sábado, setembro 24, 2016

Ensino mais flexível - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 24/09

SÃO PAULO - Pareceu-me correta a linha geral da reforma do ensino médio proposta pelo governo Temer. A medida provisória aposta na flexibilização das disciplinas, com o objetivo de reduzir os absurdos níveis de evasão registrados nessa etapa, e na ampliação da carga horária, o que tende a ter impacto positivo sobre a qualidade, hoje estacionada em níveis muito abaixo dos aceitáveis. Há, porém, várias dúvidas e uma série de problemas.

O primeiro diz respeito ao método escolhido para introduzir a reforma. É esquisito fazer uma remodelação dessa magnitude e importância através de uma medida provisória e não de um projeto de lei, mais democrático e aberto a aprimoramentos. Se o governo não é capaz de mobilizar sua ampla base parlamentar para votar com rapidez uma proposta tão fundamental para a educação, então não tem muito a oferecer ao país.

Também me parece estranho propor, neste momento, um grande aumento da carga horária, que passaria das 800 horas anuais para 1.400. Mesmo considerando que a ampliação seria gradual, isto é, distribuída ao longo de vários anos, estamos, numa conta de guardanapo, falando de uma majoração de custos operacionais da ordem de 75%. Não é crível que isso possa ocorrer num contexto em que muitos Estados estão quebrados e as verbas federais para a educação também deverão experimentar um longo período de restrições. Teria sido mais honesto deixar o projeto de ensino médio em tempo integral para outra hora.

Para não ficar apenas em aspectos negativos, achei muito bacana eliminar a obrigatoriedade de quase todas as matérias. É claro que a própria flexibilização seria impossível se as 13 disciplinas hoje obrigatórias permanecessem nessa condição, mas gostei de ver alguém finalmente colocar a autonomia dos alunos à frente dos interesses corporativos. Vamos ver se essa mudança vai resistir à força dos lobbies.


Belos, cálidos dias - LYA LUFT

ZERO HORA - RS -  24/09

Aquela criaturinha chamada esperança canta no peitoril da minha janela


A gente nasce sem querer, numa família não escolhida (ou cada alma escolhe a sua?), com uma bagagem de genes que nem Deus sabe direito no que vão dar — lançados no grande mundo, ainda por cima tendo de desempenhar direito nosso papel.

Que papel? O que a família exige? O que a sociedade espera? O papel que cobramos de nós mesmos enquanto corremos entre acertos e trapalhadas, dor e graça, tateando num nevoeiro de confusões, emoções, razões e desesperos – ou contentamento? Atores sem preparo, sem roteiro, sem papel e sem alguém que nos sopre nossas falas, nesse palco desmesurado e instável. Se for difícil demais, nos matamos de tristeza, de tédio, de medo, de solidão e vazio, ou por vingança por algo demais cruel. É quando não conseguimos desempenhar papel nenhum: escolheremos então o nada, se é que a morte é nada.

Mas em geral gostamos da vida, não nos matamos, até nos sentimos bem. Não que eu ache que somos farsantes ou falsos. Apenas fomos aqui plantados, em geral desejados, quase sempre amados, algumas vezes desamados, mal criados e erradamente educados. A gente comparece do jeito que dá, desde quando começa a ter consciência – acho que isso também ninguém ainda determinou (o Google não me deu muita certeza): quando começa a consciência de existir, e das coisas ao redor?

Minhas memórias se iniciam aos dois anos e pouco, deitada no assoalho claro da casa, espiando embaixo de um móvel grande e escuro, admirando bolinhas de poeira que dançavam segundo minha respiração: para mim, eram seres vivos. Ou sentada no assoalho da casa da avó que costurava, eu espiando alfinetes cintilantes entre as frestas das tábuas. Tudo era mágico naquele tempo, e eu não precisava ser nenhum personagem.

Mas a vida se impõe, com chamados, deveres, conselhos, promessas, agrados, punições, por mais brandas que fossem: havia uma ordem em tudo. E a gente tinha de se adaptar, para que os castigos (não ganhar sorvete, não poder brincar com as amigas) não fossem mais numerosos do que as alegrias. Na verdade, os castigos eram poucos, quase bobos, mas eu me assustava: alguma coisa chamada "des-ordem" existia, eu me enredava com ela. Todo mundo devia ser calmo, acomodado, pressuroso, obediente, não lembro mais todas as qualidades que nos faziam boas meninas e bons meninos naquele tempo quase remoto.

E as perdas: amados e amigos se vão, jovens ou já velhos, a gente soltando pedaços. Ou os afetos simplesmente empalideceram. Mas há os que chegam: maravilhosamente chegam filhos, netos, novos amigos, velhos amigos permanecem, os livros, os filmes, os quadros, as músicas, a montanha, o mar, as horas de encantamento, as viagens – e voltar para casa, doce "zona de conforto". Acolhimento, segurança dentro do possível neste mundo em que o crime compensa, o cinismo floresce, a autoridade fracassa, a confusão impera, a mediocridade se impõe. Seja como for, vamos desempenhando ou reinventando nossos papéis, ou não os cumprindo e levando rasteira. Não é ruim, não é bom: é a vida.

Belos, cálidos dias de primavera. O país, quem sabe, começando a se mover para se recompor. Aquela criaturinha chamada esperança canta no peitoril da minha janela. Quem sabe, quem sabe?


Para que serve a aula de artes - DAVID COIMBRA

ZERO HORA - RS - 24/09
O governo quer acabar com as aulas de artes na escola, o que tem causado grande comoção na sociedade brasileira.

Tive aula de artes. Chamava-se educação artística. Não era uma disciplina que levava a sério, confesso, pejado. Classificava educação artística no nicho de moral e cívica, religião e OSPB. Quer dizer: uma chatice. Só ia para não rodar por ausência.

Agora, ao pensar no assunto, seguro o queixo com o polegar e o indicador, olho para o céu da Nova Inglaterra e me pergunto: será que mesmo os professores levavam a matéria a sério? Eles entravam na sala e davam argila para a gente fazer... coisas. Terá algum de meus colegas se revelado um Michelângelo tropical graças às aulas de artes?

Vai saber...

De toda forma, vendo hoje tantas pessoas a protestar que a educação de nossas crianças será destruída com a supressão das aulas de artes, sinto-me culpado retroativamente por ter desprezado a educação artística.

Igual com a sociologia. É tão bonito ouvir um sociólogo falando... O que mais gosto é de quando os sociólogos criticam a sociedade hipócrita e tentam mexer com nosso espírito entorpecido pelo consumo e pelos valores midiáticos. Basta que eles comecem a falar e já sinto o meu espírito entorpecido se mexendo todo. Se tivesse levado mais em consideração as aulas de sociologia, hoje escreveria belezuras como "conceitos heurísticos" ou "empoderamento".

Perdi oportunidades na vida, essa é a verdade.

O fato de não ter dado bola a disciplinas tão preciosas me faz pensar que a discussão sobre o currículo das escolas é quase irrelevante.

Fico pensando que o que realmente é importante são boas escolas e professores bem remunerados e bem preparados, com tempo para estudar e organizar seu trabalho, mas que também sejam cobrados pelo que fazem e pelo que não fazem. Fico pensando que esse debate é superficial e que ter ou não artes no currículo só faria diferença se houvesse ótimos professores de artes, ensinando em escolas com ótima estrutura para as aulas de artes. Fico pensando isso. Mas posso estar errado. Posso ter ficado com o espírito não apenas entorpecido, mas também embrutecido pelo desdém que senti pelas aulas de artes. Vai saber...

Para que serve o azulzinho

Se o Google não me iludiu, e o Google é como uma mulher, que ilude e negaceia, mas se desta vez não me iludiu, a EPTC tem 1.117 funcionários.

Toda essa gente, claro, não fica apenas cuidando do trânsito. A EPTC cumpre várias funções, que sei.

Mas nem todas as cidades do mundo contam com órgãos similares à EPTC. Aqui onde moro, por exemplo, quem controla o trânsito é a polícia.

O policial fica na esquina, observando o tráfego. De repente, se acha que as pessoas estão tempo demais na calçada, esperando para atravessar a rua, ele simplesmente invade o leito por onde passam os carros, ergue um braço e manda todo mundo parar. Todo mundo para sem reclamar. É ele quem decide. Faz parte de sua autoridade.

Outro dia, vi um parar um carro. O motorista tinha feito algo errado, não sei o que foi. Sei que o policial passou-lhe uma descompostura tão feroz, que deixou a mim envergonhado, eu, que estava só assistindo. O cidadão reagiu com humildade. Baixou a cabeça, disse "yes, officer" e foi-se embora ganindo baixo. Os policiais são respeitados — se alguém os confronta, eles o derrubam, põem o pé em seu pescoço, algemam-no e o levam preso.

Esse policial que está vigiando o trânsito vigia também as ruas, as pessoas e o comércio. Se alguém quiser fazer algo errado, não fará perto desse policial. Talvez fizesse, se em seu lugar houvesse um agente de trânsito.

Então, pergunto:

Será que Porto Alegre não seria uma cidade mais segura se os mais de mil funcionários da EPTC trabalhassem na Brigada Militar?

Será que os candidatos a prefeito de Porto Alegre não poderiam pelo menos cogitar essa possibilidade?

O que você prefere ter diante da sua casa: um azulzinho ou um PM?

Responda, por favor.

Repatriação em disputa - CELSO MING

ESTADÃO - 24/09

Um grande sucesso nessa matéria pode fazer enorme diferença nas condições hoje combalidas das finanças do setor público



A arrecadação extra com a repatriação de recursos depositados no exterior pode surpreender. O interesse parece cada vez maior, seja porque garante anistia para quem tem recursos não declarados no exterior, seja por puro medo do contribuinte de ser alcançado pelo Fisco. Este, desta vez, está apoiado por vasta rede de segurança estendida pelos países mais ricos do mundo.

A administração federal admite arrecadar neste ano pelo menos R$ 6,2 bilhões com os 15% de Imposto de Renda e outros 15% de multa, como está no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias editado pelo governo na última quinta-feira. Mas a estimativa de escritórios de advocacia e de grandes bancos é para muito mais do que isso. Algo que poderia superar os US$ 20 bilhões. Um grande sucesso nessa matéria pode fazer enorme diferença nas condições hoje combalidas das finanças do setor público, o que, por sua vez, pode ajudar a tirar a economia da encalacrada.

A data-limite para fechar a operação é 31 de outubro, como está na Lei de Repatriação, mas ela pode ser adiada, já que tramita no Congresso, para ser votado no início de outubro, o Projeto de Lei (PL) 2.617/15, que pretende promover alterações cujo teor não está ainda concluído. O objetivo do PL é dar segurança jurídica aos contribuintes.

Para advogados tributaristas que se têm debruçado sobre a matéria, um adiamento ficou necessário pelas dificuldades de coletar as informações exigidas. O advogado Wilson De Faria, do WFaria, decidiu não aceitar mais clientes porque já não dá conta do volume de trabalho necessário para elaborar as declarações.

O prazo curto, porém, não é o único ponto questionado a ser corrigido. Juristas têm se dividido sobre o que vem sendo chamado de “fator foto ou fator filme”. O texto diz que os ativos devem ser apontados “conforme a legislação tributária em 31 de dezembro de 2014”. Assim, há quem defenda que apenas o saldo, ou seja, apenas a “foto” das contas nessa data deva ser declarada. Mas a Receita Federal argumenta que devem ser apontados bens e movimentações anteriores, ainda que correspondam a saldos inexistentes naquele momento, ou seja, que já levem em conta o “filme”.

O problema da declaração do “filme”, segundo o professor da área tributária na Fundação Getúlio Vargas, o advogado Eduardo Salusse, é que não está determinado o período de tempo a ser indicado na declaração. “Conseguir documentos de muitos anos atrás é impraticável. Desse modo, cria-se situação nebulosa que leva ao puro chutômetro.” Neste caso, o valor final a ser recolhido pode incidir sobre recursos que o contribuinte já não possui.

