos para usinas, como moendas e caldeiras.

"Não há novos pedidos. As indústrias estão apenas trabalhando em peças para reforma e manutenção", diz Antonio Tonielo Filho, presidente da entidade.

A quebra na safra da cana nas últimas temporadas é um dos motivos para a baixa expansão do setor. Como consequência, indústrias de máquinas reduziram turnos e buscam clientes em outras áreas, como petróleo e gás.

"A maioria tem evitado demitir porque acredita em uma retomada no fim do ano, mas esse fôlego não vai durar muito", diz Sebastião Macedo Pereira, economista do Ceise Br.

Ventania... O Piauí prepara seu primeiro atlas de energia eólica e solar, para estimular o interesse de investidores no Estado. Hoje, os ventos geram 255 MW.

...no Nordeste O documento será feito com a Associação Brasileira de Energia Eólica. A administração estadual prevê a primeira publicação para o início de 2014.

Pedágio... O governo do Rio Grande do Sul previa assumir na madrugada de hoje a administração de mais duas praças de pedágio, a cerca de 140 km de Porto Alegre.

...gaúcho A medida ocorre depois que a Justiça Federal entendeu que já expirou o prazo de contrato com uma concessionária. Ao todo, o Estado quer de volta 11 pedágios.

Fusão... Uma entidade de previdência complementar com patrimônio de R$ 1 bilhão será criada caso os oito OABPrev (plano dos advogadas) do país aprovem uma fusão.

...de previdência Hoje as entidades reúnem 62 mil participantes e R$ 750 milhões em recursos. A projeção é que esse valor cresça 30% ao ano, segundo a OABPrev-MG.

No ano que vem, tem mais - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 02/07

Os estrategistas da oposição viram nos protestos uma janela. Avaliam que o gatilho foi a Copa das Confederações e não a qualidade do transporte público. E que as pesquisas demonstraram que a hegemonia do PT não é inabalável. Apostam que, agora, foi feito um ensaio, e que, na Copa do Mundo, os protestos serão retomados e, nesse caso, faltando três meses para as eleições.

Não se trata de fenômeno isolado
Muitos são os políticos tentados a relacionar os protestos que estão levando milhares de jovens às ruas a uma conspiração qualquer. Mas, antes que a imaginação ganhe asas, como a do "chavismo", convém mergulhar na experiência internacional. Na Copa do Mundo da África do Sul, em 2010, ocorreram protestos populares, porque a população africana questionava a prioridade do país ao investir nos jogos. Se isso não bastasse, também houve manifestações nas Olimpíadas de Londres, em 2012. Uma parcela da sociedade, no mundo todo, resiste à ótica dos governos de que os grandes eventos serão responsáveis por dividendos futuros para o país e seu povo.

"Buscar a opinião da sociedade para que o Congresso possa fazer algo que não faz é golpe? É hora de nos unirmos, oposição e situação, e fazermos a reforma política" 

Jorge Viana, Senador (PT-AC)

Deixar Dilma à vontade
A executiva do PMDB se reúne hoje para defender redução do número de ministérios e reforma ministerial. Inclusive, peemedebistas defendiam até ontem que o partido deveria colocar os seus cargos à disposição.

Classificados
O candidato tucano Aécio Neves (MG) está à procura de um candidato ao governo do Rio sintonizado com as manifestações das ruas. Um dos sonhos do PSDB é convencer o ex-deputado Fernando Gabeira (PV), mas a tarefa é vista como impossível. Uma das opções, o vereador Cesar Maia (DEM) é considerado muito conservador.

No encalço das redes sociais
O governador Sérgio Cabral pediu a todos os seus secretários de governo que invadam o ciberespaço. Pego de surpresa pelos protestos, como todos, ele quer que sua equipe selecione ações e projetos positivos para invadir as redes sociais.

Longe do varejo
Petistas avaliam que a articulação política do governo vai mal e deve ser mudada. Mas a solução, dizem, não é o ministro Aloizio Mercadante (Educação). Ele gosta da "grand politique" e não do varejo tocado pelas ministras Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann. A troca, analisam, é crucial para Dilma conseguir aprovar o plebiscito na Câmara, que resiste à ideia.

Fila para todos
O deputado Paes Landim (PTB-PI) reclamava, ontem, de não conseguir audiência com ministros. O deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) se solidarizou. Disse que foi presidente do PT, e nem essa credencial o ajuda a furar a fila.

Isso é que é fidelidade
Perguntado sobre o novo quadro sucessório depois da queda da presidente Dilma nas pesquisas de intenções de voto, o senador Aloyzio Nunes Ferreira (PSDB-SP) foi rápido no gatilho: "O Serra também foi testado?"

A palavra
de ordem "FMI fora daqui" é passado. Na saída do Maracanã, o grito era "Fifa go home".

“Buscar a opinião da sociedade para que o Congresso possa fazer algo que não faz é golpe? É hora de nos unirmos, oposição e situação, e fazermos a reforma política” Jorge Viana, Senador (PT-AC)

Reforma paralela - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 02/07

Resistente à realização de plebiscito, a base de Dilma Rousseff na Câmara se articula para driblar o calendário do Planalto para a reforma política. O presidente da Casa, Henrique Alves (PMDB-RN), vai propor hoje como plano B a criação de grupo de trabalho para, em 90 dias, apresentar uma reforma que seria submetida a referendo --formato que a presidente rechaça. "Dilma está mal informada sobre a disposição do Congresso para o plebiscito", diz um defensor da alternativa.

Longo prazo O mais cotado para coordenar a comissão é Cândido Vaccarezza (PT-SP). Na Câmara, a aposta principal entre os governistas é que a consulta popular só será feita em 2014.

Na mesa Ontem, após a reunião ministerial, Alves iria à Granja do Torto para conversar com Dilma. Pretendia expor a alternativa para que a reforma não caia "no vazio'' caso o plebiscito não vingue.

Baqueou Aloizio Mercadante (Educação) não foi à reunião de ontem com Dilma. O ministro, que estava com faringite, foi representado por José Henrique Paim, secretário-executivo da pasta.

Muita calma... Ministros e a cúpula do PT receberam texto de João Santana sobre como reagir à queda de 27 pontos na avaliação da presidente pelo Datafolha. O texto diz que era impossível, após o "terremoto neopolítico'', que não houvesse abalo momentâneo para todos os políticos.

...nessa hora Para explicar o declínio maior de Dilma, o marqueteiro escreve que quem ocupa o poder central vira o maior alvo de insatisfações pois, além de ser a "grande autoridade", recebe o "lixo" dos problemas localizados de cada Estado.

Ansiolítico O roteiro afirma ainda que não há nenhum líder de oposição ou partido capaz de catalisar a insatisfação popular, o que facilitaria a recuperação.

Conectado Silvio Meira, um dos maiores especialistas em tecnologia da informação do Brasil, é o novo assessor especial de Eduardo Campos (PSB). Meira elaborou uma pesquisa sobre o papel das redes sociais nas manifestações de junho. Campos mostrou o estudo a Dilma em reunião da semana passada.

Buraco Auxiliares de Geraldo Alckmin (PSDB) ficaram "frustrados" ao constatarem que não entregarão nenhuma nova estação de metrô em 2013. A estação Adolfo Pinheiro, da linha 5-lilás, seria aberta em dezembro, mas sua inauguração só será possível em 25 de janeiro.

Dominó A queda da avaliação de Fernando Haddad (PT) se deu exatamente na mesma proporção da perda de popularidade de Dilma na capital paulista. Na cidade de São Paulo, o percentual de eleitores que aprovam o governo da presidente caiu quase pela metade. O mesmo aconteceu com o prefeito.

