segunda-feira, outubro 23, 2017

Jesus transexual qualquer um faz. Que tal uma peça de Maomé transexual? - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 23/10

O mundo em rede mostra sua cara: uma epidemia de histeria. Não posso deixar de achar engraçado grupos culturais à esquerda ficarem histéricos com a também histeria de grupos "defensores" dos bons costumes, provavelmente mais à direita, acerca de algumas manifestações artísticas nos últimos tempos no Brasil.

Ouvir alguém à esquerda falar em "defesa da liberdade de expressão" na arte só pode ser má fé ou falha de memória depois da invenção do politicamente correto. O que há de "novo" nesse debate histérico acerca de nudez, "Jesus transexual", e "Queermuseu" é o fato de que, agora, quem se levanta contra a liberdade de expressão são grupos à direita do espectro político.

A direita aprendeu a usar o Ministério Público pra suas manifestações de autoritarismo. A esquerda tem espancado a liberdade de expressão há anos com suas intervenções em nome de um mundo melhor. Não tem nenhuma moral pra reclamar da "nova censura" praticada pela direita, depois dela, esquerda, ter exercido tanto sua "velha censura" politicamente correta.

Os eventos iluminam muitos aspectos, para além do que dominou o debate na maior parte do tempo: a censura moralista x a arte "libertária". Para quem olhar pra nossa época com as lentes do ridículo, vivemos num mundo rico em fenômenos antropológicos.

Com a história do pelado do MAM, logo passamos a debater o comportamento dos pais: seria a mãe a "culpada" da história? Caberia a suspensão por tempo limitado do seu poder familiar? Entregaríamos a criança ao "lindo" Estado? O que é esse "lindo" Estado? Burocratas teóricos babando pra exercer seu poder moral sobre os cidadãos indefesos.

Com relação aos pais, suspeito que nunca caminharam sobre a Terra adultos menos capazes de lidar com crianças. Ao mesmo tempo em que educam seus filhos para um mundo irreal em que nunca haveria guerras, ódios (bastando aprender a abraçar árvores nas escolas e a ver no "outro" sempre gente legal disposta ao "diálogo"), entram em pânico com tudo, filmando cada centímetro de ar respirado pelo filho.

Projetam neste infeliz a pessoa evoluída que eles, os pais, acreditam que são no fundo das suas almas. Consultam especialistas e a internet pra saber o que significa cada ruído emitido pela criança.

Fôssemos nós, sapiens contemporâneos, no alto paleolítico, os neandertais teriam levado a melhor.

Não é à toa que grande parte dos mais jovens dizem não querer ter filhos. Estamos, passo a passo, assumindo nossa incapacidade para cuidar dos mais jovens, apesar da histeria toda e da falação sobre crianças.

Aliás, essa falação é indício já da nossa decisão silenciosa: se as crianças nos cansam tanto, melhor não tê-las.

Outro detalhe "colateral" desses fatos é o horror que causa a manifestação do "povo" sempre que aparece. Os inteligentinhos, em seu mundinho feito de pessoas bacanas como eles, detestam o moralismo barato do povo comum.

A maioria das pessoas não entendem a razão de um cara adulto ficar pelado em público. E, quando alguém vai tentar explicar, se enrola todo em conceitos superabstratos que se afastam do português dos mortais.

Aliás, ficar pelado em público é coisa ultrapassada mesmo. Só choca quem quer fazer tipo. Erotismo não é, mesmo. Erotismo tem mais a ver com o corpo coberto do que nu. Os idiotas ocidentais se esqueceram disso.

Toda vez que "o povo" fala, ficamos chocados com sua moral "tacanha". O povo acha que criança não deve ver gente pelada, que Jesus é homem mesmo, e coisas afins.

Sobre o "Jesus transexual", teria uma coisinha a acrescentar. Lembro-me que, na época do massacre na Charlie Hebdo, muitos inteligentinhos, que agora ficaram horrorizados com os cristãos que gritaram contra seu herói ser representado por um transexual, afirmarem que devíamos respeitar os sentimentos dos muçulmanos.