Quem deve determinar o quanto a lei vai retroagir é o declarante, de acordo com a Receita. “Se estiver interessado apenas nos efeitos tributários, ele deve apontar os bens havidos no prazo de decadência (período estabelecido por lei) dos tributos. Se o interesse for evitar os efeitos penais (futuras condenações), deve estar atento ao prazo prescricional dos crimes”, como consta na peça de perguntas e respostas sobre o tema elaborada pela Receita Federal.

Para Elisabeth Libertuci, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe, a Receita foi clara, mas a lei é dúbia. O maior risco consiste em não se saber se a declaração pode ter encaminhamento penal, como sugere o artigo que determina que o documento não pode ser utilizado como prova única em casos de acusação: “Os contribuintes estão com medo de sofrer algum tipo de perseguição se optarem por regularizar seus bens”.

CONFIRA:

Função pública
O texto da Lei de Repatriação impede que quem exerça função pública, seja em cargo eletivo ou de confiança, participe do programa. Também estão proibidas declarações de parentes até segundo grau, como irmão, esposa e filhos.

Alteração
O projeto que deve ser votado na Câmara prevê que “pessoas politicamente expostas” e seus parentes possam declarar seus recursos, desde que comprovem origem lícita do patrimônio. Além disso, as informações podem ser compartilhadas com o Ministério Público.

Políticos em ação
Para os advogados De Faria e Salusse, o ideal é que os funcionários públicos tenham direito à repatriação de recursos. Já a advogada Elisabeth Libertuci lamenta que o momento de suspeição tenha restringido a participação de políticos. Em 6 de setembro, o partido Solidariedade entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo para questionar o impedimento. / COM RAQUEL BRANDÃO

Após fim da hegemonia do PT, esquerda brasileira tem dois caminhos - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 24/09

A "morte do PT", essa profecia disseminada, não é um exercício de análise política, mas a expressão triunfalista de um desejo autoritário. O PT provavelmente sobreviverá. Contudo, o impeachment de Dilma e as imputações penais a Lula assinalam o ocaso da hegemonia petista sobre a esquerda brasileira. Chega ao fim uma longa era de unificação partidária quase completa das correntes de esquerda. A encruzilhada atual descortina os rumos contrastantes da substituição de hegemonia ou de uma reunificação pluralista. Batizemos o primeiro caminho como "partido-movimento" e o segundo como "Frente Ampla".

O PSOL sonha construir-se como "partido-movimento", assumindo a posição hegemônica no campo da esquerda. Suas referências são o Syriza, que chegou ao poder na Grécia em 2015, e o Podemos, que naquele ano atingiu votação similar à do Partido Socialista, disputando o posto de segundo maior partido espanhol. O Syriza tem raízes no Synaspismos (Coalizão da Esquerda Progressista), um movimento de unificação de correntes radicais fundado em 1991. O Podemos nasceu das manifestações contra a austeridade promovidas pelos "Indignados" a partir de 2011. Tanto um como o outro expressaram uma dupla rejeição política: à social-democracia e ao comunismo stalinista.

Os intelectuais do PSOL traçam um paralelo esquemático entre o PT e a social-democracia europeia. Na falência do Pasok grego e na decadência do PSOE espanhol, enxergam os funestos indícios do futuro próximo do PT. Assim como a crise do euro abriu a via para a ascensão dos partidos-movimento grego e espanhol, a crise do impeachment propiciaria a troca de hegemonia no Brasil.

Anos atrás, um cartaz de Che Guevara adornava a porta do gabinete de Alexis Tsipras, na sede do Syriza, enquanto Pablo Iglesias, o líder do Podemos, cantava as glórias de Hugo Chávez. O PSOL repete os evangelhos do castrismo e do chavismo, mas sua execução musical está atrasada em um compasso. No governo, o Syriza experimentou uma cisão e sua facção majoritária curvou-se à ortodoxia europeia, passando a ocupar o lugar que foi do Pasok. Por seu lado, após o anticlímax das eleições de junho, o Podemos anunciou um giro pragmático à centro-esquerda, borrifando água na chama da rebeldia.

O principal arauto do caminho da "Frente Ampla" é Tarso Genro, dirigente da Mensagem ao Partido, ala petista devotada à "refundação" do partido. Seu modelo é a coalizão Frente Amplio, que governa o Uruguai desde 2005, apoia-se na central sindical PIT-CNT e se estende do centro à extrema-esquerda, abrangendo democrata-cristãos, social-democratas, comunistas e tupamaros. Partindo do reconhecimento de que se esgotou a hegemonia do PT sobre a esquerda, a ideia da "mesa progressista" busca a reunificação por meio de um mínimo denominador comum. Cada um na sua, mas todos juntos na hora das eleições —eis o estandarte de Genro.

A "Frente Ampla" contempla interesses diversos. De um lado, evita o isolamento de um PT declinante, açoitado pela ventania da desmoralização. De outro, oferece lugares ao sol para a CUT, o MST, o MTST, o PCdoB e a UNE, que já compraram seus bilhetes de ingresso à nau das esquerdas. Mas a estratégia fracassará se não seduzir o PSOL, deixando espaço à ascensão de um "partido-movimento". Os primeiros sinais da tensão entre as estratégias conflitantes aparecem nas campanhas municipais de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

Nesses tempos de delinquência intelectual, o discurso partidário dissimula-se sob o rótulo da ciência política. Mathias de Alencastro reproduziu o clássico ardil dos antigos partidos stalinistas ao acusar o PSOL de fazer o "jogo da direita" nas eleições paulistanas (Folha, 21/9). O intelectual-militante fantasiado de acadêmico exprime o desejo inviável de voltar no tempo, reinstaurando a hegemonia que se estilhaça.


A esquerda em crise - JOÃO DOMINGOS

ESTADÃO - 24/09

Desde que se recompôs da tentativa de aniquilação total por parte da ditadura militar, primeiro em 1980, com a criação do PT, e depois em 1985, já no governo Sarney (1985-1990), com a legalização do PCB e do PCdoB, a centro-esquerda brasileira não vivia um momento tão delicado quanto o de agora. Delicado e de poucas perspectivas.

Em primeiro lugar, porque o PT, alcançado pelo escândalos do mensalão e do petrolão, apurado pela Operação Lava Jato, não tem mais a bandeira da ética para levantar. Foi com ela que o partido se enraizou na sociedade brasileira, tornou-se conhecido, conquistou parte do eleitorado e chegou ao poder. Por lá permaneceu por 13 anos, até sofrer o processo de impeachment.

Sem a possibilidade de fazer a defesa da ética, os petistas tentam, num gesto desesperado, empunhar algumas bandeiras políticas, como as do “Fora, Temer” e das “Diretas-Já”. Mas eles mesmos sabem que são bandeiras que não se sustentam por tempo longo e têm pouco apelo eleitoral.

Em segundo lugar, o momento é delicado e de poucas perspectivas porque a esquerda dita mais moderna, como o PSB e o PPS, enfrentam o dilema do adesismo ao governo Temer. E aderir à política do Palácio do Planalto significa apoiar o arrocho fiscal representado pelo projeto que estabelece um teto de gastos para o poder público, as reformas da Previdência e trabalhista.

No mundo, as esquerdas enfrentam dificuldades de todo tipo, principalmente depois do fim da União Soviética, que fez surgir a chamada crise paradigmática entre elas. Logo em seguida, o Partido Socialista Italiano (PSI) foi pego pela Operação Mãos Limpas. O desgaste foi tão grande que teve até de mudar de nome.

No Brasil, os problemas são especialmente dramáticos porque o PT, num deslize semelhante ao do PSI, afundou-se nas suspeitas de envolvimento em corrupção. Hegemônico entre as esquerdas, o PT comprometeu outras legendas com a imagem ruim que criou para si, pois muitas vezes são todas colocadas no mesmo balaio pelo eleitor, ou pela propaganda da extrema direita.

Quando o PT foi criado, em 1980, o dualismo da força de trabalho versus burguesia capitalista já começava a ficar no passado. Mesmo assim, a nova legenda, idealizada por parte do clero progressista, comunistas arrependidos, intelectuais de esquerda e elite sindical, recebeu o nome de Partido dos Trabalhadores.

Como a maioria esmagadora dos fundadores do PT não abraçava a doutrina comunista da luta de classes, optou-se por um programa mais moderno, sem enfrentamentos, baseado na ética. Como já dito aqui, essa bandeira caiu. Mas o PT tinha ainda uma segunda opção a explorar. Esta de forte apelo eleitoral, a da ajuda aos mais pobres.

Desde o escândalo do mensalão, em 2005, houve uma guinada no discurso do governo petista. Durou até a saída de Dilma Rousseff, no dia 31 de agosto. Trata-se do que se convencionou chamar de “discurso do ódio”. Segundo esse discurso, o governo petista era atacado pelas elites porque fazia distribuição de renda, aumentava os ganhos do trabalhador, dava oportunidade de todos andarem de avião. Esse discurso ainda é usado para justificar o impeachment de Dilma. Mas não passa de um chavão populista.

Por causa da crise que atingiu o PT, alguns líderes importantes do partido, como o ex-governador Tarso Genro e o ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia, têm trocado ideia com parlamentares de outros partidos, principalmente do PSB, do PPS e da Rede, sobre a possibilidade de criar uma nova legenda. A bandeira da ética seria novamente levantada.

Proposta nova, mesmo, não há. O que é mais um indício de que a esquerda continua em crise e não consegue apontar uma saída para ela mesma.

O risco é não mudar - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 24/09

O ministro da Educação, Mendonça Filho, vai à definição de MP para defender seu uso. “Medida Provisória é para assunto de relevância e urgência. O domínio de português e matemática em 2015 está no mesmo nível de 1997. Reformar o ensino médio é relevante e urgente.” A secretária executiva, Maria Helena Guimarães Castro, explica que a proposta nasceu de debates intensos de especialistas e secretários da área.

A nova proposta não vai entrar em vigor antes de se aprovar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que dirá o que deve ser o conteúdo obrigatório, e isso ficará pronto em meados do ano que vem. Por que então fazer por MP, e não por projeto de lei, já que não é para entrada em vigor imediatamente?

— Com a pauta do Congresso dominada por reformas econômicas, um projeto de lei não seria aprovado nunca — disse o ministro.

A secretária Maria Helena, que trabalhou com o ministro Paulo Renato e tem estado mergulhada no debate da educação brasileira há muito tempo, explicou que o Brasil precisa se livrar do modelo atual.

— A Inglaterra fez uma reforma muito importante nos anos 1990, o Canadá tem um modelo interessante. A Austrália seguiu a Inglaterra. Na Alemanha, foi aberto o espaço para o ensino técnico e profissionalizante. Em todos eles, há espaço para a flexibilidade em pelo menos uma parte do ensino médio. É nessa direção que vamos caminhar. O Brasil é o único país do mundo que tem 13 matérias obrigatórias, conteúdo engessado, sem espaço para a vontade do aluno, e que o leva a desistir do curso ou sair sabendo muito pouco. O Brasil hoje é uma jabuticaba, e que não está dando certo, como ficou claro no Ideb — diz Maria Helena.

Há consenso sobre a necessidade de mudança, o que causou debate foi o uso da MP e algumas das alterações. O que se diz no Ministério da Educação é que até a aprovação da Base Nacional Comum Curricular nada muda. A Base, que já está em debate há algum tempo, vai definir que matérias deixarão de ser obrigatórias. Hoje já se sabe que português, matemática e inglês serão obrigatórias, e outras, naquelas áreas definidas como ciências humanas e da natureza.

