domingo, maio 26, 2013

Já para o armário - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA
A causa gay, como todo mundo sabe, virou um grande mercado comercial e eleitoral. Hoje, qualquer político, empresário ou vendedor de qualquer coisa tem orgulho gay desde criancinha. Se você quer parecer legal perante seu grupo ou seu público, defenda o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Você ganhará imediatamente a aura do libertário, do justiceiro moderno. Você é do bem. Em nome dessa bondade de resultados, o Brasil acaba de assistir a um dos atos mais autoritários dos últimos tempos. Se é que o Brasil notou o fato, em meio aos confetes e serpentinas do proselitismo pansexual.
Conselho Nacional de Justiça decidiu obrigar os cartórios brasileiros a celebrar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Tudo ótimo, viva a liberdade de escolha, que cada um case com quem quiser e se separe de quem não quiser mais. Só que a bondade do CNJ é ilegal. Trata-se de um órgão administrativo, sem poder de legislar e o casamento, como qualquer direito civil, é uma instituição fundada em lei. O CNJ não tem direito de criar leis, mas tem Joaquim Barbosa.

Joaquim Barbosa presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça é o super-herói social. Homem do povo, representante de minoria, que chegou ao topo do Estado para "dizer as verdades que as pessoas comuns querem dizer". O Brasil é assim, uma mistura de novela com jogo de futebol. Se o sujeito está no papel do mocinho, ou vestindo a camisa do time certo, ele pode tudo. No grito.


Justiceiro, Joaquim liberou o casamento gay na marra e correu para o abraço. Viva o herói progressista! Se a decisão de proveta for mantida, o jeito será rezar para que o CNJ seja sempre bonzinho e não acorde um dia mal-humorado, com vontade de inventar uma lei que proíba jornalistas de criticar suas decisões. Se o que o povo quer" pode ser feito no grito, o que o povo não quiser também pode. O Brasil já cansou de apanhar do autoritarismo, mas não aprende.

E lá vai Joaquim, o redentor, fazendo justiça com as próprias cordas vocais. Numa palestra para estudantes de Direito, declarou que os partidos políticos brasileiros são "de mentirinha". Uma declaração absolutamente irresponsável para a autoridade máxima do Poder Judiciário, que a platéia progressista aplaude ruidosamente.
Se os partidos não cumprem programas e ideias claras, raciocinam os bonzinhos, pedrada neles. Por que então não dizer também que o Brasil tem uma Justiça "de mentirinha"? Juízes despreparados, omissos e corruptos é que não faltam. Quantos políticos criminosos militam tranquilamente nos partidos "de mentirinha", porque a justiça não fez seu papel? A democracia representativa é baseada em partidos políticos. Com todas as suas perversões e são muitas -, eles garantem seu funcionamento. E também legitimam a ação de gente séria que cumpre programas e ideias, pois, se fosse tudo de mentira, um chavista mais esperto já teria mandado embrulhar o pacote todo para presente, com Joaquim e tudo.

A resolução do CNJ sobre o casamento entre homossexuais é uma aberração, um atropelo as instituições pelo arrastão politicamente correto. A defesa da causa gay está ultrapassando a importante conquista de direitos civis para virar circo, explorado pelos espertos. Um jogador de basquete americano anuncia que é homossexual, e isso se torna um espetáculo mundial, um frisson planetário. Como assim? A esta altura? A relação estável entre parceiros do mesmo sexo já não é aceita na maior parte do Ocidente? Por que, então, a decisão do jogador é uma bomba? Simples: a panfletagem pró-gay virou um tiro certo.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, dá declaração solene até sobre a opção sexual dos escoteiros. Talvez, um dia, os gays percebam que foram usados demagogicamente, por um presidente com sustentação política precária, que quer se safar como herói canastrão das minorias.

Ser gay não é orgulho nem vergonha, não é ideologia nem espetáculo, não é chique nem brega. Não é revanche.
Não é moderno. Não é moda. É apenas humano.

A luta contra o preconceito precisa ser urgentemente tirada das mãos dos mercadores da bondade. Eles semeiam, sorridentes, a intolerância e o autoritarismo. Já para o armário!

Como o nordeste virou a china brasileira - CLAUDIO DE MOURA CASTRO

REVISTA VEJA


Há 15 anos, o empresário sergipano João Carlos Paes Mendonça não tinha investimentos em shopping centers. Hoje, seu grupo, JCPM, é um dos cinco maiores do país no setor, com participação acionária em 11 shoppings. Seu sucesso é consequência e causa do crescimento econômico do Nordeste, onde ele concentra seus empreendimentos.Nos últimos 15 anos, a região, com mais de 53 milhões de habitantes (27% da população brasileira), deixou de ser vista como um caso de crise e pobreza sem solução. Entre 1995 e 2009, o PIB nordestino cresceu 53,4%, 14% acima da media do país. O crescimento nordestino é consequência de três movimentos: injeção de dinheiro público na economia local (com obras de infraestrutura c programas de renda mínima), crescimento de empresas locais (como o grupo JCPM) e atração de empresas multinacionais e de outras regiões do país.
Maior bolsão de pobreza do Brasil, com metade da população nas classes C, D e E, o Nordeste foi o principal beneficiário da queda da inflação, a partir de 1994, e dos programas de redistribuição de renda, como o Bolsa Família, desde 2003. O Nordeste recebe metade dos recursos distribuídos pelo Bolsa Família (R$ 4,2 bilhões, nos quatro primeiros meses deste ano). A região também é foco prioritário das obras de infraestrutura do governo federal. No governo Lula (2003-2010), 18% dos investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) contemplavam o Nordeste. "O valor orçado era superior ao PIB da região", diz Alexandre Rands, economista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Com os repasses do Estado, o vento de prosperidade sobrou o mercado nordestino de baixo para cima. Beneficiou desempregados, trabalhadores, pequenos e grandes empreendedores locais, como Paes Mendonça. Entre 2008 e 2010, a taxa de sobrevivência de empresas no Nordeste superou a média nacional. "O custo Nordeste é muito menor que o alisto Brasil", diz Edênio Nobre, diretor do BicBanco, banco cearense especializado em empresas de pequeno e médio porte. Segundo o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), os pequenos negócios já são responsáveis por 58,2% dos empregos com carteira assinada no Piauí. "O empreendedorismo está em alta, num ambiente próximo ao pleno emprego", diz Luiz Barretto, presidente do Sebrae. De 2002 a 2012, a região criou mais postos dc trabalho que a média nacional. O impacto direto desse desenvolvimento pode ser visto na evolução da renda média por habitante. No Nordeste, ela foi maior que a média nacional. Isso permitiu uma inversão no tradicional movimento migratório de nordestinos para o Sudeste. Ele encolheu 5%, desde os anos 2000. No mesmo período, o número de não nordestinos que decidiram se estabelecer na região cresceu 14%. "Isso é importante, pois estamos falando da região mais difícil do país", diz João Policarpo Lima, pesquisador da UFPE.

Para Paes Mendonça, o maior dinamismo da economia local foi a oportunidade para lançar empreendimentos de maior valor agregado uma transformação relevante, numa família que testemunhou o crescimento da economia da região. Desde os anos 1930, seu pai, Pedro, era dono de mercearias. Na década de 1960, a família passou a investir em supermercados, como a rede Paes Mendonça.

Em 2000, ele se afastou do varejo. Vendeu os supermercados Bom Preço e o cartão de crédito Hipercard, para montar o grupo JCPM. Além de 11 shopping centers, o JCPM atua nos setores imobiliário e de comunicações. E hoje o maior grupo empresarial da região."Um novo mercado se abriu para profissionais mais qualificados, salários mais altos e consumidores mais exigentes", diz Paes Mendonça.

Multinacionais foram atraídas para o Nordeste: Mondeis International (antiga divisão de guloseimas da Kraft Foods), Fiat, Ford e CocaCola são exemplos. "As empresas instalaram-se atraídas por um mercado proporcionalmente maior que a renda gerada na região, dada a grande transferência de recursos do governo federal", afirma Rands, da UFPE. Além do potencial do mercado consumidor emergente, pesaram na decisão das empresas incentivos fiscais generosos, como isenção de ICMS, e a presença de portos integrados a polos industriais. É o caso dos portos de Camaçari, na Bahia, e de Suape, em Pernambuco. Sede da fábrica da Ford na Bahia, Camaçari responde por 30% do PIB do Estado.

A industrialização faz o Nordeste seguir os passos do desenvolvimento trilhados pelo Sudeste há seis décadas.
Há um longo caminho a percorrer. As carências mais significativas estão no semiárido nordestino, desprovidas do dinamismo econômico das capitais litorâneas. Apesar das obras do PAC, portos, aeroportos e estradas são ineficazes. "A falta de infraestrutura ainda é um entrave. Não temos estradas suficientes", diz Paes Mendonça. "Nem ferrovias que sirvam de alternativa." A educação também preocupa. Em 2007, quase 20% da população nordestina com mais de 15 anos não sabia ler ou escrever, ante a média nacional de 10%. A educação, como em todo país, deve ser prioridade.

À prova de influências - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 26/05

O medo nasce da história que contamos a nós mesmos. Descobri isso quando viajei sozinha pela primeira vez, aos 24 anos. Idade semelhante à da protagonista do livro que estou lendo, sendo que no caso dela a aventura foi bem mais radical que a minha: se eu mochilei de trem pela Europa, ela mochilou a pé por uma trilha numa região montanhosa dos Estados Unidos. Andou mais de 1.700km em meio a uma natureza selvagem, sem nenhuma experiência e emocionalmente em frangalhos. É essa a história contada em Livre, de Cheryl Strayed.

Peregrinar é busca. De si mesmo, naturalmente, mas podemos encontrar também novos conceitos para a vida. É onde o medo às vezes entra para atrapalhar. Antes de sair de casa pela primeira vez, eu não havia criado a minha própria história sobre o medo.

