segunda-feira, novembro 12, 2012

Memória é tanto lembrar quanto esquecer - ELIANE BRUM

REVISTA ÉPOCA 


Em um belo filme sobre a condição humana, um velho descobre-se diante de um dilema que dirá quem ele é e como ama. A escolha que o desafia é também a que nos provoca a cada dia de nossa vida



Na primeira vez em que assisti à E se vivêssemos todos juntos?, pensei, ao sair do cinema com os olhos mareados e a alma apertada no corpo como uma calça jeans dois números menor: queria tanto escrever sobre esse filme, mas o melhor que posso escrever é só um verbo, conjugado no imperativo, seguido de um ponto de exclamação: “Assistam!”. E escrevi exatamente isso no twitter. Em geral, é o melhor que podemos dizer sobre os filmes de que gostamos, assim como “leiam!” para os livros que nos tornaram outros depois da última página. Mas continuei desassossegada e vi o filme uma segunda vez. Percebi que precisava escrever um pouco mais.

E se vivêssemos todos juntos? (Stéphane Robelin – França/Alemanha) é um filme sobre os últimos anos de quem, graças ao aumento da expectativa de vida, passou dos 70 e poucos. Como disse Jeanne, a personagem de Jane Fonda, ao seguir a ambulância que carregava seu marido para o hospital depois de uma queda: “A gente planeja tudo, mas nunca pensa no que fazer nos últimos anos da vida”. É disso que se trata. O filme fala de algo que precisamos falar mais: sobre envelhecer neste mundo, nesta época. Precisamos falar mais porque a maioria de nós vai viver esse momento. Não é fácil vivê-lo – é uma sorte vivê-lo.

Começamos a nos preparar, como invoca Jeanne, quando nos arriscamos a pensar sobre aquilo que nos inquieta ou inquietará – ou inquieta ou inquietará aqueles que amamos. O cinema já descobriu essa necessidade e, só neste ano, chegaram ao Brasil pelo menos dois filmes que falam explicitamente sobre envelhecer: O exótico Hotel Marigold (John Madden, Reino Unido), que poderia ser bem melhor do que é, e “E se vivêssemos todos juntos?”.

Neste, um grupo de velhos decide viver na mesma casa para enfrentar aquilo que os inquieta – e seguidamente os ameaça. A iniciativa é de um deles, Jean (Guy Bedos), um homem que passou a vida engajado em causas coletivas contra as injustiças sofridas pelos mais fracos. Impedido de seguir para a próxima missão em algum país pobre e distante, porque o seguro se recusa a cobrir gente da sua idade, ele aos poucos descobre que tem uma causa bem perto dele pela qual lutar, que é também uma causa de desamparo.

E se vivêssemos todos juntos? não é um filme para velhos – mas para todos que se interessam pela condição humana. No roteiro, aliás, aqueles que aparecem no lugar de “filhos”, ora perplexos, às vezes distantes, em outras arrogantes na sua certeza sobre o que é melhor para os pais – perdidos sempre – parecem precisar muito assistir a um filme como este.

O filme, que já é muito, muito bonito mesmo, fica ainda melhor com a interpretação impecável de grandes atores, todos eles velhos e, portanto, mais experientes do que nunca. Todos menos um: o único jovem protagonista é o ótimo Daniel Brühl, por quem nos apaixonamos em “Adeus, Lenin”, e que tem no enredo um lugar muito particular. Ele é um estrangeiro não só por ser um alemão na França, mas por ser um jovem em território de velhos: estrangeiro porque só estranhando é possível enxergar. Vale a pena alertar ainda que, ao contrário do que anuncia a classificação, “E se vivêssemos todos juntos?” não é uma comédia.

Feita essa antessala, preciso dizer o seguinte: se você não viu o filme e pretende vê-lo, pare por aqui. Embora o que quero dizer use o filme apenas como ponto de partida, não é possível escrever sem contar bastante sobre ele, mais do que qualquer comentário educado permitiria. Há quem não se importe. Pessoalmente, acho que é sempre (muito) melhor ir ao cinema no escuro. Se quiser, volte ao texto depois – e, como estímulo a uma visita à tela grande, coloco o traileraqui. (Como já escrevi aqui, eu não chamo velhos de idosos nem velhice de terceira idade ou – argh – melhor idade. Assisti ao filme pela primeira vez na companhia de parte de um grupo de amigos com os quais tenho um pacto desde os 30 e poucos anos: ao envelhecer, moraremos todos juntos em um condomínio que um de nós já batizou, ironicamente, de “O Ocaso Feliz”. Já acertamos mais ou menos a arquitetura, na qual cada casa terá entradas independentes e fundos para um espaço coletivo, de maneira que, se quisermos ficar sozinhos, basta simplesmente passar a chave na porta dos fundos e botar uma placa de “não perturbe”. Mas não conseguimos nos acertar sobre qual cidade – pequena, perto de uma grande – escolheremos para nossos últimos anos. Ao deixar a sala de cinema, tomamos um espumante antes de nos separarmos. Na segunda vez, assisti ao filme com o homem que eu amo e em quem pretendo abotoar casacos de lã na velhice. Quero muito um velho companheiro com casacos de lã abotoados. E espero viver para isso. Quando o filme terminou, choramos abraçados.)

Para quem continua comigo: entre as tantas possibilidades de reflexão propostas por esse filme, há uma que me comove mais. Ela fala de memória – e de algo muito importante: memória não é apenas lembrar, é também esquecer.

No filme, Albert (Pierre Richard) luta contra a perda da memória. Ele não sabe se já levou o cachorro para passear ou não. “Se eu não o tivesse levado, ele estaria reclamando, não?”, indaga-se. Para lembrar os acontecimentos recentes, que o cérebro já não registra, Albert usa a palavra escrita. Escreve um diário sentado na poltrona do apartamento que divide com a mulher, estrategicamente postado ao lado de uma janela que dá para os fundos de uma escola infantil. É com um olho no caderno e o outro na janela, na qual espera, com evidente alegria, as crianças saírem para brincar, que ele relata o sabor do vinho que tomou com os amigos, o cardápio do jantar e aquilo que precisa lembrar quando já tiver esquecido no dia seguinte. O diário, a narrativa da vida pela palavra escrita, é o fio que orienta Albert pelos labirintos de um cotidiano no qual o cérebro falha em lembrar do ontem e até mesmo de alguns minutos antes.

A velhice, para Albert, se manifesta primeiro por esses lapsos de memória. Mas logo ele terá de lidar com um dilema mais profundo: o que lembrar, o que esquecer. Sua mulher, Jeanne (Jane Fonda), de quem já falamos lá no início, teve câncer. No começo do filme, testemunhamos quando ela abre os exames na cozinha e descobre que a doença segue com ela e que não terá muito mais tempo de vida. Quanto tempo, nem ela nem ninguém pode saber.

