segunda-feira, fevereiro 27, 2012

A fábula do rei zeloso e o horóscopo subversivo - EUGENIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA

Era uma vez um bom rei que resolveu proibir a mentira. Era um homem ilustrado, tolerante e culto. Seu país era parlamentarista, não tinha censura nem presos políticos. O Estado laico, nação feliz. Mas, naqueles dias, o rei estava preocupado. Não se conformava. Os jornais não se cansavam de publicar notícias imprecisas, até maldosas, e seu povo, a quem ele amava tanto, ficava assim, à mercê de invencionices odiosas, que minavam a normalidade institucional. Não, não era justo.

Então, numa manhã de sol, o rei chamou o primeiro-ministro e pediu a ele de modo polido, muito educado, que levasse ao parlamento uma proposta: escrever na Constituição que os cidadãos passariam a ter direito à "informação veraz". Assim esperava obrigar os jornais a dizer a verdade. Diante de tão cândida encomenda, vinda de um rei tão compreensivo, os parlamentares aquiesceram. Quem haveria de ser contra a "informação veraz"? E quem defenderia a informação mentirosa? Ademais, eles, deputados, eram os que mais penavam com as calúnias desalmadas da imprensa. Ali estava a chance de vingança, que eles tanto esperaram. Era para já.

A emenda constitucional foi aprovada por unanimidade. Imediatamente, providenciou-se a legislação complementar. Se não fosse veraz, a informação não poderia circular. Simples assim. O raciocínio era elementar. Ponto 1: o povo tem direito à "informação veraz". Ponto 2: quem publica uma informação falsa viola o direito do povo. Portanto, ponto 3: nenhuma informação falsa poderia ser admitida. "Nada a ver com censura", disse o primeiro-ministro para tranquilizar a nação.

O astrólogo foi preso, acusado de que suas previsões não eram "informações verazes" – e o povo se revoltou

Precavidos, os editores de romance cuidaram de estampar, na capa de cada volume, um alerta: "Este livro é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência". Com isso, escaparam do rigor legal. Os jornais, as revistas e os noticiários de rádio e televisão não tiveram a mesma sorte. Viram-se soterrados por milhares de ações judiciais, muitas delas movidas pelo próprio governo, que os acusavam de mentirosos. Qualquer coisa era pretexto: um número errado depois da vírgula, uma letra trocada no sobrenome do ministro. Os artigos de opinião ficaram inviáveis, porque as multas saltaram para a estratosfera. Um articulista condenado a pagar US$ 40 milhões por ter ofendido o primeiro-ministro decidiu se exilar em Miami – o lugar era de mau gosto, vá lá, mas na Flórida ele poderia tomar sol na hora que bem entendesse.

O país do rei zeloso ficou mais triste, mais plúmbeo, mas o povo suportou, acreditando que o sufoco era para o bem da verdade. A sombra da censura se adensou, mas a vida seguiu adiante. Até que, numa tenebrosa noite de quarta-feira, o povo se rebelou. Por quê? Por causa dos astros.

Eis o que aconteceu: naquela quarta, um astrólogo famoso, celebridade nacional, que escrevia o horóscopo no maior diário do país foi encarcerado, sob a acusação de que suas previsões não eram "informações verazes". Pela primeira vez naquele reino, uma revolta de leitores de jornal se converteu num movimento de massa irreversível. A influência dos astros no destino dos mortais podia não ser exatamente "informação veraz", os líderes do movimento admitiam, mas o povo não abria mão de seu direito sagrado de ler os desígnios zodiacais.

Foi uma primavera cósmica. A multidão venceu. O primeiro-ministro, os parlamentares e o próprio rei tiveram de recuar de suas boas intenções. Tiveram de declarar em praça pública que o direito à informação incluía o direito a informações não necessariamente verazes, como aquelas da astrologia. O país inteiro aprendeu que informação veraz na opinião de uns pode não ser tão veraz assim na opinião de outros. Aprendeu mais: que o direito à informação não é a mesma coisa que direito à verdade. É apenas o direito que cada um tem de buscar a verdade a sua maneira, a partir da liberdade de conhecer todas as versões que ela, a verdade, admite – versões que, por sinal, envolvem elementos de mentira na opinião de uns, mas não na de outros. Aprendeu, enfim, que um país tem direito à informação quando o poder não tem o direito de determinar o que é verdade e o que é mentira.

Com tudo isso, até a imprensa daquele país longínquo melhorou um pouco – e o rei zeloso ficou pasmo.

PS: desde 1978, o "direito à informação veraz" consta da Constituição da Espanha, sem acarretar maiores danos. A partir da década de 1990, entrou nas constituições da Argentina, da Venezuela, da Colômbia e do Equador. Recomenda-se atenção.

O que o Carnaval diz do Brasil? - ROBERTO DaMATTA

REVISTA ÉPOCA


No Brasil, o Carnaval nos permite abandonar as hierarquias e os tabus de um sistema altamente repressivo


Toda celebração nacional tem um mito, uma história que explica e justifica a sua celebração. O melhor exemplo é o nosso "7 de setembro". Uma arrogada realidade histórica ensina que já em agosto de 1822 Dom Pedro I rompera com Portugal declarando inimigas as tropas lusas que estavam em nosso território. Mas o mito, conforme aprendemos na escola primária, narra um gesto muito mais dramático e revelador. Em viagem a São Paulo acompanhado por sua guarda de honra (chamada de "dragões"), Dom Pedro recebe a correspondência de Portugal limitando seu poder. Reagindo à diminuição de sua liberdade, arranca do seu dólmã as fitas com as cores vermelha e azul das cortes portuguesas, desembainha a espada e grita: "Independência ou morte!". Estava declarada nossa independência às margens do Ipiranga – um riacho de "água vermelha" (i-piranga em tupi), como mostra o quadro consagrador de Pedro Américo. O ritual que celebra esse mito repete todo ano o gesto de uma forma estilizada: há uma parada militar onde se afirma o poderio brasileiro. O grito "original" (sinal do rom-pimento) é substituído por discursos ou pelo canto do hino nacional. A Independência segue a norma dos ritos da ordem e tem um centro, um propósito e um personagem.

Tudo isso contrasta notavelmente com o Carnaval, que não tem um mito de origem nem é uma comemoração de algum ato ou pessoa. Na festa de Momo, temos o rito, mas não temos o mito. Trata-se de uma festa da desordem e, como tal, ela promove uma infinidade de personagens e eventos. Em contraste com a Independência, o Carnaval ocorre dentro de um tempo bíblico. O Carnaval, como o futebol, não foi inventado no Brasil e faz parte de uma tradição arcaica na qual se coloca em correspondência a mudança das estações do ano ou anomalias cósmicas (como os eclipses) e o barulho por meio da percussão, o insulto e o as-sassinato dos deuses. Ele ocorre antes da Quaresma, que culmina no sacrifício de Cristo, o Deus que se fez homem para salvar a humanidade, conforme reza a tradição cristã. Antes então de um período de disciplina (onde não se come a carne – donde: carne levare), permite-se o excesso que sinaliza o fim de um recreio.

No passado, o Carnaval foi uma celebração obrigatória: todos tinham de brincá-lo. Hoje, ele é um longo feriado, embora con-tinue preservando sua escritura original que suspende e inverte as regras das rotinas mais equilibradas. A norma é esbaldar-se, brincar e pular até cair. Temos então uma revelação interessante: como uma festa baseada no "poder fazer tudo" acontece na terra do "não pode"? Um "não pode" sempre dirigido para quem não é rico, bem de vida ou faz parte do governo?

A pergunta contém sua resposta. Só existe Carnaval onde há o desejo de ver o mundo de cabeça para baixo. A permissividade planejada e permitida é, no fundo, uma licença "legal" (conforme taxamos tudo o que é bom no Brasil) para abandonar, por um curto período de tempo, as hierarquias e os tabus de um sistema altamente repressivo. Tão profundamente aristocrático e desigual que seus membros precisam de um ritual permissivo. Testemunha isso o fato de o Carnaval ter sido proibido na Es-panha e em Portugal nas ditaduras de Franco e Salazar. No Brasil, as tentativas de proibi-lo sempre estiveram associadas ao eliti-smo intelectual que vê na festa um abuso dos bons costumes e um exemplo de "atraso" nacional. Enfim, como perda de um tempo precioso, destinado a produzir e a fazer as grandes reformas e a "revolução" de que tanto precisamos. Como o futebol, o Carnaval seria um ópio ou, na melhor hipótese, um remédio para o povo.

O que fazer com o puritanismo globalizado que manda trabalhar, poupar e ser recatado, se o Carnaval apresenta aos seus celebrantes uma verdade alternativa: aproveite enquanto pode; é hoje só, amanhã não tem mais... E, ao lado dessa mensagem, deixa que o pobre vire divindade, reduzindo o patrão ao papel de espectador de seus empregados. Não satisfeito com tais ab-surdos, ele faz o governo destinar verbas para suas "escolas de samba", cujas sedes são melhores que as escolas e os hospitais. Pode-se urinar, beijar e fazer outras coisas na rua em cidades cujas vias públicas são finalmente destinadas a nós, seus cidadãos – essas ruas que, sem os nossos mortíferos automóveis, podem ser desfrutadas porque estamos num mundo sem donos e patrões.

Nada melhor do que a marchinha de Lamartine Babo, escrita em 1934, para mostrar o que o Carnaval diz do Brasil:

Quem foi que inventou o Brasil?
– Foi seu Cabral! Foi seu Cabral!
No dia 21 de abril
Dois meses depois do Carnaval!