Vivia protegida pela família, pelo conforto, pela estrada previamente pavimentada e sinalizada por meus pais – o medo que eu porventura sentisse havia sido herdado deles. Fazia parte da história de vida deles. Eu ainda não tinha a minha.

Só quando comecei a dar os primeiros passos sem retaguarda e sem companhia é que fui criando uma história mais autêntica para o meu medo. Decidi que ele não seria um personagem assustador, com capacidade de me paralisar. Meu medo, diferente do medo de outras pessoas, não me inibiria. Seria sutil. Ele apenas evitaria que a soberba tomasse conta: prepotentes potencializam riscos. Mas eu não permitiria que o medo me tornasse covarde. Na história que criei sobre o meu medo, não dei a ele tanto poder.

Sabemos que o medo tem uma boa assessoria de imprensa. Abra o jornal, assista aos noticiários de tevê, ouça o que dizem por aí: um prédio mal construído pode cair sobre sua cabeça, um maluco pode manter sua filha em cativeiro por 10 anos, você pode ser assaltado ao chegar ao trabalho às oito da manhã, o ônibus em que você viaja pode cair de um viaduto, o leite que você toma pode estar contaminado. Sem falar nas aflições emocionais: o medo de ser traído, deixado, de viver sem amor.

No entanto, nem o Jornal Nacional, nem Zero Hora, nem a internet, nada deveria pautar nosso medo, nem mesmo a experiência dos amigos. Informação nos prepara, mas não fecha caminhos. Eles continuam abertos para aqueles que contam para si mesmo outra história, à prova de influências. Para construir essa história, é preciso se escutar, estar conectado com os seus sentimentos reais, e não com os estimulados em escala industrial.

Se você disser para si mesmo que está disposto a abraçar o que vida oferece de bom e de ruim, o temor diminui. Em algum momento torna-se necessário sair da estrada pavimentada e se aventurar numa rota vicinal menos segura, só para lembrar do que é mesmo que sentimos medo, e por que. E voltar com a resposta que nos dará a bravura necessária para seguir adiante: teremos descoberto que o medo não passa de uma desculpa esfarrapada para ficar no mesmo lugar.

Calma, gente - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 26/05

A indicação de Luís Roberto Barroso para a vaga no STF reacendeu nas redes sociais uma velha rixa entre estudantes de Direito da Uerj (chamada de Congo por um grupo de alunos, por causa da presença de cotistas negros) e da UFRJ.

Foi assim...
No perfil do Facebook “Uerj da depressão”, a turma da faculdade festejou a escolha de Barroso: o post “Uerj no Supremo” citava que ele será o terceiro professor da universidade no STF. Os outros são Joaquim Barbosa e Luiz Fux.
Ao que um aluno da UFRJ provocou: “Correm boatos de que a próxima indicação para o STF será Mr. Catra (famoso funkeiro negro), que também é do Congo”.

Ou seja...
Parece preconceito.
E é. 

Pausa nas UPPs
Dia 3, Cabral inaugura a 34ª UPP no Cerro Corá/Guararapes, no Cosme Velho. A próxima só em agosto.
Por causa da Copa das Confederações e da Jornada Mundial, o governo vai dar um tempo. Ao lado de Romário
Edmundo, o animal, quer ser candidato a deputado federal.

A hora é esta
A Azul, terceira maior empresa aérea do país, protocolou sexta na CVMo pedido para lançar ações no mercado (o nome técnico é IPO). O lançamento sempre esteve nos planos desde a fundação, em 2008. 


É o cacete
Veja como o Brasil abusa do uso da língua inglesa. Um festival de pipas que começou ontem em São Paulo tem o nome de Kite in Night Fest.

Greve de servidores
O balanço das greves do ano passado publicado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas (Dieese), na semana passada, mostra que de cada duas greves uma ocorreu no setor público. Em 2012, foram 461 paralisações na esfera privada e 409 na esfera pública.

Só que...
A greve de servidores públicos costuma demorar a terminar. Ainda segundo o Dieese, no ano passado, ocorreram 101 greves com mais de 30 dias de paralisação. Dessas, 87 foram no setor público.

Aliás...
Por que há tantas greves de funcionários, muitas vezes, em setores-chave como saúde e educação? Cartas para a Redação.

Preciosidades
A Universal Music lançará dois discos de Edu Lobo inéditos em CD no Brasil. Trata-se de “Tempo presente”, gravado em 1980, que traz a bela interpretação de Edu para “Desenredo”, de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro, e “Camaleão”, de 1978.

Imprudentes antropófagos
Veja o tesouro descoberto pela pesquisadora Regina Wanderley no acervo do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro.

Um desenho inédito com lindo texto dos “imprudentes antropófagos”: Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Endereçado ao jornalista Prudente de Moraes Neto e à mulher dele, Inah, tem coqueiros, casinha e cactos.

Ipanema rural
Quem pescou estes dados foi Mauro Osório, economista especializado em economia fluminense. O Censo 2010 aponta que, entre os 92 municípios do estado, o que tem mais gente no setor agropecuário — 9.299 — é o Rio!
Mais que Campos, que tem 9.078 pessoas trabalhando na roça.

Segue...
Para Osório, a posição do Rio se deve, principalmente, à presença, em Santa Cruz e Campo Grande, de produção de caqui, coco, chuchu e inhame e de produção de plantas ornamentais. Essa última é estimulada pelo Sítio Burle Marx, em Guaratiba.

Baratinha da casa
O restaurante do Caiçaras, o clube de bacanas na Lagoa, no Rio, foi interditado, sexta, por falta de... limpeza.
A Vigilância Sanitária municipal encontrou, eca!, muitas baratas por lá e 12kg de comida fora da validade.

Calça da ‘delegata’
A delegada Helô, de Giovanna Antonelli, ainda está na boca do povo.

Ontem, uma madame passava toda-toda pela Rua das Laranjeiras quando ouviu um gaiato falar: “Olha a delegada, toda chique. Tá de pantalona, é delegada. Tá de cigarrete, é presidiária.”

O lóbi - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

ESTADÃO - 26/05

Se existe um céu, a tia Noca está lá. E tem bons contatos

Pronto. Botei todas as minhas fichas no 17. Uma pilha. Agora ou perco tudo ou enriqueço. Bom, talvez enriquecer não. Mas pago minhas dívidas e começo de novo. Estou jogando minha vida no 17. Se não der o 17 eu estou perdido. Vamos lá bolinha. Vamos lá, 17!

Quanto tempo a bolinha fica girando na roleta antes de cair num número? Trinta segundos? Quarenta? Parece uma eternidade. Alguma coisa deve determinar em que número a bolinha vai cair. Alguma força invisível, com algum tipo de razão. Não pode ser uma coisa aleatória. Puro acaso. A vida de um homem não pode depender do puro acaso. Seja o que for que te impele, bolinha, por favor: cai no 17. É pedir muito?

O que move a máquina do mundo move tudo, das marés às bolinhas da roleta. Dos destinos humanos às pragas agrícolas, do que nos aflige ao que nos glorifica, da seborreia ao premio Nobel. Neste momento, nesses segundos, em algum lugar, alguma coisa está decidindo onde essa bolinha vai cair. E eu não tenho como influenciar essa decisão. Minha vida depende dela e eu não tenho com quem barganhar, a quem pedir misericórdia, a quem emocionar com minha história, com meu triunfo ou minha ruina. Com a máquina que move o mundo não tem diálogo. Por favor, bolinha!

Dizem que não existem ateus em trincheiras, bordas de mesas de jogo e filas para apostar na Sena. Incréus viram crentes, agnósticos só faltam cair de joelhos, ateus imploram a Deus, qualquer Deus, para serem ajudados. Eu não acredito em Deus mas tenho certeza que Ele não está sentido com isso. Pô, Deus: 17. Só isso. Dezessete. Basta um sopro na bolinha. Eu estou pedindo que você reparta o Mar Vermelho de novo? Não estou. Só um número, Deus.

Eu preciso de um lóbi. É isso. Um lóbi que me represente no além. Que fale com as autoridades, defenda minha reivindicação, suborne alguém, sei lá. Quem é que eu tenho lá em cima? Pro meu pai e minha mãe não adianta pedir ajuda. Eles sempre foram contra meu hábito de jogar. Minha mãe ainda me dava um dinheirinho escondido, mas sempre acompanhado de um sermão. Meu pai, então, não queria nem saber. Eles não me ajudariam. Quem? Quem?

A tia Noca, claro! É perfeita. Eu era o seu sobrinho favorito. E ela era muito religiosa. Se existe um céu, a tia Noca certamente está lá. E deve ter bons contatos, muita influência no meio, conquistada com seus anos de serviços à Igreja na Terra. Talvez tenha até acesso direto ao Homem ou, no mínimo, a gente do seu gabinete. Tia Noca, é com você!

A bolinha ainda está correndo pela borda da roleta, ainda nos restam uns 10 segundos. Mas aí em cima deve ter outro tempo, aí um segundo deve durar uma semana, aposto. Vai, titia. Descobre quem é o encarregado das bolinhas. Conte como eu sou querido, como eu mereço que a bolinha caia no numero 17, como eu sou até capaz de renunciar ao jogo se ganhar. Fazer uma doação à Igreja, me dedicar à caridade e a trabalhos comunitários. Só me consiga esse 17, tia Noca!!!

Pronto. A bolinha caiu. No número, deixa ver... 26. Certo. Perfeito. Perdi tudo. Eu sei o que move a máquina do mundo e os destinos humanos: nada pessoal. Mas, e agora, fazer o quê? Talvez aceitar o conselho do velho, que sempre me dizia “Experimenta trabalhar”. Vou experimentar. E só voltar aqui com o primeiro salário para jogar tudo no 17.