Opositor? Na corrida pelo governo do Rio, Lindbergh Farias (PT) tem seu melhor desempenho entre eleitores que aprovam o governo Sérgio Cabral (PMDB). Ele chega a 22% nessa faixa, mas atinge só 13% entre os críticos de Cabral --grupo que prefere Anthony Garotinho (PR).

Terceira... Uma dissidência pode embaralhar a formação da CPI dos ônibus na Câmara paulistana. Os governistas contavam com a escolha de Dalton Silvano (PV) para a relatoria da comissão, mas vereadores já identificaram uma movimentação do vereador Milton Leite (DEM) para ficar com o posto.

...via O PSDB quer a relatoria para investigar os contratos, mas o PT tenta convencer o tucano Eduardo Tuma a apoiar Silvano.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"As PECs 35 e 53 representam tentativa de enfraquecer o MP e o Judiciário, ao minar pilares do Estado Democrático de Direito."
DE ALEXANDRE CAMANHO, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, sobre projetos de rever vitaliciedade de procuradores e juízes.

contraponto


Presidente e porta-voz
Dilma Rousseff surpreendeu os jornalistas que aguardavam o fim da reunião ministerial ontem, na Granja do Torto, ao se submeter a uma entrevista coletiva em que anunciou o que fora discutido até aquele momento.

Procurando mostrar intimidade com os jornalistas, Dilma, que raramente concede entrevistas, disse:

--Façam três perguntas. Mas não aquelas três que se desdobram em cinco, porque esse método eu já conheço.

A petista disse que pretende ser mais acessível''.

--Vou fazer muito quebra-queixo. Não vou dar briefing sempre --disse, recorrendo ao jargão jornalístico.

Bernanke e os protestos - ILAN GOLDFAJN

O GLOBO - 02/07

Precisamos agora fazer ajuste fiscal e ao mesmo tempo atender às novas demandas de velhos problemas


Tudo está mudando ao mesmo tempo. Choque internacional, protestos no país. Até a seleção brasileira mudou e voltou a jogar como campeã.

Parece obra do acaso. Mas não acredito em coincidências, o choque externo sinaliza proximidade do fim de um ciclo global e, através de caminhos diversos, desperta a insatisfação local já existente. Por isso acontecem ao mesmo tempo. A economia global certamente está mudando de rumo. E pressionando a economia brasileira. Após anos de juros zero, fluxos de capitais abundantes para países emergentes e pressão para apreciação do real, a maré esta mudando. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deixou claro que já está preparando a diminuição dos estímulos dos últimos anos e, no futuro, a subida de juros. Agora os fluxos de capitais estão voltando aos EUA e o real deprecia, pressionando a inflação e requerendo políticas mais austeras.

Ao mesmo tempo, os protestos indicam necessidade de mudanças: melhores serviços públicos, mais crescimento, menos inflação e, de uma forma geral, aumento do bem-estar. Essa situação reduz o espaco de manobra da política econômica, no curto prazo. Mas a dificuldade abre espaço para a oportunidade que, se bem aproveitada, pode melhorar a economia no longo prazo.

São vários protestos no mundo, cada um diferente do outro. O que têm em comum é que ocorrem no fim de um longo ciclo global, que começou com uma década de crescimento forte e passou por uma crise financeira global. O fim do ciclo está próximo, pelo menos nos EUA, onde o desemprego cai e aproxima-se do patamar de 6,5%, ponto focal para reversão das políticas de estímulo. O excesso de estímulo fica para trás, o que assusta o mundo.

A princípio não haveria por que temer a nova realidade nos EUA. Se, por um lado, juros mais altos nos EUA e reversão dos fluxos de capitais têm consequências negativas, como a liquidação de ativos nos países desenvolvidos, queda nas bolsas e nos outros ativos, sem falar na depreciação cambial, por outro lado, o país que primeiro entrou em crise, com o problema dos empréstimos subprime, está começando a sair dela. E a volta do crescimento nos EUA pode significar, com alguma defasagem de tempo, o começo do fim da recessão na Europa e a desaceleração no mundo.

A subida dos juros no mundo é a outra face da volta do crescimento global. Uma não vai ocorrer sem a outra. O impacto em cada uma das economias no mundo emergente vai depender da combinação do impacto financeiro negativo com o impacto da volta do crescimento global.

Na América Latina acredito que existam defesas bem construídas para choques financeiros. A grande maioria dos países (inclusive o Brasil) construiu grandes (e custosos) estoques de reservas internacionais que servem de defesa, pois podem ser usados para suavizar qualquer ajuste necessário na economia, sem grandes traumas. Muitos governos tornaram-se credores em moeda forte, os passivos externos são menos rígidos e a maturidade da dívida pública é mais longa. Acredito que após o choque inicial e o ajuste aos tremores que se seguem, haverá reversão dos eventuais exageros e a volta da calmaria.

A vulnerabilidade maior na América Latina hoje é a um choque real. Uma desaceleração mais forte da China, que venha a impactar negativamente as commodities e os termos de troca e, portanto, a renda na região teria um impacto maior que o choque de juros de Bernanke. Qual a probabilidade desse cenário? Num contexto em que a economia global se recupera lentamente, uma desaceleração mais forte da China seria consequência do estouro da bolha de crédito e de investimento, estímulos usados para revitalizar a economia depois da quebra do Lehman Brothers.

O impacto do novo ciclo mundial no Brasil depende, portanto, das idiossincrasias na China, mas também de suas próprias. O que temos de específico no Brasil em relação ao resto do mundo? Em que divergimos mais? Entramos nesta nova fase com inflação mais alta que nossos vizinhos, muitos com inflação abaixo das suas metas. Isso coloca limites na depreciação do câmbio que pode ser absorvida. Também adotamos política fiscal mais estimulativa do que os outros. Precisamos agora fazer ajuste fiscal e ao mesmo tempo atender às novas demandas de velhos problemas. Está claro que a dificuldade de hoje é também a oportunidade de rebalancear a economia. Precisamos voltar a investir em infraestrutura, mas também em serviços públicos consistentes com a alta carga tributária. Reformas que privilegiem a educação são muito bem-vindas, há que se olhar o longo prazo. Só assim reagiremos à altura ao choque externo combinado aos protestos.

À espera do piloto - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 02/07

Pelo menos nesta administração Bernanke, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) vinha mantendo ampla transparência. Mas é exatamente nesse item, em que se considerava referência global, que agora o Fed está sendo fortemente criticado.

No entanto, provavelmente não se trata neste momento de ser mais ou menos transparente. Trata-se mais de incapacidade de saber o que deve de fato acontecer.

A novidade que assombra o mundo financeiro é a perspectiva de desmonte da gigantesca operação monetária de recompra de títulos pelo Fed, cujo estoque já atinge US$ 3,4 trilhões e que cresce ao ritmo de US$ 85 bilhões por mês. Claro, essa dinheirama corresponde à impressão de dólares pela usina do Fed, com o objetivo de estimular a recuperação da economia dos Estados Unidos.

Apesar das críticas dos ultraortodoxos, hoje sobram poucas dúvidas de que essa megaemissão de moeda salvou a economia mundial de um desastre de proporções incomensuráveis. No entanto, mais cedo ou mais tarde, teria de começar a ser revertida.

Em 22 de maio, o presidente Bernanke já havia avisado que, no final deste ano, pretendia iniciar a operação desmonte. Não se trataria ainda nem de desova dos títulos mantidos em carteira nem de estancamento do despejo de dólares. Essa primeira etapa se limitaria à redução das emissões mensais.