Jeanne toma uma decisão ao rasgar os exames e enfiar os pedaços na lata de lixo. Escolhe, por amor, não contar a Albert da sua condição. Diz a ele que está curada. Quer viver seus últimos dias, semanas, meses sem que ele seja assombrado por sua morte. Sente-se assim menos assombrada por ela – e mais livre para planejar seu enterro, por exemplo, mais livre para escolher o pouco que pode escolher.

Mas, num dia em que Albert está sozinho em casa, o médico bate na porta à procura de Jeanne, que tinha se recusado a fazer a cirurgia proposta e sumido do consultório. Albert descobre naquele momento: 1) que a mulher vai morrer de câncer; 2) que ela decidiu não compartilhar essa informação com ele. É isso que ele registra em seu diário. E mais um pouco: “É um direito dela (viver sem lhe contar que em breve morrerá de câncer)”. No dia seguinte, enquanto espia ansioso pela janela se as crianças já estão vindo para o recreio, ele lê esse trecho no diário e tem um sobressalto.

Mais adiante, Albert e Jeanne já estão vivendo em comunidade quando ele abre – por engano? – o baú que pertence ao seu amigo Claude (Claude Rich). Já não há mais uma janela por onde espiar crianças brincando, mas há outras paisagens humanas e sentimentais. Albert sente-se desterrado, agora não apenas de sua memória, mas também de sua geografia física, na nova casa. Mas o que relembra todos os dias ao ler o diário faz com que compreenda que é preciso encontrar outros parceiros para encerrar a vida. Não os desconhecidos de um asilo de velhos, mas amigos de uma vida inteira. Gente capaz de reconhecer a geografia que é ele.

Claude é um fotógrafo solteirão e sedutor, o número ímpar da pequena comunidade. E Albert lê cartas destinadas a Claude, nas quais descobre que tanto Annie (Geraldine Chaplin) quanto Jeanne tiveram tórridos casos extraconjugais com o melhor amigo, 40 anos atrás. Albert registra sua descoberta na carta ininterrupta que escreve para si mesmo. E, ao reler o diário a cada manhã, relembra a traição que pode colocar em risco o delicado equilíbrio daquela comunidade construída sobre afeto, solidariedade e a necessidade de unir forças contra um mundo hostil à velhice.

Albert depara-se com uma questão muito mais profunda do que os esquecimentos involuntários causados pela velhice. Ele precisa agora enfrentar a memória como escolha. A cada manhã, ele sobressalta-se primeiro com a notícia de que a mulher tem um câncer que a levará à morte próxima. Em seguida, com a descoberta de que ela o traiu com o melhor amigo 40 anos atrás. O que fazer agora que a velhice lhe deu a possibilidade de escolher o que lembrar e o que esquecer?

A escolha de Albert é um ato completo de amor. Ele decide sofrer a cada dia – e dia após dia – o impacto da notícia de que Jeanne tem um câncer e que vai morrer em breve. Apesar de ser talvez a notícia mais brutal de uma existência inteira, é a forma que ele encontra de estar com ela, de não deixá-la sozinha nesse momento, de viver essa dor junto com a mulher que ama, mesmo que ela nunca saiba disso. Escolher lembrar quando podia simplesmente esquecer é a forma que Albert encontra de amar Jeanne mais e melhor – até o fim.

Se escolhe lembrar a doença e a morte de Jeanne, Albert escolhe esquecer a traição de Jeanne. Depois de dar muitas voltas na casa e em si mesmo, ele rasga a página do diário na qual relata a descoberta, a amassa e a guarda no bolso. Antes, porém, conta a Jean que ele também tinha sido traído pela própria mulher e pelo melhor amigo. Assim, Albert lega a Jean uma memória que o amigo pode superar, mas não esquecer. Albert pode ter feito isso tanto por sentimento de lealdade quanto pelo sentimento de vingança, na medida em que o temperamento explosivo de Jean é bem conhecido. Ou ainda por acreditar que Jean tem o direito de decidir por si mesmo como quer lidar com essa memória. Mas ele, Albert, escolhe esquecer. E este, ainda que de uma forma mais tortuosa, é um ato de amor tanto pela mulher quanto pelo amigo.

Viver, não apenas para os velhos, é uma constante escolha entre o que lembrar e o que esquecer. Ainda que para isso a maioria de nós tenha de travar um embate feroz com seus fantasmas antes de conseguir arrancar uma página espinhosa. Alguns envenenam a própria vida ao fixar-se numa lembrança mais letal que cianureto, condenando-se a um eterno presente congelado, o que é um tipo de morte. E outros perdem essa mesma vida ao transformá-la na fuga incessante de algo que só poderão esquecer se primeiro tiverem lembrado e enfrentado como lembrança.

Ainda que nossas escolhas em torno da memória sejam não mais difíceis do que a de Albert, mas seguramente mais demoradas, nossa existência é determinada por elas. Tanto na esfera pessoal quanto na pública. É uma escolha na esfera pública a decisão de o que fazer com a memória que está em jogo na Comissão Nacional da Verdade, por exemplo, ao apurar os crimes da ditadura. E nesta, em minha opinião, é preciso lembrar – com todas as consequências implicadas nesse gesto – para que o país possa seguir adiante.

Assim como é uma escolha na esfera pessoal o lugar e o tamanho que cada um dá a uma determinada experiência nos muitos mal entendidos entre pais e filhos. É por preferir seguir lembrando uma ausência, uma humilhação ou um equívoco, dia após dia como se fosse o primeiro, em vez de lidar, transformar em marca e então esquecer – ou pelo menos dar à experiência um lugar e um tamanho mais compatíveis com o movimento da vida – que muitos chegam ao amanhã apenas no calendário, mas morrem com as unhas cravadas no ontem.

Como nos mostra Albert, escolher o que lembrar e o que esquecer é também um ato de amor. E nunca é um ato fácil, como não é fácil o amor.

É também um ato de amor a magistral cena final desse filme. E esta eu não vou contar mesmo para quem já viu. Nela, Albert faz, mais uma vez, uma escolha profunda em torno da memória. E são os amigos que provam saber amar ao não apenas acolherem, mas embarcarem na sua escolha. Fazem isso porque compreendem que a vida contém proporções talvez equivalentes de realidade e de delírio, mesmo quando a gente finge não saber disso. E que amar é, às vezes, lembrar de esquecer.