De Mao a Xiao - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 26/05

Kissinger afirma que Mao impeliu a China a uma década de frenesi ideológico e sectarismo feroz

Esta é a terceira crônica que escrevo tendo por referência o livro "Sobre a China", de Henry Kissinger. Será a última e terá como assunto as figuras de Mao Tse-tung e Deng Xiao Ping, os dois importantes líderes da China moderna, isto é, a nova China surgida da Revolução Comunista de 1949.

Se, nas crônicas anteriores, fui motivado pelas peculiaridades surpreendentes da antiga China, nesta vou me ater a alguns fatos que, na minha opinião, deram origem, de uma maneira ou de outra, à China de agora, tornada capitalista. Sim, mas por se tratar da China, um capitalismo muito peculiar.

A República Popular, que Mao implantou, por cima de uma história e uma cultura milenares, tinha por modelo a URSS de Josef Stálin e, por isso mesmo, projetos e decisões impostos à nação, de cima para baixo, por decisão e vontade do líder.

Por isso mesmo, quando, em 1956, Khruschov denunciou o stalinismo e propôs um modo menos autoritário de conduzir o processo revolucionário, Mao rompeu com ele e o acusou de trair o comunismo.

Certamente, Mao havia mudado a velha China, introduzindo nela medidas econômicas e educacionais que melhoraram sensivelmente a vida do povo chinês. Há, porém, quem ponha em dúvida o seu grau de sensatez, quando passou a tomar decisões delirantes como a de induzir os cidadãos a fabricarem aço em casa.

Milhões de chefes de família teriam montado minissiderúrgicas no quintal da casa para, ali, produzir aço. O resultado, como teria de ser, foi desastroso: toneladas de aço de péssima qualidade, que não servia para nada.

Há quem acredite estar nesse fracasso a origem da Revolução Cultural. Segundo eles, tamanho insucesso teria comprometido a autoridade e o prestígio, até então intocáveis, de Mao, gerando, dentro do Partido Comunista chinês, um movimento contra a sua liderança. Muitos dirigentes passaram a crer que o grande líder havia enlouquecido e que, para deter aquela rebelião, deflagrou a Revolução Cultural que, em última análise, visava a desmontar o aparelho partidário.

Kissinger afirma que Mao impeliu a China a uma década de frenesi ideológico, sectarismo feroz e quase a uma guerra civil. Nenhuma instituição foi poupada e, por todo o país, governos locais foram desfeitos, destituídos líderes do Partido Comunista e do Exército de Libertação Popular, incluindo comandantes da guerra revolucionária, vítimas de expurgo e submetidos a humilhação pública.

Figuras importantes do partido foram obrigadas a desfilar pelas ruas das cidades ostentando orelhas de burro. Os jovens foram instados a saírem às ruas de todo o país, atendendo à exortação de Mao, a fim de "aprenderem a revolução fazendo a revolução".

Dirigentes do partido eram enviados ao campo para aprender com os camponeses analfabetos a lição revolucionária. Adolescentes tornaram-se tropas de choque ideológicas. A nação chinesa virou de cabeça para baixo, com filhos se voltando contra os pais, alunos humilhando professores, queimando livros. Em Pequim, os ataques dos Guardas Vermelhos destruíram quase 5.000 locais de valor cultural e histórico.

Após a morte de Mao, Deng Xiao Ping, principal líder entre o fim dos anos 1970 e início dos 1990-- que fora perseguido por Mao-- afirmou ter a Revolução Cultural quase destruído o Partido Comunista como instituição e arruinara sua credibilidade.

Quando assumiu o governo, a China estava em situação pior do que quando Mao iniciara a transformação revolucionária da sociedade chinesa. Na verdade, o Estado planejado, longe de criar uma sociedade sem classes, terminara por estratificar as classes.

Os bens, em vez de serem comprados, eram distribuídos conforme as prerrogativas oficiais, o que levou ao favoritismo e à corrupção, uma vez que tudo passou a depender de influência partidária.

O programa de reforma que Deng implantara destinou-se a erradicar o maoismo. Ele e seus auxiliares mais próximos implantaram a economia de mercado, aberta ao exterior, confiando no espírito empreendedor do povo chinês.

Não resta dúvida de que nasceu então a China de hoje, de economia capitalista, no polo oposto às teses maoistas. Não obstante, fiel à sagacidade tradicional chinesa, manteve o culto a Mao Tse-tung, embora fizesse o contrário do que ele fez e faria.

Ossos do ofício - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 26/05

E a Marli, que está querendo me vender um túmulo?

Não sei se a iniciativa dela tem a ver com meu assunto da semana passada - esse projeto de lei que tornaria possível, na cidade de São Paulo, enterrar bicho em sepultura de gente.

Não, a Marli certamente não me leu. Saberia que já decidi qual destino dar a minha carcaça, não antes do momento oportuno: o forno, não as profundezas da terra. Como diz a boa amiga dona Alzira: se não subi na vida, não há de ser na morte que aceitarei descer. Como trilha sonora, talvez fique com o Agora É Cinza de Bide e Marçal, samba que vem balançando esqueletos desde o carnaval de 1934. E quero ir sozinho: além de não ter bicho, estou em condições de afirmar, como o Waldick Soriano, que eu não sou cachorro não.

"Aproveite este momento de serenidade para escolher o melhor", busca me tentar a (senhora? senhorita?) Marli, sob a forma de um prospecto insinuado faz uns dias sob a minha porta. "Agora é o momento certo para decidir sobre a reserva de um jazigo", alerta a diligente corretora, exumando argumentos que beiram o depois-não-venha-dizer-que-não-avisei: "Se deixar para depois, em um momento de fatalidade na família você correrá o risco de tomar uma decisão precipitada, inadequada, escolhendo um local indesejável e ainda arcando com despesas desnecessárias". Já pensou, morrer numa nota preta?

Não me escapa a insistência na palavra "momento", três vezes encravada na prosa funéreo-aliciadora da Marli. Acuso o golpe. O puxão de orelhas: insinuado está que perdi tempo, pois o cemitério-parque onde ela quer descarnar meus ossos existe há quase 30 anos. Gente mais esperta com certeza já se habilitou, sendo plausível a hipótese de que alguns, mais vivos do que eu, lá estejam, devidamente mortos, a desfrutar do conforto póstumo com que a Marli, de alfanje em punho, vem me acenar.

Por exemplo, os diferentes tipos de tumbas que eu poderia adquirir, dependendo, claro, da profundidade de meu saldo bancário. O impresso não menciona valores, mas é possível saber que a opção mais econômica é aquela que, num prédio residencial, corresponderia a um quarto e sala: "Duas gavetas sobrepostas sem ossário". Na medida para Senhor & Senhora sem prole. Ou Senhor/Senhora + animal de estimação, se a tal lei passar. Nada da claustrofobia de uma quitinete mortuária.

Se bem entendi, isso é o básico numa escala ascendente que, na ponta mais alta, oferece "seis gavetas mais área de serviço com ossário". Área de serviço! E capacidade para gente à beça, pelo menos seis entes queridos - sem que se possa falar, por favor, em cortiço (mortiço?). Um por andar, quer dizer, um por gaveta. Top de linha. Independentemente do produto escolhido, o freguês é instado a considerar também a oferta de "planos preventivos", seja lá o que for isso, e "pronto sepultamento". Epa. Vamos devagar.

Olha, Marli, você me desculpe, mas eu passo (não desta para melhor, ainda não!). Grato pelo oferecimento. Saiba, porém, que seu esforço persuasório pode não ter sido em vão: tomei a liberdade de repassar o prospecto para a dona Alzira.

Não que a amiga esteja, como certos preços, pela hora da morte; ao contrário, está "forte e sacudida", como em seu tempo de moça se dizia. Contudo, este não é seu parecer. Ela começa a achar (e pode não estar de todo equivocada) que "o mundo não é um bom lugar para se viver". Viajadeira que sempre foi, ultimamente se enfurnou em sua toca. Reagiu mal quando a filha lhe ofereceu um passeio em Roma: "Se é para ver ruína", esconjurou, "sai mais barato olhar no espelho!". Mal entrada na casa dos 80, deu de se achar a criatura mais velha sobre a Terra, agora que entre nós já não estão o Niemeyer e a dona Canô. "Sou do tempo", costuma datar-se, "em que algum decote podia ser chamado de 'ousado'". Outro dia, a propósito de nada, me veio com esta: "Não é de arrepiar, a ideia de que nossa caveira está prontinha dentro da gente?".

Não estou autorizado a falar pela dona Alzira, Marli, mas desconfio que ali tem jogo.

