segunda-feira, julho 13, 2020

Lava Jato, que elegeu um presidente, inventa conspiração para eleger outro - REINALDO AZEVEDO

UOL - 13/07


Atenção, leitores!

É mentira que o confronto em curso entre a Procuradoria Geral da República e a Lava Jato faça parte de um esforço do governo Bolsonaro para controlar a força-tarefa. Essa é a versão conveniente que integrantes desta marca publicitária — Lava Jato — inventaram para que ela continue a atuar como ente autônomo, que não presta contas a ninguém.

É mentira que a eventual criação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), que centralizaria forças-tarefa, poderia resultar num órgão com superpoderes policiais, que atuaria ao arrepio de qualquer controle institucional. A verdade está no exato oposto: essa é a realidade que vivemos agora. Hoje em dia, a força-tarefa faz o que lhe dá na telha. Na sua ousadia sem limites, acredita ter autonomia até para doar dinheiro decorrente de multas e acordos de delação a seu bel-prazer, como se os recursos lhe pertencessem.

Estamos diante de uma soma de aberrações. E, mais uma vez, a imprensa — ou setores — pode ter um papel decisivo para que se encontre o bom caminho ou para que se aprofunde o poço um pouco mais.

E que se note: a rapaziada é boa de lobby. A imprensa já está coalhada de artigos — inclusive de esquerdistas (!?) — alertando para o grave risco que estaria correndo o país nesta que seria uma terrível conspiração para o governo Bolsonaro acabar com a independência do Ministério Público Federal. O PT, como maior partido de oposição, está longe do debate, pensando sabe-se lá em quais substantivos celestes...

Vamos ver.

A Lava Jato foi o principal cabo eleitoral de Jair Bolsonaro. A Vaza Jato revelou diálogos de procuradores muito preocupados, por exemplo, com a possibilidade de que o PT vencesse a eleição. A maior estrela do lavajatismo — Sergio Moro — aceitou o cargo de ministro da Justiça, e se considerou, o que já é um absurdo em si, que se tratava do empoderamento da operação. E ninguém se deu conta de um absurdo, entre tantos: um juiz não poderia se confundir com a força-tarefa, é claro!, ou estaria evidenciado que não tinha independência para julgar. E não tinha! Condenou, por exemplo, Lula sem provas. Segue vivo o desafio para que digam em que página da sentença de Moro ela aparece.

A receita desandou. E agora os protagonistas da Lava Jato pularam fora do barco bolsonarista, junto com Moro, cujas ações evidenciam a pretensão de se candidatar à Presidência, o que ele nega, é evidente, para crença de ninguém. Como a relação entre Bolsonaro e a imprensa não é a melhor possível e como a Vaza Jato minou a credibilidade burra e impensada que tinha a operação junto a esta mesma imprensa, então é preciso jogar um fantasma no mercado da política e das ideias.

E qual é? Ao tentar obter os "dados estruturados e não estruturados" de posse das seções da Lava Jato (Curitiba, São Paulo e Rio), o braço da operação na PGR estaria cometendo uma ilegalidade -- é mentira! -- para subordinar a investigação aos interesses do governo Bolsonaro: mentira ainda mais cabeluda. Efeito esperado:
1 - refazer os canais e comunicação entre setores da imprensa e a Lava Jato. Neste fim de semana, assistimos a um verdadeiro festival de boatarias contra o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo;
2 - descolar-se do bolsonarismo, numa espécie, então, de aliança informal com o jornalismo. Já que Bolsonaro bate muito da imprensa, é preciso deixar claro que a Lava Jato, agora, quer voltar a exibir a sua feição anti-establishment. Também quer fazer parte da frente ampla em favor da democracia, depois de ter ajudado a degradá-la.

Não peçam que os partidários da tese de que a criação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado subordinaria as forças-tarefa ao governo porque eles não saberão demonstrar sem atravessar a linha que separa a realidade da teoria conspiratória.

Os procuradores continuariam livres para fazer seu trabalho. Por definição, não haveria como o governo meter a mão grande em tal unidade porque seriam muitos os olhos a vigiar a relação. Sujeitas a pressões políticas, convenham, as investigações estão hoje, ou tudo o que a Vaza Jato trouxe a público não bastou para evidenciar a pornográfica intimidade havida entre juiz e procuradores e os procedimentos heterodoxos dos próprios membros da força-tarefa? Diálogos que vieram à luz evidenciaram que os senhores procuradores firmaram parceria, por exemplo, com o FBI ao arrepio das disposições legais. Dallagnol anunciou a um colega que ele mesmo se encarregaria de encaminhar um pedido de extradição sem comunicação prévia ao Ministério da Justiça.