Quem perde sai da frente - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA


Uma das virtudes da democracia americana é o gatilho que manda para a aposentadoria os aspirantes a presidente derrotados nas urnas. Nesta eleição, estava em jogo quem ganhava e quem ia para o asilo dos aposentados. Obama ganhou e continua por mais quatro anos; Romney vai para o asilo. Tem sido sempre assim. Nos Estados Unidos tem fila, e ela é respeitada. Quem perde eleição sai da frente, e abre vaga para a próxima safra de presidenciáveis. Graças a esse ritual, os dois grandes partidos têm seus quadros permanentemente renovados. Evita-se o fenômeno do entupimento no topo que, no Brasil, é causa de envelhecimento, desgaste e eventualmente morte dos partidos.

O asilo abriga numerosa população. Jimmy Carter perdeu a reeleição para Ronald Reagan, em 1980, e sobrou-lhe como consolo continuar, em nome de entidades privadas, sua digna e profícua campanha pelos direitos humanos ao redor do mundo. Não há donos, nos partidos americanos. Mesmo quem já foi presidente, como Carter, uma vez destronado, não tem mais vez nos quadros competitivos do partido. Os democratas Walter Mondale e Michael Dukakis perderam as eleições seguintes – 1984 e 1988 – para os republicanos Reagan e George Bush (o primeiro) e adeus. Mondale ainda foi agraciado, na presidência de Bill Clinton, com o cargo de embaixador no Japão; a Dukakis coube contentar-se com atividades na empresa privada e no magistério. O primeiro Bush perdeu a reeleição para Clinton e passou à doméstica função de pai de um futuro presidente. Dos derrotados seguintes, o republicano Bob Dole foi para a empresa privada e o democrata Al Gore virou profeta do meio ambiente, enquanto os senadores John Kerry (democrata) e John McCain (republicano) pelo menos tiveram a sorte de continuar no Senado.

Nem sempre foi assim. O republicano Richard Nixon perdeu a eleição para John Kennedy, em 1960, e ganhou uma segunda chance em 1968, quando se elegeu. De lá para cá, firmou-se, nos dois partidos, a regra não escrita da chance única. O arejamento dos partidos se completa com o dispositivo constitucional que proíbe mais de uma reeleição, mandando para a compulsória o presidente que cumpriu dois mandatos. Bill Clinton tinha apenas 54 anos ao fim do segundo mandato. Estava em boa forma física e no auge da capacidade intelectual e da experiência. No entanto, não valia mais nada, em termos de pretensão presidencial. Restaram-lhe (coitado) o patrocínio dos estudos, pesquisas e benemerências de seu milionário instituto e as conferências pelas quais cobra um milionário cachê.

Obama terá 55 anos e, presumivelmente, a mesma boa forma física e intelectual ao fim do mandato que acaba de garantir. Cairá igualmente na compulsória. Por isso, a nostalgia já pairava no ar, em seus últimos dias de campanha. Sabia que se engajava nessa atividade pela última vez na vida. Ao contrário, no Brasil, o presidente que deixa o cargo bem avaliado converte-se em fantasma a assombrar os demais pretendentes com a sempre presente ameaça da volta. É o que ocorre hoje com Lula, e o que ocorreu no passado com Getúlio e com JK.

O gatilho das aposentadorias é um dos fatores da vitalidade desse primordial aspecto da democracia americana que é a eleição presidencial. Pouco se fala nele, mas, somado ao bipartidarismo e às eleições primárias, constitui-se no segredo do sucesso. Como é da tradição anglo-saxã, resulta da conjunção entre a lei e o costume. A Constituição faz sua parte proibindo mais que dois mandatos ao presidente; o costume faz o resto, remetendo para a aposentadoria os pretendentes malsucedidos nas urnas. No Brasil, dão as cartas as figuras do líder populista, do cacique ou da prima-dona dos partidos. São, todos, tipos sem prazo de validade. Conspiram por isso contra a renovação e, em consequência, contra a saúde da instituição partido político. E tudo o que conspira contra a instituição partido político conspira contra a democracia.

As musas das letras clássicas falharam miseravelmente ao colunista, no último texto. É verba volant; não verbi volent, estúpido! E é quod non est in actis non est in mundo, e não mundus. Há ainda gente com o latim em dia no Brasil. E vigilantes. Eles se apressaram a apresentar as correções que ficam agora registradas.

A saída é a infraestrutura, mas... - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


Acumulam-se sinais de perda de dinamismo da economia. O crescimento da era Lula, de 4,1 % em média, com o pico de 7,5% em 2010, não volta tão cedo. Culpa-se a crise mundial, o que não tem cabimento. O Chile, a Colômbia e o Peru, no mesmo planeta e também exportadores de com-modities, crescem duas a três vezes mais rápido do que o Brasil. A diferença se explica pela produtividade, maior entre eles. O Brasil começa a pagar o preço da quase paralisia nas reformas estruturais.

O crescimento decorre de três causas: a expansão do investimento (capital), a incorporação de mão de obra e a produtividade. Essa última reflete a forma como as duas outras se combinam na produção de bens e serviços. A produtividade — que também determina a competitividade — resulta do avanço tecnológico e da eficiência. No longo prazo, a produtividade é o principal motor. Antes da crise, ela explicava 80% do crescimento da economia americana.

Poderíamos crescer mais elevando o investimento, ora em 19% do PIB (49% do PIB na China e perto de 25% do PIB nos países sul-americanos citados). Seria preciso ampliar muito a poupança doméstica, o que é impossível nos próximos anos. Recorrer à poupança externa, como já o fazemos, tem limites. Tampouco há sobra de trabalhadores. Resta elevar a produtividade.

Vejamos as fontes da produtividade. Progresso técnico leva tempo. Poderíamos queimar etapas abrindo mais a economia, porém o governo caminha na direção oposta. Ampliar a produtividade da mão de obra requer dotá-la de maior qualificação, mas isso depende da educação. Mesmo que ocorresse uma revolução, melhorias na educação levam vinte ou mais anos para dar resultados. As empresas podem aumentar a eficiência, mas a carga tributária vai continuar confusa e custosa. O mesmo se dirá da anacrônica legislação trabalhista.

A única alternativa no curto prazo seria direcionar investimentos para a infraestrutura, fundamental para melhorar a logística de transportes. O Brasil investia mais de 5% do PIB no setor nos anos 1970. Hoje, mal chega a 2% do PIB. Daí as estradas esburacadas, os aeroportos congestionados, a ineficiência nas ferrovias e a incrível demora em atracar um navio nos portos importantes.

Vários estudos evidenciam a importância decisiva da infraestrutura, por seu efeito na produtividade e nos níveis de bem-estar. Com transportes mais eficientes, por exemplo, o custo de produção e comercialização cai, os aeroportos funcionam, a segurança e o conforto das viagens aumentam, as estradas matam menos e as empresas não esperam meses para receber mercadorias nos portos. O país cresce mais. No Brasil, a perda da capacidade de investir do setor público recomenda recorrer ao setor privado. Incrivelmente, isso não foi considerado na maior parte do governo Lula, embotado pela pueril ideologia antiprivatização.