Latindo para os pneus - DIANA LICHTENSTEIN CORSO

ZERO HORA - 26/05

Quem anda por estradas poeirentas do interior está acostumado com o assédio da cachorrada sobre carros e motos. Sozinhos ou em bandos, eles saem latindo atrás do veículo. Um inimigo que deve ser custodiado pelos batedores de quatro patas, em clima ameaçador, até sair do território deles. As rodas, por estarem na altura dos vigias e movimentarem-se visivelmente, polarizam a atenção e são alvo dos latidos.
Evocando esse cenário, uma amiga alcunhou uma frase que julga representar seu estilo de lidar com os próprios desejos: "Sou como cachorro com pneu, quando o carro para não sei o que fazer com ele". É uma boa imagem, em vários sentidos.
Conseguir parar o veículo é sinal de poder por parte do animal guardião. É como se, "assustado", o invasor tivesse ficado paralisado. As cobiçadas rodas ficam à disposição, poderiam ser mordidas. Porém, imóveis elas deixam de fazer sentido. É difícil morder uma roda, dura e grande para sua boca. Mal ou bem, o interesse pela roda era somente um mero representante do jogo de forças: o objetivo era uma disputa de território e prestígio. Claro, estamos aqui cometendo liberdades poéticas, metáforas caninas.
Tentamos ser menos bobos do que os cães, latir para as coisas certas, ser menos irracionais, não avaliar mal a ameaça e gastar energia à toa. Mas volta e meia nos parecemos a eles. Quando escolhemos um objeto de cobiça, pode ser algo ou alguém que queremos, agimos tão convencidos da tarefa como o exemplo acima. No momento de alcançar a graça pela qual tanto lutamos, em geral não sabemos o que fazer, ficamos olhando para nosso pneu, confusos.
Minha amiga tem razão, e está mais acompanhada do que pensa. Um amor conquistado parece muito menos atraente, emocionante ou interessante. Às vezes, não acreditamos e rejeitamos por antecipação aquele que julgamos vai se desiludir de nós. Uma posição de prestígio, atingida por méritos, pode ser mal utilizada ou mesmo recusada, porque imaginamos que aquele lugar idealizado só poderia ser ocupado por alguém melhor do que nós. Levante a mão aquele que não se julgar uma fraude. Algo adquirido com esforço parece menor do que no catálogo. Uma viagem muito planejada sempre tem aquele momento "o que estou fazendo aqui". Enfim, é mais fácil lidar com o fracasso do que com o sucesso, pois, pelo jeito, a melhor parte é continuar querendo. A satisfação de um desejo nos obriga a renegociar nossos objetivos e autoimagem. Sentir-se incompleto e desvalido é reconfortante, podemos imaginar um mundo idealizado dos ricos e famosos, colocá-los no altar de nossos ideais e ficar cultuando, rezando lamúrias.
Como esses cachorros, na verdade esperamos que o pneu continue rodando para além da nossa jurisdição. Assim podemos seguir vivendo, embalados pelo que queríamos, o que seríamos, empanturrados de "se". A maior tarefa, porém, consiste em descobrir o que fazer com o pneu. E em nome do que continuar correndo depois disso. Eis a verdadeira valentia.

Prostituir o talento - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 26/05

O maior compromisso do artista é com sua arte. Não é com a fama nem com o dinheiro


Pelé fazia dupla com Coutinho. Neymar, com André, Miralles ou Henrique. Já imaginou se Messi, hoje, jogasse na Argentina, Cristiano Ronaldo, em Portugal, e Ibrahimovic, na Suécia?

Neymar, no fraco time do Santos, é um desrespeito a seu talento.

A situação de Neymar é bem diferente da dos inúmeros bons jogadores brasileiros, que, dificilmente, seriam titulares de uma grande equipe da Europa. Por isso, muitos voltaram. Ser destaque no Brasil, além de ganhar salários tão bons, ou maiores, é melhor que jogar em um time médio europeu.

Se a situação do futebol brasileiro fosse outra, seria ótimo Neymar ficar por aqui. Muitos argumentam que é muito melhor vê-lo jogar mais de perto, do que fora, como se Neymar fosse um produto de consumo, à nossa disposição.

A sociedade do espetáculo idolatra, consome e descarta rapidamente seus ídolos. A impaciência com Neymar já começou. Querem que ele dê show em todas as partidas.

O maior compromisso de um artista é com sua arte e com a busca da perfeição, sem nunca alcançá-la. Ficar no Brasil, porque ganha mais do que Cristiano Ronaldo e é o rei da cocada preta, seria estagnar, prostituir seu talento.

Neymar não vai para provar que é um cracaço nem para ser eleito o melhor do mundo.

Ele vai porque vai enfrentar defesas melhores e mais compactas, porque precisa de concorrência para evoluir, porque vai jogar ao lado e contra os melhores jogadores, porque vai aprender a ser um coadjuvante, como Messi foi no início, e, principalmente, a jogar coletivamente.

No Santos, há dois times, o de Neymar, formado só por ele, e o do Santos, com o restante dos jogadores. Um time não se mistura com o outro. O de Neymar é muito melhor.

Tentar driblar, de rotina, vários jogadores, para fazer um golaço e ganhar o prêmio da Fifa vai levar à ineficiência.

Temo que se transforme em apenas um grande craque circense.

Messi disse que Neymar é excepcional na jogada de um contra um.Messi já o imaginou no Barça. Quando Messi, Xavi e Iniesta trocam passes pelo meio, até a entrada da área, e não conseguem penetrar, o que tem sido mais frequente, um dos três toca a bola para o atacante pelo lado, livre, pois o lateral fecha para o meio, para fazer a cobertura. Mesmo assim, nada ocorre. Costumam voltar a bola para o meio, e tudo recomeça. Messi, Xavi e Iniesta estão loucos para a chegada de Neymar.

Neymar é que tem que decidir sua vida. Não temos nada com isso.

Se optasse por ficar, porque achava que aqui seria mais feliz, que poderia ser ator da TV Globo e o reizinho, nunca ameaçado, teríamos de respeitar sua decisão.

Se optasse por desaparecer e gastar sua fortuna pelo mundo, seria também uma decisão interessante.

Universo consciente? - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 26/05

Para o físico John Wheeler, a existência da partícula depende de sua interação com a consciência humana


Entre os vários mistérios da física contemporânea, poucos se comparam à existência de não localidade na física quântica. Não localidade significa que interações entre entidades separadas podem ocorrer instantaneamente. É como se o espaço e o tempo não existissem!

Quando uma bola vai ao gol ou uma gota de chuva cai, existe um efeito local por trás: o chute, a nuvem carregada. No mundo quântico, dos elétrons e fótons --as partículas de luz--, efeitos podem ocorrer sem causa local, algo de que tratei na coluna do dia 28 de abril.

Imagine gêmeos, um em São Paulo e outro em Manaus. Entram num bar, um em cada cidade. Se o de São Paulo pede pinga, o de Manaus pede chope. Se o de São Paulo pede chope, o de Manaus pede pinga. Isso ao mesmo tempo, como se soubessem o que o outro pediu. Como é possível, dado que estão longe e não podem se comunicar?

Essa sincronicidade, se não com gêmeos, foi verificada entre pares de partículas em experimentos à distância que comprovam que a correlação é mais rápida do que a velocidade da luz.

Imagino que muitos leitores estejam pensando na premonição, na sincronicidade junguiana etc.

Lembro que o cérebro humano e os pares de fótons são "sistemas" bem diferentes. Mas cientistas sérios, como o vencedor do Nobel Eugene Wigner e seu colega de Princeton John Wheeler, se questionaram sobre o papel da mente na física.

Quando medimos algo usamos um detector. Não temos contato direto com um elétron. Sua existência é registrada quando interage com o detector e ouvimos um clique ou vemos um ponteiro mexer.

Na interpretação "ortodoxa" da física quântica, é essa interação que determina a existência da partícula: antes da medida, não podemos nem dizer que a partícula existe.

Wigner e Wheeler acham que, sem um observador, essa medida não faz sentido; foi o observador que montou o detector. A existência da partícula depende de interação com a consciência humana: mais dramaticamente, a consciência determina a realidade em que vivemos.

Wheeler imaginou um experimento no qual uma partícula passa por um anteparo com dois orifícios e vai de encontro a uma tela móvel. Atrás dela, há dois detectores alinhados com os orifícios. Se a tela é retirada, os detectores acusam por qual orifício a partícula passou.

Porém, no mundo quântico, partículas podem agir como ondas. Ondas passando por dois orifícios criam padrões de interferência, estrias claras e escuras.

Portanto, duas opções: com tela vemos interferência, sem tela vemos detecção de uma partícula.

Wheeler sugeriu que a tela fosse retirada após a partícula ter passado pelo anteparo. Por meio da sua escolha, o observador cria a propriedade física da partícula agindo retroativamente no tempo! O incrível é que a previsão de Wheeler foi confirmada. Observador e observado formam uma entidade única que existe fora do tempo.

Wheeler extrapolou: "Não somos observadores no Universo, somos participadores. Sem consciência, o mundo não existe! O Universo gera a consciência e a consciência dá significado ao Universo". Essa visão traz o dilema: será que o Universo só faz sentido porque existimos?

Uma relação de desconfiança - SUELY CALDAS

O Estado de S.Paulo - 26/05

A presidente Dilma Rousseff quer e precisa que o investimento - público e privado - prospere, ganhe força e se multiplique. Para isso, reduziu a taxa de juros Selic; distribuiu incentivos fiscais para indústrias escolhidas; desonerou a folha de pagamento de 42 setores de empresas; lançou uma política industrial e de investimento com o Plano Brasil Maior; criou inúmeros programas de crédito subsidiado no BNDES, alguns até com juros negativos de 2,5% ao ano; e, na linha de mostrar ao mundo a potência do "Brasil grande", fez do BNDES sócio de empresas que se tornariam campeãs nacionais, players globais que, em seus segmentos, dominariam o mercado mundo afora. Por fim, Dilma ainda cedeu à privatização, prometendo entregar para empresas privadas a exploração de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, geração e transmissão de energia.

Com tudo isso, nosso raquítico Produto Interno Bruto (PIB) cresceu só 2,7% em 2011, caiu para 0,9% em 2012 e, para 2013, as estimativas começaram em 4,5%, desabaram para 3,5% e, agora, para 3% ou até abaixo disso. Com tudo isso, nossa taxa de investimento - que precisa chegar a pelo menos 25% do PIB para garantir crescimento econômico contínuo - recuou de 19,5%, em 2010, para 19,3%, em 2011, e 18,1%, em 2012.

Há algo esquisito que fez frear, em vez de acelerar, investimentos produtivos nestes dois anos e cinco meses de governo Dilma. Algo muito esquisito, que deveria levar a presidente a refletir e indagar por quê. Toda essa hiperatividade, essa profusão de ações de estímulo, resulta em queda do investimento? Afinal, o que está havendo? Por que não dá certo? O que está emperrando?