O mercado entrou em pânico porque se sentiu na escuridão. Os títulos perderam valor, os juros subiram, praticamente todas as moedas se desvalorizaram, com exceção do dólar (a mercadoria que tende a deixar de ser tão abundante quanto está sendo hoje), e o valor dos ativos de risco, especialmente os negociados nas bolsas, despencou.

Não houve nenhuma indicação sobre quando a nova política começaria a acontecer e em que proporção. O comunicado do Fed da última quarta-feira também não foi mais esclarecedor. E, nos dias seguintes, alguns dos seus diretores, cada um por si, expuseram o que gostariam que fosse feito, lançando ainda mais confusão no mercado.

Na última sexta-feira, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, criticou as falhas de comunicação do Fed. E essa passou a ser a percepção geral.

No entanto, o problema mais grave não é o desconhecimento de um cronograma ou de critérios que pudessem definir a ação do Fed, mas o de quem vai comandar a operação. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já anunciou que Bernanke não deverá ser reconduzido ao cargo em fins de janeiro para um terceiro mandato. Isso significa que até mesmo o Fed não dispõe de elementos mínimos para guiar os cegos nesse momento grave, em que o navio corre riscos. Um banco central não opera no piloto automático nem é um drone teleguiado.

Isso parece significar que, enquanto não se souber quem será o novo presidente do Fed e quais seus planos, o mercado financeiro internacional continuará sujeito a enormes oscilações e a ondas de pânico.

Nossa Senhora do Plano B - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 02/07

Dilma Rousseff tem pouco tempo e meios para fazer reforma útil e politicamente rentável para si


NÃO É ELEGANTE nem preciso dizer que Dilma Rousseff tornou-se o bode expiatório da crise, mas recaiu sobre a presidente a maioria das pragas e pedras lançadas nas ruas, pelo menos entre os políticos mais importantes.

A deselegância fica por conta da comparação zoológica; a imprecisão está em sugerir que Dilma não mereça também sua cota de malhação.

O povo bate talvez porque "l'État c'est elle", o "Estado é ela", porque consideramos presidentes como reis e rainhas da cocada preta, pois encarnam a ideia de "coisas do governo" ao lado de uma massa indiferenciada e inominada de "políticos", em geral parlamentares, os membros da "corte corrupta", nossa versão de Versalhes. Em suma, com dois anos e meio de governo do Executivo federal, Dilma paga também novas e velhas contas municipais, estaduais, parlamentares, embora não seja protestada especificiamente por suas principais dívidas.

Isto posto, o que Dilma fazer para se livrar do imenso mau olhado que em uma quinzena passou a receber do eleitorado?

Mesmo que tenha uma revelação damascena, que veja a luz na estrada estropiada da economia, Dilma não vai ganhar muito com isso. A princípio, melhorias na política econômica vão causar estragos na vida do eleitorado. Uma ínfima elite talvez perceba os benefícios da eventual virada. Mas boa parte dessa elite vai achar apenas que Dilma então não terá feito mais do que sua obrigação, e olhe lá.

"Saúde, educação e transporte" são projetos para décadas (umas duas), se houver projeto (não há) e consenso sobre obtenção e redivisão de recursos públicos (o dinheiro não está numa arca roubada por Versalhes).

De resto, tais assunto não dependem só (ou dependem pouco) de Dilma, que, no entanto, jamais deu bola para a educação primária, a escassez e desordem do SUS e para a privatização à matroca da saúde. Educação primária não é responsabilidade federal, mas, sem liderança presidencial, não vai.

Dilma pode inventar umas pirotecnias demagógicas, tais como essas do Congresso (royalties para educação, crimes hediondos etc.). Enxugar o ministério monstro seria útil, embora café pequeno, e pode ou não colar bem ("por que só agora?", o povo pode perguntar).

Reforma séria, que não é a política, demora tempo para projetar, negociar e implementar. Se a "voz das ruas" tivesse um megafone reconhecível, organização e liderança legítimas, poderia haver uma negociação séria, tentativa de aprendizado coletivo e deliberações a respeito do que é preciso fazer, pactos críveis. Por ora, não há.

Talvez Dilma e o PT tenham de lembrar aos movimentos sociais "cooptados" e povo miúdo que a vida deles melhorou um tico (investir na divisão social e política). "Cooptados", entre aspas: quando a gente concorda com o povo, "o Brasil acordou"; quando não concorda, ele é um idiota manipulado que apoia governos em troca de migalhas.

Mas não vai bastar, dada a presente ira. Aí que mora o perigo: invencionices, tal como a reforma política, tentativas de engenharia institucional que tendem a dar apenas num Frankenstein novo. Na falta de tempo, de ideias, de política, o governo pode ficar tentado a vir com mais mágicas e milagres.

Tubarões e peixinhos - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 02/07

Há muito a explicar neste caso do colapso do campo de Tubarão Azul, do grupo OGX. Em maio do ano passado, a empresa fez junto à Agência Nacional de Petróleo a "declaração de comercialidade" do campo. Se era comercial há um ano, como é possível que agora se descubra "que não há tecnologia capaz de viabilizar economicamente qualquer investimento adicional"?

O mais espantoso é que os poços de Tubarão Tigre, Tubarão Gato, Tubarão Areia tiveram suas declarações de comercialidade protocolada na ANP em março deste ano. E, subitamente, todos são inviáveis.

Reveses no mundo econômico acontecem, e os brasileiros estão acompanhando os tropeços públicos do grupo. Tomara que ele saia das confusões em que entrou por sua própria forma de gestão, mas, se sair, que o faça adotando novas e mais saudáveis práticas de mercado.

Sobre Tubarão Azul, o único do qual estava extraindo petróleo, a empresa chegou a prever que ele iria produzir 50 mil barris/dia. Agora, de repente, "não há tecnologia capaz", e o campo pode parar de dar petróleo no ano que vem. Uma reviravolta espantosa.

Para se ter uma ideia, em junho de 2012, a empresa informou, segundo a Reuters, que estava confiante de que poderia extrair de 110 milhões a 150 milhões de barris do campo de Tubarão Azul. Em entrevista, o principal executivo da OGX disse que Tubarão Azul poderia extrair de 40 mil a 50 mil barris/dia. E isso tinha sido resultado de cinco meses de testes. Depois, foram feitas previsões de 20 mil. Quando as previsões encolheram para 5 mil barris/dia, foi trocado o presidente da empresa.

Antes disso, em 22 de maio de 2012, Eike fez uma apresentação para um grupo de 100 investidores em que disse: "Tenho alguma coisa com a natureza, porque onde eu furo, eu acho. Meus projetos são à prova de idiotas. Não são puxadinhos, são projetos para o Brasil." Foi nesse dia que disse que só não comprou a Vale porque seu pai, Eliezer Batista, lhe disse: "nã, nã, ni, nã, não, aí você não toca."

A ousadia no empreendedor muitas vezes é qualidade, mas é preciso que uma empresa de capital aberto, quando faz declarações sobre as suas potencialidades, esteja com os pés na realidade. Do contrário, só permite a especulação. Nas grandes oscilações da bolsa, em momentos de volatilidade, os que ganham dinheiro são os grandes, os tubarões. Os pequenos investidores perdem sempre.

A Comissão de Valores Mobiliários disse que não comenta casos específicos e que projeções podem ser feitas por empresas desde que sejam, entre outras coisas, "razoáveis". Não quis também comentar a operação anunciada ontem, em que R$ 500 milhões serão transferidos da OGX para a OSX. A dúvida que fica é: e quem for acionista da OGX, e não da OSX, terá sua empresa descapitalizada?