Pois então. Que tal montarem uma peça com um Maomé transexual? Teriam eles coragem de fazer isso? Como reagiria a comunidade islâmica brasileira e a mundial?

Minha aposta é que não teriam coragem. O traço marcante do inteligentinho é a "coragem de salão".

Reação no investimento - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 23/10

Sem justificar, por enquanto, o lançamento de rojões, sinais positivos se acumulam pouco a pouco


Crucial para a expansão econômica e para o aumento do poder de competição do Brasil, o investimento produtivo continua recuperando-se lentamente, depois de anos de queda. Para aumentar seu potencial de crescimento e tornar a produção mais eficiente o País precisa de muito mais capital aplicado em máquinas, equipamentos e construções. Neste segmento, têm especial importância as obras de ampliação e de modernização da infraestrutura – itens como rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e instalações de geração e distribuição de energia. Sem justificar, por enquanto, o lançamento de rojões, sinais positivos se acumulam pouco a pouco. Último exemplo: em agosto, o total investido foi 0,8% maior que o de igual mês do ano passado, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O mesmo tipo de comparação havia mostrado recuo nos 14 meses anteriores.

Também segundo a nota do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, nos 42 meses a partir de março de 2014 esse indicador só foi positivo em junho de 2016, com alta de 0,1%, e em agosto deste ano. Portanto, desde antes da recessão e ainda por algum tempo depois do início da reativação dos negócios, as comparações interanuais quase invariavelmente apontaram recuo do investimento, medido como formação bruta de capital fixo.

Em outras palavras: mesmo antes de afundar na recessão a economia brasileira já havia perdido boa parte de sua capacidade produtiva. Já estava condenada a um baixo ritmo de crescimento e a perder mais posições na corrida do crescimento. Quando se tornou evidente a pior crise recessiva registrada nas contas nacionais, o desempenho do Brasil já era bem inferior ao de vários países sul-americanos. A desvantagem diante da China e de outras economias dinâmicas da Ásia já era notória havia muito tempo.

Mas a modesta melhora apontada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – e já indicada parcialmente por outras fontes – tem-se concentrado nos bens de capital. As variações positivas têm sido observadas no consumo aparente de máquinas e equipamentos. Para se obter esse indicador se somam a produção interna e a importação de bens de capital e desconta-se a exportação. O valor encontrado para o mês de agosto foi 1,8% maior que o de julho deste ano e 11% superior ao de agosto de 2016. A construção diminuiu 2,3% em relação ao nível de julho e 4,5% na comparação com o valor de agosto do ano passado.

A fabricação de bens de capital tem sido, surpreendentemente, um dos destaques da produção industrial. O segmento de bens de capital produziu em agosto 0,5% mais que em julho e 9,1% mais que um ano antes. A produção cresceu 3,1% em 12 meses e o total produzido no ano foi 4,4% maior que o de janeiro a agosto do ano passado. Mas essa recuperação ocorre depois de várias quedas. A fabricação de bens de capital diminuiu 9,3% em 2014, 25,3% em 2015 e 10,6% em 2016. O aumento de 4,4% nos 12 meses até agosto está longe de compensar as perdas acumuladas. Mas é mais um sinal animador.

Mesmo antes dessa queda o investimento brasileiro era inferior ao de países emergentes mais dinâmicos, incluídos alguns sul-americanos. A meta oficial dos governos tem sido, há muito tempo, uma formação bruta de capital equivalente a uns 24% ou 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Desde o ano 2000, essa proporção, nos melhores momentos, ficou pouco acima de 21%. Na maior parte do tempo esteve abaixo de 20%. Nos quatro trimestres até junho deste ano ficou em 15,5%, depois de uma longa queda. Taxas iguais ou superiores a 24% têm sido encontradas em alguns países latino-americanos, mas emergentes da Ásia exibem taxas maiores.

Não há alternativa. Consumo privado e custeio público podem puxar o crescimento a curto prazo, quando há muita capacidade ociosa, mas crescimento sustentável só é possível com o aumento do estoque de máquinas, equipamentos e construções de vários tipos.