O ex-ministro Delfim Netto, conselheiro dos governos Lula e Dilma, identifica o problema no que chamou de "uma relação desconfortável de desconfiança mútua entre o setor privado e o governo", em artigo publicado há dias no jornal Valor Econômico. Antes, Delfim já havia criticado o modelo de licitações de projetos de infraestrutura: ao definir e tabelar o lucro do negócio o governo afasta, em vez de atrair, investidores privados. Mas os conselhos do conselheiro não têm sido acatados pela presidente.

Delfim tem razão nas duas vezes. Dilma Rousseff sempre viu os empresários como "classe dominante", portanto, inconfiável. Desde 2003, quando ainda era ministra de Minas e Energia, ela manifestava esse sentimento nas reuniões do setor elétrico: considerava mentirosos os números levados pelas empresas. Na época, os investimentos pararam à espera das novas regras da ministra. Dez anos de experiência em posições de comando de uma economia capitalista privada e o fantasma da "classe dominante" continua presente.

O modelo de licitação das rodovias é sintomático. Em vez de criar regras inteligentes e atrativas para acirrar a disputa no leilão e deixar por conta dos consórcios definirem a menor taxa de lucro, o governo a engessou e fixou-a em 5,5%. Resultado: interesse zero do setor privado, o que levou Dilma a recuar, elevando a taxa de remuneração, mas sem abrir mão de fixá-la.

Dilma parece partir da convicção de que empresário privado trapaceia, engana, não joga limpo e, para conter sua ganância, cabe ao governo decidir por ele. E descarta conceber regras que tornem possível obter resultados até melhores deixando fluir a livre concorrência, a disputa entre eles para vencer o leilão - modelo bem-sucedido no passado e adotado no mundo inteiro.

Por sua vez, o empresário também desconfia do governo. Desconfia da competência da equipe econômica, de mudanças de regras no meio do caminho que prejudiquem seu negócio, acha que a presidente intervém com enorme frequência na economia privada, criando incertezas que impedem o planejamento de longo prazo das empresas. Alguns desistem do investimento, outros engavetam seus planos e esperam, poucos arriscam. Por isso nossa taxa de investimento caiu nos dois primeiros anos de governo Dilma, mesmo com o BNDES emprestando dinheiro barato.

A decepção com os investimentos é reconhecida mesmo dentro do governo. Em entrevista ao Broadcast (serviço em tempo real da Agência Estado), o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), senador Lindbergh Farias (PT-RJ), afirmou: "Vou insistir muito para tentar salvar esta reforma do ICMS, porque, sinceramente, já há um clima de paralisação de investimentos e os empresários não vão investir se não tiver uma definição muito clara sobre isso".

Apesar disso, não há nenhum movimento para mudar o que está errado. Pelo contrário, a cada resultado econômico ruim, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, entra em cena descrevendo o melhor dos mundos: "A economia vem mostrando reações positivas aos incentivos que criamos e vai continuar mostrando com mais força", repete, como se habitasse outro país.

O que deu certo. O sucesso do último leilão do petróleo foi um belo gol de placa do governo Dilma. Mostrou ser possível atrair o capital privado e obter resultados excelentes - que contrastam com o fracasso de licitações em outras áreas. Claro, cinco anos de jejum ajudaram a animar empresas privadas, sequiosas por explorar petróleo e gás no Brasil. Mas a razão maior do sucesso foram as regras do leilão, as mesmas aplicadas desde o governo FHC, o que mostra que a estabilidade regulatória é critério de enorme importância em decisões de investimento. Resultado: 30 empresas participaram, 18 delas estrangeiras, o governo arrecadou R$ 2,8 bilhões (ágio de 628%) e há garantia de investimentos mínimos de R$ 7 bilhões nos próximos anos, fora a geração de empregos, impostos e a receita com o petróleo a ser extraído. Mudar regras a todo instante, como tem feito o governo Dilma, gera incertezas e afugenta investidores.

As novas regras de investimento em terminais portuários constituíram outro sucesso, apesar da confusão em sua aprovação no Congresso Nacional. Elas substituem normas anacrônicas que, por décadas, emperraram projetos privados e criaram gargalos, elevando o custo de exportar. Mas o segredo do sucesso foi a negociação antecipada com potenciais investidores. O governo não decidiu olimpicamente sozinho, como fez na renovação das concessões elétricas.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 26/05

Anvisa permite troca em fila de registro de novos medicamentos
A fila de medicamentos à espera de registro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) passará por alterações para acelerar demandas de companhias do setor.

Até a próxima semana, elas podem apontar quais produtos devem ser prioritários no processo. A regra até então era seguir a ordem cronológica.

"As empresas justificam que os produtos próximos de entrar em análise muitas vezes estão superados", diz Antônio Mallet, da Anvisa.

Só será possível fazer trocas entre produtos da mesma empresa, e não "furar" alguma das filas existentes. Não há limite para número de alterações por empresa.

A Anvisa pode recusar a mudança caso julgue que há interesse de saúde pública.

A medida passou a valer no início deste mês para medicamentos novos, similares, genéricos e específicos. A nova lista será publicada em junho.

Entidades do setor apontam a medida como positiva.

"É boa até para o consumidor, porque as empresas querem colocar rapidamente no mercado aquilo que pode aumentar a concorrência", afirma o presidente do grupo Farma Brasil, Reginaldo Arcuri.

"Ações para reduzir a burocracia são importantes, desde que adotem parâmetros transparentes e equânimes", diz Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma ( Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de SP).

Para o presidente-executivo da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), Antônio Britto, a iniciativa, mesmo válida, ainda não resolve o problema da longa espera.

"A média hoje das filas é de 608 dias", afirma, com base em cálculo da entidade.

Aeronave não tripulada tem mercado potencial em setor civil
A redução do uso dos drones (aviões não tripulados) dos Estados Unidos na "guerra ao terror", prometida pelo presidente Barack Obama, abre mercado para a utilização dessas aeronaves no salvamento em tragédias.

O uso civil dos pequenos e leves aviões pode trazer respostas rápidas na localização de sobreviventes e no levantamento de dados sobre terrenos atingidos por furacões, tornados, enchentes e terremotos, segundo especialistas.

São também mais silenciosos do que as grandes aeronaves tripuladas, cujo barulho pode encobrir gritos de socorro de sobreviventes.

A possibilidade levanta entusiasmo no setor nos Estados Unidos, mas ainda enfrenta barreiras regulatórias.

A utilização dos drones chegou a ser cogitada pela Cruz Vermelha na região americana de Oklahoma City, após o tornado que atingiu a área na semana passada.

A organização, no entanto, declinou da ideia por causa da interdição do espaço aéreo.

Enquanto no mercado americano os veículos não tripulados carregam a imagem negativa do uso militar, no Brasil o uso é mais explorado por segmentos de agricultura e monitoramento ambiental, segundo Luciano Neris, da fabricante AGX.

A empresa ofereceu a tecnologia para ajudar no trabalho de resgate nos deslizamentos do Rio de Janeiro.

De acordo com Neris, estima-se que o mercado mundial de aeronaves não tripuladas chegue a US$ 4,5 bilhões (o equivalente a R$ 9,2 bilhões) em 2014.

"Grande parte desse mercado é de aplicações militares, embora o segmento civil tenha grande potencial de crescimento."

Transporte Seguro
O setor de cloro e soda reduziu em 90% o número de acidentes no transporte de produtos nos últimos oito anos, segundo balanço de 2012 recém-concluído pela Abiclor (associação da indústria de cloro e derivados).

A entidade identificou no ano passado 0,13 acidente a cada 10 mil viagens, com base em dados registrados pelas empresas da área.

Em 2005, a frequência era de 1,45. Os números seguem em queda desde 2007.

Para a associação, a redução é explicada por ações que foram adotadas, como treinamento de motoristas, mudanças no uso de equipamentos e controle mais rigoroso por parte das empresas.

O motorista e o veículo passam agora por uma série de avaliações para comprovar se estão em condições de viajar.

Os produtos são utilizados como matéria-prima em indústrias de grande porte, como de papel e celulose, alimentos, petroquímica e têxtil.

À FRANCESA
A marca francesa Hermès pretende, sim, abrir sua segunda loja no Brasil, mas isso não deve ocorrer antes do segundo semestre de 2015, de acordo com o diretor global de estratégia da empresa, Patrick Albaladejo.

"Estamos convencidos de que precisamos ter mais uma [unidade], mas estamos estudando o momento certo."

O único ponto da companhia hoje no país é em São Paulo, mesma cidade onde deve ser instalado o segundo.

"Também estamos olhando para o Rio, mas São Paulo é mais provável. A cidade é muito grande e o trânsito, difícil. É importante ter lojas perto do cliente potencial."

Albaladejo afirma que o mercado brasileiro pode crescer muito para a empresa, mas que as taxas de importação dificultam.

"Nossos preços aqui são bem mais altos que na Europa e nos EUA. Essa situação não permite que nos desenvolvamos como queremos."

Atualmente, o Brasil não corresponde nem a 1% do faturamento da grife.

As vendas no continente americano aumentaram 10,3% no primeiro trimestre deste ano, menos que na estagnada Europa. A Argentina foi uma das responsáveis pela expansão nesse ritmo.

"Tivemos uma limitação para importar lá [devido às políticas protecionistas do país]. Não vendemos não por falta de cliente, mas por falta de oferta nossa."

EXECUTIVOS BLINDADOS
Metade dos CEOs brasileiros já possuem veículos corporativos blindados, de acordo com um levantamento de remuneração e benefícios da Page Executive.

Segundo a pesquisa da empresa, especializada em recrutamento e seleção de altos executivos, o índice é de 10% entre profissionais que ocupam cargos de diretor financeiro, marketing e RH.

O estudo foi realizado com cerca de 700 executivos de 600 companhias, entre multinacionais e nacionais.

O fornecimento de carro blindado passou a ser utilizado para atrair profissionais, segundo a Page Executive.