A ANP disse que cabe a ela receber a declaração de que o campo é comercial. Que, depois disso, a empresa tem 180 dias para apresentar o plano de desenvolvimento e a Agência tem mais 180 dias para analisar. Como o prazo de 360 dias já se esgotou, a Agência informou que pediu novas informações a OGX e que a empresa tem mais 60 dias para dar as respostas. E foi só. Três meses atrás, foram protocoladas as declarações de que eram comerciais os poços de Tubarão Tigre, Tubarão Gato, Tubarão Areia.

Em julho do ano passado, o empresário disse na presença da presidente Dilma Rousseff que tinha capacidade instalada para produzir 400 mil barris, e a presidente se disse favorável à cooperação entre a OGX e Petrobras. "Ambas podem ganhar muito com as parcerias entre elas", disse Dilma.

Agora, um ano depois, a incerteza paira sobre o futuro da OGX, que teve perda ontem de 27,5% nas ações, depois de outras quedas ultraprofundas.

Um bom sinal - BENJAMIN STEINBRUCH

FOLHA DE SP - 02/07

Não é necessariamente ruim a demanda por gastos públicos, ainda que o pedido se choque com a austeridade fiscal


Antes do início dos jogos da Copa das Confederações, que terminou anteontem com vitória do Brasil, a Fifa executava apenas uma parte dos hinos nacionais dos países em disputa. Quando a seleção brasileira estava em campo, a torcida ignorava a interrupção da música nos alto-falantes e completava o hino com os próprios pulmões.

Nas manifestações das últimas semanas, milhares de jovens foram às ruas com bandeiras e caras pintadas de verde e amarelo, coisa que não se via desde os tempos do impeachment de Collor, há mais de 20 anos.

Muito já se falou e escreveu a respeito da assombrosa onda de protestos populares no país. Não há como não lamentar a violência perpetrada por pessoas que se infiltraram no movimento iniciado por jovens estudantes. Infelizmente, o país teve de conviver com incêndios de prédios e veículos, coquetéis molotov, depredações, invasões de edifícios públicos e toda a sorte de violência.

Em nenhum momento, porém, um manifestante com a bandeira nas costas foi flagrado cometendo essas violências.

Não tenho a intenção de discutir as reivindicações dos manifestantes. Há, porém, na maioria delas uma clara demanda de aumento de gastos públicos. A suspensão do reajuste das tarifas de ônibus em muitas cidades, principal conquista do movimento até agora, assim como a melhoria do transporte, da saúde e da educação, apontam nessa direção.

Não é necessariamente ruim essa demanda, ainda que ela se choque frontalmente com a austeridade fiscal cobrada hoje do governo. O gasto público, corretamente direcionado para investimentos e para áreas sociais, constitui um propulsor da economia.

Numa verdadeira "revolta das cartolinas", milhares de cartazes apresentaram as reivindicações dos manifestantes, algumas objetivas, outras genéricas, muitas com pitadas de humor. Não se viu em nenhuma delas, porém, protestos contra o desemprego.

Essa ausência é uma bênção --adicionar desemprego no atual contexto de insatisfação popular seria criar uma mistura altamente inflamável. O baixo crescimento ainda não se refletiu no mercado de trabalho, embora a criação mensal de vagas tenha caído para 72 mil em maio, o menor nível dos últimos 21 anos nesse mês.

Nas últimas décadas do século 20, o brasileiro sofria de um enorme complexo de inferioridade. Tirando as conquistas do futebol, tudo o que era nacional tendia a ser desqualificado e até tratado com desprezo. A autoestima do brasileiro era próxima de zero e havia uma tendência de o brasileiro considerar fora de moda os valores do patriotismo e do nacionalismo.

Isso mudou nas últimas duas décadas, com a inclusão do país entre os grandes emergentes e a onda de elogios ao modelo brasileiro que veio de fora para dentro.

Internamente, uma grande massa teve aumento de renda, aprendeu a gostar do país em que vive e se acostumou a ter orgulho de ser brasileiro --milhares de trabalhadores foram repatriados. Agora, essa massa quer mais. Quer infraestrutura, saúde, educação, transporte eficiente, combate à corrupção.

O fato novo é que os manifestantes reivindicam isso tudo com a bandeira nas costas e com listras verde e amarelas no rosto. Não há mais, felizmente, vergonha de ser brasileiro. Cuidemos para que ela não volte.

Antes de concluir, permitam-me passar um tom otimista e bem-humorado sobre a conquista brasileira na Copa das Confederações.

Concordo com as críticas aos gastos exagerados com as duas Copas. Mas, anos atrás, um amigo observou que o sucesso internacional do futebol brasileiro costuma coincidir com momentos de grande afirmação da economia nacional.

Em 1958, quando ganhamos a Copa da Suécia, o país iniciava a era desenvolvimentista de Juscelino, com grande avanço industrial.

Em 1970, vitória no México, o país vivia forte expansão, os anos do "milagre econômico", apesar do regime autoritário. Em 1994, junto com o tetra, começava o ciclo de estabilidade conquistado pelo Plano Real. Em 2002, quando ganhamos o título na Ásia, estava sendo iniciado um período de forte crescimento e distribuição de renda. Só 1962, no Chile, configura uma exceção à regra.

Depois da conquista de domingo, portanto, vencer a Copa do Mundo de 2014 pode ser um bom sinal.

Doping fiscal - JOSÉ PAULO KUPFER

O ESTADÃO - 02/07

São muitas as traduções possíveis para a mensagem difusa que, nas últimas semanas, tem sido transmitida pelas ruas. A insatisfação com a qualidade dos chamados "serviços públicos" e a concomitante repulsa à elevada carga tributária - que, supostamente, sustenta a oferta desses serviços, por exemplo - poderiam ser entendidas como algo fora da realidade, próprio dos arroubos voluntaristas de massas, em momentos de catarse social.

Foi assim que, de início, governantes, nas três esferas de governo, entenderam o clamor das manifestações. Impossível, disseram eles, melhorar os serviços sem aumentar gastos e, em consequência, sem taxar mais ou cortar benefícios existentes. Aos poucos, porém, começaram a perceber a irrealidade desse tipo de argumento. Por trás da argumentação inconvincente, escancararam-se a baixa eficiência e a falta de transparência das políticas fiscais, males crônicos das finanças federais, estaduais e municipais.

Quando ocorrem explosões populares, é natural entender que as estruturas em contestação se apoiam em modelos esgotados. Esse é bem o caso das políticas fiscais vigentes. A governança das finanças públicas, alimentada por décadas de elevação da carga tributária, habituou-se ao descompromisso com a eficiência nos gastos. Escolhas duvidosas de prioridades desaguaram em projetos mal planejados, de execução tortuosa e a custos exorbitantes, em meio a desvios de dinheiro - culposos ou dolosos.

Vê-se agora com maior clareza que a crescente perda de transparência das políticas fiscais, até sua transformação na atual barafunda de truques e camuflagens, é um inevitável desdobramento da ineficiência na alocação de recursos. A insaciável fome de receitas para cobrir gastos que, no entanto, ainda que sempre maiores, não asseguram melhorias palpáveis nos serviços oferecidos é o que acaba estimulando a preferência pela "criatividade" contábil.

O efeito prático dessas manobras as ruas estão dizendo quais são. Mas seus impactos negativos são mais disseminados e também contaminam a credibilidade da política econômica, reduzindo em muito sua potência. Prova disso é que as ações "anticíclicas" do governo, que se refletem em reduções dos superávits primários, não têm produzido impulsos ao crescimento.