Todo mundo concorda que 13 matérias obrigatórias em apenas quatro horas de aulas por dia é uma insensatez, mas profissionais de todas as áreas querem que a sua especialidade seja obrigatória. O Brasil terá que fazer escolhas. Em todos os lugares onde houve avanços no ensino médio a carga horária havia sido aumentada. Em São Paulo, em vez das 2.400 horas da carga total dos três anos, já está em 3.000 horas. Em Pernambuco, em 45% das escolas os alunos já estudam sete horas por dia. Nas escolas privadas, que representam apenas 11% dos alunos do ensino médio, a média de horário é entre cinco a cinco horas e meia. Perguntei para o ministro se não ficaria muito caro esse aumento da carga horária e como ele pensa que o governo conseguirá compatibilizar com o teto dos gastos públicos:

— Não é tão caro. É uma questão de prioridade na alocação dos recursos. O governo passado, em cinco anos, aumentou em R$ 30 bilhões o gasto com educação de nível superior e só em R$ 10 bilhões a educação básica. Triplicou os gastos com universidade e a melhora de desempenho foi residual. O Brasil gastou R$ 3,5 bilhões só em 2015 com o Ciências sem Fronteiras para 35 mil alunos. Não é tão caro gastar R$ 1,2 bilhão para beneficiar 500 mil alunos.

O ministro defende o projeto dizendo que ele não será um comando único de Brasília. Haverá a BNCC, mas não será currículo único. Os estados poderão adaptar segundo suas realidades, e os alunos poderão montar suas grades segundo seus interesses, na parte que for flexível.

— Esse é um país de 200 milhões de habitantes e 27 estados. Nós não podemos decidir em Brasília o que vale para o país todo — diz o ministro.

É preciso debater a educação com a intensidade com que se discutem medidas econômicas. Só o senso de urgência nos livrará dos riscos de deixar tudo como está. “Vivemos um flagelo no ensino médio”, diz o ministro. As estatísticas de evasão, de baixo desempenho, de perda dos jovens para os vários riscos que os cercam desafiam a sociedade brasileira a encontrar formas de proteger a juventude. Afinal, o que são eles que não o nosso futuro?

Guerras comerciais? - MONICA DE BOLLE

ZERO HORA - RS

Goste-se ou não do candidato republicano Donald Trump, uma coisa é certa: ele é belicoso, suas palavras e gestos sempre beligerantes. Não que Hillary Clinton seja particularmente simpática. O charme de seu marido, a candidata democrata certamente não tem. Às vésperas do primeiro debate das eleições americanas, em 26 de setembro, urge saber: como as políticas de combate ao comércio internacional de um e de outro haverão de afetar os EUA, o mundo?

Estudo recém-publicado pelo Peterson Institute for International Economics (PIIE), onde trabalho, aborda esse tema. Mas, antes de tratar de seus resultados, vale salientar algo inusitado nessa campanha desvairada — é a primeira vez desde muito, quiçá desde sempre, que o comércio internacional tem papel preponderante em um pleito presidencial nos EUA. Na verdade, trata-se de mais do que o comércio. Todos os alicerces da globalização estão em jogo, passando pelas controvertidas propostas para estancar a imigração de Trump à sua mais recente declaração de que a polícia tenha autorização para revistar nas ruas aqueles que pareçam "suspeitos", leia-se, com cara de imigrantes malvados.

As propostas de Hillary Clinton para o comércio internacional resumem-se ao repúdio ao Acordo Transpacífico (TPP) firmado com 11 países, inclusive dois latino-americanos — o Chile e o Peru. Segundo outro estudo preparado pelo PIIE, o TPP poderia trazer até US$ 130 bilhões por ano para a economia americana após entrar em vigor. Portanto, tomando o repúdio de Clinton ao pé da letra, os EUA estariam abrindo mão dessa quantidade de recursos. O restante de suas propostas não chegam a alterar o que hoje já existe: há uma maior preocupação em caçar manipuladores de moeda, isto é, em punir aqueles países que desvalorizam excessivamente para abocanhar vantagens competitivas — a China é o país que todos têm em mente quando esse assunto vem à tona — além de reforçar as instituições que monitoram o cumprimento de acordos comerciais para evitar abusos por parte de parceiros. Ou seja, com Clinton há uma clara inclinação protecionista, mas nada que altere significativamente o que já existe em matéria de discurso e de arcabouço institucional.

Trump é diferente. Trump quer solapar tarifa de 35% nos produtos mexicanos, de 45% nos produtos chineses. Trump quer reaver todos os acordos comerciais dos EUA e, ao contrário do que muitos imaginam, tem poderes para fazê-lo unilateralmente. A legislação atual permite que o presidente da República rasgue acordos como o Nafta, com o México e o Canadá, ou o Korus, com a Coreia do Sul, sem precisar de aprovação do Congresso americano. Trump também poderia, como já ameaçou, retirar os EUA da Organização Mundial do Comércio (OMC) caso suas tarifas sobre o México e a China acionem mecanismos punitivos da OMC. Há quem diga que as ameaças de Trump são mera retórica, que ele nada disso fará. Quem acredita nisso o faz sob risco grande de errar. Afinal, aqui nos EUA, tal tipo de "estelionato eleitoral" não costuma ser aceito. Além do mais, o modo como Trump se amarrou a essas declarações não permite acreditar que ele não siga algo muito parecido com o que tem dito.

As políticas comerciais de Trump, portanto, ao contrário das de Clinton, significariam mudança completa do regime em vigor. Tais mudanças poderiam levar a uma guerra comercial com o México, a China e outros parceiros, caso decidam retaliar — o que, por certo, fariam.

O estudo do PIIE traça três cenários de guerra comercial: no primeiro, a retaliação da China e do México é simétrica à imposição de tarifas de Trump; no segundo, a retaliação é mais suave, mas ainda é o suficiente para gerar grandes estragos; no terceiro, a retaliação é abortada por algum motivo — por exemplo, se o Congresso americano forçar o possível presidente Trump a retroceder.

Em qualquer dos casos, o resultado mais interessante do estudo é que os efeitos da guerra comercial, seja de que modo for, impactariam não apenas as exportações, como também setores que não são diretamente ligados ao comércio na visão do cidadão comum. Na verdade, as maiores perdas de empregos provavelmente seriam observadas no varejo, nos setores de serviços em geral (restaurantes, saúde), bem como nas redes de distribuição do comércio doméstico. Dito de outra forma, o choque negativo de uma guerra comercial poderia levar ao fechamento de uma fábrica que atende ao mercado interno — a queda resultante do emprego teria efeito em cascata que deprimiria a demanda por bens e serviços de todo tipo, inclusive daqueles que não têm relação direta com o comércio externo. Tais consequências provavelmente se alastrariam para outros países.

A mensagem, portanto, é clara. Trump e seu arsenal seriam perigosíssimos para o comércio global.


Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, professora da SAIS, Johns Hopkins University 

Afundou o país e foi à praia - GUILHERME FIUZA

O GLOBO - 24/09

Progressistas de butique não se importam que as bandeiras de esquerda tenham sido usadas para roubar o país


Não há PowerPoint que consiga explicar a pedalada de Dilma Rousseff na Praia de Ipanema. Tranquila, sem contratempos, ela foi até o Leblon e voltou. Numa boa. No dia seguinte, seu ex-ministro da Fazenda foi preso.

Como a torcida do Flamengo já sabia, Guido Mantega era mais um despachante da companhia. Vejam como a senhora das pedaladas é honesta, conforme um pedação do Brasil adora acreditar: Mantega, Paulo Bernardo, Fernando Pimentel, Gleisi Hoffmann, André Vargas, Erenice Guerra, João Vaccari... Chega. Já sabemos que a cada enxadada corresponde uma minhoca. Todo o estado-maior de Dilma, e o menor também, está enrolado com a polícia. E ela está na praia.

Com a saga de Guido Mantega no governo popular — que vai sendo revelada pela mulher do marqueteiro, por Eike Batista e outros inocentes torturados pela Lava-Jato, — o farol de Curitiba começa a apontar para as catacumbas do BNDES. As negociatas de Fernando Pimentel, amigo de Dilma e governador de Minas (nesta ordem), somadas às tramas de Lula com suas empreiteiras de estimação, já indicavam que as paredes do gigantesco banco público têm muito a contar. Agora vai.

Mantega foi um dos peões de Dilma no colossal esquema da contabilidade criativa, que o Brasil só notou quando foi apelidado de pedalada, e mesmo assim não acha muita graça. É um enredo impressionante envolvendo BNDES, Tesouro, Caixa e Banco do Brasil, para esconder déficits e liberar dinheiro público para os companheiros torrarem em suas olimpíadas eleitorais. Isso aconteceu por mais de uma década, e foi um par de flagrantes desse assalto que despachou a presidenta mulher para Ipanema — o famoso golpe.

Se Lula é o sol do PowerPoint, Dilma é, no mínimo, a lua. Guido Mantega deu sequência às obras dela na presidência do Conselho de Administração da Petrobras, sob o qual foi montado e executado, nos últimos 13 anos, o maior esquema de corrupção da República — se é que há algo de republicano nesse populismo letal. A literatura obscena da Lava-Jato, e em especial a denúncia do Ministério Público contra Lula (que o Brasil não leu, porque é muito longa), mostra tudo. Lula e Dilma cultivaram os ladrões camaradas nos postos-chave para manter a dinheirama irrigando os cofres partidários.

Mas Dilma diz que não tem conta na Suíça como Eduardo Cunha. Vamos esclarecer as coisas: Eduardo Cunha é um mendigo perto do esquema bilionário que sustenta Dilma, a mulher honesta.

O que também sustenta Dilma, e todos os delinquentes do bem, é a ação corajosa dos progressistas de butique. Eles não se importam que as bandeiras de esquerda tenham sido usadas para roubar o país. O papo do golpe é uma mão na roda: Dilma, a revolucionária, foi massacrada pelos velhos corruptos do PMDB. Todos sabem que estes viraram ladrões de galinha diante da ópera petista, mas lenda é lenda. Ser contra o golpe dá direito a ser contra a ditadura militar, a violência policial, o racismo e o nazismo. É um pacote e tanto.

Também dá direito a ir à posse de Cármen Lúcia no Supremo Tribunal Federal — o mesmo STF que presidiu o impeachment de Dilma. Deu para entender? Vários heróis da resistência democrática contra o golpe foram lá, pessoalmente, festejar a nova presidente da corte golpista. Contando, ninguém acredita.

Teve até show de MPB — a mesma que ouviu da própria Cármen Lúcia o famoso “cala a boca já morreu”, contra aquele projeto obscurantista de censurar biografias. Alguém já disse que é proibido proibir. Mas debochar da plateia está liberado.

Nem é bom citar esses acrobatas da ideologia. Vários deles são artistas sensacionais, que colorem a vida nacional. Melhor esperar que desembarquem de suas canoas furadas a tempo, e parem de alimentar essa mística vagabunda — porque, atenção, comprar o barulho do governo destituído e seus genéricos não tem nada a ver com ser de esquerda. Ao contrário: além de destruir a economia popular, essa gangue fraudou as bandeiras da esquerda. Adaptando Millôr: desumanizaram o humanismo.

Foi uma dessas turminhas de humanistas desumanos que hostilizou uma jornalista de TV com seu bebê de 1 ano numa calçada da Gávea. São jovens simpatizantes de um desses candidatos bonzinhos que incentivam a porrada. Eles são contra o sistema (seja lá o que isso signifique) e contra a mídia burguesa. Assim morreu o cinegrafista Santiago Andrade. No dia 2 de outubro, os cafetões da criançada ignara vão às urnas buscar seus votos progressistas.

Os heróis da resistência ocuparam o Canecão. Ótima ideia. Melhor ainda se tivesse sido executada há quase dez anos, quando o PT fechou esse templo da música — fingindo que estava defendendo a universidade pública de empresários gananciosos. Onde estavam vocês quando aconteceu esse golpe hipócrita contra a arte?

Vamos falar a verdade, queridos cavaleiros da bondade. Antes que a praia vire passarela de quem devia estar vendo o sol nascer quadrado.

Guilherme Fiuza é jornalista

PEC do teto de gastos não é solução para crise, mas ponto de partida - RONALDO CAIADO

FOLHA DE SP - 24/09

A proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que estabelece, por duas décadas, um teto para os gastos públicos, limitando-os à inflação, tornou-se o centro de ruidosa celeuma, que excita corporações, "movimentos sociais" e lideranças populistas.