Dilma percebeu a realidade, mas não se livrou totalmente da ideologia. Na privatização dos aeroportos, manteve a Infraero como sócia, uma lógica estatista sem sentido. Nas estradas, adota-se uma suposta esperteza política: provar que a privatização petista é melhor para o povo do que a tucana. Por isso, Dilma aferra-se ao modelo de modicidade tarifária para definir a concessão de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Além de mito, esse modelo exacerba comportamentos oportunistas . Termina saindo mais caro. A presidente poderia averiguar por que as dez melhores estradas do Brasil estão em São Paulo, todas privatizadas pelos tucanos.

Com a retomada dos leilões, surgiram novos estudos sobre as vantagens da concessão de serviços de infraestrutura. Um dos melhores, de Raul Velloso, César Mattos, Marcos Mendes e Paulo de Freitas (“Infraestrutura: os caminhos para sair do buraco"’), mostrou as deficiências do modelo recentemente adotado e sugeriu mudanças para reduzir desperdícios e melhorar a eficiência dos respectivos investimentos.

Dilma corre o risco de desperdiçar parte de sua louvável iniciativa. Para evitar que os ganhos de produtividade sejam inferiores, é preciso outro passo essencial: livrar-se de vez da ideologia. A presidente pode marcar o seu governo por uma guinada na infraestrutura. Depende apenas dela.

Parada gay, cabra e espinafre - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA


Já deveria ter ficado para trás no Brasil a época em que ser homossexual era um problema. Não é mais o problema que era. com certeza, mas a verdade é que todo o esforço feito há anos para reduzir o homossexualismo a sua verdadeira natureza - uma questão estritamente pessoal - não vem tendo o sucesso esperado. Na vida política, e só para ficar num caso recente, a rejeição ao homossexualismo pela maioria do eleitorado continua sendo considerada um valor decisivo nas campanhas eleitorais. Ainda agora, na eleição municipal de São Paulo, houve muito ruído em torno do infeliz "kit gay" que o Ministério da Educação inventou e logo desinventou, tempos atrás, para sugerir aos estudantes que a atração afetiva por pessoas do mesmo sexo é a coisa mais natural do mundo. Não deu certo, no caso, porque o ex-ministro Fernando Haddad, o homem associado ao "kit", acabou ganhando - assim como não tinha dado certo na eleição * anterior, quando a candidata Marta Suplicy (curiosamente, uma das campeãs da "causa gay" no país) fez insinuações agressivas quanto à masculinidade do seu adversário Gilberto Kassab e foi derrotada por ele. Mas aí é que está: apesar de sua aparente ineficácia como caça-votos, dizer que alguém é gay, ou apenas pró-gay. ainda é uma "acusação". Pode equivaler a um insulto grave - e provocar uma denúncia por injúria, crime previsto no artigo 140 do Código Penal Brasileiro. Nos cultos religiosos, o homossexualismo continua sendo denunciado como infração gravíssima. Para a maioria das famílias brasileiras, ter filhos ou filhas gay é um desastre - não do tamanho que já foi, mas um drama do mesmo jeito.

Por que o empenho para eliminar a antipatia social em torno do homossexualismo rateia tanto assim? O mais provável é que esteja sendo aplicada aqui a Lei das Consequências Indesejadas, segundo a qual ações feitas em busca de um determinado objetivo podem produzir resultados que ninguém queria obter, nem imaginava que pudessem ser obtidos. É a velha história do Projeto Apollo. Foi feito para levar o homem à Lua; acabou levando à descoberta da frigideira Tefal. A Lei das Consequências Indesejadas pode ser do bem ou do mal. É do bem quando os tais resultados que ninguém esperava são coisas boas. como aconteceu no Projeto Apollo: o objetivo de colocar o homem na Lua foi alcançado - e ainda rendeu uma bela frigideira, além de conduzir a um monte de outras invenções provavelmente mais úteis que a própria viagem até lá. É do mal quando os efeitos não previstos são o contrário daquilo que se pretendia obter. No caso das atuais cruzadas em favor do estilo de vida gay, parece estar acontecendo mais o mal do que o bem. Em vez de gerar a paz, todo esse movimento ajuda a manter viva a animosidade: divide, quando deveria unir. O kit gay, por exemplo, pretendia ser um convite à harmonia - mas acabou ficando com toda a cara de ser um incentivo ao homossexualismo, e só gerou reprovação. O fato é que, de tanto insistirem que os homossexuais devem ser tratados como uma categoria diferente de cidadãos, merecedora de mais e mais direitos, ou como uma espécie ameaçada, a ser protegida por uma coleção cada vez maior de leis. os patronos da causa gay tropeçam frequentemente na lógica- e se afastam, com isso. do seu objetivo central.

O primeiro problema sério quando se fala em "comunidade gay"é que a "comunidade gay" não existe - e também não existem, em consequência, o "movimento gay" ou suas "lideranças". Como o restante da humanidade, os homossexuais, antes de qualquer outra coisa, são indivíduos. Têm opiniões, valores e personalidades diferentes. Adotam posições opostas em política, religião ou questões éticas. Votam em candidatos que se opõem. Podem ser a favor ou contra a pena de morte, as pesquisas com células-tronco ou a legalização do suicídio assistido. Aprovam ou desaprovam greves, o voto obrigatório ou o novo Código Florestal - e por aí se vai. Então por que, sendo tão distintos entre si próprios, deveriam ser tratados como um bloco só? Na verdade, a única coisa que têm em comum são suas preferências sexuais - mas isso não é suficiente para transformá-los num conjunto isolado na sociedade, da mesma forma como não vem ao caso falar em "comunidade heterossexual" para agrupar os indivíduos que preferem se unir a pessoas do sexo oposto. A tendência a olharem para si mesmos como uma classe à parte, na verdade, vai na direção exatamente contrária à sua principal aspiração - a de serem cidadãos idênticos a todos os demais.

Outra tentativa de considerar os gays como um grupo de pessoas especiais é a postura de seus porta-vozes quanto ao problema da violência. Imaginam-se mais vitimados pelo crime do que o resto da população; já se ouviu falar em "holocausto" para descrever a sua situação. Pelos últimos números disponíveis, entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em 2010 no Brasil. Mas. num país onde se cometem 50 000 homicídios por ano, parece claro que o problema não é a violência contra os gays; é a violência contra todos. Os homossexuais são vítimas de arrastões em prédios de apartamentos, sofrem sequestros-relâmpago, são assaltados nas ruas e podem ser monos com um tiro na cabeça se fizerem o gesto errado na hora do assalto - exatamente como ocorre a cada dia com os heterossexuais; o drama real, para todos, está no fato de viverem no Brasil. E as agressões gratuitas praticadas contra gays? Não há o menor sinal de que a imensa maioria da população aprove, e muito menos cometa, esses crimes; são fruto exclusivo da ação de delinquentes, não da sociedade brasileira.