Se o mundo diário nos obriga a pensar a festa como um resultado ou um prêmio, a música e o mito levam a ler o Brasil irre-mediavelmente marcado pelo Carnaval. Nele, a festa não depende do Brasil, mas, pelo contrário, é o Brasil que dela decorre. O compositor percebe como o Carnaval escapa do viés utilitário que só enxerga o mundo como controlado por partidos e classes sociais. Nessa sociedade que, até 1888, teve escravos, que até ontem teve imperadores e barões e, no seu período republicano, mais ditaduras do que regimes igualitários e livres, entende-se por que o Rei Momo vem periodicamente governar. Pois, mais do que festa, o Carnaval é o espelho pelo qual vemos a nós mesmos por meio da estética dos subordinados. Esses que amam o luxo e o enfeite adoram o exagerado e o invejável. E assim reproduzem seus superiores por meio da licença ampla concedida pela permissividade do ritual. Desse modo, abusam tanto quanto seus superiores o fazem no mundo diário, onde desfilam com suas falcatruas, mentiras e roubos da coisa pública, sem ser punidos.

Penso, pois, que o Carnaval põe o Brasil de ponta-cabeça. Num país onde a liberdade é privilégio de uns poucos e é sempre lida por seu lado legal e cívico, a festa abre nossa vida a uma liberdade sensual, nisso que o mundo burguês chama de libertin-agem. Dando livre passagem ao corpo, o Carnaval destitui posicionamentos sociais fixos e rígidos, permitindo a "fantasia", que inventa novas identidades e dá uma enorme elasticidade a todos os papéis sociais reguladores. Se Shakespeare nos visitasse, confirmaria seu famoso axioma segundo o qual o mundo é um palco. E descobriria, indo além de si mesmo, que, nesse cenário de tragédias, injustiças, sofrimento e reveses, a própria morte é convidada. Pois, no Carnaval, os homens desmorali-zam a morte, cantando e dançando com ela. Reafirmando o riso como nosso único consolo. Esse riso carnavalesco que cora-josamente permite rir de nossas próprias desgraças.

Liberdade de imprensa duplamente violada - PAULO BROSSARD


ZERO HORA - 27/02/12

É de ontem o conflito instaurado entre a chefe do governo argentino e a imprensa daquele país ou com a parte que se insurgiu contra a unanimidade jornalística, que se pretendeu impor em relação aos meios de comunicação. A situação de bom convívio se manteve até o chamado "tarifaço agrário" decretado pelo governo de Cristina Kirchner; não há quem ignore a importância do segmento agrícola, abrangente do pecuário, naquele país e o relevo da questão criada; o complexo capitaneado pelo jornal Clarín, o mais importante da Argentina, tomou o partido do mundo rural e daí o seu afastamento do governo. A partir desse momento, o Grupo Clarín passou a ser estigmatizado e, não tardou o dia, foi em fins de dezembro, que 200 fiscais fazendários, de inopino, invadiram a TV a cabo do grupo, levando consigo documentos da empresa. Não durou muito, o Senado aprovou projeto declarando de "interesse público" a fabricação, comercialização e distribuição de papel-jornal. Ocorre que o papel-imprensa era fabricado por uma só empresa que abastece 75% dos consumidores, 172 jornais em todo o país. Vale salientar que dessa empresa o Grupo Clarín possuía 49% das ações, o La Nación era titular de 22%, a República Argentina, 27,5%, e o restante 1,5%, pequenos acionistas. Mas, com a iniciativa de batizar o papel-imprensa como de "interesse público", proibiu que empresas jornalísticas possuíssem ações do Papel-Prensa. Ora, o mais acanhado observador não custaria a concluir que o Grupo Clarín ficava com seus dias contados e, faz dias, foi divulgada a notícia de que o maior jornal da nação suspendera dois suplementos em suas edições dominicais por falta de papel... O caso não é novo. A própria Argentina já conheceu coisa parecida; quando o peronismo começava também sua guerra contra a imprensa e seus grandes jornais, La Nación e La Prensa figuravam entre os maiores e melhores do mundo; o resultado está à vista de qualquer do povo.
O que está acontecendo na Argentina, mutatis mutandis, aconteceu também no Equador; um no sul do continente, de costas para os Andes e voltado para o Atlântico, outro, voltado para o Pacífico, deixando os Andes para o lado, ou seja, um fenômeno no Sul, outro de igual natureza no Norte. Ambos antológicos. No Equador, uma ou duas pessoas, referindo-se ao presidente Correa, disseram-no ditador. Certa ou equivocada, tratava-se de mera opinião, errônea ou luminosa. Ora, entre milhares de pessoas, dificilmente não haveria algumas centenas a dizer o mesmo, com ou sem a intenção de ferir o bom nome do alvo, mas com o propósito de caracterizar a atuação de um governante, e com cujos atos não concordam. Procedimentos correntes em uma sociedade democrática. Pois bem, a pessoa ou pessoas que tenham assim se expressado foram condenadas a três anos de prisão e à condenação por danos morais da ordem de US$ 40 milhões!
Não conheço nação democrática que tenha legislação semelhante. Os presidentes Obama e Sarkozy são assim tratados uma vez por ano, senão mais, ou por mês, ou por semana, ou por dia, ou por hora, por motivos concludentes ou por meros preconceitos; quem não lembra de Churchill, até chegar a primeiro-ministro em 1940, era um dos homens mais malquistos da Inglaterra, e jamais se lembrou ele de ocupar-se dos que o desestimavam. E era Churchill.
Por falar em Churchill, não resisto em lembrar livro recente do professor Nigel Knight intitulado Churchill Desmascarado. Ao longo de 450 páginas, sustenta ele que nada fez de bom, de útil ou de belo. Tudo errado. As derradeiras palavras dizem tudo: "Foi Hitler que tornou Churchill uma figura histórica" da qual "nos lembramos de Churchill, acima de todo o resto, pela derrota de Hitler. Hitler, entretanto, é lembrado por si mesmo"!!!
Ora, a todas as luzes, o que está ocorrendo na Argentina e no Equador, pela desproporção das penas impostas, criminal e indenizatória, deixando de concluir que não são sanções dotadas de um mínimo de razoabilidade, e porejam sentimentos próprios de uma inimizade capital com a liberdade de imprensa. Os maus exemplos também se reproduzem e, quiçá, com abundância maior do que os bons. Este é o mal que, depois de tantos erros a propósito, começa a aparecer e deitar sementes, o que é perigoso para todos, e até de onde menos se espera. A liberdade de imprensa, escreveu Rui Barbosa, é a primeira das liberdades, só que há alguns que não a estimam.

O procurador não quer procurar - REVISTA VEJA


As autoridades se esforçam para continuar escondendo o conteúdo dos depoimentos da advogada que a máfia infiltrou no governo
Rodrigo Rangel


Há duas semanas, VEJA revelou que os ministros Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência da República, e Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, agiram em sintonia com a máfia que desviou mais de 1 bilhão de reais dos cofres públicos. Em depoimentos prestados ao Ministério Público e à Polícia Federal, a advogada Christiane Araújo de Oliveira contou que, durante anos, manteve relações estreitas com ambos e usou essa intimidade para conseguir levar à frente ações de interesse da quadrilha para a qual trabalhava. Apesar da gravidade das acusações, registradas há mais de um ano em um arquivo de vídeo e outro de áudio, na ocasião nenhum procedimento de investigação formal foi aberto para apurar a denúncia. Pior que isso: uma parte do material - o áudio original no qual a advogada narra aos policiais os detalhes de seus encontros com as autoridades do governo e as atividades paralelas derivadas desses encontros - pode ter sido propositalmente escondida para evitar constrangimentos ao governo.

No áudio até agora desaparecido, Christiane conta detalhes, muitos deles sórdidos, a respeito do período em que conseguiu se infiltrar no governo a pedido da máfia. Entre muitas histórias impressionantes, a advogada confirma que, em 2009, entregou ao então advogado-geral da União, Dias Toffoli, material gravado clandestinamente que incriminava opositores do governo - versão confirmada em depoimento prestado recentemente à Policia Federal por Durval Barbosa, o chefe da quadrilha, que fez um acordo de delação premiada com a Justiça. Dias Toffoli nega que tenha recebido qualquer documento das mãos da advogada. Em conversas com colegas do STF, o ministro relatou que está sendo vítima de calúnia e que teria recebido do procurador-geral da República Roberto Gurgel a garantia de que não há nada nos depoimentos que o comprometa. Não é um comportamento apropriado para quem deveria zelar pelo interesse público: melhor seria se o procurador se empenhasse em descobrir por que as revelações da advogada ficaram escondidas por tanto tempo.

Na semana passada, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, voltou a afirmar que "a suposta gravação informal (áudio) não consta de nenhum procedimento instaurado pela PF". O ministro não esclarece coisa alguma. O áudio desaparecido tem seis horas de conversas e existem algumas cópias dele guardadas, inclusive com pessoas da própria polícia. O ministério daria uma boa contribuição à Justiça se ajudasse a esclarecer por que o depoimento da advogada foi - e permanece - escondido na Diretoria de Inteligência da Polícia Federal. Mas, ao que parece, não é esse o objetivo. Na mesma nota, o ministro negou que tivesse recebido e visto o vídeo no qual a advogada explica suas relações com Gilberto Carvalho. Cardozo, inclusive, chegou a relatar o conteúdo do material a um assessor da presidente Dilma Rousseff, segundo fontes do Palácio do Planalto. Estranho o comportamento do procurador-geral da República. Estranho o comportamento do ministro da Justiça.

Estamos às ordens - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 27/02/12


Dilma ligou para Chávez assim que soube do novo tumor do presidente da Venezuela.
A presidente reiterou sua disposição de ajudar no que for preciso, caso o venezuelano decida se tratar no Brasil. Mas Chávez prefere continuar com o tratamento em Cuba.

Teje preso
Romário foi barrado rispidamente por um segurança no camarote da Grande Rio, sábado, no desfile das campeãs.
O Baixinho não teve dúvida: deu ordem de prisão ao valente. Mas prevaleceu a turma do deixa disso, e Romário curtiu em paz seu carnaval.

Outra de Romário...
Romário ofereceu R$ 3 milhões pelo Sítio do Dragão, em Nogueira, RJ, que pertenceu ao presidente João Figueiredo.
Nada feito. Os proprietários querem R$ 8 milhões.