Brinde... O setor de cerveja representa 11% do PIB da indústria de transformação do país, conforme um novo levantamento da Ambev, que cruzou dados do IBGE e da FGV.

...industrial Os maiores índices são no Distrito Federal (55%) e no Maranhão (52%). Em São Paulo, o setor corresponde a 10% da indústria de transformação.

Ah, as mulheres - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 26/05

Meu amigo não entendeu que o homem com quem se sonha não tem nada a ver com o homem que se ama


Eu conheço um homem que, como não leu o livro de Nelson Rodrigues --"Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo"--, queria ser amado e ser feliz. De tanto ouvir as reclamações das mulheres sobre os homens, procurou aprender --e aprendeu-- a não ter nenhum dos defeitos dos quais elas se queixavam tanto e que eram sempre mais ou menos os mesmos. Não funcionou com a primeira, nem com a segunda, nem com a terceira, aliás, com nenhuma; ele achou estranho e veio conversar comigo.

E me contou que trata todas, sempre, superbem, valoriza a mulher amada, cuida e zela, mostra que ela é a prioridade da vida dele; é atencioso, prestativo, ótimo pai, procura dar os presentes certos, aqueles que são seus sonhos de consumo, se empenha em fazê-la feliz, apoia o quanto pode sua carreira, leva-a às Europas que ela não conhece, puxa conversa para assuntos de que ela gosta, repara em sua aparência, seu corte de cabelo, e a elogia sempre. Além disso, não se esquece dos aniversários: de casamento, do primeiro dia de namoro, do dia da primeira transa, lembrando sempre com flores, um presente, até mesmo uma viagem; reúne, enfim, todas as condições para ser um ótimo amigo, um pai adorável, e é totalmente desprezado como objeto de desejo e paixão.

Meu amigo não compreende as mulheres, e não entendeu que o homem com quem se sonha não tem nada a ver com o homem que se ama. Nenhuma mulher vai se apaixonar por um homem que esteja de quatro por ela, adivinhando seus pensamentos, realizando seus desejos, antes mesmo de ela saber que desejos são esses. Ela pode gostar, sim, mas durante 24 horas, 48, enquanto existir aquela dúvida fundamental: que talvez não seja para sempre. É insuportável ser amada acima de todas as coisas o tempo todo, e pior ainda ter uma pessoa ao lado que nos tem como sua prioridade.

Para que o amor dure, é preciso que exista a dúvida se ele vai sobreviver, até mesmo àquela noite; não saber se ele vai ligar, não saber em que está pensando quando está calado, e sobretudo --sobretudo-- saber que ele jamais vai lembrar de nenhuma das datas fatídicas, de quando se conheceram etc. etc., e jantar num restaurante especial e tomar um vinho no Dia dos Namorados. Para um homem ser amado é preciso que ele tenha um mundo particular --ou vários-- só dele, e no qual ela não consiga, jamais, penetrar. Que seja o futebol, o surfe, a astronomia, a corrida de cavalos, a guerra da Síria, tudo vale, contanto que ela não seja a única a ocupar seus pensamentos.

As coisas muito certas não têm graça; pense nos cassinos, onde uma multidão arrisca seu dinheiro na incerteza, sem saber se vai dar o preto ou o vermelho, o par ou o ímpar, o 4 ou o 17. Se soubessem, ia ter graça?

Esse meu amigo não fez tudo errado, não. Ele fez tudo certo, quando mandava flores, quando surpreendia suas amadas com a perspectiva de uma viagem, quando lembrava de seu aniversário na véspera, à meia-noite, sem imaginar que ela, chegando aos 42, queria saber de tudo, menos dessa data, razão de sobra pra odiá-lo.

Ele não pensava no prazer dela, e sim no dele; o prazer de se sentir generoso, magnânimo, o amante perfeito, o que para ele era certamente mais importante do que ser amado. Conseguiu, e não tem do que se queixar.

PS "" quem diria que a canção "Ne me Quitte Pas", hino da dor de cotovelo, poderia ser cantada por alguém além de Jacques Brel; pois Maria Gadú ousou, e ainda ousou mais, junto com seu arranjador, botando um ritmo. Deu certo, e viva a dor de cotovelo em versão moderna.

Supremo mais plural - TEREZA CRUVINEL

CORREIO BRAZILIENSE - 26/05

A cada quatro anos, os eleitores podem mudar seus representantes e governantes nos poderes Legislativo e Executivo. Já a renovação do Judiciário, especialmente a da mais alta Corte, ocorre em longos intervalos, e depende do acerto das escolhas do(a) presidente da República, referendadas pelo Senado. As substituições de ministros quase vitalícios podem produzir colegiados monolíticos, dissociados da pluralidade e da diversidade, em todos os sentidos. Uma aprovação quase unânime, nos meios jurídico e político, seguiu-se ao anúncio da indicação do constitucionalista Luís Roberto Barroso pela presidente Dilma. Certamente, por suas qualidades intelectuais e técnicas, mas possivelmente também pelas indicações de que sua presença arejará a Corte e fortalecerá o equilíbrio entre diferentes posições doutrinárias.
Com sobriedade própria ao momento, Barroso foi comedido nas declarações posteriores ao anúncio, por respeito aos Poderes, como explicou. Falta-lhe ainda o aval do Senado, e a posse entre os pares, para falar como ministro. Do pouco que disse até agora, e do que escreveu recentemente, vêm os sinais de que levará ao Supremo um novo olhar sobre algumas questões relevantes. Na sexta-feira, já escolhido, declarou que "decisão política deve tomar quem tem voto". Em artigo de janeiro passado, que está no site Consultor Jurídico, com o balanço retrospectivo das ações do STF em 2012, externou compreensão quase ausente no Supremo de hoje sobre a relação entre mazelas como corrupção e fisiologismo e o sistema político arcaico, que clama por reforma. Isso afora outras considerações sobre o futuro da Corte que agora integrará.
Ativismo judicial
A declaração de agora explicita uma percepção diferente da que é dominante na Corte sobre seus próprios limites. "Em uma democracia, decisão política deve tomar quem tem voto. O Judiciário deve ser deferente às escolhas feitas pelo legislador e às decisões da administração pública, a menos que - e aí, sim, se legitima a intervenção do Judiciário - essas decisões violem frontalmente a Constituição. Aí, sim, por exceção e não por regra, o Judiciário pode e deve intervir." E mais: "Eu qualificaria como ativismo decisões do Supremo Tribunal Federal em matérias como a fidelidade partidária!". Em relação a esse tema, não foram poucas, nos últimos anos, as interferências da Corte. Agora mesmo, o Senado continua impedido, por uma decisão liminar monocrática, de concluir a votação do projeto que restringe a migração de parlamentares para um novo partido, vedando a apropriação, por este, do tempo de tevê e da fração do fundo partidário que deve pertencer ao partido pelo qual o migrante se elegeu.
Em 2006, o Supremo derrubou o projeto que instituía a cláusula de barreira para partidos que não obtenham 5% dos votos, nacionalmente. Com isso, continuamos a ter este quadro partidário amplíssimo e fragmentado, que não assegura a nenhum deles a maioria, obrigando o presidente da República, seja de qual partido for, a governar com coalizões heterogêneas. As mesmas que, ao longo do julgamento da Ação Penal 470, do chamado mensalão, foram duramente criticadas pelos ministros. Especialmente pelo então presidente da Corte, Ayres Britto. Na ausência da cláusula, proliferam partidos que o presidente Joaquim Barbosa considera "de mentira". Mas não apenas nessa questão o STF deixou de ser, para usar as palavras do futuro ministro, "deferente" para com os que têm voto. Uma parte dos políticos alimenta esta judicialização, queixando-se aos bispos togados. Outra reage com propostas descabidas, como a da PEC 33, que subordina medidas do STF ao crivo do Congresso.
Os frutos do sistema
O artigo do futuro ministro que está no site do Conjur muito revela, assim como o seu blog, sobre sua personalidade. A inclinação doutrinária garantista e aspectos do funcionamento do STF. Ao avaliar o julgamento do mensalão, afirmou: "Parece muito nítido que o STF aproveitou a oportunidade para condenar toda uma forma de se fazer política, amplamente praticada no Brasil. Ao proceder assim, o Tribunal acabou transcendendo a discussão puramente penal e tocando em um ponto sensível do arranjo institucional brasileiro. Quem estava no caminho dessa mudança de percepção foi atropelado, e por isso é compreensível que os condenados se sintam, não sem alguma amargura, como os apanhados da vez, condenados a assumirem sozinhos a conta acumulada de todo um sistema. Por isso mesmo, aliás, é razoável supor que a mudança ficará incompleta, caso não se aproveite a ocasião para levar a cabo uma reforma política abrangente, que desça à raiz do problema."
O Congresso, lamentavelmente, enterrou a reforma política. Em entrevista à revista Poder, já havia dito que tanto Fernando Henrique quanto Lula "não mudaram o modo de fazer política", aderindo ao sistema em que se vota em pessoas, não em partidos, e impõe o presidencialismo de coalizões de conveniência - "modelo que está na raiz de boa parte dos problemas políticos brasileiros, inclusive os de corrupção e fisiologismo". No julgamento, alguns ministros revelaram desconhecimento sobre a natureza e o funcionamento do sistema político, e, outros, a ilusão de que podem mudá-lo pela força das condenações. No artigo, Barroso lista algumas transformações que poderiam ser adotadas pela Corte, inclusive, sobre o julgamento de autoridades com foro privilegiado, poupando-a de certo tipo de ações e julgamentos.
Esses sinais de que o novo ministro pode representar uma aragem, por atributos que distinguem também o indicado anterior de Dilma, Teori Zavascki, é que importam. Muito mais do que a participação ou não no julgamento dos recursos dos réus da Ação Penal 470.