Não há proveito algum para os homossexuais, igualmente, na facilidade cada vez maior com que se utiliza a palavra "homofobia"; em vez de significar apenas a raiva maligna diante do homossexualismo, como deveria, passou a designar com frequência tudo o que não agrada a entidades ou militantes da "causa gay". Ainda no mês de junho, na última Parada Gay de São Paulo, os organizadores disseram que "4 milhões" de pessoas tinham participado da marcha - já o instituto de pesquisas Datafolha, utilizando técnicas específicas para esse tipo de medição, apurou que o comparecimento real foi de 270000 manifestantes, e que apenas 65000 fizeram o percurso do começo ao fim. A Folha de S.Paulo, que publicou a informação, foi chamada de "homofóbica". Alegou-se que o número verdadeiro não poderia ter sido divulgado, para não "estimular o preconceito"- mas com isso só se estimula a mentira. Qualquer artigo na imprensa que critique o homossexualismo é considerado "homofóbico"; insiste-se que sua publicação não deve ser protegida pela liberdade de expressão, pois "pregar o ódio é crime". Mas se alguém diz que não gosta de gays, ou algo parecido, não está praticando crime algum - a lei. afinal, não obriga nenhum cidadão a gostar de homossexuais, ou de espinafre, ou de seja lá o que for. Na verdade, não obriga ninguém a gostar de ninguém; apenas exige que todos respeitem os direitos de todos.

Há mais prejuízo que lucro, também, nas campanhas contra preconceitos imaginários e por direitos duvidosos. Homossexuais se consideram discriminados, por exemplo, por não poder doar sangue. Mas a doação de sangue não é um direito ilimitado - também são proibidas de doar pessoas com mais de 65 anos ou que tenham uma história clínica de diabetes, hepatite ou cardiopatias. O mesmo acontece em relação ao casamento, um direito que tem limites muito claros. O primeiro deles é que o casamento, por lei, é a união entre um homem e uma mulher; não pode ser outra coisa. Pessoas do mesmo sexo podem viver livremente como casais, pelo tempo e nas condições que quiserem. Podem apresentar-se na sociedade como casados, celebrar bodas em público e manter uma vida matrimonial. Mas a sua ligação não é um casamento - não gera filhos, nem uma família, nem laços de parentesco. Há outros limites, bem óbvios. Um homem também não pode se casar com uma cabra, por exemplo; pode até ter uma relação estável com ela, mas não pode se casar. Não pode se casar com a própria mãe. ou com uma irmã. filha, ou neta, e vice-versa. Não poder se casar com uma menor de 16 anos sem autorização dos pais. e se fizer sexo com uma menor de 14 anos estará cometendo um crime. Ninguém, nem os gays, acha que qualquer proibição dessas é um preconceito. Que discriminação haveria contra eles. então, se o casamento tem restrições para todos? Argumenta-se que o casamento gay serviria para garantir direitos de herança - mas não parece claro como poderiam ser criadas garantias que já existem. Homossexuais podem perfeitamente doar em testamento 50% dos seus bens a quem quiserem. Tem de respeitar a "legítima"", que assegura a outra metade aos herdeiros naturais - mas essa obrigação é exatamente a mesma para qualquer cidadão brasileiro. Se não tiverem herdeiros protegidos pela "legítima", poderão doar livremente 100% de seu patrimônio - ao parceiro, à Santa Casa de Misericórdia ou à Igreja do Evangelho Quadrangular. E daí?

A mais nociva de todas essas exigências, porém, é o esforço para transformar a "homofobia" em crime, conforme se discute atualmente no Congresso. Não há um único delito contra homossexuais que já não seja punido pela legislação penal existente hoje no Brasil. Como a invenção de um novo crime poderia aumentar a segurança dos gays, num país onde 90% dos homicídios nem sequer chegam a ser julgados? A "criminalização da homofobia"é uma postura primitiva do ponto de vista jurídico, aleijada na lógica e impossível de ser executada na prática. Um crime, antes de mais nada. tem de ser "tipificado" - ou seja, tem de ser descrito de forma absolutamente clara. Não existe "mais ou menos" no direito penal; ou se diz precisamente o que é um crime, ou não há crime. O artigo 121 do Código Penal, para citar um caso clássico, diz o que é um homicídio: "Matar alguém". Como seria possível fazer algo parecido com a homofobia? Os principais defensores da "criminalização" já admitiram, por sinal, que pregar contra o homossexualismo nas igrejas não seria crime, para não baterem de frente com o princípio da liberdade religiosa. Dizem, apenas, que o delito estaria na promoção do "ódio". Mas o que seria essa ""promoção"? E como descrever em lei, claramente, um sentimento como o ódio?

Os gays já percorreram um imenso caminho para se libertar da selvageria com que foram tratados durante séculos e obter, enfim, os mesmos direitos dos demais cidadãos. Na iluminadíssima Inglaterra de 1895, o escritor Oscar Wilde purgou dois anos de trabalhos forçados por ser homossexual; sua vida e sua carreira foram destruídas. Na França de 1963, o cantor e compositor Charles Trenet foi condenado a um ano de prisão, pelo mesmo motivo. Nada lhe valeu ser um dos maiores nomes da música popular francesa, autor de mais de 1 000 canções, muitas delas obras imortais como Douce France - uma espécie de segundo hino nacional de seu país. Wilde, Trenet e tantos outros foram homens de sorte - antes, na Europa do Renascimento, da cultura e da civilização, homossexuais iam direto para as fogueiras da Santa Madre Igreja. Essas barbaridades não foram eliminadas com paradas gay ou projetos de lei contra a homofobia, e sim pelo avanço natural das sociedades no caminho da liberdade. É por conta desse progresso que os homossexuais não precisam mais levar uma vida de terror, escondendo sua identidade para conseguir trabalho, prover o seu sustento e escapar às formas mais brutais de chantagem, discriminação e agressão. É por isso que se tomou possível aos gays, no Brasil e no mundo de hoje, realizar o que para muitos é a maior e mais legítima ambição: a de serem julgados por seus méritos individuais, seja qual for a atividade que exerçam, e não por suas opções em matéria de sexo.

Perder o essencial de vista, e iludir-se com o secundário, raramente é uma boa ideia.