 NIKE GASTOU R$ 4 milhões para reunir Neymar, Ganso, Thiago Silva, Pato, Ronaldo, Mano Menezes, Anderson Silva, o rapper Emicida e Thiaguinho do ExaltaSamba num comercial que começa a ser veiculado hoje no YouTube. Confira Neymar em ação. O anúncio foi gravado em Milão e em São Paulo

Brasil não
A multinacional Sky está pedindo a seus assinantes para se manifestarem junto ao STF e à Ancine contra a nova lei que a obriga a programar meia hora de conteúdo brasileiro por dia.

Beata Nhá Chica
Teólogos do Vaticano, antes do carnaval, avaliaram milagre atribuído à mineira Nhá Chica, de quem Paulo Coelho é devoto, e deram parecer favorável à cura de um problema no coração da professora Ana Lúcia Meirelles Leite, de Caxambu, MG.
Uma comissão de médicos da Santa Sé já havia confirmado a cura. Agora, o processo de beatificação segue para os cardeais, e, depois, para o Papa. Amém.

Xumbrega
A Globo Livros lança em março “Pequeno dicionário da língua morta”, de Alberto Villas.
Trará palavras hilárias e curiosas que caíram em desuso, como... “ xumbrega”, cuja origem remonta a 1600 e que significa “coisa ruim, feia, mal-acabada”.

Feliz ano novo
Ainda sobre a ideia preconceituosa de que nossa gente bronzeada só começa a trabalhar depois do carnaval. Cimar Azevedo, gerente da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, lembra que não se faz folia com preguiçosos:
— É preciso muita mão de obra — diz.

Aliás...
Azevedo afirma que, em janeiro, o carioca registrou a maior média de horas trabalhadas por semana no país.
Foram 40,6 horas, mais que São Paulo, que registrou 40,3.

As voltas que...
O canal português SIC Notícias, do portal Sapo, exibiu um balanço da presença de europeus no carnaval do Rio.
Além da constatação de que, por causa da crise, os turistas de lá vieram em menor número, todos os entrevistados chiaram dos preços no Rio — das diárias de hotel até o prato no restaurante. Um espanhol chegou a dizer: “O dinheiro está aqui. Por isso, tudo é caro para nós.” Veja só em http://bit.ly/AhMh66.
Meia bomba
Veja como a saúde no Brasil é doente crônica.
O hospital da Rede Sarah inaugurado por Lula no Rio, em maio de 2009, até hoje, não opera nem com 50% de sua capacidade. É pena.

Como se sabe...
O novo Into, inaugurado por Dilma, também.

Caso médico
Paulo Goulart, 79 anos, sofreu uma queda em casa, no Rio, e teve de deixar a peça “Abalou Bangu 2, a festa”, de Paulo Marinho, sucesso no Teatro dos Grandes Atores, na Barra.
Em seu lugar, já atuou no fim de semana Ernani Moraes, 54.

Clube dos 80
O coleguinha Alberto Dines, que dirigiu o “Jornal do Brasil” por 12 anos, entrou para o clube dos 80 anos, dia 19.
Vai comemorar a data num encontro com ex-companheiros do antigo JB, dia 10 de março, na Fiorentina, no Rio.

Samba no Sacopã
O TJ-RJ esclarece que o desembargador Jorge Luiz Habib, da 18a- Câmara Cível do Rio, apenas determinou o cumprimento da sentença, já transitada em julgado, da proibição do samba no Quilombo Sacopã.

Mantega conserta a Europa - VINICIUS MOTA


FOLHA DE SP - 27/02/12



SÃO PAULO - Meses de desgastantes reuniões entre chefes de Estado, ameaças de calote, estouro nos juros, quedas de governo, rebaixamento de notas de crédito, bancos na corda bamba, Bolsas na montanha-russa... Até que o ministro Guido Mantega, do Brasil, revela a receita para consertar a economia europeia.

Ao jornal britânico "Financial Times", o titular da Fazenda pediu "mais flexibilidade" para que países possam abandonar o euro. Mantega desconfia que nem todos os usuários da moeda comum -o caso grego vem logo à cabeça- têm condições de manter-se no bloco.

Os países mais vulneráveis da eurozona não contam com o recurso de desvalorizar a moeda em momentos de emergência -um subterfúgio capaz de minimizar o impacto recessivo das tormentas financeiras. Esse defeito de fabricação, recomenda o ministro brasileiro, deveria ser repensado tão logo seja vencida a fase crítica dessa crise, quando algumas nações poderão deixar o euro, vaticina.

E Mantega foi além. Ofereceu a solução para acabar com a crise atual. Consiste em dividir os países em dois grupos. Um deles, de nações endividadas até as tampas, seria submetido a um rígido corte de gastos. O outro, dos remediados, adotaria também medidas para acelerar o crescimento econômico. Os alemães deveriam perguntar-se por que não pensaram nisso antes.

Desde que ganhou o mundo a expressão "guerras cambiais", usada por Mantega para criticar o abuso de países que enfraqueciam desesperadamente as suas moedas, o ministro solta a franga quando ocupa a ribalta da finança internacional. Tornou-se uma espécie de senador Suplicy do G20, disposto a dar palpites variados aos colegas globais.

A repercussão de suas frases conota uma mudança e tanto. Nós, que por décadas tivemos de escutar humildemente as prescrições e as bobagens sugeridas pelos europeus, estamos vingados. Mantega neles.

O real motivo do trabalho - GUSTAVO CERBASI

FOLHA DE SP - 27/02/12


Veja a carreira como uma oportunidade de vender seu tempo para garantir o desfrute na etapa seguinte

O profissional moderno trabalha hoje pela carreira, pelo "mercado", mas aparenta esquecer que os maiores interessados em seu sucesso não são seu empregador nem esse mercado, e sim sua família.

As pessoas que mais querem o bem do trabalhador abrem mão de sua companhia, de seu papel de pai ou de mãe, de marido ou de mulher, em troca de uma suposta construção de vida melhor.

A ascensão na carreira envolve regras tão complexas que exigem do trabalhador uma série de preocupações que vão muito além do conhecimento técnico de sua área profissional.

Entre elas estão o "networking", a ética, a política, a diplomacia, a moda, a educação continuada, as celebrações de fim de ano, a concorrência, a fofoca, o domínio de idiomas, a organização pessoal, enfim, uma série de elementos que, combinados, determinam a imagem do profissional e definem sua capacidade de evoluir ou sua estagnação.

Manter-se antenado com essas variáveis exige um envolvimento profundo, que aumenta à medida que vamos dominando o conhecimento sobre nossa atividade profissional.

Quanto mais nos envolvemos, mais assumimos as rédeas da carreira, porém mais nos distanciamos da vida. Profissionais antenados e em franco processo de crescimento costumam ter pouco tempo para si e para a família.

De tão valorizado pela sociedade, o trabalho passou a ser desculpa razoável para a falta de tempo, de carinho, de relacionamento, de sexo e de realizações pessoais.

Porém, não se pode esquecer de que a vida não é o mesmo que a carreira. Não vivemos para trabalhar, mas trabalhamos para viver.

O dito popular e o bom-senso rezam isso, mas a prática vai por outro caminho.

Nossa família ocupa, ou deveria ocupar, um espaço muito mais importante em nossa vida do que o trabalho.

Quem tem planos para desfrutar de vários anos de aposentadoria deveria perceber que, na verdade, quer desfrutar é daquilo que lhe é familiar.

Não importa se a família envolve laços sanguíneos ou não.

Pode ser que seus planos de aposentadoria envolvam uma aproximação maior de sua comunidade ou sua tribo, de seu Estado ou país de origem, do clube em que desfruta do lazer ou de qualquer referência que envolva elementos familiares e queridos a vocês.

Mas, independentemente de qual seja o sentido de família para você, o fato é que, se for casado, seu parceiro estará totalmente envolvido nessa reaproximação.

Por isso, veja a carreira não como o plano principal de sua vida, mas apenas como uma fase intermediária, onde aproveitará a oportunidade de vender seu tempo e conhecimento para garantir o desfrute da próxima fase da vida com mais tranquilidade e segurança.

Por essa interpretação, defendo que o foco quase que total no trabalho, se fizer parte dos planos da vida de um dos membros do casal ou de ambos, deveria durar o menor tempo possível, apenas o suficiente para sustentar seu crescimento.

Não se trata aqui de uma defesa do ócio, da vida sem trabalho. O ócio é bom, mas não é viável para quem não tem um bom grau de independência financeira.

Mas, por mais que o trabalho nos consuma, temos de nos esforçar para não perder de vista nossos principais objetivos.

Precisamos nos desapegar dos laços de comodismo que o trabalho impõe. E, nesse sentido, ninguém melhor para contar com a ajuda do que a pessoa que escolhemos para ter ao lado nessa jornada.

A carreira não deve ser pensada ou planejada como um projeto do indivíduo, mas sim como um projeto do casal.

E esse projeto não pode, de maneira alguma, ser dissociado dos planos de construção de riqueza da família, pois a carreira nada mais é do que um meio de adquirir nossa independência financeira.

De nada adiantará acumular riquezas e conquistar a tranquilidade da aposentadoria se, lá na frente, a única coisa a que você terá acostumado seu corpo e sua mente a sentir falta for o trabalho.

Operárias da 'Mariângela' - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 27/02/12


Batimentos da história, batimentos da vida. Francesco Matarazzo, em 1900, apoiado por um banco inglês, que aqui estimulava talentos empresariais, como o dele, ergueu no arrabalde do Brás o imponente Moinho Matarazzo. Ia produzir aqui mesmo a farinha de trigo até então importada. Seu consumo crescia, promovido pelos novos costumes alimentares trazidos pela imigração italiana, como o da pasta e o do pão nosso de cada dia. Farinha pedia sacos de algodão e, em 1901, Matarazzo inaugurava, ali ao lado, a também imponente Tecelagem Mariângela. Os prédios das rugas dessa história ainda estão lá.