Não caiam nessa conversa. O bolsonarismo nada tem a ver com a necessária reorganização de um modo de combater a corrupção que destrói institucionalidade, empresas e empregos e só fortalece projetos de poder. Como se pode ver. A Lava Jato achou que poderia usar Bolsonaro como barriga de aluguel, e Bolsonaro tentou instrumentalizá-la a serviço de seu próprio projeto autoritário.

Como a coisa não prosperou, agora a Lava Jato ataca o antigo hospedeiro para tentar se manter à margem da lei, conservando o enorme poder que isso implica. Já elegeu um presidente. Agora quer eleger outro.

Talvez a China ajude os EUA a saírem de seu transe psicótico - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 13/07

Depois da queda da URSS, os americanos piraram e o país se transformou num parque temático de tolos


Há algum tempo, Vladimir Putin, presidente da Rússia, disse, com razão, que o fim da União Soviética (URSS) foi uma catástrofe para o mundo.

A URSS equilibrava a geopolítica, mantendo os EUA lúcidos. Depois da queda da URSS, os EUA piraram. Transformaram-se num parque temático de tolos. Hollywood não passaria em nenhum teste de QI. Trump e seus retardados tampouco. Torquemada reina na América.
Ilustração - Ricardo Cammarota

A esquerda soviética era muito melhor do que a americana. Sabia que não há transformação social sem violência política. A esquerda americana é uma forma de neurose obsessiva temática. Gira como uma louca ao redor de gênero, raça e classe social. Nada mais existe além dessa tríade.

O que ela quer é ganhar dinheiro com essa histeria. E os ingênuos são tão alienados que não entenderam algo básico: se as empresas abraçam uma ideia é porque ela é uma mercadoria, se virou publicidade é porque perdeu os dentes, se virou super-herói é porque virou Disney. A esquerda americana é um brinquedo de riquinhos. Um novo “life style”. Orna com horta na varanda.

A “culpa” é da moçada de maio de 1968, os entediados na rive gauche de Paris. Quando descobriram que a revolução bolchevique matava, fizeram xixi nas calças e gritaram: mamãe! Queriam “mudar o mundo”, mas sem sujar as mãozinhas de sangue. Marx diria: humanismo burguês.

Sem a URSS, os EUA se tornaram o grande exportador de todo tipo de obsessão cultural. E de lixo político à direita e à esquerda. Americanos não sabem criticar o capitalismo sem criar algum produto de consumo.

Mas não é válido combater preconceitos? Claro que sim. Mas quem disse que o problema central do capitalismo seja combater preconceitos? O problema central do capitalismo, dito numa linguagem “family friendly”, é ter transformado o mundo numa ópera de tolos.

Se a direita é um bando de gente grossa, racista e burra, a esquerda (sempre mais chique) é um fetiche de jovens ricos e entediados que resolveram mudar o mundo com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. E têm ao seu lado a indústria cinematográfica mundial.

Mas o que isso tudo tem a ver com torcer pela China? Porque espero que ela se transforme na principal economia até 2025. E com isso, quem sabe, talvez a China ajude os EUA a saírem do transe psicótico no qual se encontram. E assim, quem sabe, ajude as democracias a recuperarem sua sanidade mental, descobrindo que a maior parte da população mundial não está nem aí pra democracia, contanto que tenha janta a noite.

A leitura de “Capitalismo sem Rivais, o Futuro do Sistema que Domina o Mundo” (Todavia) de Branko Milanovic, é capital. Para ele muitos países podem seguir o modelo chinês de capitalismo, que ele chama de capitalismo político, por oposição ao capitalismo meritocrático liberal dos americanos e europeus, simplesmente porque o modelo chinês dá conta do recado de tirar gente da pobreza, aparentemente, mais rápido.

Se o capitalismo não tem rivais, a pergunta que faço é: como salvar o mundo da pandemia de tolices que caracteriza o mundo contemporâneo?

Para os fanáticos pela ideia de “novo normal”, diria que a normalidade da geopolítica daqui pra frente será ter um novo ator capaz de mandar os EUA calarem a boca, como os soviéticos faziam no passado.

Não se trata de desprezar a democracia, mas sim de lembrar a ela que a China pode vir a provar que para produzir riqueza não se faz necessário que as pessoas votem nos seus líderes ou tenham múltiplos partidos.

E não se prova a falsidade desta hipótese apenas evocando argumentos deontológicos (isto é, argumentos que lidam com o modo como as coisas deveriam ser eticamente e não como elas de fato são).

As pessoas negociam o direito ao voto se sentirem que outro modo de organizar a política pode melhorar a vida delas. O equívoco comum nas elites das democracias ocidentais é que todo mundo vive numa Dinamarca imaginária.

A China está tirando sua população de uma miséria ancestral na velocidade da luz. E os chineses sabem que não vivem na Dinamarca. Permanecem lúcidos, sabendo o preço das coisas e sem tolices.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.