Principalmente a partir de 2008, e com aceleração no governo Dilma, o Ministério da Fazenda tem acionado o Tesouro Nacional, bancos públicos e estatais, na tentativa de anabolizar a arrecadação para fazer frente à pressão dos gastos. A preferência tem sido por operações que não afetam, contabilmente, a dívida líquida pública, dando a entender um grau de solvência das finanças públicas cada vez mais longe da realidade.

Tanto tem sido feito que nem o Banco Central aceita mais correr o risco de avaliar as tendências e trajetórias da política fiscal com base exclusiva nos indicadores do governo. O BC passou a trabalhar com diversos cenários e nem todos aderem às metas oficiais. Se o ministro da Fazenda reduziu a meta de superávit primário de 3,1% do PIB, em 2013, para 2,3%, o BC admite que o resultado, no fim do ano, pode ser inferior a 2% do PIB.

Muito estranho que o governo insista nas manobras, mesmo diante das evidências de perda de credibilidade na condução das contas públicas. Nos últimos dias, mais casuísmos, na mesmíssima linha, vieram à cena. Foram definidas novas capitalizações da Caixa Econômica Federal e do BNDES pelo Tesouro, combinadas com flexibilizações da política de dividendos das instituições, com o objetivo já conhecido de engordar a arrecadação federal com receitas recorrentes e extraordinárias.

Há divergências se o governo de Brasília ouviu, de fato, a mensagem das ruas. Mas a insistência no doping fiscal não deixa dúvidas de que, num ponto central dessa história, continua completamente surdo.

A favor, porém contra - JANIO DE FREITAS

FOLHA DE SP - 02/07

O plebiscito e a constituinte estão conectados na recusa de 73% à entrega da reforma política ao atual Congresso


O mais interessante no recente Datafolha, a meu ver, está no apoio de 73% dos entrevistados à convocação de uma constituinte, índice que não despertou interesse na imprensa. Considerada a margem de erro, são justos três quartos que indicam o anseio por uma reforma política tão remodeladora, e de fluência menos demorada, que requer uma via própria. Nada com os deputados e senadores.

O índice conduz, porém, a uma contradição com outro dado colhido pelo Datafolha: 68% consideram que "a presidente agiu bem ao propor um plebiscito" para decidir sobre uma constituinte (vale repetir: a presidente nunca propôs um plebiscito, como lhe atribui, por exemplo e criticamente, até um ministro do Supremo, Gilmar Mendes; propôs apenas um "debate para decidir" sobre plebiscito ou não).

O plebiscito e a constituinte estão conectados na ideia que os suscitou e, mais significativo, na própria recusa dos 73% à entrega da reforma política ao atual Congresso. A diferença dos índices, apesar de relativos ao mesmo fim, sugere que plebiscito não é algo claro para o eleitorado. Uma advertência, então, para os que preferem propor aos eleitores diferentes fórmulas de reforma para sua escolha. Ou seja, plebiscito mesmo, e não o referendo, que apenas pediria sim ou não à convocação de constituinte.

Bem de acordo com a confusão do momento, os 73% pró-constituinte aprovam o item fundamental da resposta de Dilma Rousseff às manifestações. Mas, quando os mesmos entrevistados definem sua opinião sobre "o desempenho de Dilma frente aos protestos", apenas 32% o dizem ótimo ou bom. Por ser outra contradição, não deixa de ser também o que aqui mesmo já ficara pressentido.

Trecho desta coluna em 25.jun: "Melhor para eles [governadores e prefeitos] se Dilma Rousseff chamou a si, no que talvez seja um erro político, a responsabilidade por todos os problemas e soluções em questão [os citados nas manifestações]". A baixa aprovação dessa atitude e a espetacular perda de 27 pontos no prestígio de Dilma confirmam o erro. Os manifestantes, com razão, não viram nas propostas presidenciais o atendimento às suas reclamações.

A resposta administrativa e politicamente mais adequada, para todos, seria o compromisso público de dar aos prefeitos e governadores toda a colaboração federal possível para a solução dos problemas apontados nas ruas. Isso não foi feito no discurso e não está feito na prática. E o resultado é Dilma Rousseff juntar-se à queda dos governadores e prefeitos responsáveis pelos temas majoritários da insatisfação, municipais e estaduais.

Em termos eleitorais, que logo concentraram as especulações, as numerosas e fortes quedas de prestígio constatadas pelo Datafolha expressam muito menos do que parece. Só pesquisas futuras indicarão o quanto as quedas atuais resultam, ou não, do ambiente fermentado.

E se todos os expostos caem ou sobem, a disposição do conjunto fica semelhante à anterior. Quem não estava exposto ao clima do momento, como Marina Silva e Aécio Neves, ficou isento, ou quase isso, de uma aferição comparativa. Assim não vale.

A insatisfação se volta contra a classe política, como concluíram as boas análises de Aécio e do prefeito Eduardo Paes, mas não só. Agora chama para acerto de contas também os inúmeros juristas, acadêmicos e outros contrários à constituinte.

Esquizofrenia hiperativa - ANTONIO DELFIM NETO

Valor Econômico - 02/07

A "voz das ruas" está lembrando aos governos do mundo as prioridades que eles esqueceram. No Brasil, que vive um processo civilizatório de profundidade e rapidez sem precedentes, a insatisfação se relaciona com a péssima qualidade dos serviços de transportes urbanos, o atendimento precário à saúde e o ensino público de má qualidade. E exige o fim da corrupção, seja lá o que isso for.

Em São Paulo, o problema da mobilidade urbana assumiu a condição de tragédia urbana. Há três anos, uma pesquisa mostrou a situação pré-incendiária na maior metrópole brasileira: mais de um milhão de paulistanos se obrigava, diariamente, a ir e voltar de casa para o trabalho caminhando, duas, três e até quatro horas. A maior parte por não poder pagar o preço das passagens, e também porque, mesmo pagando, o tempo gasto não seria muito diferente. É razoável admitir, como condição "normal" de vida, a cidadã ou cidadão gastar um terço do dia apenas para chegar ao local do trabalho e retornar à moradia geralmente à noite, muitas vezes de madrugada? Até quando tal ordem de coisas seria suportável?

O que os movimentos estão dizendo é apenas que há coisas mais importantes que os estádios esportivos: que os governos deveriam estar investindo ativamente em sistemas de transportes públicos para oferecer um mínimo de conforto à população que paga impostos. Para dar uma pequena quantificação desse descaso, basta lembrar que São Paulo tem menos que 75 quilômetros de metrô. Pois bem, um quilômetro de metrô custa em torno de R$ 200 milhões. Os provavelmente subestimados R$ 15 bilhões aplicados até agora em eventos esportivos significam 75 quilômetros de metrô, parte dos quais já poderia estar servindo à população.

A voz das ruas lembra aos governos as prioridades esquecidas

O aumento da insatisfação pela má qualidade dos serviços públicos essenciais deveria ser vista com naturalidade, mesmo porque é menos um problema de recursos e mais atributo da má gestão do governo. O lamentável é que a "surpresa" produziu nos poderes Executivo e Legislativo uma resposta esquizofrênica hiperativa, com ilusionismos, aprovação apressada e inconsequente de subsídios, de gastos e de promessas de imaginárias receitas futuras, que todos sabem não caberão no PIB.