Em 1917, a greve geral deu o alerta de que as obsoletas e iníquas relações de trabalho passavam dos limites na indústria paulista. Na porta do Moinho, a Força Pública atira contra um piquete. Fere mortalmente o operário espanhol José Martinez, que morrerá na Santa Casa. Morava na Rua Caetano Pinto. A multidão atravessa em silêncio toda a cidade, carregando seu caixão. Na porta do cemitério do Araçá, uma operária discursa. A cidade se tornava palco de novos personagens e ouvia novas vozes. O Brasil já era outro.

Trabalhavam na "Mariângela" 1.800 operários, na maioria mulheres, algumas ainda crianças. Moravam por ali mesmo, de famílias originárias de Polignano a mare, região de Bari, na Itália. Devotas de San Vito Mártire, secretamente cristianizado por Crescência, sua ama de leite, e martirizado pelo imperador Diocleciano, em 304. Perto da fábrica, ergueram os bareses sua igreja, onde celebram, todos os maios, em animada festa de comes e bebes, a memória de seu padroeiro. O tempo passou, as fábricas fecharam. Pelas ruas próximas uma humanidade abandonada se deixa ficar.

Mendigos, moradores de rua, desocupados, famintos, embriagados esperam. Esperam os operários que não chegam; os patrões que não vêm; o moinho que não mói; a festa que não começa; a flor que não abre; o apito da fábrica que não soa, que não desperta, que não chama nem reúne. Esperam em vão. A brisa sussurra ainda o gemido do operário ferido na repressão da greve inaugural. Tiro. Pasmo. Sangue. Punhos cerrados dos sem direitos. Ervas que brotam entre as pedras desses começos e fins. Na rua vazia, os passos do silêncio atrás do tempo que se foi.

Na porta da "Mariângela", as moças já não esperam namorados. Lá dentro, já não se fia o fio, já não se tece o pano nem a veste nem o sonho nem a luta. Lá dentro, já não se fala. Lá dentro, já não se escuta. Ali já não há beijos furtivos, olhares tímidos, disfarçados, roçar de mãos, desejos envergonhados, sussurros de amor no meio do vozerio dos operários. Esperas, esperanças. Portão fechado, teares quietos, operárias mudas. Os pés não "entredançam" os passos do trabalho. Nem as mãos entretecem no silêncio dos ausentes. Esperanças, esperas.

Salvem as martas - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

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Corrida de resistência - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 27/02/12


No PMDB, existe quem pense em propor Gabriel Chalita como vice de Fernando Haddad em São Paulo, mas desde que o PT aceite de bom grado os candidatos que o PMDB propuser às presidências da Câmara e do Senado
Quem faz atletismo sabe que numa corrida de longa distância não adianta gastar toda a energia no começo. Vale mais um sprint final, com boas passadas ao longo de todo o período, do que aquela arrancada vigorosa que leva a perder o fôlego mais à frente. É mais ou menos assim que começa a disputa para a Presidência do Senado e da Câmara, o ponto que promete desestabilizar a relação PMDB-PT quase tanto quanto a campanha municipal, talvez até mais. E que ninguém se espante se as duas eleições terminarem interligadas. 
Entre os deputados, Henrique Eduardo Alves, do PMDB, saiu com uma arrancada dessas de colocar em dúvida a capacidade de cruzar a linha de chegada. Desde o ano passado, posicionou-se no estilo “sou candidato e ninguém tasca”. 
No Senado, existe uma série de movimentos em prol da candidatura do ministro da Previdência, senador Garibaldi Alves Filho, primo de Henrique. Garibaldi presidiu o Senado. É considerado um nome fácil de emplacar entre os pares e, se combinado com Dilma, ainda abriria uma vaga para um senador do PMDB no ministério. Garibaldi não tem arestas com os partidos, nem passou por um processo de desgaste como o atual líder do PMDB, Renan Calheiros, o candidato número um da cúpula do PMDB ao comando do Senado.
O problema de Renan é que alguns senadores consideram arriscado seu retorno porque pode trazer à tona todo o processo que ele enfrentou lá atrás, em 2007, quando ocorreu uma profusão de reportagens sobre seu patrimônio. E parte dos senadores não deseja reviver esse desgaste. 

Por falar em desgaste...Por enquanto, os gestos pró-Garibaldi são tímidos. Mas se ganharem desenvoltura, formam o código para não só poupar Renan, como também tentar tirar Henrique Eduardo Alves do páreo. Nos bastidores já há quem diga que pega mal dois primos comandando o Congresso, um argumento frágil. Na verdade, seja dentro do Palácio do Planalto ou do próprio parlamento, o que muitos não desejam é dar espaço ao deputado Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro. 
O último episódio envolvendo Cunha e Alves ainda está fresco na memória de muitos. Cunha bateu o pé para ser relator do Código de Processo Civil, sem ser advogado ou jurista. Como líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves bancou a indicação. A bancada com formação jurídica e a OAB estrilaram. Depois de muita pressão, o líder foi obrigado a voltar atrás na indicação. 

Por falar em voltar atrás...Nem tudo está perdido para Henrique Eduardo Alves. Já existe no PMDB quem levante a seguinte hipótese: os peemedebistas apresentariam Gabriel Chalita como possível vice de Fernando Haddad em São Paulo, desde que o PT aceitasse de bom grado os candidatos que o PMDB propuser à presidência da Câmara e do Senado. Dado o nervosismo dos petistas paulistanos desde que José Serra entrou na disputa, há quem acredite que o PT acolherá essa proposta. 
O problema é que a eleição do Senado ocorre três meses depois da municipal, tempo suficiente para ruir acordos. Num período até menor do que esse a prévia do PSDB em São Paulo perdeu o sentido. 
Há ainda outros entraves nesse desenho. Primeiro, o PMDB, mais uma vez, adiaria o projeto de se apresentar ao eleitor com uma cara nova em troca de um jeito de alavancar integrantes da cúpula, sempre acusados de não ceder espaço à renovação. Em segundo lugar, Chalita já fechou acordos com outros partidos, está em campanha. 
Mas para os políticos do PMDB está colocada a pergunta: o que vale mais? Se apresentar na eleição de São Paulo com um candidato ou garantir a presidência da Câmara e do Senado para o período da sucessão presidencial? É isso que estará em debate dentro do partido ao longo das próximas semanas. 

Por falar em São Paulo...Ainda que José Serra tenha demorado a dar uma resposta, venhamos e convenhamos: desde que ele se colocou como possível candidato, dominou o noticiário a respeito da sucessão paulistana e ainda reduziu o tamanho de Fernando Haddad, que agora, precisa engajar Marta Suplicy e outros aliados na sua campanha. A caminhada de Haddad, segundo avaliam os próprios petistas, não será tão fácil quanto ele esperava. Esta campanha, como a dos presidentes da Câmara e do Senado, será uma corrida de resistência. 

GOSTOSA



Por um Brasil sem sujeira - LUIZA NAGIB ELUF


O Estado de S. Paulo - 27/02/12


O termo sujeira é amplo, pode-se entendê-lo como oposto de limpeza ou, em sentido figurado, pode se referir à corrupção, à malandragem, aos desvios de dinheiro público. Aqui, porém, será usado literalmente. Embora os problemas de sujeira no Brasil sejam muitos, é preciso escolher as prioridades. Falemos do tratamento de esgoto.

Bons ventos trazem o tema do saneamento básico à discussão, com intensidade nunca antes vista na História do Brasil. Enfim saímos do marasmo para enfrentar com maior determinação uma das necessidades mais prementes da nossa população. O momento também favorece a ampliação da discussão para que contemplemos as questões relacionadas ao meio ambiente diante do abismo de nossas desigualdades sociais, além do muito que falta fazer para alcançarmos a tão almejada sustentabilidade.

Estamos distantes do discurso de que "é preciso deixar aos nossos descendentes os recursos naturais necessários à sua sobrevivência", pois nem sequer conseguimos prover o que há de mais básico em termos de saneamento. Não temos água tratada e própria para o consumo em muitas localidades. Com o vertiginoso aumento populacional no mundo, esse problema, que atinge prioritariamente os países em desenvolvimento, coloca mais de 2 bilhões de pessoas, sobretudo crianças pobres, em situação de risco para a saúde.

No Brasil, são milhares de crianças atingidas por diarreia todos os anos, doença que afeta a saúde de forma perversa e contínua, prejudicando até mesmo o completo aprendizado escolar. Segundo o Ministério das Cidades, 55% da nossa população ainda não está conectada a redes de esgoto - e o índice de tratamento é de apenas 39%, conforme estudo de 2009. Mais impressionante ainda que isso é constatar que a população nem ao menos sabe o que significa saneamento básico e somente 5% das pessoas entrevistadas na mesma pesquisa conseguiram relacionar o saneamento com saúde.

Todo verão, em alguns Estados da Federação, é comum que se publique a avaliação da adequação das praias mais procuradas. As notícias são estarrecedoras, diante dos numerosos locais intensamente frequentados por turistas que se encontram impróprios para o banho por causa da infestação por coliformes fecais - ou seja, esgoto. E a água poluída acaba contaminando a areia da praia, que, por sua vez, passa a significar um risco maior para a saúde do que a própria água.

A lei atribui às prefeituras a responsabilidade pela execução do saneamento básico. O Ministério Público vem acompanhando as licitações, que, em certos casos, precisam ser refeitas, o que recomendaria uma providência para evitar a suspensão de obras: a orientação das autoridades competentes sobre como proceder para não incorrer em erros que tanto atrasam o saneamento.

Apesar da forte e conhecida ligação entre os serviços de esgotamento sanitário e a saúde pública, a comunidade não reivindica seus direitos perante as autoridades e os administradores públicos acabam relegando essa inacreditável sujeira a segundo plano, até porque nossa cultura política é no sentido de que fazer "obras enterradas" não dá voto.