Preservando as espécies - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 26/05

O corno desaparece a olhos vistos, ninguém mais liga. Isso não é possível, não é sustentável, é um abismo



Em Itaparica, não existe muita preocupação com esse negócio de privacidade, visto que, desde o tempo em que a luz era desligada pela prefeitura às dez horas da noite, o sabido saía com a moça, se esgueirando entre os escurinhos do Jardim do Forte e, no dia seguinte, na quitanda de Bambano, o fato já tinha alcançado ampla repercussão, com fartura de pormenores. O mesmo acontecia em todas as outras áreas e diz o povo que, quando meu tio-avô Zé Paulo, tido como mais rico que dezoito marajás, soltava um pum, sozinho numa sala de seu casarão, os puxa-sacos já ficavam de plantão no Largo da Quitanda e, no instante em que ele passava, se manifestavam efusivamente.

— Bom dia, coronel, bufou cheiroso outra vez!

— Muito bem bufado, coronel, quem está preso quer estar solto!

Quanto a câmeras de vigilância e segurança, correntemente na moda, receio que a situação é semelhante. Manolo quis botar uma no Bar de Espanha, mas desistiu depois que soube que todo mundo estava planejando pedir para fazer um teste com a Globo. Além disso, não há muita motivação para a instalação de câmeras, porquanto o que assaltar sempre foi meio escasso e Romero Contador, que não erra nem conta de raiz quadrada, já mostrou na ponta do lápis que, se alguém roubar o nosso PIB, vai passar o resto da vida altamente endividado, pois a verdade, por mais duro que seja reconhecer, é que nossa economia não interessa nem a deputado estadual e mal sobra o que furtar para os corruptos locais.

Não havia, portanto, razão aparente para o movimento deflagrado por Zecamunista, como sempre meio de surpresa. Nada indicava que estivesse motivado para nova campanha cívica, ainda mais envolvendo questões exóticas, como a privacidade. Depois de mais uma vitoriosa temporada de pôquer por todo o Recôncavo, onde chegou a ganhar dois barcos de pesca — que rebatizou de Marx e Engels e doou à Cooperativa Comunista Deus É Mais, há muitos anos fundada por ele, em Valença — voltara à ilha na semana anterior, na discreta companhia de “duas senhoras de Nazaré das Farinhas, minhas correligionárias”, como ele me disse ao telefone, sem mais adiantar e muito menos me convidar para conhecer as duas correligionárias. Desde esse dia, fora visto apenas uma vez, comprando uma garrafinha de catuaba no Mercado e voltando apressadamente para casa, no passo ligeirinho de clandestino a que a vida de militante bolchevique o acostumou. E já se pensava que as correligionárias iam ocupá-lo por mais tempo que o esperado, ouvindo-se também a maledicência de que “Zeca não é mais aquele”, mas eis que ele, como se nada tivesse acontecido, compareceu ao Bar de Espanha, na happy hour das nove da manhã, e fez o anúncio inesperado.

— Estou fundando o Movimento de Preservação e Defesa do Corno Nacional — disse ele. — Essa viagem acabou de me convencer de que o corno está em extinção. Um dos parceiros com quem eu joguei, não vou dizer onde, contou, quase satisfeito, que foi largado pela mulher, que tinha confessado ter um amante. Mas não era por isso que largava o marido, era porque estava sufocada, queria o espaço dela. O espaço dela era na cama do outro, mas todo mundo finge que acredita e fica tudo por isso mesmo. É a globalização descaracterizando a identidade nacional, não zelamos pelo nosso patrimônio cultural, encaramos tudo com a mais leviana das inconsequências e, se não tomarmos providências agora, nossos descendentes nem saberão o significado da palavra “corno” e toda sua riqueza emocional, artística e histórica!

Com efeito, meus caros senhores, em primeiro lugar, o corno desaparece a olhos vistos, ninguém mais liga. Isso não é possível, não é sustentável, é um abismo. Já basta não haver mais mistério quanto à paternidade, por causa da novidade dos exames de DNA. A vida perdeu a emoção, nunca mais aquelas investigações de paternidade que não chegavam a nenhuma conclusão, nunca mais confissões arrepiantes no leito de morte. E a espionagem eletrônica, celulares rastreadores, gravadores secretos, câmeras minúsculas, visão noturna, detectores disso e daquilo, tudo bisbilhotado e bisbilhotável? Nada mais é sagrado? O sujeito quer ser corno em paz e não permitem, têm que incomodá-lo com denúncias e provas que ele nunca pediu, pensem nisso! Até um dos últimos bastiões da liberdade está sendo destruído! Onde ficará Lupicínio Rodrigues, onde ficará Ataulfo Alves, onde ficará a dúvida cruel, onde ficará a viagem de negócios, onde ficará a tarde no dentista?

— Eles não sabem o que dizem, são uns inocentes — disse Zeca, ao ver que suas palavras haviam ocasionado um debate de grandes proporções. — As ideias novas sempre provocam reações negativas, inclusive entre aqueles que vão se beneficiar delas, é a maldição do pioneirismo.

Aqui para nós, seu real objetivo não era bem a preservação de uma espécie. Pretendia mesmo era montar mais um esquema para beneficiar as classes populares da ilha, ou seja, quase todo mundo. Esse papo de corno não passava de marketing, destinado a aproveitar e incrementar um clima já existente. O próximo passo será bolar um serviço para o nosso nicho de mercado. O nosso nicho não é o corno comum, que esse já perdeu o sentido e ainda não sabe, mas o corno saudosista, o tradicionalista, o que tem nostalgia dos velhos tempos dourados, o que ainda acredita. Não duvidava que fosse possível obter incentivos do Ministério da Cultura. E já podia antecipar os anúncios estampados nos jornais: “Corneie seu ente querido à moda antiga, venha à nossa ilha.”

— Há outros esquemas, mas eu prefiro esse — disse ele. — Nós vamos fornecer a mão de obra.


"Amor à Vida"! Daniel esgoelado! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 26/05

E a grande e sensacional inovação: a vilã é gay! Bicha má! Versão gay da Carminha!!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Predestinada da semana: proctologista em Brasília, doutora Geralda GALLO!

E adorei esta faixa em Livramento, Paraíba: "Funcionários, alunos e a comunidade do Livramento agradecem ao prefeito Romero Leal pela chuva de ontem". O prefeito faz chover! Rarará!

E a lista das mais poderosas da revista "Forbes"? 1) Angela Merkel. 2)Dilma Rousseff. 95) Gisele Bündchen! Agora tira a roupa dela e refaz a lista. Rarará! Comentário bem machista.

E a Dilma, na foto, tá parecendo o Kung Fu Panda! E a Angela Merkel tá com cara de ressaca da Oktoberfest!

E a grande sensação da semana: a bicha má das 21h! "Amor à Vida". Já tô viciado! Eu me entreguei à podridão! "Amor à Vida", uma novela com crase.

E o Daniel se esgoelando?! Parece uma britadeira, uma arara no cio! E a grande e sensacional inovação: a vilã é gay! Bicha má! Versão gay da Carminha! Neto da Odete Roitman!

Como disse um amigo: "Se nos dois primeiros capítulos a bicha má aprontou tudo isso, imagina na Copa". Rarará! Essa novela não tem Amor aos Ouvidos: Daniel e Paula Fernandes!

E a Susana Vieira! Fiquei dois dias sem dormir, sonhei que fui adotado pela Susana Vieira. E acordei rezando um Creio em Deus!

E mudei de ideia: agora eu quero ser adotado pela Susana Vieira. Está sensacional!

E atenção! Bagurança Pública: "Policial ganhará bônus de até R$ 10 mil para reduzir crime em SP". Isso é Bolsa Arrastão! Alckmin lança o Bolsa Arrastão! Por R$ 10 mil, eles prendem até você!

Como disse um amigo: "Não é melhor pagar R$ 10 mil pro bandido? Pra ele não me assaltar?". Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

E a Dilma? Como disse o tuiteiro Luis Biselli: "A Dilma já deu tanto pontapé inicial nas inaugurações dos estádios que ela já tá finalizando melhor que os atacantes da seleção!". Melhor que os atacantes do Palmeiras, com certeza!

Aliás, neste ano a Dilma entrou mais em campo que o Valdivia. Rarará! No próximo estádio ela vai se jogar na área e bater pênalti! Felipão, convoca ela! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Strangelove aos 90 - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

O GLOBO - 26/05

O Christopher Hitchens escreveu certa vez que se fizera uma promessa: não leria mais nada escrito pelo Henry Kissinger até que fossem publicadas suas cartas da prisão. Hitchens morreu sem realizar seu desejo. Kissinger está fazendo 90 anos esta semana e nunca foi preso ou sequer indiciado pela sua participação em alguns dos maiores crimes do século passado. Foi ele quem trouxe a palavra “realpolitik” do alemão de Bismark para o vocabulário da política moderna e como secretário de Estado e conselheiro de governos americanos foi o responsável pelo bombardeio semiclandestino do Cambodia durante a Guerra do Vietnã e o apoio mal disfarçado ao golpe e ao regime assassino do

Pinochet no Chile, entre outros exemplos de pragmatismo amoral que custaram milhares de vidas. Ele foi

o modelo para o Dr. Strangelove do filme do Kubrick, interpretado pelo Peter Sellers com seu sotaque alemão intacto.

Mas Kissinger chega aos 90 anos honrado e – na medida em que o Barack Obama tem se mostrado ser também um pragmático em matéria de política externa – até reabilitado entre os que antes o criticavam. Já se disse que quem sentar no terraço do café Les Deux Magots por um tempo indeterminado mais cedo ou mais tarde verá passar pela calçada toda a humanidade. O mesmo exagero pode ser aplicado ao tratamento dado pela história aos seus vilões mais notórios, que ela cedo ou tarde absolverá ou no mínimo justificará. Átila, o Flagelo de Deus, trouxe uma cultura exótica, até então desconhecida, às margens do Danúbio. Hitler, digam o que disserem, acabou com a maior inflação do mundo e uniu o povo alemão. Na Itália de Mussolini pela primeira vez os trens andaram no horário. Calígula e Ricardo III foram dois incompreendidos, só eram um pouco celerados. E quem nos assegura que as mulheres do Barba Azul não eram mesmo insuportáveis?