Provavelmente nunca poderão ser implementados, a não ser à custa da maior destruição fiscal, que levará - ao fim e ao cabo - ou a maior taxa de inflação e maior déficit em conta corrente (enquanto os credores tiverem paciência), ou, o que é pior, a alguma forma de restrição à liberdade individual com a qual já namoram alguns vizinhos latino-americanos.

O movimento das ruas é uma daquelas circunstâncias que levam a refletir sobre a natureza e o futuro da organização social em que vivemos. A história mostra: 1) que a utilização dos "mercados" para organizar a produção é resultado de um mecanismo evolutivo. Não foi inventado por alguém. Foi gerado por uma seleção quase natural entre os muitos sistemas que os homens foram experimentando, desde que saíram da África há 150 mil anos, para combinar relativa eficiência na conquista de sua subsistência material com aumento paulatino da liberdade para viver; 2) que deixado a si mesmo, ele amplia as desigualdades e tende a gerar flutuações cíclicas no nível de emprego; 3) que um Estado forte, constitucionalmente limitado e um poder incumbente escolhido pelo sufrágio universal, são fundamentais para civilizá-lo; e 4) que a crença na moralidade da intermediação financeira, essencial ao desenvolvimento produtivo, leva à submissão deste à primeira e, com tempo suficiente, ao controle do próprio Estado, como vimos em 1929 e 2008, o que exige forte regulação.

O mecanismo de seleção continua a trabalhar na direção de aumentar a liberdade do homem para viver a sua humanidade com a redução do trabalho necessário à sua subsistência material, e dar-lhe segurança através do aperfeiçoamento da organização social, que busca combinar três objetivos não plenamente conciliáveis: maior liberdade individual, maior igualdade de oportunidade e maior eficiência produtiva. É importante lembrar que esses três valores estão implícitos na Constituição de 1988. Ela reforçou as instituições para realizá-los.

A história sugere, também, que o método proposto pelo velho e ingênuo "socialismo fabiano", de aproximações sucessivas através da dialética interminável entre a "urna" e o "mercado", é, talvez, o único caminho assintótico para produzi-los. As alternativas propostas de sua substituição voluntarista por cérebros peregrinos lotaram de tragédias o século XX: mataram a liberdade sem aumentar a igualdade, ou melhorar a eficiência produtiva. A lógica é paciente, porque sabe que é inevitável.

A sociedade mundial está inserida numa profunda revolução apoiada em novas tecnologias e no aumento dramático da transmissão e acumulação de informações. Ela vai produzir ainda maior redução do trabalho material e imenso aumento da liberdade individual, no sentido da mesma seleção "quase" natural que nos levou até aqui.

No Brasil, as implicações desse novo passo civilizador precisam ser antecipadas por um dramático aumento da qualidade de nossa educação para elevar o espírito crítico dos eleitores. As exigências das ruas estão mostrando que esse é essencial para salvar a economia e, principalmente, a democracia...

O povo não se deixará enrolar - ALBERTO GOLDMAN

FOLHA DE SP - 02/07

Até agora, só a parcela da população com mais acesso à informação mostrou sua indignação. A reação dos mais simples virá ainda mais forte


Por que os sentimentos de revolta e de indignação --que se constata que estavam em estado latente nas profundezas da alma brasileira-- só agora vieram à tona nas manifestações populares?

A bandeira da gratuidade do transporte coletivo, compreendido por todos como algo inexequível, não foi, isoladamente, a razão das manifestações de milhares de pessoas em todo o país.

Também não se pode creditar o sucesso dessas manifestações à recente oposição da população aos gastos com os estádios, que só era verbalizada por poucos.

Nem foram as deficiências do poder público nas áreas de segurança, saúde e educação, que vêm de muito tempo e exigem ações de longo prazo, as razões das manifestações.

Nem mesmo se originaram da repulsa à corrupção, que marcou o período petista e teve o seu ápice no episódio do mensalão com suas consequências por anos afora abatendo dezenas de altas autoridades da República. Nem da lerdeza do nosso sistema judiciário, que, até agora, não colocou ninguém na cadeia.

Mesmo a reforma política --sobre a qual cada um tem uma preferência e agora tão lembrada como indispensável diante da falta de representatividade dos atuais partidos-- não foi razão suficiente.

Nenhum desses motivos isoladamente explica as manifestações. Todos eles e outros mais, somados, sim!

Enfim, por que essa indignação não explodiu antes? A meu ver, porque Lula e Dilma foram protegidos por bons resultados econômicos: inflação contida, diminuição do desemprego, crédito abundante e barato como incentivo ao consumo e aumentos salariais satisfatórios.

Poucos estavam dispostos a ouvir que a falta de sustentabilidade dos resultados obtidos no curto prazo iria se transformar em graves problemas no médio e no longo prazos.

Aconteceu. Mais cedo do que se esperava, o quadro mudou. A inflação, em especial o custo dos alimentos, deu um salto astronômico. O emprego parou de crescer, o crédito diminuiu, os juros aumentaram e os aumentos de salários apenas recuperam a inflação, quando muito.

A couraça que protegeu Lula e Dilma está se rompendo. A era Lula vai chegando ao fim, e Dilma vai se esvaindo. Passaram a ser atingidos pela revolta que estava encruada na alma dos brasileiros. Pensaram que o povo estava morto.

Até agora, apenas uma parcela da população mostrou a sua indignação. Começou pelos que têm mais acesso à informação. O restante do povo começa aos poucos a se manifestar, o que se percebe nas pesquisas realizadas pelo Datafolha.

Todos tiveram ganhos econômicos nas últimas décadas, mas suas expectativas também são de que a inflação não acabe com as suas conquistas. Que a economia produza mais e melhores empregos e que os serviços públicos respondam às suas demandas. Percebem que a estagnação do país pode frustrar-lhes.

As reações das pessoas mais simples levam mais tempo para se tornarem visíveis, mas não deixam de acontecer. Ainda virão mais fortes, à medida que vão se dando conta dos males que este governo tem feito ao país. A presidente, tendo perdido a credibilidade, não tem mais tempo para reformular o modelo político e econômico que o Lula implementou e que se exauriu.

Dilma ainda tem em suas mãos os meios materiais e a maioria no Congresso. Não será com demagogia ou com a enrolação dos pactos e plebiscitos ninguém sabe sobre o quê, na fase final de governo, que poderá vencer os desafios colocados.

Resta-lhe arrastar-se até os últimos dias do mandato para entregar aos eleitos no próximo ano um país que esteja em condições de superar a herança maldita que vai deixar. Não salvará um novo mandato, mas, pelo menos, salvará a sua honra.

A nova safra de chatos - ARNALDO JABOR

O GLOBO - 02/07

Uma vez, escrevi um artigo sobre 'os chatos' que foi um sucesso entre chatos e não chatos. Descobri em minhas pesquisas que o chato se sabe como tal, mas é movido pela esperança obstinada de um dia se libertar dessa categoria e ser aceito por todos. Nesta utopia, ele se gasta e chateia todo mundo. Existem muitos tipos de chatos catalogados, sendo o mais famoso deles, o rei, o fundador, o 'chato de galochas', cujo nome provém do cara que saía de casa com chuva torrencial, calçava as galochas e ia encher o saco de alguém. O contato com os chatos me revela uma variada gama de comportamentos de nosso tempo. Os chatos sempre se renovam em safras, como os vinhos. A safra de 2013 tem se revelado muito rica de sabores: uns mais encorpados, outros mais suaves e divertidos, etc. 2013 tem sido um bom ano para novos tipos.