Infelizmente, nossos colonizadores nos deixaram uma herança de descaso com relação ao saneamento básico. Nossa imperatriz Leopoldina, que era austríaca, documentou em cartas, posteriormente transformadas em livro, a forma como os excrementos eram retirados do palácio de dom Pedro I. Os escravos vertiam o conteúdo dos penicos numa grande tina que carregavam nas costas pelos corredores da residência, por vezes sem conseguir evitar acidentes que provocavam quedas desastrosas e malcheirosas. Em seguida, dirigiam-se até os arredores da edificação para despejar o esgoto diretamente no rio que abastecia de água a família imperial ou, dependendo do caso, acabavam deixando os excrementos amontoados em terreno próximo sem nenhum tratamento, enterramento ou isolamento.

Para que se possa superar o legado de ignorância sobre os perigos da falta de saneamento básico e varrer do Brasil essa vergonha, seria importante que se promovessem campanhas nas escolas e nos meios de comunicação para esclarecer a população e conscientizar os governantes. Somente a informação pode trazer as mudanças que o País requer.

Por sua vez, o descumprimento da Lei n.º 11.445/2007, chamada Lei do Saneamento, pode gerar a responsabilização do(a) administrador(a) público(a) por improbidade. Criancinhas brincando em águas contaminadas, favelas com esgoto a céu aberto correndo pelo meio-fio, praias infectadas e doenças de alta gravidade contraídas por incúria de pessoas eleitas pelo voto popular precisam ser varridas de nossa realidade cotidiana.

O corrente ano é muito importante para a população brasileira porque vamos escolher prefeitos e vereadores, justamente os responsáveis pela melhoria ou a piora de nossa situação atual. A oportunidade é ótima para que se possam colher compromissos dos (as) candidatos(as) com metas e prazos no que se refere ao tratamento adequado do esgoto em todas as cidades do País.

O Programa Cidades Sustentáveis vem sendo apresentado pelo Instituto Ethos em parceria com a Rede Nossa São Paulo e outras entidades, como o Instituto Trata Brasil - que luta pela melhoria do saneamento básico no País -, aos partidos políticos e respectivos postulantes a cargos públicos municipais para que se pronunciem sobre a limpeza dos nossos recursos hídricos, tão maravilhosos e tão maltratados no Brasil, a começar pela sua maior cidade, que é São Paulo, a qual se encontra rodeada de rios assassinados pela poluição.

Quem dá mais? - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S.Paulo - 27/02/12


A entrada de paraquedas de José Serra na corrida eleitoral em São Paulo altera alguns, mas não todos os aspectos da sucessão paulistana. Continua sendo uma eleição mais favorável à oposição do que à situação. Permanece a divisão do eleitorado em três grupos: petistas, antipetistas e independentes. O clima econômico positivo não prejudica o candidato federal. O que muda, então?

1) Grau de conhecimento dos candidatos. Por comparação, Serra é um gigante entre nanicos: 92% o conhecem bem (73%) ou ao menos um pouco (19%), segundo pesquisa Datafolha de janeiro. Ele é quatro vezes mais conhecido do que seu principal adversário, o petista Fernando Haddad, e três vezes mais do que Gabriel Chalita (PMDB).

Serra alcançou 21% das intenções de voto quando seu nome foi estimulado pelo pesquisador (embora fique em 2% na pesquisa espontânea, porque disse e repetiu que não seria candidato a prefeito). Não se sabe quanto disso é fama e quanto é voto, mas os 21% lhe dão uma velocidade inicial muito maior do que a de seus adversários diretos. Haddad e Chalita ainda patinam entre 4% e 6%.

No caso de Serra, porém, mais reconhecimento implica mais rejeição: um terço dos paulistanos disse que não votaria nele, principalmente petistas e os mais críticos à atual gestão municipal. Por isso, interessa a Serra uma campanha curta e intensiva. Uma longa exposição, como aconteceu em 2010, só aumentaria o risco de desgastar sua imagem. É o oposto do que seria a campanha do PSDB se o candidato do partido fosse, por exemplo, Bruno Covas.

2) Quem representa o governo do prefeito Gilberto Kassab. Se a articulação de Lula para cooptar o PSD em São Paulo tivesse dado certo, o ônus de defender a gestão kassabista ficaria dividido entre PT e PSDB. Com Serra na disputa, o atual prefeito sai da esfera tucana para a petista. Serra ganha a ajuda da máquina municipal, um tempinho a mais na TV e o peso de falar bem de uma prefeitura malvista por 4 em cada 10 eleitores. O saldo tende a ser mais negativo do que positivo, porque reforça sua rejeição.

Kassab só virou prefeito por causa de Serra, que deixou a Prefeitura com menos de dois anos de mandato para se eleger governador. O tucano tem uma escolha a fazer: ignorar ou defender a atual gestão. Os adversários não tornarão fácil a primeira opção - e ficar em cima do muro já mostrou ser uma má ideia em 2010. Restará tentar melhorar a imagem do governo Kassab durante o horário eleitoral na TV. Para isso, Serra precisará de tempo de propaganda.

3) Quem galvanizará o antipetismo. Serra sai na frente das pesquisas, mas não é certo que chegue ao segundo turno. O fracasso de Geraldo Alckmin em 2008 relembrou que quando o PSDB racha e tem pouco tempo de TV o candidato tucano chega em terceiro ou quarto lugar - também foi assim em 1988, 1992, 1996 e 2000. A primeira missão de Serra é curar as feridas tucanas, depois somar partidos coligados, e, só então, mirar no eleitorado antipetista.

O primeiro turno em São Paulo deverá replicar as prévias republicanas nos EUA: uma corrida para o eleitorado conservador decidir quem tem mais chances de bater Barack Obama no turno final. Haddad não é Obama, obviamente, mas o candidato do PT, fosse quem fosse, sempre chegou ao segundo turno paulistano. Foram cinco vezes seguidas. Isso fecha a porta para um candidato à esquerda do petista.

Quem mais ameaça tomar a vaga do PSDB no segundo turno é o PMDB, pois tem o segundo maior número de spots publicitários na TV, atrás apenas do PT. Se fechar alianças com PSC e PTB, adotar um discurso crítico a Kassab, repisar a promessa descumprida por Serra de não abandonar a Prefeitura e cativar o eleitorado religioso, Chalita pode se viabilizar no final. Hoje, porém, ele perde eleitores com a entrada do tucano.

São os spots, estúpido! Por essas três razões, o nome do jogo é coligação. A primeira briga é por tempo de TV - especialmente pelas propagandas de 15 a 60 segundos distribuídas ao longo da programação. Elas são o principal trampolim para alcançar o eleitor a partir de 21 de agosto. É vital para PT, PSDB e PMDB o tempo de outros partidos, que vão cobrar caro pelo apoio. O leilão está aberto.

Quanto vale um spot de propaganda eleitoral na TV em São Paulo? Os spots são diários e variam de 15 a 60 segundos. Eles devem ser distribuídos em quantidades iguais em quatro faixas de horário, com diferentes audiências: das 8h ao meio-dia, do meio-dia às 18h, das 18h às 21h e das 21h à meia-noite. Vão ao ar em todos os canais. Na média, dá mais de R$ 250 mil por 30 segundos. São 45 dias de propaganda só no primeiro turno. Faça as contas.

Erratas na vida - LYA LUFT

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As instituições mundiais no caminho do fracasso? - MARCO ANTONIO ROCHA


O Estado de S.Paulo - 27/02/12


A palavra paradoxo vem do grego: pará = contra; dóksa = opinião. E mestre Houaiss ensina que, além de indicar uma opinião contrária à comum, pode denotar algo "estranho, bizarro, extraordinário".

O que vem bem a propósito do socorro que a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) propõem à combalida Grécia - extraordinário, sim, mas meio bizarro e estranho o bastante para um trocadilhista dizer que se trata de presente de grego. No caso, para grego, pois o paradoxo que transparece no pacote é que ele anula sua finalidade. Seu objetivo principal, segundo declarações dos socorristas, é que a economia da Grécia volte a crescer a fim de que ela possa pagar o auxílio recebido.

Todavia, como o Produto Interno Bruto (PIB) grego pode voltar a crescer o bastante para que o país pague o socorro recebido, uma vez que o peso das condições impostas para receber o auxílio arrocha o PIB da Grécia? Com o salário mínimo, as aposentadorias, as despesas do governo, o funcionalismo público e as rendas internas do país substancialmente cortados, de onde virá consumo suficiente para puxar o trem da economia?

A suposição, ao que parece, é que o governo grego, livre de boa parte das dívidas e das despesas com funcionários, aposentados, etc., vai dispor de mais recursos para investir, e seus investimentos levantarão a economia. Mas vai investir em quê? Na produção, em transportes, fábricas, portos, ferrovias, aeroportos, armazéns, ou o que seja? Mas, então, o governo estará aumentando seus gastos, injetando dinheiro na economia e favorecendo a inflação - justamente o que se temia que acontecesse sem o socorro.

O governo grego teria, pois, de investir em coisas que não inflacionassem os meios de pagamento internos e que trouxessem dinheiro do exterior. Por exemplo, uma astronômica campanha publicitária mundo afora para trazer turistas endinheirados que gastassem divisas dentro da Grécia. Mas a receita de turismo da Grécia, que já deve ser enorme, não bastou para equilibrar suas finanças, e dificilmente pode ser aumentada, seja qual for o gasto em publicidade no exterior.

Em suma: a Grécia recebe uma polpuda mesada para acalmar seus credores e um perdão de dívidas, que cairão de mais ou menos 160% do PIB para algo como 120% do PIB. Ou seja, a dívida continuará enorme. E, como o PIB vai diminuir, em razão das medidas contracionistas previstas no acordo, é possível que o remanescente da dívida ocupará, em relação ao PIB, o mesmo porcentual da dívida original.

Alguém pode sugerir um paradoxo grego mais perfeito do que esse?

É por isso que "o pacote grego não convence" - como dizia o título do comentário do nosso colega Alberto Tamer, na última quinta-feira. Porque, além da falta de confiança na firmeza do governo grego em cumpri-lo, que leva à descrença, o pacote encerra um paradoxo digno dos de Heráclito, Epicuro, Zenão ou de qualquer outro filósofo grego menos votado.