Por que prívatizar a Petrobras - RODRIGO CONSTANTINO

REVISTA ÉPOCA

Um novo livro a favor das privatizações mexe com um antigo tabu e defende que o melhor para o povo brasileiro é vender a estatal do petróleo

Nenhum outro setor da economia desperta tantas paixões e controvérsias quanto o do petróleo. A Petrobras é motivo de orgulho para muitos brasileiros - e pesquisas recentes mostram que quase 80% da população é contra a privatização da estatal que explora nosso "ouro negro". Em quase todos os debates, os argumentos são os mesmos: é preciso proteger nossas riquezas naturais, o governo precisa cuidar de um setor tão estratégico. "O petróleo é nosso", dizem os nacionalistas.

É claro que o petróleo é fundamental para a economia moderna. Ele é a energia que faz a roda da economia girar. Mas será que isso é suficiente para considerá- lo tão diferente assim dos demais produtos? Será que é uma justificativa para preservar uma estatal quase monopolista? Mais ainda: assumindo que o petróleo é mesmo especial e, portanto, estratégico, será que devemos manter um recurso tão importante sob os cuidados do Estado?

Ao contrário do que muita gente acredita, a privatização da Petrobras não apenas não faria mal algum ao país, como tornaria um setor estratégico mais eficiente e daria aos brasileiros o que eles merecem: a posse de suas riquezas naturais. Não vamos esquecer o alerta do economista americano Milton Friedman (1912-2006): "Se o governo assumisse a gestão do Deserto do Saara, em cinco anos faltaria areia por lá".

Nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo, houve um crescimento incrível do setor petrolífero a partir da competição de várias empresas privadas, desde a primeira prospecção feita por Edwin Drake, na Pensilvânia, em 1859. A Standard Oil, criada por John D. Rockfeller, maior empresário do ramo, era uma máquina de fazer dinheiro e gerar empregos. Seu grupo ficou tão grande que o governo americano decidiu fatiá-lo em 1911. Assim, surgiram as empresas que dominam até hoje essa área nos EUA. Elas concorrem em igualdade de condições com empresas estrangeiras como British Petroleum, Shell, Lukoil, a própria Petrobras e várias outras. O mercado funciona - e nenhum país considera o petróleo mais estratégico que os EUA.

No Brasil, o Estado nunca deixou o setor de petróleo funcionar livremente. Um dos pensadores brasileiros que mais lutaram contra o monopólio e o controle estatal da Petrobras foi o economista e ex-ministro Roberto Campos (1917-2001). Em sua autobiografia, A lanterna na popa, vemos sua batalha inglória para trazer mais racionalidade para o debate, contra grupos de interesse muito bem organizados e um nacionalismo ideológico mal calibrado.

Apelidado de Bob Fields por seus detratores, Campos nunca foi um "entre- guista" Ao contrário. Queria apenas a adoção de um modelo de exploração do petróleo que fosse mais vantajoso para os brasileiros. Para ele, deixar empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, competir no setor seria a melhor forma de beneficiar o próprio povo brasileiro. "Mais importante que as riquezas naturais são as riquezas artificiais da educação e da tecnologia", afirmava. Infelizmente, uma barreira ideológica impedia a escolha desse modelo. Como disse Campos, "os esquerdistas, contumazes idolatras do fracasso, recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos, e não pela clarividência do Estado".

No governo FHC, ocorreu uma profissionalização maior na Petrobras. Infelizmente, isso acabou com a chegada do PT ao poder, em 2003. Em vez de o governo manter um quadro mais técnico, políticos como José Dutra e Sérgio Gabrielli assumiram a presidência.

A presidente Dilma reverteu isso em parte, empossando Graça Foster no comando da estatal no início de 2012, mas os resultados ainda não se refletiram nos números da empresa. O crescimento da produção total de óleo e gás da Petrobras desde que o PT assumiu o governo, em 2003, foi medíocre. A empresa, em seus planos estratégicos de cinco anos, costuma prometer aos analistas um crescimento acima de 5% ao ano na produção. De janeiro de 2003 a janeiro de 2012, a produção cresceu somente 2,4% ao ano - um resultado lamentável. Só que, para chegar a esse resultado ainda medíocre, ela teve de investir cerca de R$ 100 bilhões apenas em exploração e produção. Alguém acha realmente que essa montanha de recursos em mãos privadas teria levado a um resultado pior?

Para agravar a situação, boa parte desse programa de investimento teve de ser financiada no mercado, aumentando o endividamento da empresa, pois a geração própria de caixa não era suficiente para viabilizá-lo. A Petrobras, que tinha R$ 26,7 bilhões de dívida líquida em 2007, acumulava um endividamento líquido superior a R$ 130 bilhões no fim do primeiro semestre de 2012 - um aumento de 400% em menos de cinco anos. Eis aí algo que cresce a taxas elevadas na Petrobras, ao contrário da produção. Isso mesmo depois do enorme aumento de capital que promoveu, de R$ 100 bilhões - uma operação no mínimo controversa, que diluiu a participação dos acionistas minoritários, na qual o governo usou até os ativos do Pré-sal da União para reforçar sua fatia na empresa.

Se comparada a seus pares internacionais, a rentabilidade da Petrobras nos últimos 12 meses está muito abaixo da média. Para ser mais exato, o retorno sobre o patrimônio líquido da "nossa" estatal foi um terço da média global do setor. E seu uso político custa cada vez mais aos milhões de investidores. No segundo trimestre de 2012, a Petrobras divulgou o primeiro prejuízo em 13 anos. Perdeu R$ 1,35 bilhão, fruto principalmente da enorme defasagem dos preços dos combustíveis e da alta do dólar em relação ao real. O fato de o preço do combustível não seguir as forças de mercado no Brasil representa enorme perda de eficiência do setor.

Em 2011, os cerca de 80 mil funcionários da estatal custaram para a empresa mais de R$ 18 bilhões. Isso dá uma média anual de custo acima de R$ 230 mil por empregado. Claro que há gente séria e qualificada ali, mas estes não teriam nada a perder com uma gestão privada focada no lucro. Ao contrário: como já cansamos de ver, os empregados mais eficientes que permanecem nas empresas privatizadas costumam melhorar bastante de vida. Naturalmente, a turma encostada e sem capacidade para ganhar o que ganha fica apavorada com a idéia de privatizar e colocar um fim na vida mansa. São esses que fazem de tudo para preservar o statu quo e a caixa-preta em torno da estatal.

Qualquer reformista encontrará enorme pressão dos grupos reacionários interessados em preservar privilégios e mamatas na Petrobras. Boa parte do próprio corpo de funcionários reagirá contra mudanças. O ex-ministro Antônio Dias Leite chegou a cunhar a expressão "República Independente da Petrobras" para se referir à estatal. São muitos bilhões em jogo e muito poder para o governo simplesmente focar na maior eficiência da empresa e nos interesses dos consumidores. Parece natural a luta permanente pela captura da empresa por feudos políticos.