Prestes a ser votada na Câmara, passou a ser apontada como um instrumento perverso, concebido para suprimir direitos e avanços sociais conquistados nos últimos anos.

É, porém, bem ao contrário, um esforço para restaurá-los. Para além do assalto à Petrobras e aos fundos de pensão, lesando aposentados, o governo do PT protagonizou prolongada e insana farra de irresponsabilidade fiscal. Gastou (e mal) o que tinha e o que não tinha, tornando os direitos sociais letra morta, afundando o país.

Foi a inobservância ao princípio do limite de gastos que resultou numa economia arruinada e 12 milhões de desempregados.

Não há conquista social mais primária que a do emprego, e sua supressão em tal escala, sem precedentes, decorre da desobediência a fundamentos da aritmética elementar, em que, goste-se ou não, dois mais dois serão sempre quatro.

Não há ideologia que mude isso. E o que vemos é que programas sociais, reduzidos na gestão passada por falta de verbas, passaram a exibir deficiências graves e dramáticas.

Entre outras, redução de leitos hospitalares, suspensão de financiamento a programas como Fies, Pronatec e Ciência sem Fronteiras, além da vexatória inadimplência de nossas embaixadas e consulados.

A PEC, como é óbvio, não é uma solução para os desafios da crise, mas o ponto de partida para que se possa vislumbrar alguma. É um freio de arrumação. Não é questão ideológica ou partidária, até porque contas —públicas ou privadas— não são de direita ou de esquerda. Obedecem a princípios imutáveis e implacáveis.

Argumenta-se que a PEC irá reduzir gastos com saúde e educação. Não é verdade. Esses gastos já estão reduzidos por falta de meios para supri-los. O que a PEC faz é propor alternativas que evitem o recurso ao aumento de impostos. Convém lembrar que, após as duas votações na Câmara, a PEC chegará ao Senado, submetendo-se a novas possibilidades de aprimoramento. E o Congresso, diferentemente das corporações sindicais, tem delegação popular.

O teto de gastos está previsto para 20 anos, mas, após 10 anos, o Congresso pode revê-lo e redefinir regras para o período restante. Teremos oportunidade de amplo debate.

Os que protestam contra a iniciativa são exatamente os que a tornaram imperativa pelos desmandos que impuseram à economia. O fato concreto é que há um desequilíbrio estrutural nas contas públicas, que terá de ser resolvido ou por meio de aumento de imposto ou pelo restabelecimento da racionalidade de gastos.

A PEC aposta na segunda alternativa. A carga tributária brasileira está entre as mais altas do mundo, o que dificulta a expansão de investimentos. Aumentá-la agrava ainda mais esse quadro. O ajuste, dentro de regras estáveis, devolverá confiança aos agentes econômicos, permitindo o aporte de investimentos e a reabertura dos postos de trabalho.

O governo não pode se intimidar com o lobby corporativista nem pedir sacrifícios à população sem antes de ele próprio fazê-lo, abrindo mão de privilégios e reajustes salariais incompatíveis com as limitações diagnosticas por sua equipe econômica.

Precisa, isto sim, explicar à população a realidade que herdamos dos que hoje se colocam no cômodo papel de acusadores. Além de toda a roubalheira perpetrada, em escala jamais vista, destruíram a administração pública.

A Lava Jato fica e a tigrada passa - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 24/09

Questionar eventuais equívocos e excessos de uma operação ampla e complexa como a investigação da corrupção generalizada no governo é uma obrigação dos cidadãos conscientes. A mídia tem feito isso, exemplarmente. Mas há uma enorme diferença entre a crítica objetiva e isenta e a deliberada e maliciosa tentativa de induzir as pessoas a acreditar que o erro não é a exceção, mas a regra, e que, portanto, a Operação Lava Jato deve ser proscrita, como uma coisa “do Mal”.

Um dos efeitos maléficos da prolongada – mais de uma década, tempo em que o lulopetismo conseguiu se manter no poder – divisão do Brasil entre “nós” e “eles”, personificações do Bem e do Mal, foi a crescente incapacidade de uma verdadeira legião de brasileiros que se considera bem pensante – artistas, acadêmicos, jornalistas, intelectuais em geral – de demonstrar um mínimo de isenção e objetividade diante dos principais fatos que movimentam o amplo e tumultuado cenário político nacional. O fenômeno que talvez melhor ilustre essa situação é justamente a Operação Lava Jato, símbolo do combate à corrupção na gestão da coisa pública.

No cumprimento da missão de investigar e levar à Justiça os responsáveis pela corrupção no governo, a Lava Jato acabou mirando, obviamente, gente do governo, figurões políticos e operadores do PT e de seus aliados, além de empresários delinquentes para quem o princípio da livre concorrência está baseado na capacidade de oferecer a maior propina. Lula e o PT – isso tem sido reiteradamente afirmado neste espaço – não inventaram a corrupção. Na verdade, chegaram ao poder prometendo acabar com ela e “com tudo de errado que está aí”. Mas, em nome da perpetuação de seu projeto de poder, renderam-se à pragmática conclusão de que é mais fácil comprar apoio político com dinheiro do que conquistá-lo por meio do debate de ideias. Mensalão e petrolão, essencialmente a mesma coisa, tornaram-se então método político do lulopetismo.

Ocorre que Lula e a tigrada delinquiram em nome de um “projeto popular” apresentado como a quinta-essência da política “do Bem”. E quem não se alinhou a essa política passou a ser “do Mal”, ou simplesmente “eles”, a quem “nós”, os adoradores de Lula, o Supremo, declararam guerra sem trégua.

Logo, se sou “do Bem”, como posso tolerar um aparato investigatório que ousa apontar o dedo para os principais heróis do projeto de salvação nacional que só não deu certo, ainda, por culpa da globalização da economia e da sabotagem dos inimigos do povo? Para quem pensa assim – melhor dizendo, reage assim – a Operação Lava Jato é coisa armada por “eles”. Mas pega mal dizer isso com todas as letras, até porque a corrupção deixa um rastro muito evidente de podridão e fedor. Então, atacam pelas beiras, explorando detalhes, para exaltar seus heróis e denegrir os defensores da lei.

Essa é a estratégia de ilustres lulopetistas que formam a quinta coluna. Na primeira linha ficam celebridades mais afoitas, abraçando Lula e Dilma em ambientes protegidos e exibindo cartazes de “Fora Temer” e “Diretas Já”.

A indisfarçável intenção de Lula e seus seguidores – os que ainda restam – de desmoralizar a Operação Lava Jato para salvar a própria pele coincide com a igualmente clara disposição de políticos do PMDB e muitos outros partidos ex-aliados dos petistas, e que se mantêm governistas, de “estancar essa sangria”, como já disse o senador Romero Jucá.

Para alegria e orgulho dos brasileiros honestos, o fato é que a conspiração contra o combate à corrupção oficial, também com certa ironia, revela que as instituições democráticas têm sido suficientemente fortes para resistir ao assédio de quem só pensa em tirar proveito político e pessoal do poder. O povo brasileiro está cansado de ser enganado e espoliado por governantes inescrupulosos e aposta firme no saneamento do aparelho estatal, até o ponto em que isso é humanamente possível. A Lava Jato fica, a tigrada – a que não for presa – passa.

Na rabeira - MERVAL PEREIRA

O Globo - 24/09

Será divulgado nos próximos dias estudo sobre o comportamento do PIB brasileiro na era petista, comparado ao que aconteceu no resto do mundo, realizado por pesquisadores do Instituto Teotônio Vilela, órgão de estudos e projetos do PSDB. Um dos pesquisadores, André Lacerda, destaca que “esta é a primeira vez em que se mostra, de forma quantitativa, e objetiva, como de fato o crescimento brasileiro ficou muito para trás nos anos dos governos do PT”.

Oque era uma característica nos anos Lula, se acentuou no governo Dilma, quando, segundo o estudo, o Brasil caiu para a 172ª colocação entre 189 países. As conclusões, a partir de cálculos do estatístico Gustavo Carvalho, da UFMG, sob a coordenação de Lacerda e do também pesquisador Fabiano Lana, baseiam-se sempre em dados oficiais, de organismos como o FMI e a Eurostat.

Do IBGE veio a série por setores e subsetores da economia brasileira que mostra que em todos eles, com exceção das exportações, encolheram com Dilma. A conclusão do estudo, na parte referente ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em relação ao mundo na era PT, é de que “o resultado joga por terra o argumento de que o PIB do Brasil vai mal porque o resto do mundo também vai”.

Com crescimento acumulado de apenas 1% desde 2011, nos seis anos de governo Dilma, o Brasil ocupa a 172ª posição num ranking de 189 países, destaca o documento do Instituto Teotônio Vilela, que ressalta, porém, que “desde a ascensão do PT ao poder, o desempenho brasileiro ficou muito aquém da média global e de economias próximas ou similares à nossa”. Para chegar a essa média, o Instituto Teotônio Vilela utilizou a previsão oficial de 2016 de um crescimento negativo do PIB de 3,3%, considerando que o resultado é “uma herança maldita” ao governo Temer.

O estudo teve por base a divulgação dos resultados do PIB até o segundo trimestre deste ano, o último com o país ainda sob o comando de Dilma Rousseff, para realizar um balanço das gestões do PT na economia, e chegou à conclusão de que, em termos de renda per capita, o PIB já caiu 16% em apenas três anos, conforme projeção feita pelo Ministério da Fazenda.

“Estima-se que apenas no início da próxima década este indicador recuperará o nível de 2013. Serão, portanto, quase dez anos perdidos”, afirma o documento do Instituto Teotônio Vilela. A produção de bens e serviços voltou ao patamar registrado no último trimestre de 2010, com recuo acumulado de 8%, “cinco anos e meio perdidos, o que equivale a todo o período em que Dilma governou o país”.

Segundo o estudo, colaboram para o empobrecimento geral da população brasileira o “desemprego recorde e a inflação, que corrói salários e encarece os preços de alimentos e serviços”.

Quando o cotejo é feito com outros países, o desempenho de nossa economia nos últimos anos “torna-se vexaminoso”, segundo o documento. Desde a ascensão de Dilma ao poder, o crescimento do PIB é 0,17% ao ano, para uma população que cresce, vegetativamente, 0,9% no mesmo período. O resultado coloca o país, considerando o período 2011-2016, em penúltimo lugar entre os dez países da América do Sul e em 18º lugar na comparação com as 19 economias latino-americanas. A Venezuela é a última colocada nos dois casos.

O estudo destaca alguns exemplos de países que cresceram mais que o Brasil no período: enquanto crescemos 1% nos últimos seis anos, países como a Índia avançaram 49%, o Panamá, 55%, o Peru, 31% e o Chile, 22%, “todas economias com perfis similares ao do Brasil e supostamente, se o discurso oficial petista tivesse algum pé na realidade, enfrentando a mesma ‘crise internacional’ que a economia brasileira deveria estar enfrentando, com preços de commodities mais baixos e dificuldades para exportar”.

Desde 2011, o crescimento mundial médio alcançou quase 23%, o da América Latina superou 12% e a das economias sul-americanas bateu em 9%. Mas o estudo do Instituto Teotônio Vilela destaca que “mesmo no tempo das vacas gordas do boom das commodities, a economia brasileira teve desempenho pior que o de suas concorrentes”.

Levando o período de análise para os 14 anos de administração petista, o Brasil crescia relativamente bem menos que o resto do mundo, ressalta o estudo. Entre 2003 e 2016, a expansão geral do PIB nacional foi de 39%, novamente o segundo pior da América do Sul, o 16º na América Latina e o 137º em todo o mundo. Nesse período mais longo, o crescimento mundial acumulado foi de 71%, o da América Latina, de 55%, e o da América do Sul, de 58%.

Sinais da Lava Jato servem de alerta para Dilma Rousseff - LEANDRO COLON

FOLHA DE SP - 24/09

BRASÍLIA - Os investigadores da Lava Jato em Curitiba, em meio a "coincidências infelizes" e arroubos de estrelismo, emitem sinais que deveriam servir de alerta à ex-presidente Dilma Rousseff.