Mas essa história contém algo mais grave: a perplexidade sobre o porquê das atuais instituições multinacionais.

A União Europeia surgiu para promover o progresso, o bem-estar e a harmonia na Europa, dotá-la de massa crítica capaz de fazer frente não só ao "desafio americano" - advertido há muitos anos no livro de Jean-Jacques Servan-Schreiber -, mas aos desafios que se agigantaram depois: da Rússia, da China, do Japão.

E o que acontece?

A União Europeia, em vez de solução, vira problema, atravanca o progresso no mundo e tropeça nas próprias pernas: não consegue que suas regras sejam respeitadas por seus membros e não atina com uma solução consequente para as dificuldades de um dos seus menores membros.

O FMI, por sua vez, joga na lateral, sem saber o que fazer e dizer.

Na área política, a Organização das Nações Unidas (ONU) surgiu para administrar a paz, tornar o mundo menos perigoso e promover a harmonia entre os povos.

E o que acontece?

Neste momento, três países atravancam a estrada da harmonia e do progresso pacífico. Três pins in the asses - diriam os americanos: Síria, Irã e Israel, com três povos cuja história se perde na noite dos tempos, e que nada aprenderam com ela. Agem contrariamente aos melhores propósitos da comunidade internacional. E ninguém, nem a ONU, nem os grupos paralelos das grandes potências ocidentais, nem a UE, nem países historicamente pacíficos, como o Brasil e o Canadá, por exemplo, podem fazer qualquer coisa para tirar aqueles pins do ass do mundo.

A conclusão é de que o mundo ainda não foi capaz de criar instituições multinacionais capazes de exercer com eficácia o papel civilizador que delas se espera.

Então, de duas uma: ou os atuais líderes mundiais se empenham nisso com afinco, ou o mundo voltará ao estado de semibarbárie do século 19, em que a imposição pela força das armas era a regra.

Só que os anões de jardim que nos lideram hoje em dia - de Angela Merkel a Barack Obama, com Sarkozy, Putin, Cameron, etc. - só pensam em ficar bem na fita. Assim, está difícil apostar num futuro melhor.

Flagelo nacional - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 27/02/12


Resultados pífios e ações atabalhoadas da Polícia Militar em recente operação para reprimir a venda e o consumo de crack no Centro de São Paulo, numa região de grande concentração de usuários (e, por decorrência, de agentes do tráfico de drogas), não devem ser interpretados como sinal de que, por princípio, seria equivocado o programa do governo do estado e da prefeitura paulistana para enfrentar um flagelo social que reclama intervenções urgentes do poder público.

O uso dessa droga, cujos efeitos deletérios sobre a saúde do viciado são quase imediatos, abre um front especial na guerra contra os entorpecentes, no Brasil e em diversos países, e deve ser enfrentado com políticas distintas daquelas empregadas no combate aos entorpecentes ditos "tradicionais" (maconha, cocaína etc.). São Paulo desenvolve uma estratégia correta na essência (ações policiais, atendimento aos adictos em centros de convivência e iniciativas que visam a evitar a reincidência), e parece ter falhado topicamente, o que não implica condenar, mas corrigir rumos em ações futuras.

As intervenções na "cracolândia" paulistana voltaram a pôr na mesa a discussão sobre a internação compulsória de viciados, medida inescapável diante das consequências provocadas pela droga não só na saúde, mas também no estado psicológico do consumidor compulsivo. O crack, como já está fartamente comprovado, leva, a curto prazo, a uma degeneração física que, quase invariavelmente, conduz à morte ou, ao menos, a irreparáveis danos psicológicos. O que faz do adicto um suicida em potencial, fora de sua capacidade plena de opção pela recusa a tratamento médico. Este é o aspecto que torna inquestionável a necessidade de o Estado, por suas autoridades públicas, agir como responsável pela salvaguarda da vida do cidadão. Não se trata de mera discussão sobre o livre arbítrio: um viciado em crack está no caminho quase inexorável da morte prematura, mas não consegue fugir desse trajeto rumo à ruína física e mental em razão da dependência química.

É correto, portanto, o princípio da internação compulsória, mas tal medida não pode ser adotada pelo poder público como um fim em si. O recolhimento de viciados nas ruas é medida de efeito imediato, que visa a estancar o agravamento da situação de pessoas que, totalmente dominadas pelo vício, precisam de ajuda - embora nem sempre tenham consciência disso - para recuperar as faculdades plenas. Cortar-lhes o acesso fácil à droga é o primeiro momento de um programa que, necessariamente, deve ser completado com uma estrutura de atendimento social na qual se incluam tratamento contra o vício (com a criação de centros públicos de recuperação que efetivamente funcionem), cuidados médicos, apoio psicológico e alternativa de retorno ao convívio social. Sem essa complementação, invadir cracolândias atrás de consumidores corresponde apenas ao viés policial de uma política que deve ser integrada a outras pontas de combate à droga.

O flagelo do crack precisa ser combatido com ações realistas, não só para resgatar da ruína física, mental, moral e social aqueles que já foram apanhados pelo vício, mas também a fim de conter a curva ascendente de novos consumidores no país. Pesquisa recente da Confederação Nacional de Municípios mostra que a droga está presente em praticamente todas as cidades brasileiras e que é responsável por sobrecarregar os serviços de saúde em 64% delas. Não é uma questão que se possa enfrentar apenas com palavras de ordem e manuais de sociologia.

Whitney, Aretha e Dionne - LEE SIEGEL


O ESTADÃO - 27/02/12


NEW JERSEY - Um dos aspectos mais libertadores de escrever para um jornal que não circula no meu país é o fato de eu não ter de me curvar diante do consenso oficial que me rodeia. A morte de Whitney Houston não me comoveu. Se dissesse isso num jornal americano, seria obrigado a buscar asilo político no Brasil.

Não quero negar que seja trágico o fato dessa mulher talentosa ter morrido aos 48 anos. Se a cantora tiver realmente morrido pelas próprias mãos, como muitos suspeitam, então o inferno mental enfrentado por ela deve ter sido de partir o coração. E, para aqueles que amavam a música de Whitney, é compreensível que a morte dela represente um golpe quase físico. A verdade é que eu era indiferente à sua música. Seu som genérico e grandioso tornava impossível distingui-la de uma dúzia de outras cantoras. Sem a tecnologia que amplificava a voz dela até transformá-la numa espécie de alucinação auditiva cinematográfica, Whitney não teria alcançado o sucesso que alcançou.

Acho que Aretha Franklin, madrinha de Whitney, concorda comigo. Aretha se tornou madrinha de Whitney por causa de sua amizade com a mãe dela, a cantora gospel Cissy Houston. Esperava-se que Aretha cantasse no funeral da afilhada, realizado em Newark, New Jersey, há cerca de uma semana e meia, mas ela não compareceu. Seu empresário disse que ela não se sentia bem. Ainda assim, na noite da véspera, ela se apresentou no Radio City Music Hall, em Nova York. Falando a um jornal televisivo pouco depois da morte de Whitney, Aretha disse que não a via há anos. Ela então fez questão de não descrever Whitney como uma grande cantora. O único comentário feito por Aretha foi "Ela sabia ser uma estrela". Seria uma sutil referência ao fato de Whitney ter torrado US$ 100 milhões em drogas e num estilo de vida ridiculamente extravagante? Excessos desse tipo são exatamente aquilo que caracteriza os "astros" e "estrelas" contemporâneos.

Aquilo que poderia perfeitamente ter sido a renúncia de Aretha à afilhada me pareceu algo mais profundo do que um comentário pessoal. Foi uma declaração artística. Entre Aretha e Whitney há um abismo de talento tão grande quanto a época cultural que as separou. Trata-se da diferença entre uma voz orgânica e individual e um "som" socialmente fabricado.

Ao escutar I Say a Little Prayer, uma das divinas canções pelas quais Aretha é conhecida, o que ouvimos não é uma das peças de Whitney voltadas para a criação artificial de climas, e sim uma existência humana particular. A voz de Aretha é inconfundível nas suas inflexões e no seu jeito de falar. É como uma intimidade universal. O evangelho e a religiosidade que fizeram parte da sua infância se tornaram o ritmo da dança com a qual ela encara a vida. Como todos os grandes artistas, Aretha apresenta em público sua vivência particular, impossível de ser duplicada - ao mesmo tempo em que, milagrosamente, a cantora revela minúcias de nossa própria vivência.

I Say a Little Prayer é a canção americana quintessencial. Para começar, os versos contam a história do dia comum de uma moça comum - passando maquiagem, penteando o cabelo, escolhendo o que vestir, correndo para apanhar o ônibus, fazendo uma pausa para o café - enquanto ela sonha com o homem que ama e reza para que ele retribua seus sentimentos. Além disso, foi composta por um judeu, Burt Bacharach, e se tornou famosa na voz de duas cantoras negras, primeiro Dionne Warwick (prima de Whitney) e, mais tarde, Aretha Franklin.

Dionne gravou a canção num estilo simples, entre o canto e a fala. Como a canção é essencialmente o devaneio de uma pessoa qualquer, a interpretação dela foi perfeita. Dionne cantava de uma maneira que possibilitava a qualquer um habitar aqueles versos. Já Aretha deu à canção um toque pessoal com sua inimitável mistura de canto de igreja, blues e rhythm’n’blues. Ela cantava aqueles versos da mesma forma que alguém sonharia com eles: de maneira única. Como a canção poderia ser a canção de qualquer pessoa, ela tinha de ocupar um dos dois polos extremos das experiências vivenciadas indiretamente. Tinha de ser rica em neutralidade, ou transbordar de tanta personalidade.

Acesse o YouTube e ouça Aretha e Dionne cantando essa música. (Num vídeo maravilhoso, as duas cantam juntas, embora de maneira estranhamente contida.) Depois, procure a versão de Whitney. Encontrei duas delas: em um show de 1997, alguns anos depois de seu auge, e em uma apresentação de 1990, quando ela está perto do seu melhor momento.