Depois que eu comecei a falar na TV, virei um papel de mosca para chatos. Não quero bancar o 'famosinho', mas, veja bem (como dizem os chatos), o sujeito te vê na TV, no quarto onde ele está transando com a mulher e você na tela, falando sobre o mensalão. O cara fica íntimo, te agarra na rua e gruda como um colega conjugal.

Há chatos masoquistas e sádicos. O primeiro é aquele que gosta de chatear para ser maltratado: "Porra, não enche, cara!". Ele adora ouvir essa frase para remoer um rancor delicioso que valoriza sua solidão: "Não me entendem, logo sou especial!".

O chato sádico quer ver teu desespero e escolhe os piores momentos para te azucrinar: "Poxa, sei que sua mãe morreu ontem, mas ouve meu problema com minha mulher...".

Temos o chato do elevador. Estou num elevador vazio, indo para o 20. Entra um cara, e me olha. Eu, precavido, já estou de cabeça baixa. Há uns momentos tensos de dúvida: "Ele ousará falar?" - penso. Passam uns andares. Não dá outra: "Você não é aquele cara da TV?". "Sou" - digo, pálido. "Como é teu nome mesmo?" "É Arnaldo", digo eu, querendo enforcá-lo na gravata de bolinhas. "Não... é outro nome." "Jabor", digo, desesperado. "Isso, porra, claro... É você mesmo que escreve aquelas coisas?" E eu penso, sorrindo: "Não; é a tua mãe que me manda".

E os autógrafos? "Seu nome qual é, meu bem?" "Ildilene... não... faz de novo - Yldilene, com Y." "Pronto!" - digo.

"Escreve também para meu noivo, aqui no guardanapo, ele te adora... Hermogênio... com H...."

Um dos mais angustiantes é o chato íntimo altissonante, que berra de longe seu nome na churrascaria: "E aí, Ronaldo Jabur, isso tem jeito?".

E o chato em dupla? Isso aconteceu. Oito da manhã, aeroporto (sempre esse lugar fatal) e vem o cara. "O mensalão vai dar em alguma coisa?" Começo a balbuciar qualquer coisa. Aí veio um outro cara, que queria falar também. E então se deu a epifania da chatura. Os dois começaram a discutir porque o recém-chegado queria me chatear também... e um era de esquerda e o outro de direita. Assisti maravilhado a uma polêmica febril sobre nosso futuro.

Com o velocidade da tecnociência, multiplicaram-se os chatos do Facebook e os 'chatos do celular'. Ou seja, de repente, você se vê posando ao lado de um bigodudo desconhecido no banheiro, enquanto o faxineiro clica, entre privadas, a foto para a eternidade. Há também o famoso chato corno que te pede para falar ao telefone com sua mulher ("Fala com a Flavia - ela te adora..."). E por aí, vão...

Mas, tirante, é obvio (uma chatíssima expressão), os chatos conhecidos, me interessa mais nesse artigo examinar a forma, o estilo do chato, o que os move, a que aspiram.

Eles surgem de longe. Fingem que não te veem, mas eu (velho de guerra) sei que eles virão. Eles chegam sorrindo, mansos, se autocriticando na base do 'não quero te chatear, mas... quem manda aparecer na TV? - ha ha?'.

Em geral, ele exibe uma expressão facial entre a admiração por você mesclada a uma pontinha de malignidade, porque ele se sabe importuno e porque há sim crueldade na admiração. Quando ele nota que você adota posições de fuga, suas falas se encadeiam em metralhadora de palavras, de modo que não haja brechas que te permitam uma desculpa tipo "meu pai está no hospital e tenho de ir correndo...". Ele não ouve e te segura o braço, quando você começa a se debater. Alguns demonstram insatisfação com a atitude fugitiva e a irritação lhes assoma no rosto, pois, afinal, ele está te elogiando e você denota ingratidão.

Ele sente meu sorriso glacial e se mostra ofendido, o que provoca em mim um vago sentimento de culpa que tenho de superar até me desprender e sair apressado. Mas ele me segue com cara de desprezado, sob o olhar reprobatório de circunstantes que te chamarão de 'metido a estrela só porque diz aquelas bobagens na TV'.

A importância do chatos é antropológica. Neles estão contidos muitos anseios individuais de nossa cultura: o queixume político, a esperança de serem aceitos, o rancor contra os políticos. É extrema a violência de muitos choferes de táxi, por exemplo: "Tem mais é que matar esses putos todos, Maluf é que sabia..." ou a homofobia explícita: "Esses veados têm de entrar é na porrada...".

É necessário um estudo: a sociologia do chato. Guilherme Figueiredo tentou e fez um livro chatíssimo. O chato não pode ser maltratado; primeiro, porque não adianta, ele gruda; segundo, porque são um tesouro cultural. Nossa plêiade de chatos é um resumo de nosso desejo de felicidade, de um encontro solidário entre contemporâneos. Continuo a achar que o chato crônico, legítimo, 'escocês', é, antes de tudo, um carente. Ele precisa de você para viver; sozinho, ele definha como um vampiro sem canudinho. Provavelmente, tiveram pai que batia, mulher que traía, e são vítimas de uma compulsão inelutável. Por isso, não sou contra os chatos. Eles são nós. A gente sempre é chato para outro alguém. Meu Deus, quantas vezes já aporrinhei tantos.

Como lutar contra eles? O Tom Jobim, uma das maiores vítimas de chatos, me ensinou um truque:

"Use óculos escuros. O chato fica desorientado quando não vê teus olhos. O chato quer ver o próprio rosto refletido em teus olhos desesperados. Com você de óculos escuros, ele desiste e vai embora".

Medo das massas - VLADIMIR SAFATLE

FOLHA DE SP - 02/06

Assim como o povo brasileiro, o povo da pequena Islândia um dia descobriu que estava em crise de representação. A crise econômica lhes havia mostrado a relação profundamente incestuosa entre classe política, imprensa e interesses econômicos do sistema financeiro.

Essa situação não seria superada por meio da troca dos partidos no comando, pois crises de representação exigem um movimento de outra natureza. Elas só podem ser realmente superadas quando saímos da própria esfera da representação, ou seja, quando fazemos apelo a uma força política bruta e instituinte fora do universo da representação.

Com essa consciência em mente, o povo islandês decidiu que era hora de ter outra Constituição. Mas, em vez de chamar juristas e políticos para preparar um esboço inicial do texto constitucional, eles fizeram algo mais ousado: mandaram, ao acaso, 950 cartas convocando 950 cidadãos a se reunirem em um estádio a fim de preparar as bases do que seria discutido na Assembleia Constituinte.

Essa incrível confiança no acaso, essa crença de que o acaso é o nome que desperta a potência da invenção democrática não foi a porta aberta para todos os delírios possíveis. Sua Constituição é uma das mais fantásticas peças da democracia contemporânea.

Há um tipo de pessoa incapaz de ter o único sentimento que realmente funda a democracia: confiança no povo. Para tais pessoas, toda vez que o povo é chamado à cena da instauração política, isso só pode significar convite ao caos e à desordem. O povo só pode aparecer dentro de um filme cujo cenário já está desenhado de antemão, seja para sorrir no dia da "festa eleitoral", seja para plebiscitar perguntas que a classe política previamente decidiu.

Nesse sentido, a única ideia sensata depois de semanas de ações paliativas para aplacar as manifestações populares foi a proposta de uma constituinte da reforma política capaz de colocar em questão todo o sistema atualmente em funcionamento. A ideia era tão sensata que foi abandonada em menos de 24 horas.