A prisão relâmpago de cinco horas de Guido Mantega trouxe a história de que Eike Batista teria recebido um pedido de R$ 5 milhões do ex-ministro para pagar dívidas do PT.

Segundo as palavras de Eike, os recursos eram para o partido "acertar as contas". A conversa indecente, afirmou, ocorreu no dia 1º de novembro de 2012 em uma reunião no gabinete de Guido Mantega na Fazenda.
Pela versão do ex-bilionário, o ex-ministro não se constrangeu em pedir dinheiro ao PT dentro de uma sala na Esplanada dos Ministérios.

Eike apresentou documentos sobre o repasse feito por ele por meio de João Santana e Mônica Moura.

Pendente de confirmação, o conteúdo da conversa dele com Mantega transforma em piada de salão o vídeo de 2005, raiz do escândalo do mensalão, em que o então servidor dos Correios Maurício Marinho cobra R$ 3.000,00 de propina em diálogo flagrado no prédio da estatal.

Se comprovado, o teor da reunião na Fazenda há quatros anos fragiliza os argumentos de Dilma e aliados de que o esquema da Petrobras não tinha o conhecimento do Planalto.

A agenda oficial de Mantega confirma que ele recebeu Eike em 1º de novembro de 2012. Duas horas antes, o ex-ministro e Dilma despacharam.

A 34º fase da Lava Jato mira sem pudor o elo financeiro do esquema do petrolão e seus laços com o primeiro escalão dos governos petistas.

A investigação mandou para a cadeia o tesoureiro do PT, o marqueteiro do partido, figurões como José Dirceu e agora fecha o cerco ao ex-presidente Lula, réu em duas ações.

Com a cassação do mandato presidencial, Dilma Rousseff perdeu o foro privilegiado que a blindava dos atos de Curitiba. Costuma-se dizer em Brasília que a Lava Jato caminha meses à frente de todos nós.


A queda dos espertos tem de continuar com o impeachment de Toffoli - CRISTIANO TRINDADE DE ANGELIS

GAZETA DO POVO - PR - 24/09

Os governantes populistas só conseguem fazer toda essa bagunça porque as supremas cortes são coniventes com seus atos


As ações dos populistas como o brasileiro Lula, a argentina Cristina Kirchner, o boliviano Evo Morales, os cubanos Castro, o venezuelano Nicolás Maduro, o equatoriano Rafael Correa, o nicaraguense Daniel Ortega e o italiano Silvio Berlusconi são apreciadas por boa parte da população que os admira por conseguirem trapacear a todos e se tornarem milionários. O renomado pesquisador Felipe Hevia afirma que a corrupção nos países latinos é entendida como uma situação normal – se não desejada –, pois se dá dentro de parâmetros culturais conhecidos e reproduzidos de geração em geração. A prova do desejo de ganhar dinheiro fácil pela corrupção é que o número de filiados ao PT, que já está por volta de 2 milhões, aumentou em 81% de 2014 para 2015. Infelizmente, a amplitude do fenômeno da corrupção facilita a banalização na sociedade até o ponto em que é considerada onipresente, sem esperanças de uma solução efetiva (punição, recuperação do dinheiro e mudança cultural), mas com perspectivas de ganhos. Em entrevista ao jornalZero Hora, o ex-ministro e atual pesquisador da FGV Luiz Carlos Bresser-Pereira afirma que a corrupção no PT era via acertos nas prefeituras: “Precisavam de dinheiro e não tinham dinheiro nenhum. Agora, quando se chega à Presidência da República, não podiam fazer isso. E fizeram. Fizeram com o mensalão e agora com o petrolão”.

Berlusconi volta à cena porque controla três das maiores redes de tevê da Itália, é dono do clube de futebol Milan e do grupo Mondadori, que comanda editoras. O falecido escritor Umberto Eco abriu a editora La Nave de Teseo na Itália para combater a concentração editorial, sem sucesso, até porque os latinos preferem ver televisão a ler, sendo então mais fácil manipulá-los. Um estudo de 2011 apoiado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o porcentual de lares com um aparelho de televisão (96,9%) era maior que o porcentual de lares com um refrigerador (95,8%), e que 64% tinham mais de um televisor. Segundo a Associação Internacional de Leitura Conselho Brasil Sul, enquanto o brasileiro lê em média um livro por ano, os chilenos, uruguaios e argentinos leem quatro livros nesse mesmo período. Comparados com países mais desenvolvidos, os leitores brasileiros tornam-se ainda piores: são cerca de 20 livros lidos por ano por habitante em países desenvolvidos. Essa diferença se reflete também no número de livrarias disponíveis no país. Há mais lojas em Buenos Aires que no Brasil todo. A distância se torna ainda maior se pensarmos que a capital argentina tem população 56 vezes menor que a do Brasil. Aliado a isso, o isolamento da sociedade de outras línguas e culturas facilita a manipulação por parte do governo.

O Brasil está no 114.º lugar no ranking de liberdade econômica, enquanto o Chile está na sétima posição e o Uruguai, na 43.ª. Já no ranking de percepção da corrupção, o Brasil ficou em 76.º lugar, enquanto os países mais ligados ao conhecimento e mais abertos para o mundo, como Uruguai e Chile, ficaram nas posições 21 e 23 respectivamente. No primeiro ranking, o Brasil obteve o pior resultado de uma nação no relatório de 2015 comparando com o ano anterior, o ano da Copa. O pesquisador Albert Honlonkou descobriu que, quando o nível de educação é baixo, corruptos tendem a se beneficiar mais da ignorância à procura de subornos. Seus estudos também mostram que a redução da corrupção está associada a um maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) classificou o Brasil recentemente em 60.º lugar entre 76 países em desempenho médio nos testes internacionais de avaliação de estudantes.

Os professores Barbara Geddes, Artur Ribeiro e Kurt Weyland sugerem que o nível de corrupção nos países latino-americanos cresceu, apesar da tendência de aumento da democratização nas últimas décadas. Nesta mesma linha, os professores Charles Davis, Roderic Camp e Kenneth Coleman relatam que um exemplo de incentivos gerados pela democratização é o aumento da utilização de política baseada na mídia que amplia os custos de campanha e relações públicas, gerando pressões para levantar o dinheiro legal ou ilegalmente. O juiz Sergio Moro conhece bem o poder da mídia e dos presidentes populistas sobre a população e as decisões das supremas cortes. Em 2004 ele publicou o artigo “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”, no qual destaca que os principais resultados obtidos por essa operação de combate à corrupção na Itália foram a extinção de partidos e a prisão de políticos, a exemplo de Bettino Craxi, do Partido Socialista, condenado a oito anos de prisão. Não obstante as conquistas na Itália, Guillermo O’Donnell, famoso politólogo argentino, autor do livro La (in)efectividad de la ley y la exclusión en América Latina, sustenta que as novas democracias latino-americanas são caracterizadas pela não punição das ações presidenciais ilícitas. Daniel Treisman, no artigo “The causes of corruption: a cross-national study”, concluiu que a democratização tem de ser radical e ter vida longa, além da necessidade de uma liberalização extensiva para atingir níveis de corrupção consideravelmente mais baixos. Para tanto, ele demonstrou a veracidade de seis hipóteses, que aglutino para maior clareza: A corrupção será maior em países com maior intervenção do Estado e com grandes cotas de recursos naturais valiosos; A corrupção será maior em países que são eticamente divididos e em países pouco expostos a competição; A corrupção será menor em países com instituições democráticas consolidadas, sistemas legais mais efetivos e populações mais alfabetizadas e educadas. Ele também conclui que as economias mais desenvolvidas têm governos de maior qualidade e, então, menor instabilidade política, o que diminui a necessidade de corromper-se para amenizar os conflitos gerados.

O trabalho de Treisman vai na mesma direção do que encontraram Alberto Ades e Di Tella no artigo “Rents, Competition and Corruption”. Eles sugerem que em países com largas dotações de valiosas matérias primas – combustível, minerais e metais – a corrupção pode oferecer um grande potencial de ganho para os governantes que alocam os direitos para explorar tais recursos. Isso fica claro na decisão de alterar o nome do campo petrolífero Tupi, descoberto em 2007, para campo petrolífero de Lula, em 2013.

Como o governo tem forte controle sobre os Tribunais Superiores – até porque tem a prerrogativa de nomear boa parte de seus membros –, vamos precisar da ajuda externa para afastar o vice-presidente do STF, Dias Toffoli, ex-advogado do PT em três eleições, e então prender Lula, extinguir o PT e, o mais difícil, recuperar o dinheiro. A maneira mais viável de anular as decisões contraditórias do ministro Toffoli, que mantém corruptos livres com desculpas esfarrapadas, é via um processo submetido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em seu site. O detalhe é que só recorre à CIDH quem é culpado, como foi o caso de José Dirceu e da ex-presidente Dilma. Segundo o professor Ángel Oquendo, autoridade mundial em direito comparado, a atuação do “grupo bolivariano” (Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua) na Corte Interamericana de Direitos Humanos se direciona a manipular as cortes supremas, distorcendo conceitos fundamentais e práticas internacionais a fim de favorecer seus interesses. No artigo “A politização dos direitos humanos”, Oquendo afirma que o Brasil se juntou a Argentina e Venezuela para criticar muito fortemente o trabalho da Comissão Interamericana de Direitos Humanos durante a sessão de abertura da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos de 2012. No Brasil, que tem estratégia muito parecida a esse grupo por ter cultura semelhante, o presidente Lula nomeou nada mais, nada menos que oito ministros para o STF, e a ex-presidente Dilma nomeou cinco.

A ação dos presidentes populistas latinos é direcionada a calar a boca de grupos influentes, da comunidade cientifica e cultural, criar uma cultura de submissão com os servidores públicos e população de baixa renda e, em especial, isolar seus países da influência externa. Um político cubano de uma geração anterior a Fidel Castro, José Martí, afirmou: “quando a gente emigra, os governantes sobram”. Isso é justamente o que ocorre no Brasil, em Cuba e na Venezuela. Nesses países, a grande massa trabalha tanto que não tem tempo para entender o que está acontecendo, além do fato de as passagens aéreas serem caras e o governo não incentivar o aprendizado de outras línguas. No Brasil, a ex-presidente Dilma mandou as pessoas “mais capacitadas” para fora via os programas Inglês e Ciência sem Fronteiras (a maioria não está retornando); em Cuba ninguém pode sair, somente os mais ricos. Na Venezuela o governo proibiu o cartão de crédito internacional pré-pago e o preço das passagens internacionais é absurdo. O Brasil tem laços fortes com Cuba e Venezuela para corrupção. Em abril de 2015, um relatório do TCU apontou irregularidades no contrato de financiamento da obra do metrô de Caracas. Para executá-la, a Venezuela teve financiamento de US$ 747 milhões do BNDES. Em Cuba, apesar da liberação de US$ 682 milhões do BNDES para construção do Porto de Mariel, o suposto megaempreendimento de responsabilidade da Odebrecht é um pequeno terminal de contêineres e os funcionários brasileiros não estão mais lá. O porto que existe, o antigo, é dominado pelos carros alemães. A relação entre Cuba e Brasil é tão forte que os Estados Unidos pediram a Dilma a intermediação junto a Raul Castro para libertar o americano Alan Gross, acusado de tentar instalar antenas para fornecer internet à comunidade cubana em Havana.

Importante destacar que os populistas só conseguem fazer toda essa bagunça porque as supremas cortes são coniventes com seus atos. No Brasil, o ex-presidente, após conseguir libertar todos seus companheiros, inclusive de outros partidos (como Paulo Maluf, em 2005), acusou a suprema corte de estar “acovardada”. A interpretação mais plausível desta acusação é a de que alguns ministros da corte estão com medo da repercussão de suas decisões absurdas no exterior, dado que o STF solta todos os políticos e o Brasil tem fama internacional por manter o “paraíso dos corruptos” funcionando – a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, além de serem prato cheio para corrupção através de contratos superfaturados, serviram para maquiar os problemas do Brasil. A população, os tribunais inferiores, o Ministério Público, a mídia nacional e internacional não aguentam mais o uso do Supremo para libertar os corruptos e ninguém sabe o que fazer para frear os supremos.