A versão de 1997 é sem vida, cheia de gestos vazios, ainda que marcantes, expressando uma personalidade que ela não possui. A versão de 1990, cantada em parceria com a igualmente insossa Natalie Cole, é como uma paródia da famosa madrinha de Whitney. A voz dela reverbera, pulsa, oscila e impressiona, mas não passa da imitação de um clássico, longe de uma tentativa original de imaginá-lo de outra forma. Ao escutar as duas interpretações da canção, temos a sensação de estar diante de um reflexo vazio.

Mas é justamente essa qualidade vazia que os produtores musicais celebram numa era em que a idiossincrasia se tornou um risco. Eles banharam Whitney naquele som grandioso, puseram-na num pedestal e a transformaram numa trilha sonora em vez de uma pessoa. Esmagaram aquilo que poderia perfeitamente ter sido um incipiente traço único da cantora. A música de Whitney deixou de precisar de Whitney e, conforme ela começou a perder o controle da própria vida em decorrência das drogas e da doentia força gravitacional de celebridade, Whitney deixou de precisar da própria Whitney. Se ao menos ela tivesse escutado mais atentamente as canções de sua madrinha, talvez tivesse enxergado com mais clareza seu próprio lado destrutivo. Nos famosos versos de Aretha:

I ain’t no psychiatrist

(Não sou psiquiatra)

I ain’t no doctor with degrees

(Nem doutora diplomada)

But it don’t take too much high I.Q.

(Mas não é preciso muito Q.I.)

To see what you’re doin’ to me

(Para perceber o que você está fazendo comigo). / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

GOSTOSA


O fio de cabelo de uma mulher - LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 27/02/12

Dias atrás escrevi que não me preocupo com a África nem com as baleias nem com você. Pânico na bancada da classe média...
Muita gente pergunta o que eu queria dizer com isso. Uma pessoa se indignou porque eu tive a ousadia de dizer que ele não era objeto de minha preocupação.
Se ele me lê, pensa ele, devo me preocupar com ele. Ele, ele, ele. Não. Sou indiferente a sua necessidade de autoestima.
Só levo a sério um argumento como este (quem me lê deve ser objeto de minha atenção) se nele estiver em jogo as leis de mercado e olhe lá. Mas pessoas indignadas normalmente acham que seus sentimentos morais são infinitamente mais caros do que as leis de mercado. Eu, de minha parte, sei que minha fisiologia é parte das leis de mercado.
Assim como a prostituta é a primeira e a mais sublime vocação de toda mulher, afirmo: sou lido, logo existo. Saber que eu tenho um preço é uma das formas mais belas de libertação que conheço.
Mas a queixa de nosso mal-amado está longe disso. É a queixa de um indignado com a maturidade.
Se Freud já dizia que pessoas adultas são uma raridade, hoje ficaria chocado com o fato de que infantilidade se tornou um direito de todo cidadão.
A maior desgraça da democracia, dizia Nelson Rodrigues, é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade. Aceitar a idade adulta hoje em dia é tão raro como a virtude de uma mulher que bebeu vinho demais no jantar.
Aliás, devo pedir perdão às mulheres "fáceis", por compará-las a tão miserável condição: a recusa da maturidade.
Ainda bem que nem todo mundo que me lê ou me conhece depende de mim para se sentir amado, porque, antes de tudo, amo muito pouco. E, com os anos, menos ainda. O deserto pode ser uma graça.
Dou hoje uma indicação para os adultos que me leem. "Adulto" aqui, como sempre, não tem a ver com a data de nascimento no RG. Já vi pessoas muito jovens serem capazes de suportar "a hostilidade primitiva do mundo" ("Mito de Sísifo", outro livro de Camus) sem reclamar da gloriosa indiferença do Sol.
Assista à bela e econômica montagem do "O Estrangeiro", uma adaptação feita pelo dinamarquês Morten Kirkskov do livro com o mesmo nome do francês Albert Camus. Ela está em cartaz, até 4/3, no Teatro Cacilda Becker, com Guilherme Leme e direção de Vera Holtz. Uma pérola discreta, como deve ser tudo o que tem valor.
O estrangeiro da história, Meursault, vive em Argel, Argélia (país de Camus). Ele mata um árabe e é preso. Dias antes, sua mãe morrera. Ele não chorou no enterro.
Para muita gente, assim como para o promotor que condena Meursault, não chorar na morte da mãe é prova cabal de "ter o crime no coração" (antes mesmo de ele matar um "homem qualquer"), e é, portanto, o ato de um niilista.
Por isso, o promotor diz que Meursault tornou possível o parricídio ao ser julgado no dia seguinte, e, por isso mesmo, deveria ser julgado por ambos os crimes. Para o promotor, não chorar a morte da mãe é abrir as portas para o parricídio.
O fato de, no dia seguinte à morte da sua mãe, ele ter se deliciado, na praia, nos braços de uma mulher, Marie, cheia de amor para dar, era evidência de sua desumanidade. Pior: fora ao cinema com ela para ver uma comédia.
Vê-se que Camus era um apreciador do sexo frágil (coisa cada vez mais rara) na forma como descreve Marie, linda, cozinhando sua comida, de vestido solto e listrado, enchendo sua vida de desejo, com os cabelos caindo nos ombros. Marie usava aquele tipo de vestido de verão solto, que permitia Meursault tocar, como se fora seu dono, o calor úmido entre suas pernas.
Mas o promotor está enganado. Chorar no enterro da mãe pode ser tão falso como as indignações de hoje em dia.
Como diz Meursault ao padre: "Sua religião não vale um fio de cabelo de uma mulher". Em meio à "doce indiferença do mundo", o desejo por uma mulher pode ser mais difícil do que chorar a morte de uma mãe "distante".
Concluo, com uma ponta de dor, que sou da raça de Meursault.
Prefiro a hostilidade primitiva do mundo e mulheres fáceis com vestidos de verão.

Os desafios da gestão fiscal - FELIPE SALTO e RAFAEL CORTEZ


Valor Econômico - 27/02/12


A política fiscal é ponto chave para o entendimento da economia brasileira no médio e longo prazo em função da agenda de redução da taxa de juros presente no governo Dilma. Em boa medida, a viabilidade da redução de juros, sem pressões inflacionárias, decorre de uma política fiscal contracionista. A contribuição da política fiscal para essa agenda, contudo, é marcada por incertezas, dados os múltiplos objetivos sinalizados pelo governo. Não apenas o "primário cheio", como também o aumento da taxa de investimentos aparece como prioridade do Planalto. E mais, não haveria uma tensão entre os dois objetivos. A comprovação da viabilidade desses objetivos estaria expressa no corte orçamentário, levado a cabo pelo Executivo, que sinalizaria a contribuição da política fiscal para a redução da Selic e a preservação dos investimentos.

Uma análise desagregada do orçamento, entretanto, mostra a inviabilidade entre cumprimento de meta e reforço nos investimentos. Em outros termos, o cumprimento da meta adviria mais de receitas maiores, do que de redução efetiva das despesas, que deverão ser controladas na "boca do caixa". A qualidade (ruim) dos gastos públicos minimiza os efeitos contracionistas sobre a demanda agregada.

À luz dessas considerações, pode-se dizer que o anúncio de um contingenciamento de R$ 55 bilhões para o orçamento anual é positivo e, se executado, poderá levar ao cumprimento da meta de R$ 139,8 bilhões (para o setor público como um todo). O quadro abaixo compara a dinâmica do corte orçamentário com o ano passado a fim de apontar os dilemas do governo.

Uma das principais diferenças entre o cenário previsto em orçamento e o nosso cenário reside no lado das receitas. Mesmo na reprogramação anunciada, ainda há uma diferença de cerca de 0,5 p.p. do PIB entre as estimativas. Isto é, se a arrecadação for efetivamente menor, conforme nosso cenário, o governo precisará de um contingenciamento superior ao estimado. Há duas explicações para essa diferença: premissas distintas para o PIB e custos maiores estimados para as desonerações fiscais.

Neste ano, a não ser que haja uma injeção mais forte de recursos, via canais extraordinários (como dividendos do BNDES), dificilmente a receita ficaria acima da reprogramação orçamentária anunciada, como ocorreu em 2011. Ao contrário, os cálculos apontam uma frustração de receitas e, considerando as estimativas para a despesa, conforme explicitado, o primário possível seria de apenas 1,6% do PIB e não de 2,15% do PIB (meta correspondente ao governo central, pela lei).

Do lado das despesas, a contenção de R$ 55 bilhões anunciada pelo governo é um sinal positivo, mas precisa ser considerada à luz de dois fatores, além da questão política: a) os gastos que mais sofrerão contenções, pelo anúncio do governo, serão os discricionários (R$ 35 bilhões), com cerca de R$ 25 bilhões concentrados em investimentos (uma parte, inclusive, correspondente a recursos de emendas parlamentares, que foram congelados integralmente); b) além dos cortes nas despesas discricionárias, foram reduzidas as despesas obrigatórias, com destaque aos pagamentos de benefícios previdenciários em R$ 7,7 bilhões e às despesas com subsídios (custo do diferencial de juros em operações do BNDES e outros) em R$ 5,2 bilhões.

Mesmo que ocorra o ajuste previsto em orçamento para as despesas discricionárias, será preciso, ainda, um ajuste de R$ 3 bilhões adicionais, nos investimentos, para que nossa projeção de 1,6% do PIB se confirme. Como o patamar de investimentos, com todos estes contingenciamentos, ainda ficaria em R$ 52 bilhões, R$ 4,5 bilhões a mais do que em 2011 (mesmo patamar, em % do PIB, ante 2011), tal dinâmica nos parece factível.

Com isso, e reavaliando a posição sobre a questão dos gastos com pessoal, passando a considerar (quadro) que o governo conseguirá manter o nível de gastos previsto em orçamento, a diferença central ficaria no campo das receitas.