No seu lugar, ficou um plebiscito canhestro, em que a população será chamada a responder perguntas que ela não colocou. Ou alguém imagina que o povo brasileiro foi às ruas para decidir se as eleições teriam lista fechada ou aberta, voto distrital ou estadual? Há algo de piada de mau gosto nesse tipo de manobra.

Se alguém realmente ouvisse a população em nossos governos, a solução islandesa seria aplicada e as propostas de reforma política sairiam de fóruns de participação direta pela sábia mão do acaso. Isso, entretanto, seria pedir demais para quem, no fundo, tem medo das massas.

Impávido colosso - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 02/07

A presidente da República registra uma queda de popularidade abrupta e tão profunda como nunca antes se viu neste País e sua reação é convocar uma reunião ministerial. "Para mostrar que o Brasil não está parado."

Espetáculo síntese da estrutura mastodôntica de ineficiência inequívoca, de irrelevância administrativa e politicamente distanciada do que seria o critério de coalizão apoiada na execução de programas de governo.

Tanto é que o Planalto sempre exibiu com certa jactância a indiferença funcional da presidente para com a maioria dos ministros.

Em suas edições de domingo e segunda-feira, O Globo traz notícia sobre isso em dois retratos da máquina desenhados a partir de números oficiais. Um deles mostra a discrepância entre os orçamentos autorizados e o dinheiro aplicado pelo governo federal desde 2003, em saúde, saneamento, educação e transportes. Outro diz respeito ao custo da máquina ministerial.

Para a saúde, apenas 39,3% dos R$ 50,6 bilhões disponíveis foram aplicados; em saneamento, 48,6% dos R$ 16,7 bilhões; na educação, 61,3% dos R$ 53,3 bilhões; em transportes, 60,5% dos R$ 118,5 bilhões. Pergunta inevitável: adianta destinar mais R$ 50 bilhões para programas de "mobilidade urbana" e a totalidade do dinheiro dos royalties (ainda inexistentes) do pré-sal para a educação se o governo não dá conta de investir o que já tem?

Os dados sobre as despesas com os 39 ministérios mostram que somam R$ 611 bilhões por ano: destes, R$ 192 bilhões gastos para pagar 984.330 funcionários. Havia 24 pastas no fim do governo Fernando Henrique, Luiz Inácio da Silva criou onze e Dilma Rousseff acrescentou mais quatro. A quantidade de gente em cargos ditos de confiança (ocupados pelo critério Quem Indica) é a maior desde 1997:22.417.

Precisa plebiscito para o poder público entender que assim não é possível? Não é a reforma política que dará resposta a isso. É - para usar um chavão - a vontade política de fazer as coisas de modo mais decente e eficiente.

Digamos que nesse momento de queda de popularidade e intenções de voto não seja fácil a presidente da República propor uma alteração de hábitos. Em tese, os partidos já agastados com ela ficariam ainda mais conflagrados.

Na prática talvez não seja assim. A pesquisa do Datafolha mostrou que sobrou para todo mundo: presidente, governadores e prefeitos. Só que a União, dona de todos os bônus quando as coisas vão bem, acaba arcando com o maior ônus quando as coisas vão mal.

De onde cabe ao Planalto e à presidente Dilma Rousseff abrir o caminho para a recuperação. As propostas vazias de pactos, sugestões mirabolantes como a da Constituinte exclusiva e votação apressada de projetos no Congresso já se mostraram ineficazes.

Podem até fazer frente à emergência, mas ficam vencidas quase que na mesma hora devido à impossibilidade fática de se acreditar na sinceridade (e, sobretudo, na consistência dos resultados) da correria.

Uma reunião ministerial tampouco faz verão. É - usando outro lugar comum - mais do mesmo, remendo inútil para estancar a sangria. O remédio é ir ao ponto. O modelo causa revolta? Mude-se o modelo.

O governo achou que acertou quando a pesquisa apontou 68% de apoios ao plebiscito. Foi até pouco, pois a população não se oporia mesmo a ser consultada. Como já se viu na discussão suscitada pelo tema, a proposta é mais fácil de ser apresentada do que de ser executada.

Subiu no telhado - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 02/07

Além da tentativa tosca de se apropriar da recente popularidade da seleção brasileira, afirmando que seu governo é padrão Felipão , mesmo que não tenha ido ao Maracanã com receio das vaias, a presidente Dilma continua sem anunciar medida concreta que dependa diretamente do Executivo para mostrar que compreendeu os anseios das ruas.

Só a reunião de seu megaministério ontem no Palácio do Planalto dá a exata noção da burocracia paquidérmica de um governo paralisado, inoperante. A ideia de realizar um plebiscito para definir reformas no nosso sistema partidário e eleitoral a ponto de alterar as regras do jogo já na eleição de 2014, que parecia um grande lance político, começou a subir no telhado ontem, com uma série de movimentos da própria área governista.

A presidente Dilma, autora da proposta, sublinhou ontem que fizera apenas uma sugestão , pois quem deve definir a essência do plebiscito e sua viabilidade são o Congresso e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A mensagem que o Palácio do Planalto enviará hoje ao Congresso não conterá perguntas, mas sugestões de assuntos e temas . Entre esses, Dilma citou o tipo de financiamento em campanha eleitoral e o sistema eleitoral.

Ao mesmo tempo, o PSB do governador Eduardo Campos sugeriu que o plebiscito seja adiado para outubro do ano que vem, para se realizar juntamente com as eleições, o que parece mais razoável pelo menos em termos de organização e logística de uma consulta popular. O problema, porém, continua do mesmo tamanho, pois a complexidade da reforma política não cabe em um plebiscito - nem parece ser o melhor instrumento para conseguir a participação popular fazer com que o povo substitua seus representantes de maneira direta, em questões complexas como essa.

O referendo seria mais razoável, se se quer legitimar a reforma política a ser aprovada pelo Congresso, mas o mais importante mesmo é que deputados e senadores se sintam pressionados pelas ruas para se reinventarem como representantes do eleitorado.

A ideia da Constituinte exclusiva, que acabou sendo abandonada e substituída pelo plebiscito, parece ter sido uma tentativa malsucedida de emparedar um Congresso que se ressente de apoio popular e levar adiante uma tentativa de alterar o jogo eleitoral para obter, por meio do sistema de lista fechada, uma representação partidária que dê ao PT e a seus aliados à esquerda uma hegemonia no Congresso.

O plebiscito foi o que restou para dar início a uma democracia direta em que o partido no governo pode manipular as consultas até conseguir alterar o equilíbrio entre os poderes. Provavelmente, o recuo do governo também em relação ao plebiscito deve-se à percepção dos demais partidos, inclusive os da base governista, de que o PT manobra para ter a hegemonia do financiamento público de campanha, que vem acoplado à proposta das listas fechadas. O PMDB é dos partidos que mais bombardeiam o plebiscito.

A presidente Dilma, por seu lado, tem contra si dentro do PT o movimento para a volta de Lula, que agrada bastante à maioria da base aliada e até mesmo ao PSB, cujo presidente, Eduardo Campos, não se apresentaria como candidato nessa hipótese.

As dificuldades técnicas para a realização do plebiscito serão analisadas hoje na reunião da Ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE, com os presidentes dos TREs, e talvez a solução para o impasse esteja mesmo na avaliação técnica da questão, sem viés político. A pressão das ruas não pode justificar nem medidas que coloquem em risco as finanças do país nem decisões inviáveis.

Até hoje os plebiscitos realizados no país tiveram pelo menos seis meses para a sua realização, mesmo quando se referiam a apenas um estado, e o referendo sobre desarmamento levou três meses e meio entre a convocação e sua realização.