Enquanto isso, a pior recessão do país desde a década de 1930 continua a se aprofundar, afirma a revista The Economist. A população, sem condições de enfrentar os “supremos”, envia milhares de pizzas para o STF. O Supremo vai ser bombardeado de todas as partes do mundo se continuar blindando os corruptos, como foi o caso da senadora Gleisi Hoffmann. Em 2015, o juiz Sergio Moro começou a investigar o desvio de aproximadamente R$ 102 milhões em contratos do Ministério do Planejamento através das empresas do grupo Consist, com o Sindicato Nacional das Entidades Abertas de Previdência Complementar (Sinapp) e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC). O Instituto Brasileiro de Licitações Públicas (IBL) encaminhou ao RH do Ministério do Planejamento um questionamento sobre os motivos pelos quais a Consist foi contratada sem licitação para prestar o serviço de consulta e gestão dos limites de crédito consignado dos servidores a partir do acordo de cooperação técnica entre o Ministério, o Sinapp e a AABC. Segundo Plinio Minuzzi, vice-presidente jurídico do IBL, o governo deixa de arrecadar cerca de R$ 3 milhões mensais ao abrir mão da arrecadação. Além disso, Minuzzi afirma que o acordo do Ministério fere o principio da livre negociação entre os servidores e as instituições de crédito, além de violar o sigilo bancário. Apesar de o juiz Moro defender a tese de que apenas o que se refere à senadora deveria ser apurado pelo STF e o restante dos acusados deveria ser julgado por ele por haver nítida relação com a Lava Jato, o ministro Teori Zavascki – o mesmo que mandou soltar o senador Delcídio do Amaral – afirmou que, em virtude de os fatos que envolvem a Consist não terem relação com os inquéritos referentes à Lava Jato, todo o processo deveria ser analisado pela Justiça Federal em São Paulo. Toffoli acrescentou que cabe também ao STF dizer qual é o juízo competente para investigar os suspeitos que não têm direito a foro especial por prerrogativa de função. Gilmar Mendes, então, desabafou: “No fundo, o que se espera é que os processos saiam de Curitiba, e não tenham a devida sequência em outros lugares. É bom que se diga, em português claro! Pode mandar para a Vara de Cabrobó. Não terá o mesmo apoio. Sem falar na perda do fio da meada e do conhecimento acumulado com o desenrolar das investigações”. E acrescentou: “O que temos aqui são fatos ligados ao que aparenta ser uma organização criminosa com os mesmos meios de atuação. A Operação Lava Jato tem várias ramificações com comando central”.

Com a intenção clara de enganar a mídia e os órgãos de controle, os corruptos entram e saem, simulam contratos, criam documentos e, caso sejam indiciados ou até mesmo presos, contam com total suporte do STF, sem a necessidade de foro privilegiado, como foi com a prisão por seis dias de Paulo Bernardo, solto por Toffoli com a justificativa de constrangimento ilegal, o mesmo argumento utilizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para conceder um habeas corpus para evitar a condução coercitiva do ex-presidente Lula, da ex-primeira-dama Marisa Letícia e do primogênito Fábio Luís, o Lulinha. Para tentar diminuir a repercussão negativa de sua decisão sem fundamento legal, Toffoli recusou a outra solicitação da defesa do petista para que o caso fosse encaminhado da Justiça Federal de São Paulo para a suprema corte. O detalhe é que parte da JFSP está sendo utilizada como defesa contra atos da JFPR e, por isso, os fatos que envolvem a Consist foram enviados para lá com a desculpa de não terem relação com os inquéritos referentes à Lava Jato, esta em trâmite na JFPR com apoio da população e parte da mídia.

A máfia no Ministério do Planejamento, investigada nas operações Pixuleco I, Pixuleco II, Custo Brasil e Zelotes, continua de vento em popa. O procurador da República Andrey Borges de Mendonça declarou, após audiência de custódia de Paulo Bernardo e de outros alvos da Custo Brasil, que verificou atitudes fraudulentas para induzir em erro o juízo, como por exemplo a simulação de contratos de serviço após a deflagração da Pixuleco II, em agosto de 2015. “Há indícios de que havia uma permanência da organização criminosa e, mesmo após cessarem os cargos públicos, esse esquema ainda se mantém em diversos locais, uma gama de contratos ainda está em vigor e diversas pessoas têm uma força política grande”, declarou Mendonça ao jornal O Estado de S.Paulo.

O delegado da Polícia Federal Marlon Cajado citou o ministro interino do Planejamento, Dyogo Oliveira, à Justiça Federal como possível elo, no governo federal, dos lobistas suspeitos de “comprar” medidas provisórias que beneficiaram o setor automotivo. Ele foi apontado pelos investigadores como um dos possíveis contatos que réus da Zelotes tinham no governo para negociar textos de medidas provisórias, segundo consta do Ofício 1621/2015, do delegado Cajado. Em depoimento à Justiça Federal, no qual falou como testemunha, Dyogo Oliveira admitiu ter recebido o lobista Mauro Marcondes, um dos réus da Zelotes, para tratar da edição das normas que concederam incentivos fiscais a montadoras de veículos. Oliveira também é citado em notações do lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS, nas quais registrava dados sobre a negociação das normas. O sócio da Marcondes, o lobista Mauro Marcondes, e APS estão presos e já foram denunciados por envolvimento no esquema, mas o ministro aguarda com foro privilegiado os desdobramentos da investigação.

Em sua defesa entregue ao TCU, Oliveira frisou que as MPs citadas na denúncia tiveram “trâmite normal dentro do Ministério da Fazenda”. Não obstante a questão da compra das MPs, o ministro interino está entre os acusados pelas “pedaladas fiscais”. O Ministério Público de Contas, que atua no Tribunal de Contas da União (TCU), pediu que a corte aplique multas de até R$ 45 mil e afaste de funções públicas, por cinco a oito anos, o ministro interino do Planejamento, Dyogo Henrique Oliveira, o ex-presidente do Banco Central Alexandre Tombini e o chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio José Lenti Maciel, por irregularidades referentes às “pedaladas fiscais”.

Em parecer, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira sustenta que, ao todo, são 11 os responsáveis pela “gravíssima fraude” que permitiu a expansão de gastos “sem sustentação” e a maquiagem das finanças públicas no governo da presidente Dilma Rousseff. Dyogo Oliveira chegou a ser ministro interino da Fazenda no primeiro mandato de Dilma, quando assinou uma das portarias que autorizaram o governo a retardar repasses do Tesouro para o BNDES. Para o procurador no TCU, como consequência dessas portarias, não houve a transferência dos recursos pactuados pelo governo com o banco para subsidiar empréstimos em 2012, 2013 e no primeiro semestre de 2014. No fim daquele ano, o “débito” da União com a instituição financeira era de R$ 21 bilhões. De acordo com o procurador do Ministério Público do TCU, trata-se de clara operação de crédito autorizada por Oliveira e obtida com abuso do poder de controle da União. O ministro interino do Planejamento, assim como o ex-ministro Paulo Bernardo, está também protegido por Dias Tofolli, por ter continuado no governo após o impeachment de Dilma e assumido o Planejamento após a queda de Romero Jucá.

Sabendo que no Brasil a única forma de afastar os ministros do STF é pelo Senado, o procurador Matheus Carneiro denunciou o ministro Toffoli por crime de responsabilidade no caso do Banco Mercantil, sem sucesso. Segundo o jornal Valor Econômico, Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS e réu do petrolão, preso horas após o diálogo com Benedito Gonçalves, ministro do STJ, foi solto após um julgamento dividido no STF em que o ministro Toffoli foi um dos três votos favoráveis à libertação. As menções ao ministro Toffoli estão transcritas em relatório de análise dos dados dos telefones apreendidos de Pinheiro. Também foram encontradas outras três menções ao ministro Toffoli – a primeira delas em 2012, quando um funcionário da OAS lembra Léo Pinheiro: “Aniversário de Toffoli dia 15. Gosta de um bom whisky”. Em resposta, o ministro Toffoli disse que não tem relação de intimidade e não se recorda de ter recebido presente institucional dele ou da empresa OAS.

Em abril do ano passado, a 2.ª Turma do Supremo determinou que nove executivos que cumpriam prisão preventiva fossem liberados para regime domiciliar. Léo Pinheiro foi um dos beneficiados pela medida tomada pelo colegiado, do qual Toffoli faz parte. O ministro integrava a 1.ª Turma do Tribunal, mas solicitou a mudança para o grupo que julga a Lava Jato cerca de um mês antes da decisão. Nomes de ministros do STF já foram mencionados em conversas obtidas no curso das investigações – como na gravação em que o senador cassado Delcídio do Amaral sugeria influência sobre magistrados da corte. Recentemente, a delação de Léo Pinheiro foi arquivada com o argumento de que a empresa OAS perdeu a credibilidade. Para suspender um acordo de delação pela primeira vez desde o ínicio da Lava Jato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também escolhido pelo PT, alegou que o vazamento da delação de Léo Pinheiro teria como objetivo forçar a PGR a aceitar o acordo de delação conforme os interesses dos investigados. Mesmo como todo esse escudo, assim como Toffoli, seu mentor e maior aliado, Lula, parece estar sem argumentos, tanto para o país quanto para se defender, destaca o jornal Le Monde.

O esperto é uma pessoa que se considera inteligente porque ganha vantagens em curto espaço de tempo sem muito esforço. Quando chegam as crises, em virtude não somente da corrupção, mas da queda do valor dos recursos naturais devido à falta de inteligência, o largo leque de argumentos começa a entrar em contradição. Isso ocorre porque os espertos têm muita atitude e pouco conhecimento, o que gera dificuldade de transformar complexidade em simplicidade. Mesmo com muito dinheiro para calar a boca da maioria dos adversários, acabam sendo pegos. Juízes e desembargadores já não aguentam mais assistir a um ex-advogado que foi duas vezes reprovado em concurso para obter uma vaga no Judiciário sem indicação política acabar com todo o trabalho deles. A boa notícia é que o Brasil está tendo a oportunidade de vencer a “crise de continuidades” a partir de um processo de ruptura cultural advindo do colapso do modelo estadocêntrico que gera parasitas em vez de cidadãos maduros preocupados com a coletividade.

Os pesquisadores Anna Persson, Bo Rothstein e Jan Teorell afirmam que as experiências de transições bem-sucedidas de sistemas corruptos para menos corruptos, como os casos da Suécia, da Dinamarca, dos Estados Unidos e, mais recentemente, de Hong Kong e Cingapura, mostram que um “grande empurrão” político, econômico e das instituições sociais é realmente necessário. Eles destacam: sem qualquer interesse político real, como no caso da maioria dos países com a corrupção desenfreada, as reformas anticorrupção estão fadadas ao fracasso. Como sabemos que no Brasil não há este empurrão, é preciso acelerar a limpeza do STF, a prisão do ex-presidente e do ex-ministro Paulo Bernardo e, em especial, o retorno do dinheiro roubado aos cofres públicos. É preciso preparar o terreno para as novas eleições no ano que vem – afinal, o terceiro a cair deve ser o presidente Michel Temer.

Se isso ocorrer, o próximo governo, a ser eleito no início do próximo ano, vai ter de instaurar uma assembleia constituinte para uma nova Constituição que transforme parasitas em cidadãos, além de tirar parte do superpoder do Supremo, destacado pelo então presidente da corte após a declaração de Lula segundo a qual os ministros estariam “acovardados”. Segundo o professor José Matias Pereira, a Constituição de 1988 propiciou acordos políticos espúrios, resultantes de um novo populismo patrimonialista, propiciando um rateio dos cargos da administração pública direta e indireta para os dirigentes dos partidos políticos vitoriosos. A alta burocracia foi acusada pela crise do Estado por contribuir com seu crescimento desmedido e um forte retrocesso burocrático do país: regime jurídico único para os servidores, estabilidade, irredutibilidade de salários e perda da flexibilidade operacional.