Do ponto de vista político, o cenário para o possível cumprimento de meta passa por alguns fatores: a) coesão da base aliada para evitar projetos que representem aumento de gastos do governo; b) blindagem do governo ao calendário eleitoral, pois a pressão para gastos em ano eleitoral deve ser maior do que em 2011. A questão é que, se não se confirmar uma receita tão elevada como a prevista pelo governo, será preciso um controle ainda maior das despesas discricionárias, o que tenderia a ser excessivamente custoso politicamente.

Quanto aos impactos sobre a demanda agregada e ao cenário de inflação, entendemos que a política fiscal do governo, mesmo no cenário de cumprimento da meta de superávit primário, não deve ter um forte efeito na contenção da demanda. Apesar da magnitude do corte, não se verificaria um efeito contracionista, dado que os gastos e as receitas teriam crescido (no cenário de 3,1% do PIB para o primário, mesmo patamar de 2011) à mesma taxa (cerca de 5,8%, em termos reais).

Em suma, o corte é positivo. O cenário de cumprimento não é o de maior probabilidade, mas é crível e, com o anúncio da reprogramação, ganhou força. Adicionalmente, não se espera uma contribuição efetiva para compensar a magnitude da redução de juros sinalizada pelo governo. Há sinais de melhora no campo fiscal, mas ainda insuficientes, ante à ambiciosa agenda de afrouxamento da política monetária. Assim, o cenário de demanda agregada não pressionada, mesmo com juros baixos, deverá ser buscada por outros canais.

Primeira encrenca - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 27/02/12

Antes mesmo de ser selada, a aliança PSDB-PSD na capital já provoca cotoveladas nos bastidores. O prefeito Gilberto Kassab deixou claro que seu apoio a José Serra pressupõe também aliança na eleição para vereador. Como o time do prefeito reúne vários vereadores bons de votos, os tucanos veem no arranjo um risco de perder vagas na Câmara. "Isso significa premiar os vereadores que deixaram o PSDB", protesta um cardeal.

Se Kassab obtiver na Justiça Eleitoral direito a uma fatia maior na propaganda de TV, a pressão pela coligação proporcional será menor. Caso contrário, a aliança será crucial para o prefeito, e vem guerra por aí.

Xeque-mate De um observador do cenário da sucessão em São Paulo, que sofreu reviravolta após a entrada de Serra na disputa e a articulação de Kassab: "É muito xadrez para pouco tabuleiro".

Ritual Serra enviará ainda hoje a carta à Executiva do partido solicitando sua inscrição nas prévias. O grupo se reunirá em seguida para arbitrar sobre se haverá ou não adiamento da escolha. E só amanhã o ex-governador deve anunciar a candidatura.

Pote de mágoa Na reunião com Geraldo Alckmin, Ricardo Tripoli reclamou do método de Serra, de sempre negar que seja candidato e depois mudar de ideia. "Quem vai acreditar que ele não é candidato a presidente?", questionou o deputado.

Aquecimento Fernando Haddad (PT) fará uma série de debates abertos ao público sobre temas relativos à cidade, sempre aos sábados. O primeiro será em 17 de março, para discutir educação.

Equipe Gabriel Chalita sondou marqueteiros que trabalharam para o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) para substituir Paulo Vasconcelos e Rui Rodrigues. O peemedebista queria exclusividade da dupla, que atua também para os tucanos Aécio Neves e Antonio Anastasia em Minas.

Deixa sair O PT tenta convencer Dilma Rousseff a resistir à pressão para deixar o PDT nomear um novo ministro do Trabalho. Os petistas usam baixo número de votos e alta taxa de infidelidade para argumentar que o partido não fará falta à base.

Polêmica à vista Projeto do conselheiro Marcelo Bechara propõe a abertura para que pessoas não concursadas possam atuar na Anatel. A proposta está longe de ser consensual na agência e deve dividir o conselho.

W.O. O ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento) frustrou as centrais sindicais ao anunciar que não comparecerá à reunião na Fiesp, amanhã, para tratar de desindustrialização. Sindicalistas se queixam de falta de trânsito com o Planalto.

Companheiro Geraldo Alckmin receberá, na quinta-feira, 22 sindicatos ligados à Federação dos Químicos. A entidade é filiada à Força Sindical, recém-integrada ao governo de SP com a indicação de Carlos Andreu Ortiz para a Secretaria do Trabalho.

Terreno... Validada pelo STF, a Ficha Limpa torna inelegíveis detentores de cargos públicos ordenadores de despesas consideradas irregulares por tribunais de contas. Hoje, só há impedimento caso esses pareceres sejam referendados pelo Legislativo.

...movediço A mudança, uma das mais polêmicas da nova lei, deverá ensejar enxurrada de ações judiciais. "Se o político se sentir prejudicado, pode concorrer com liminar", diz o juiz Márlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

Tiroteio

Em 2004, o Serra anunciou para mim que seria candidato, na casa do Fernando Henrique. Eu admiti que ele tinha preferência e abri mão de disputar a prévia. Agora, não.

DO SECRETÁRIO DE ENERGIA DE SÃO PAULO, JOSÉ ANIBAL, pré-candidato a prefeito pelo PSDB da capital, negando que FHC tenha feito um apelo em favor de Serra há oito anos e explicando por que não desiste disputar as prévias.

Contraponto

Censo desportivo

Em Lisboa, o secretário-executivo do Ministério do Esporte, Luís Fernandes, discorria ao ministro do Desporto de Portugal sobre Parambos, pequeno vilarejo em que seu pai mora, nas proximidades da capital portuguesa:

-Tem 400 habitantes, e 398 torcem pelo Sporting.

Entusiasmado, o ministro português, Alexandre Mestre, que torce pelo time alviverde, concordou:

-É uma região bonita. E o Sporting é unanimidade...

-Na verdade, lá tem um torcedor do Porto e um do Benfica, que é meu pai -, corrigiu o secretário brasileiro.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

Odeio-te, meu amor - RICARDO NOBLAT


O Globo - 27/02/12


Dá-se como certo que José Serra disputará este ano a prefeitura de São Paulo, embora somente hoje ele deva formalizar seu desejo.
Desde já, quer-se dar também como certo que ele renunciou em definitivo à ideia de ser candidato a presidente da República pela terceira vez.
Rendeu-se — e por que não? — à tese do "candidato óbvio", Aécio Neves.

Até outro dia, Serra dizia acreditar em suas chances de enfrentar Dilma em 2014, derrotando-a talvez.
E dizia não acreditar que Aécio pudesse fazê-lo.
Considerava- o um candidato fraco, sem disposição para travar combates, e vulnerável a dossiês que costumam circular durante campanhas eleitorais.
De repente, um anjo desceu do céu, cochichou no ouvido de Serra e ele mudou de opinião — quanto ao seu e ao futuro de Aécio.
Acredite quem quiser...
Há muitas pedras no meio do caminho de Serra em direção à prefeitura.
Uma delas: sua renúncia ao cargo de prefeito em 2006 para concorrer ao governo de São Paulo.
Os desafetos de Serra haviam avisado com antecedência: não votem nele.
Se votarem e ele for eleito, largará o mandato no meio para tentar se eleger governador.
Serra respondeu que jamais procederia assim.
E para mostrar que falava sério, provocado por um jornal, pôs por escrito a promessa de cumprir até o fim o mandato de prefeito.
Vexame! Que será relembrado à exaustão na próxima campanha.
O antídoto ao vexame começou a ser aplicado no último sábado por Gilberto Kassab (PSD), o vice que completou o mandato de Serra e se elegeu prefeito depois.
Kassab falou: "Ele quer ser prefeito de São Paulo.
E abandonou essa opção (a de concorrer à Presidência)".
Quem já viu algum político abdicar da opção de reunir mais poder? Assim como Aécio não suou a camisa para eleger Serra presidente em 2002 e em 2010, Serra também não vai suar a sua se, por acaso, Aécio for candidato a presidente daqui a dois anos.
Mas o tempo costuma aprontar surpresas.
E se Aécio não for candidato? Anastasia, ex-vice de Aécio, eleito por ele governador de Minas Gerais, não poderá ser candidato a novo mandato em 2014.
Abre-se espaço para o atual vice, Alberto Pinto Coelho (PP), quatro vezes deputado estadual.
S ó que a eventual eleição dele não será um passeio.
É possível então que Aécio se veja compelido a voltar ao governo.
Aí...
Aí chega de tanta especulação! De concreto: entre se limitar a fazer política nas redes sociais (blog, Twitter, Facebook) ou passar a fazê-la a partir da prefeitura de São Paulo, Serra escolheu o certo.
Caso se eleja provará do gosto saboroso de ter batido Lula, que impôs ao PT a candidatura de Fernando Haddad, ex-ministro da Educação.
Caso perca...
Bem, dirá que nunca faltou ao partido nas horas mais difíceis e sempre que o partido precisou dele.
É verdade! Nem por isso será uma verdade menos amarga.
Desejará mais tarde ser candidato a deputado federal como foi em 1986 ao dar início à sua carreira política? Ou viverá o resto da vida como professor e economista? Serra tem a ganhar e a perder ao ambicionar a prefeitura de São Paulo pela quarta vez.
Geraldo Alckmin (PSDB), governador de São Paulo, só tem a ganhar com a ambição de Serra.
O mundo gira e a Lusitana roda.
Há quatro anos foi Alckmin que dependeu de Serra para se eleger prefeito da capital.
Agora é o contrário.
Se Alckmin não jogar pesado para eleger Serra, ele não se elegerá — como Alckmin não se elegeu quando Serra, governador, preferiu a companhia de Kassab.
Ali, Serra e Alckmin se tornaram mais do que desafetos.
O que um dizia do outro era impublicável.
Não fizeram as pazes.
Estão juntos por conveniência.
Se Serra recusasse a candidatura a prefeito, Alckmin ganharia debitando na conta dele a derrota de qualquer outro nome do PSDB.
Se Serra se eleger, Alckmin ganhará.
Candidato à reeleição, será ajudado pelas máquinas do governo e da prefeitura.
Se Serra perder...
Bem, Alckmin celebrará em silêncio.