No caso de Kissinger a historia dirá, quando a poeira do tempo baixar e permitir uma visão mais clara do seu pragmatismo, que ele não foi totalmente letal. Foi ele que arquitetou o encontro, antes impensável, do Nixon com o Mao e uma reavaliação da China Comunista como potência, pelo Ocidente, que mudou a geopolítica e evitou, ou pelo menos adiou, o enfrentamento. Credita-se às suas reuniões secretas com os vietnamitas do Norte o encurtamento da guerra que já tinha matado milhares. As vidas salvas por Henry Kissinger com suas maquinações escondidas não foram tantas quanto as vidas destruídas pelo Dr. Strangelove. Mas talvez tenha dado empate.

Dez anos K, das luzes às sombras - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 26/05

O balanço positivo inicial de Néstor e Cristina enfrenta sérios problemas e divide a Argentina ao meio


Não por acaso, o jogo entre o Newell's Old Boys, líder do campeonato argentino, e o Boca Juniors, o mais popular clube do país, será disputado hoje a partir de 21h30, apesar de o Boca ter solicitado que a partida fosse à tarde.

Mas o governo, que manda no futebol, preferiu fazer o jogo coincidir com o programa de TV do jornalista Jorge Lanata, que vem denunciando seguidamente lavagem de dinheiro --muito dinheiro, aliás-- pelo então presidente Néstor Kirchner, morto em 2010.

Tentar encobrir o ruído de denúncias com o ruído do estádio coincide com aquele que não é exatamente o melhor momento de Cristina Kirchner, justamente agora que a era dos K completa 10 anos (Néstor assumiu dia 25 de maio de 2003).

O último bom momento de Cristina, aliás, foi há dois anos, quando se reelegeu comodamente --justo prêmio para um período em que a economia argentina cresceu à média de 7,2% ao ano, criou 5 milhões de empregos formais e reduziu a pobreza. O quanto reduziu é objeto de polêmica, como, aliás, o são todas as estatísticas argentinas.

Para o governo, os 57% de pobres que havia às vésperas da era K caíram para 26% dez anos depois. Mas o Observatório Social da Universidade Católica Argentina afirma que são 38,8% os menores de 18 anos vivendo em situação de pobreza, bem menos que em 2003, mas um número absurdamente alto para um país que chegou a ter nível de nação desenvolvida no entre-guerras.

Pior: o índice de pobreza aumentou de 2011 para 2012, ao invés de seguir diminuindo (era de 37,2%).

O desemprego também está aumentando: subiu para 7,9% no primeiro trimestre, ou 0,8 ponto percentual a mais do que em idêntico período de 2012, o que significa dizer que, em três meses, foram perdidos 255 mil postos de trabalho.

Tais indicadores, mais uma inflação oficialmente manipulada para parecer menor do que os 20 e tantos por cento reais, explicam por que também a popularidade da presidente segue tendência declinante: em apenas dois meses, a aprovação de Cristina caiu de 57% para 48%, enquanto a desaprovação ia de 40% a 49%, segundo pesquisa de abril da consultoria Ipsos-Mora y Araujo.

De todo modo, o empate técnico entre os que querem a presidente e os que a reprovam mostra claramente que os anos K foram de luzes, mas, mais recentemente, encheram-se de sombras.

A reação da presidente está sendo igual à adotada no futebol: foge para a frente em vez de enfrentar os problemas. Limita a compra de dólares até no exterior, congela preços e acaba de inventar a sua versão dos "fiscais do Sarney", usados no Brasil em 1986. Na Argentina, Cristina determinou à militância kirchnerista "mirar para cuidar", ou seja, olhar os preços para evitar que o congelamento desande.

A experiência do Brasil com esses métodos acabou em desastre. Na Argentina, Cristina tem cinco meses para testá-los: na eleição legislativa de outubro, vai-se saber para que lado se desfará o empate técnico entre o amor e o ódio à K sobrevivente.

As aparências e a política - LUIZ WERNECK VIANNA

ESTADÃO - 26/05


Dá para sentir que há algo de estranho no ar, embora cada eixo aparentemente gire nos seus gonzos e a marcha das coisas siga caminho previsível, caso da candidatura à próxima sucessão presidencial da presidente Dilma Rousseff, detentora de altos índices de aprovação popular e pretendente legítima à reeleição. A inédita antecedência com que foi anunciada,longe de contrariar esse diagnóstico feliz,deveria ser vista,insistem alguns, como a sua confirmação.Contudo, se aparência e essência coincidissem, um grande pensador costumava dizer, não haveria lugar para a ciência - o sentido das coisas estaria sempre à mão,expondo-se de modo transparente ao observador.
Não são poucos os sinais que, no mundo desencantado da política brasileira, têm escapado à nossa vã filosofia,como as motivações que levariam a uma candidatura presidencial o governador de Pernambuco, Eduardo Campos-fora pretensões dinásticas de herdeiro de um cabedal político regional -, parceiro seguro do PT em três sucessões presidenciais e que, ainda hoje, integra com quadros dos eu partido, o PSB, posições relevantes na coalizão governamental.
Se, na superfície lisa dos fatos,Dilma e Lula mantêm entre si relações fraternas e solidárias, a cogitada candidatura do governador Eduardo Campos já deixa um rastro de sombras na sua esteira, uma vez que inequivocamente a desconstrução que empreende da imagem de Dilma e do seu governo - por motivos que permanecem difusos - não se faz acompanhar de uma rejeição dos eu histórico de firme aliado do seu antecessor.
De outra parte, a situação de altos dirigentes do partido hegemônico, condenados a pesadas penas pela Justiça, ora na iminência de serem recolhidos à prisão,amarga uma parte da militância partidária, cujas reações fogem à previsão,especialmente diante da neutralidade da postura presidencial quanto à sua sorte.
Noutra ponta, da base congressual do governo,provêm sinais demudança, como no caso dos emitidos ao longo da tramitação da legislação dos portos,a qual se arrisca em movimentos de autonomia, sem que se saiba ao certo se movida pela pressão de grandes interesses ou pelo legítimo objetivo de ganhar luz própria. De qualquer forma, a aprovação pelo Congresso Nacional dessa regulação reforça a posição da presidente e do seu principal aliado, o PMDB.
Para ressaltar ainda mais a ideia de mistério que ronda a política brasileira, inteiramente distante do prosaísmo da sua sociedade,boa parte dela entretida no consumo e nos apetites desencadeados pelo empreendedorismo, um espectro vagueia pelos palácios do poder nos lugares que já foram seus em tempos idos, assombrando todos com suas aparições.
Na economia e na política, dois temas de complexa administração prometem fazer-se dominantes, ambos tendentes a dramatizar as circunstâncias em que já se desencadeia,precocemente, a sucessão presidencial: a inflação, em meio a uma situação de baixo crescimento do produto interno bruto (PIB),e as relações entre os Poderes da República. A pilotagem da primeira no sentido de evitar uma escalada inflacionária depende de uma feliz e oportuna intervenção da equipe econômica, da qual depende o destino da campanha pela reeleição. A outra, por sua vez, está entregue aos azares da fortuna, inclusive porque se encontra contaminada pelos resultados da Ação Penal 470.No caso,basta lembrar que dois dos condenados por ela ocupam posições na estratégica Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
Para além das repercussões desse episódio circunstancial, a questão da separação entre os Poderes, em particular na forma concebida pela Carta de 1988, que reservou papel destacado ao Poder Judiciário,tem sido objeto de controvérsias na esfera pública,no campo acadêmico e no interior do Parlamento, de que é exemplo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 33, de autoria do deputado do PT do Piauí Nazar e no Fonteles,que visa,entre outros objetivos,a submeter as emendas vinculantes instituídas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à aprovação do Parlamento, ora paralisada por decisão do presidente da Câmara, deputado Henrique Alves.
Tal tema,com sua carga negativa para a vida institucional, tem data certa para reaparecer, logo que a Suprema Corte venha a confirmar as sentenças condenatórias aos réus da Ação Penal 470, o que deve ocorrer nos inícios da alta estação do processo sucessório, quando o Parlamento tiver de decidir sobre a cassação dos mandatos dos parlamentares apenados, cumprindo a decisão judicial ou reabrindo a questão em seu plenário. Nessa hora, é de esperar que o caso mude de escala, com a discussão sobre a sorte dos mandatos desenvolvidos em baralhada com a denúncia de um governo de juízes e da judicialização da política, em nome de uma alegada defesa do princípio da soberania popular, que a ação dos tribunais estaria pondo sob ameaça.
Se os pequenos abalos e sinais podem apenas significar variações momentâneas,eles merecem ser registrados, ao menos se um autor atilado como Tocqueville deva ser levado na devida consideração. Na entrevista concedida pelo ex-presidente Lula ao sociólogo Emir Sader na coletânea de artigos coligidos em 10 anos de Governos Pós-Liberais no Brasil (Ed. Boitempo, São Paulo, 2013), fica a sugestão da necessidade de um retorno aos valores partidários originários, que teriam sido banalizados por causa das disputas eleitorais. Tarefa difícil para a presidente Dilma, às voltas com a montagem de um largo sistema de alianças a fim de disputar a reeleição, logo ela que não se encontra na galeria dos heróis fundadores. Decerto são apenas palavras, e tanto elas como os sinais podem ser de sentido aleatório, desses a que somente se deve conceder atenção com reservas. Mas, sabe-se lá, pode haver método nessa loucura.