Os inimigos acreditam que a saída da presidente Dilma abriria novas perspectivas para o país. Mas a verdade está longe disso, diz o Le Monde, por causa de um sistema político desgastado, fragmentado em dezenas de partidos, todos dedicados à defesa do interesse pessoal dos seus membros. E o jornal continua: o país entra, assim, numa queda em espiral, que muito lembra a derrocada da seleção brasileira na Copa de 2014. O jornal conclui dizendo que, 30 anos após o fim da ditadura militar, a jovem democracia brasileira enfrenta uma dura prova com crise moral, descrédito político e degringolada econômica.

O problema não está só no PT e na Constituição, mas também na oposição. A famosa frase “toma lá, dá cá” do ex-presidente FHC é justamente o que acontece entre seu partido e o PT. Meses depois da posse do ex-presidente FHC para seu segundo mandato, foram apresentados quatro pedidos de impeachment. O então presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB), mandou todos para o arquivo. Além das irregularidades na venda da Vale, os pedidos eram baseados desde em crimes de responsabilidade durante a execução do Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro Nacional (Proer), até no impedimento de investigações em curso no MPF na CPI dos Bancos. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o ex-presidente FHC vendeu a ideia de que o Proer era a “única forma de salvar os bancos” de um colapso. O BC, então, preparou o plano de injeção de dinheiro e separação das instituições em duas. O ex-presidente criticou a PF e o MPF por terem realizado uma operação de busca e apreensão na casa do então presidente do BC, Francisco Lopes.

As denúncias de corrupção no PSDB, que fez uma aliança com o famoso partido-aluguel que jamais ganhou uma eleição presidencial, o PMDB, abrange todos os seus líderes principais. Isso sem falar na Lei Complementar 100/2007, criada pelo ex-governador de Minas Gerais e hoje senador Aécio Neves, para efetivação de 98 mil funcionários designados sem concurso público, e da corrupção no metrô e na merenda escolar no governo de São Paulo.

A constante guerra entre os espertos, que contam com a fraca memória do povo, está com os dias contados, porque agora só quem pode salvar o povo são os inteligentes, que pensam e agem com foco na supremacia do interesse público.
Cristiano Trindade de Angelis, analista do Ministério do Planejamento, é PhD em Estratégia e Gestão de Projetos.
, é autor de “A knowledge management and organizational intelligence model for public sector administrations”.

Novo regime fiscal para o Brasil - PAULO RABELLO DE CASTRO

ESTADÃO - 24/09

O País precisa de balizas anuais para gerar confiança na travessia que fará


Por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, ora em debate no Congresso Nacional, o governo Temer propôs ao País “um novo regime fiscal”. Novo? Não propriamente. Diríamos que original, porque nunca houve outro. Melhor seria apelidar de “regime da gastança”.

O modelo de gasto público sem controle é o personagem responsável pela maior crise recessiva da História moderna do Brasil. A origem do descontrole vem de longe. Quando o País resolveu dar um basta na hiperinflação, no Plano Real, esqueceu-se de definir que fonte fiscal daria conta do imposto inflacionário.

Substituímos o imposto da inflação pelo manicômio tributário, uma carga múltipla de impostos e contribuições famigeradas. Por mais que crescesse a carga extrativa de tributos, não foi suficiente, porque, nos 22 anos de Real, a despesa primária do governo aumentou em duas vezes a taxa de expansão do produto interno bruto (PIB). Acresça-se a isso a enorme extração financeira, pois, durante o Real, salvo em dois anos, os juros do governo sempre ficaram muito acima do “juro de equilíbrio”. O encargo financeiro aceito pelo governo foi sempre muito superior ao justo e necessário. Pagamos, portanto, outra extração – esta, de renda financeira –, caso inédito no mundo, superior a R$ 1 trilhão (!).

Com a PEC 241, pela primeira vez um governo se lembra de propor um regime forte e confiável. A chance é a primeira, e a derradeira, já que estamos no limiar de um descontrole total entre a dívida pública bruta e o PIB, relação agravada pela taxa de juros mais elevada e estúpida do planeta.

Um regime fiscal, para ser estável e confiável, se compõe de duas partes: regra e instituição, esta para defender aquela. O mesmo se passa com o nosso regime monetário atual, que tem regra (o teto da inflação anual) e o ente que faz a regra valer (o Banco Central, por intermédio do Comitê de Política Monetária, o Copom). Sem essas duas partes, diz a boa literatura econômica, em uníssono, um regime fiscal ou monetário fica capenga.

Apesar do entra e sai de governos, a regra monetária funciona por causa de um vigilante. Se a PEC 241 não contemplar o ente que policiará e, principalmente, iluminará e guiará a sua execução, corremos grande risco de um naufrágio institucional antes da virada da década. É grave assim.

Mas tem solução. Criar um ente específico para acompanhar a regra ajudará o Congresso Nacional e os demais Poderes a fazerem valer o combinado até daqui a dez anos.

Como? Graças a um dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que, no seu artigo 67, menciona o Conselho de Gestão Fiscal. Sim, é possível fazer nascer um ente de controle fiscal enxuto, semelhante ao Copom. Esse conselho está para ser criado há 16 anos, mas tropeçou em minúcias do artigo 67. O competente senador Paulo Bauer percebeu tal defeito na redação do artigo e o reformulou, por sugestão do Movimento Brasil Eficiente.

Pelo projeto Bauer, que recebeu votação consagradora no Senado (64 votos a favor e zero contra), o Conselho Fiscal pode virar realidade nas próximas semanas, bastando que o presidente da Câmara dos Deputados ponha o agora PLP n.º 210 em votação terminativa. Essa é uma notícia fantástica que poucos brasileiros sabem: temos, na ponta da agulha, um Conselho Fiscal que pode funcionar tal como um mini Banco Central.

O Movimento Brasil Eficiente apresentou ao relator da PEC 241 – o respeitado e corajoso deputado gaúcho Darcísio Perondi – a inclusão do Conselho Fiscal e propôs, ademais, aperfeiçoamentos pontuais à regra do teto pela inflação. A regra atual vale pela simplicidade. Mas induz a máquina pública a “torcer” pela maior inflação possível, estando, por isso, em algum conflito com a regra monetária, o centro da meta em 4,5% ao ano (ou, se possível, menos ainda). Além disso, a regra do teto pela inflação nada tem de “contracíclica”. Quanto mais o governo gasta, mais recessão provoca no setor produtivo, pela retração do setor privado, ao contabilizar os impostos futuros.

Então, como aperfeiçoar a regra da PEC? A regra fiscal ótima é atrelar a expansão do gasto primário corrente a uma fração da variação do PIB nominal, sem desconto de inflação.

Digamos que a regra seja por 50% da variação do PIB corrente, de um ano para o outro. Esta nova regra acelera o ajuste fiscal e colabora com o controle inflacionário, ou seja, quanto menos inflação e quanto maior for o PIB real, mais se torna viável e desejável que o governo também gaste algo a mais, com inflação sob controle. E vice-versa, com inflação alta e PIB baixo, tanto menor deverá ser a expansão do gasto.

Temos confiança em que a Fazenda e o Planejamento estarão convencidos do caminho de aperfeiçoar a regra de controle do gasto e criar o Conselho de Gestão Fiscal, com isso evitando cortes impopulares nas áreas sociais sensíveis e abrindo para o governo Michel Temer, e sob o seguro comando da dupla Henrique Meirelles-Dyogo de Oliveira, a proposta de um plano de desenvolvimento sustentável. Com uma vantagem final. O futuro Conselho de Gestão Fiscal poderá estabelecer Matriz de Metas Mínimas Fiscais (M3F) para os índices anuais da relação entre a dívida pública e o PIB, o limite anual do resultado fiscal primário e do saldo fiscal total (incluindo juros) até 2027.

O Brasil precisa de balizas anuais para gerar confiança na travessia que fará. Precisa perseguir índices anuais de melhoria. É também possível prever medidas de emergência que serão tomadas pelo Poder Executivo, de modo automático, caso a trajetória fiscal não se esteja cumprindo, conforme a M3F. Assim fizeram a Alemanha e os Estados Unidos para controlar suas próprias crises fiscais recentes.

Não custar imitar os melhores exemplos. O Brasil e os brasileiros merecem.

*Presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

LULA NO BANCO DOS RÉUS - ROBERTO FREIRE

DIÁRIO DO PODER - 24/09

O recebimento, pelo juiz Sérgio Moro, da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se torna réu pela segunda vez na Operação Lava Jato, agora pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, é um marco e pode representar um divisor de águas nas investigações do maior escândalo da história da República.

Segundo Moro, estão “presentes indícios suficientes de autoria e materialidade” para o acolhimento da denúncia contra Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e ex-dirigentes e executivos da OAS. O MPF aponta que o ex-presidente teria sido o beneficiário direto de quase R$ 4 milhões em propina paga pela empreiteira e proveniente de contratos da Petrobras. O dinheiro teria sido destinado à reforma de um tríplex no Guarujá (SP), além do transporte e armazenamento de bens pessoais de Lula após o encerramento de seu governo.

Ao fim e ao cabo, ao contrário do que alguns mais precipitados imaginavam, a denúncia formulada pelo MPF foi minuciosa e estritamente fundamentada em provas e indícios que permitiram aos procuradores, além de denunciar Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, apontá-lo como o “comandante máximo” de uma engrenagem didaticamente batizada de “propinocracia”. Os investigadores concluíram, em suma, que o grande líder do PT teria chefiado a organização criminosa que assaltou a Petrobras nos últimos 13 anos.

O MPF não foi “midiático”, “espetaculoso” nem apelou à “pirotecnia”. É preciso compreender a dimensão do acontecimento político em curso: tratou-se de uma denúncia contra um ex-presidente da República, o que por si só justifica a decisão dos procuradores de explicar detalhadamente à sociedade o que se passava. A força-tarefa da Lava Jato não poderia apresentar a denúncia como algo de menor importância, simplesmente seguindo o protocolo-padrão. Como pano de fundo, afinal, há uma disputa que é também política e um embate no campo da comunicação – e é preciso enfrentá-lo sem que se deixe de seguir todos os ritos processuais e a legislação.

A presença de Lula no banco dos réus em Curitiba – ele também responde na Justiça Federal de Brasília pela suposta tentativa de obstruir as investigações da Lava Jato – passa a integrar aquilo que venho chamando de marcha da sensatez em curso no Brasil nos últimos meses. Entre as conquistas desse período, estão o impeachment de Dilma Rousseff por crimes de responsabilidade, a posse do presidente Michel Temer em respeito ao que determina a Constituição e a cassação de Eduardo Cunha pela Câmara dos Deputados.

Nesta caminhada em direção a um país mais ético, o Congresso ainda se debruçará sobre as dez medidas contra a corrupção apresentadas pelo MPF em forma de um projeto de lei que conta com o apoio dos brasileiros. É importante rechaçar qualquer tentativa de anista ao crime de caixa 2 eleitoral, como chegou a se especular em decorrência da desastrada tentativa de votação, pela Câmara, de um substitutivo ao PL 1210/2007 nesta semana. A tipificação penal do caixa 2 já consta daquele conjunto de medidas e certamente será votada. Não há, no horizonte, nenhuma perspectiva de aprovação de qualquer anistia.

Voltando a Lula, cabe a todos nós acompanharmos o desenrolar do inquérito que comprovará se a “alma mais honesta” do país – como o próprio chegou a se autodefinir recentemente – praticou os crimes de que é acusado. Os indícios e elementos presentes na peça acusatória aceita por Sérgio Moro são consistentes. Independentemente do desfecho do processo, os brasileiros têm muito a comemorar, especialmente quanto à vitalidade e o bom funcionamento de instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal, o Poder Judiciário, além de uma imprensa livre e independente. Neste novo Brasil, felizmente, ninguém está acima da lei. Nem aquele que sempre se julgou inimputável, mas teve de descer do palanque direto para o banco dos réus.