A Petrossauro, como a chamava Roberto Campos, possui infindáveis tetas para atrair vários grupos de interesse distintos. Como se costuma dizer, o melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo bem administrada, e o segundo melhor negócio do mundo é uma empresa de petróleo mal administrada. Mesmo ineficiente e palco de abusos políticos, a Petrobras gera enorme quantidade de caixa, despertando o olho grande de muita gente, que passa a defender sua manutenção como estatal.

O fundo de pensão da Petrobras agradece, recebendo quantias relativas aos dividendos dos acionistas jamais vistas na esfera privada. Os membros poderosos dos sindicatos agradecem, protegendo seu emprego da livre concorrência. Os empresários corruptos agradecem, podendo fechar ótimos negócios com a estatal graças ao suborno, e não à eficiência de seus serviços e produtos. Silvinho "Land Rover" Pereira e outros tantos como ele estão aí como prova.

Artistas engajados que cedem à doutrinação ideológica comandada pelo governo também agradecem, pois recebem verbas para o avanço da "cultura nacional" sem qualquer critério de mercado, ou seja, de preferência dos consumidores. De 2008 a 2011, a estatal destinou a bagatela de R$ 652 milhões a patrocínios culturais. É uma montanha de dinheiro capaz de transformar o mais liberal dos artistas num ferrenho defensor da esta- tização. Bastou a nova gestão de Graça Foster dar sinais de que poderia cortar a verba cultural em 2012 que a reação foi imediata e estridente.

Os políticos regozijam-se também, podendo usar uma empresa gigantesca para leilão de votos e cabide de emprego. Como fica claro, toda uma cadeia da felicidade é alimentada pela Petrobras. No pôquer, há uma máxima que diz: "Se você está no jogo há 30 minutos e ainda não sabe quem é o pato, então você é o pato". Se você, estimado leitor, não faz parte dessa farra toda que mama nas tetas da Petrobras, pode estar certo de que faz parte do grupo dos que pagam a conta. Bem-vindo ao clube.

O governo ainda usa a empresa como instrumento de política econômica, mantendo os preços artificialmente baixos para não aumentar a inflação. Para piorar, aplica cota nacionalista na compra de insumos importantes, na tentativa de estimular a indústria nacional. O problema é que isso afeta o caixa da empresa. Como o programa de investimentos é enorme, a rentabilidade mais baixa destrói o valor da empresa, prejudicando seus milhões de acionistas. Numa nota em sua coluna de 15 de julho de 2012, o jornalista Ancelmo Gois, de O Globo, revelou: "Um ex-diretor da Petrobras diz que os R$ 360 milhões gastos com a P-59, na Bahia, dariam para comprar duas plataformas no exterior. O "Bolsa Navio" já tem dez anos. Ou seja, o tempo passa, o tempo voa, e nossa indústria naval nunca fica competitiva".

Resultado: a Petrobras foi o "patinho feio" da Bolsa nos últimos anos. Segundo consta no próprio relatório anual de 2011 da empresa, as ações da Petrobras tiveram queda de 15% nos últimos cinco anos, em comparação a uma alta de quase 30% no índice Bovespa, que reflete o desempenho das principais ações negociadas nos pregões. A Petrobras chegou inclusive a perder por alguns dias o posto de maior empresa latino-americana por valor de mercado para a colombiana Ecopetrol, bem menor que a estatal brasileira. Detalhe: o patrimônio da Ecopetrol é sete vezes menor que o da Petrobras. Como milhões de pequenos investidores tornaram-se acionistas da Petrobras por meio do FGTS no passado recente, o descaso e a incompetência das últimas gestões trouxeram perdas significativas para inúmeros brasileiros, inclusive de classes mais baixas, e também para os investidores estrangeiros que apostaram na empresa.

O valor de mercado da Petrobras oscila bastante e caiu muito nos últimos anos. Atualmente, ele está na faixa dos R$ 250 bilhões. A União é dona de quase metade do capital total, sem contar o BNDES. Mesmo considerando a perda de valor por causa da incompetência estatal, a Petrobras valeria uns R$ 120 bilhões para o povo brasileiro.

Isso daria quase R$ 10 mil para cada uma dos 13 milhões de famílias assistidas pelo Bolsa Família, por exemplo. Que tal doar ações da Petrobras para essa gente? Será que essas pessoas mais pobres preferem repetir que o petróleo é nosso, ou receber um título ou um cheque desse valor para fazer o que bem entender com os recursos?

Da próxima vez que o leitor escutar por aí que "o petróleo é nosso", talvez fique mais claro o que eles realmente querem dizer com isso. Sim, o petróleo é mesmo deles, e não seu ou meu. Talvez devêssemos sair às ruas gritando "o petróleo é vosso" e demandando nossa parte. Se o petróleo for de fato nosso, do povo brasileiro, então é simples resolver a questão: basta o Estado distribuir para cada brasileiro (ou para a faixa mais pobre) sua parte da empresa, por meio de vales ou ações. Cada um poderá, então, sentir-se efetivamente dono de um pedaço da Petrobras e fazer com sua parte o que lhe aprouver. Afinal, o petróleo é nosso ou não é?

Esse texto é um extrato do capítulo "O petróleo deve ser nosso" do livro Privatize já (editora Leya)

Razões irracionais - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA


Na ressaca do segundo turno das eleições municipais, os partidos se engalfinharam no terceiro turno, esse festival de argumentos fajutos e euforias artificiais. Se os dois primeiros turnos se resolveram pelo voto, o terceiro dá a impressão de ser um concurso de blefes e de bravatas: todo mundo diz que foi vencedor. Ninguém perdeu. Um ganhou terreno nas cidades com mais de 200 mil habitantes, outro conquistou o maior número de prefeituras de municípios interioranos, há também aquele que, embora tenha caído em relação às eleições passadas, conseguiu expandir a quantidade de vereadores. Os critérios se multiplicam numa escala surrealista, quase ao nível da comédia, e todos os partidos se sentem à vontade para comemorar. Aquele lá foi o que mais elegeu prefeitos de olhos azuis, enquanto o outro conquistou mais votos em cidades que têm nome de santo. O terceiro turno de 2012 não guarda nenhum compromisso com a lógica ou com a verdade. Tudo bem que cada um tenha lá sua razão, mas, quando analisadas em conjunto, quando confrontadas entre si, essas razões se mostram incongruentes, irracionais. A cada dia mais, os partidos políticos assumem a fala fácil dos vendedores de automóveis. Usados. A gente não tem como deixar de ouvir, mas vai aprendendo a duvidar.