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Reconstrução da Petrobras em andamento - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/09

Depois de ter acumulado o maior endividamento corporativo do planeta, a estatal começa a avançar no necessário ajuste, sem as culpas ideológicas do lulopetismo


Um dos mais patéticos e até irônicos resultados dos 13 anos de lulopetismo foi o grupo político que se arvorava em ícone da moralidade ter promovido um escândalo de corrupção com repercussão mundial. O outro foi o escândalo ter sido armado dentro da Petrobras, empresa-símbolo do nacionalismo, de que o lulopetismo jurava defender dos “entreguistas”. Na prática, quebraram a empresa. Ela só não pediu recuperação judicial por ser do Estado. E obrigaram-na a fazer duro ajuste, com a venda de ativos. Entenda-se: os estatistas do PT são os responsáveis pela maior privatização feita dentro do grupo Petrobras. Esta é para os livros de História.

Pessoa adequada para tratar da reconstrução da empresa, Pedro Parente — responsável, na era FH, pelo programa de emergência de instalação de termelétricas numa séria crise de energia — apresentou, nesta semana, como presidente da estatal, o Plano de Negócios da empresa para o período de 2017 a 2021.

Aldemir Bendine, último presidente da Petrobras no governo Dilma, já fora obrigado a fazer cortes em investimentos. Diante da realidade da maior dívida corporativa do planeta — chegou a meio trilhão de reais —, não havia mesmo saída a não ser cortar. E vender.

Com Pedro Parente, os investimentos orçados em US$ 74,1 bilhões, para este Plano de Negócios, representam uma redução de 25% comparados com os do período anterior, de 2015 a 2019. Não existe alternativa.

Sem o lulopetismo, o plano de venda de subsidiárias e participações prosseguirá sem culpas ideológicas. Por exemplo, ontem foi anunciado o acordo com um consórcio canadense, sob a liderança da Brookfield, para a venda de 90% da subsidiária Nova Transportadora Sudeste, por aproximadamente US$ 5,2 bilhões.

É preciso reduzir de forma drástica o endividamento. De uma relação entre dívida líquida e geração de caixa de 5,3 vezes no ano passado, a meta é chegar a 2,5 em 2018. Por isso, além da redução de custos operacionais, o novo plano de negócios prevê uma receita de US$ 19,5 bilhões em vendas de ativos e atração de novos sócios.

Um ponto fundamental é a política de preços que seguirá a empresa. Pedro Parente diz que acabou o tempo de interferência do Planalto no assunto. O último caso desastroso neste campo foi o congelamento de preços imposto pelo Planalto em 2014, para ajudar a reeleição de Dilma.

Esta liberdade para a empresa é essencial na atração de sócios e de grupos que desejem adquirir subsidiárias. Ninguém investirá se temer que sua margem de rentabilidade cairá devido a uma eleição. Chegou o momento de atrelar de fato os preços internos de combustíveis ao mercado internacional, e de forma transparente.

Há, ainda, a necessidade de o Congresso ajudar no soerguimento da empresa, com a mudança das regras estatistas e ilusórias de exploração do pré-sal. Enquanto a Petrobras for obrigado por lei a ser monopolista na operação nesta área, sem dinheiro para isso, não haverá novas licitações. E sem alterações nos índices irreais de nacionalização de equipamentos usados nos investimentos em exploração, pouco se avançará. A ressurreição da Petrobras é uma operação multidisciplinar.


Disfunção celular - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 24/09

Se toda exceção de fato confirma alguma regra, Nelson Rodrigues (1912-1980) aceitaria talvez que nem toda unanimidade é burra. A insatisfação universal com telefones celulares no Brasil revela, por exemplo, que em realidade falta discernimento a quem deveria zelar pela eficiência desse meio de comunicação, não a seus usuários.

Rara a ligação mais demorada que não se perde antes de concluída a conversa. Diz-se que a telefonia é móvel, mas locomover-se costuma ser fatal para a conexão em andamento. São frequentes as chamadas erradas, as gravações mentirosas ("este número de telefone não existe") e as cobranças indevidas de ligações (36 mil em 2014).

Quase duas décadas após a privatização do setor, o país tem 257,8 milhões de linhas celulares (2015). De 2012 a 2015, as reclamações contra as teles saltaram de 9% para 13% do total registrado em órgãos de defesa do consumidor.

A Anatel prima pela inoperância. Este é o resumo do relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) na agência reguladora, referente ao período 2012/15, concluído em abril deste ano.

Um sistema para monitorar a qualidade e o cumprimento de metas pelas teles até existe, mas carece de foco. Reuniu-se um elenco tão bizantino quanto inócuo de 1.200 indicadores que precisam ser reportados pelas empresas; despendem-se R$ 16 bilhões por ano para satisfazer a burocracia.

Tantas exigências surtem pouco ou nenhum efeito sobre o desempenho das operadoras. A razão parece simples: os indicadores não foram talhados para auscultar a satisfação dos consumidores com o serviço, e sim para acompanhar o desenvolvimento da infraestrutura —sem dúvida uma variável importante nessa equação.

Nem para isso funcionou, contudo. O país conta com cerca de 77 mil antenas de celular, das quais 19,7 mil no Estado de São Paulo. Regiões da capital paulista chegam a ter 3.500 usuários por antena, quando o recomendável seria de 1.000 a 1.500.

Parte do problema decorre de barreiras em normas municipais para instalação das torres, não de incompetência da Anatel. Sucessivas autuações pela agência e por prefeituras criaram um passivo de R$ 20 bilhões em multas, sem eficácia para aperfeiçoar o sistema.

Em boa hora o TCU se dedicou a fiscalizar a agência fiscalizadora. Seria lamentável se as 87 páginas do relatório de auditoria se convertessem em mais uma pilha de recomendações a reforçar a unanimidade do diagnóstico e a destituir a terapêutica de inteligência.

A ‘revolução’ de Haddad - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 24/09

O grande problema do prefeito Fernando Haddad é que os fatos são teimosos e contra eles, como reza o velho dito, não há argumentos. E nada demonstra isso melhor do que o seu pífio desempenho justamente no setor escolhido por ele como uma das vitrinas da sua administração, apresentada, com despudorada megalomania, como uma das melhores de São Paulo – o transporte urbano. Uma pesquisa que mostra as agruras dos paulistanos em seus deslocamentos diários desmancha impiedosamente essa fantasia.

Segundo a Pesquisa Sobre Mobilidade Urbana, feita pelo Ibope por encomenda da Rede Nossa São Paulo, aumentou 20 minutos, entre 2015 e este ano, o tempo médio gasto diariamente pelo paulistano para fazer a totalidade de seus deslocamentos – de 2h38 para 2h58. Em 2013, esse tempo era de 2h15. Foram considerados deslocamentos como ida e volta do trabalho, de hospitais, de academias e da escola, para buscar e deixar os filhos.

Aumento semelhante foi registrado no tempo médio dos deslocamentos para a atividade principal, trabalho ou estudo, que pulou de 1h44 em 2015 para 2h01 neste ano, sendo este o tempo maior registrado desde 2009. Outro dado chocante sobre o sofrimento diário dos paulistanos: por ano, eles passam, em média, o equivalente a um mês e meio parados no trânsito.

Esse é o resultado melancólico da “revolução” na mobilidade urbana prometida por Haddad e que ele ainda tem o desplante de continuar alardeando para angariar votos. Uma jogada desesperada que, como atestam as pesquisas de opinião, não está funcionando, porque os fatos são implacáveis. E quem mais sofre com eles são os moradores da periferia, como observa o especialista em transporte Sérgio Ejzenberg. Segundo ele, cresceu o número de pessoas que gastam mais de 3 ou 4 horas para ir e voltar do trabalho.

O depoimento colhido pela reportagem do Estado de uma moradora da zona norte, que trabalha em um restaurante no centro e gasta mais de três horas na ida e volta do trabalho, ilustra bem o terrível cotidiano dos paulistanos: “Acordo às 5h30 e só retorno para casa por volta das 20 horas. É cansativo porque faço o trajeto de ida e volta em pé e nos horários de pico. Quando volto para casa, não dá disposição para fazer nada”.

A piora dessa situação – que já era ruim – no atual governo é o presente que a demagogia de Haddad, secundado pelo seu secretário de Transportes, Jilmar Tatto, deixa principalmente para as camadas mais carentes da população que moram longe do local de trabalho e são obrigadas a utilizar o serviço de ônibus para seus deslocamentos. É esse serviço, de responsabilidade da Prefeitura, o principal responsável pela morosidade do transporte público na capital. Apesar de suas deficiências, como a superlotação, o sistema metroferroviário é muito mais rápido.

Enquanto Haddad e Tatto se entregavam à mais desenfreada demagogia, alardeando que davam prioridade ao transporte coletivo em detrimento dos carros, transformados em vilões, as medidas por eles adotadas para melhorar a mobilidade levavam ao resultado que agora se vê. Os mais de 400 km de faixas exclusivas para ônibus, à direita das vias, que eles não se cansam de elogiar, nem de longe produziram os benefícios prometidos, como atesta o aumento do tempo dos deslocamentos na atual administração municipal.

O mesmo se pode dizer do impacto das ciclovias – que somarão 400 km até dezembro – no sistema de transporte. A maioria delas continua entregue às moscas. Improvisadas, elas deram preferência aos bairros centrais, de maior visibilidade, embora na periferia é que sejam de fato necessárias.

A única obra prometida que realmente poderia ajudar a melhorar a mobilidade, a construção de 150 km de corredores de ônibus, não passou de um terço. Dava trabalho, custava mais caro e, por isso, precisava de empenho e determinação que parecem não fazer o gênero do prefeito.

Não surpreende que sua “revolução” na mobilidade tenha dado no que deu.

Justiça e política sem maniqueísmo - EDITORIAL ZERO HORA - RS

ZERO HORA - 24/09

O prende e solta do ex-ministro Guido Mantega, ainda que perfeitamente justificado pelo desconhecimento dos investigadores em relação ao drama familiar do investigado, foi imediatamente arrolado pelos inimigos da Operação Lava-Jato como mais uma comprovação de excessos praticados pelo juiz Sergio Moro, pelos procuradores do Ministério Público e pela própria Polícia Federal. Não é o primeiro fato questionado da operação que desvenda e combate o maior esquema de corrupção de que se tem conhecimento na história do país. Desde o início, os acusados, seus defensores e até mesmo autoridades independentes vêm colocando em dúvida procedimentos jurídicos e investigatórios. A maior resistência, obviamente, é de parcela da classe política, que só não boicota abertamente a operação por temor à opinião pública, mas, nos bastidores, maquina alterações legislativas destinadas a fragilizar a Lava-Jato, como se viu recentemente na tentativa de anistia para os beneficiários do caixa 2.

Há, realmente, muitos aspectos questionáveis na operação, que vão da prisão preventiva estendida até o suspeito colaborar à divulgação espetaculosa de fatos e decisões. Basta lembrar a polêmica gerada pela condução coercitiva do ex-presidente Lula e também pela divulgação de grampos telefônicos, que chegou a ser censurada pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. No geral, porém, o saldo da investigação é extremamente positivo e conta com o apoio e o reconhecimento da maioria da população.

Ninguém quer que a Operação Lava-Jato seja fragilizada ou interrompida, com exceção dos investigados e daqueles que temem ser a bola da vez. Ainda assim, não se pode cair no maniqueísmo da Justiça moral contra a política imoral. O que todos precisamos perseguir é a Justiça equilibrada e equânime juntamente com uma política ajustada aos princípios mais elevados da democracia.

Justiça e política não são princípios opostos. São pressupostos complementares dos regimes democráticos e prerrogativas dos cidadãos que escolhem livremente ser representados por juízes, governantes e parlamentares. Magistrados e políticos, como lembrou outro dia a ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte Suprema, subordinam-se igualmente ao mesmo senhor: Sua Excelência, o Povo.