Entre tantas alegações surrealistas desimportantes, que poderíamos dar de barato, deixar para lá, há argumentos que preocupam. A irracionalidade partidária, nesta nossa ressaca eleitoral, alcança temas de dimensão nacional e instaura uma confusão menos cômica e mais delicada. Os partidos se distanciam da própria coerência sem a menor cerimônia, tanto os governistas, o PT entre eles, como os que fazem oposição ao governo federal.

A incoerência dos petistas grita mais alto quando a ma­taria é mensalão. Uma, pelo menos uma, é bastante séria ™põe em risco a credibilidade da sigla. Pelo estatuto do Partido dos Trabalhadores, os réus condenados pelo crime de corrupção deveriam ser expulsos. O artigo 231 do es­tatuto, inciso XII, afirma, em seu linguajar bacharelesco, simplesmente o seguinte: “Dar-se-á a expulsão nos casos em que ocorrer condenação por crime infamante ou por práticas administrativas ilícitas, com sentença transitada em julgado”. Para que fique claro: a expressão “sentença transitada em julgado” significa decisão definitiva, que não admite mais nenhum recurso dentro do Poder Judiciário brasileiro. É exatamente esse o caso. Como o Supremo Tribunal Federal é a instância mais alta (suprema) do Poder Judiciário, o que ele decide está decidido, sem chances de apelação. Logo, o PT deveria cumprir seu estatuto e iniciar o processo de expulsão dos condenados. Até agora, não tomou nenhuma iniciativa para isso.

A indecisão faz sangrar a credibilidade do PT porque sugere que alguns dos militantes estão acima dos demais, acima do próprio estatuto do partido. O Código de Ética da legenda, outro documento oficial do PT, aprovado em 2009, condena expressamente a santificação de quem quer que seja: “No Partido dos Trabalhadores, ninguém poderá estar acima das exigências éticas e das decisões democrati­camente aprovadas pelas instâncias partidárias. Toda e qual­quer transgressão ética cometida por militantes, dirigentes, parlamentares e governantes petistas deve ser apurada e punida com rigor e transparência pelo próprio Partido”.

Portanto, para não escamotear um assunto tão grave com o expediente fá­cil das razões irracionais, ou bem o PT inicia o processo de expulsão dos con­denados ou muda suas normas internas. A sociedade merece o esclarecimento.

Não que a oposição seja melhor. Não é mesmo. O DEM e o PSDB incorrem em suas próprias razões irracionais quando se agarram às tenebrosas denúncias de Marcos Valério para propor novos inquéritos contra outros preten­sos integrantes do mensalão. Claro que a oposição tem o direito de sugerir o que quiser, mas, se é para levar a sério as alegações da defesa de Marcos Valério, deveria olhar também para o mensalão mineiro, vulgo mensalão tucano, já que o advogado de Valério, Marcelo Leonardo, declarou na semana passada que o Ministério Público Federal tratou com muito menos rigor o escândalo mineiro. Se achassem de verdade que a defesa de Valério merece crédito, DEM e PSDB defenderiam a apuração integral e imediata do mensalão tucano. Francamente, você acha que a oposição no Brasil teria grandeza para isso?

A razão irracional não se manca: ofende a inteligência e a consciência do público e acha que ninguém se dá conta.

Os ajustes necessários nos Estados Unidos e na China - PAULO GUEDES

REVISTA ÉPOCA


As eleições presidenciais americanas e a mudança de guarda na política chinesa são acompanhadas com enorme interesse em todo o mundo. Há importantes ajustes a realizar nessas economias que independem de correntes políticas eventualmente no poder. A melhor forma de entender a grande crise contemporânea é como a fase de correção de uma Era dos Excessos. Uma parada para conserto, um freio de arrumação.

Os democratas americanos pensam em aumentar impostos, e os republicanos em cortar gastos públicos. À frente de ambos está o "abismo fiscal". Terão de saltar sobre ele, restando apenas uma discussão dos meios de fazê-lo. A irresponsabilidade dos financistas e a cumplicidade das autoridades resultaram em bolhas em série, seguidas pelo Grande Resgate, a maior operação de socialização de perdas financeiras já ocorrida na história, que ainda será paga pelos contribuintes por décadas.

A mesma exigência de correção dos excessos se impõe à China. O Partido Comunista Chinês usou como alavanca de crescimento a integração competitiva do país à economia mundial. Os mercados globais foram o grande mecanismo de inserção social dos trabalhadores chineses. O extraordinário sucesso econômico permitiu que prosseguisse lentamente, em ritmo quase imperceptível, a abertura política. A taxa de poupança da China é extraordinariamente alta. Permite o financiamento de maciços investimentos públicos em infraestrutura. Permite também a geração de um excesso de oferta que transborda para os mercados globais por meio das exportações.

A contenção do consumo interno chinês permite que a produção local se destine à fabricação de máquinas, equipamentos, bens de capital, instalações industriais, bem como à construção de aeroportos,

A melhor forma de entender a atual crise é uma parada para conserto, uma freada de arrumação

ferrovias, portos, rodovias, usinas Hidrelétricas, linhas de transmissão e redes de distribuição de energia. O sucesso chinês baseou-se, portanto, na capacidade de um regime politicamente fechado implementar, por décadas, um vertiginoso ritmo de investimentos, gerando empregos e ampliando a produção em busca dos mercados globais.

A desaceleração da economia global e a guerra mundial por empregos revelam os limites da estratégia chinesa. O eixo de sustentação de sua economia terá de ser cada vez mais o consumo interno. A China terá de explorar as formidáveis dimensões de seu próprio mercado de consumo de massas. Terá de efetuar a difícil transição de uma plataforma de exportação, construída à base de um ritmo de investimento forçado, para uma dinâmica própria de crescimento, baseada num colossal mercado de consumo interno. A forte desaceleração do ritmo de crescimento chinês sob o impacto da crise global deverá se manter com a transição do modelo de "investimento forçado" para o modelo de "ampliação do consumo".

Enquanto a China deve ampliar seu consumo interno para gerar empregos, o Brasil tem de expandir investimentos para sustentar o crescimento. Curiosamente, o que há de excesso num país é o que falta no outro. O Brasil parece movido a consumo corrente, gastos públicos com pessoal e transferências de renda. Somos, por falta de investimentos, prisioneiros da armadilha social- democrata de baixo crescimento. O aumento de consumo à base de crédito e bolsas governamentais estimula expansões cíclicas de fôlego curto, mas não o crescimento econômico de longo prazo.

Os investimentos privados estiveram contidos por duas décadas de juros excessivamente elevados, baixas expectativas de crescimento e marcos regulatórios inadequados. Mesmo os investimentos governamentais em infraestrutura acabaram comprimidos a níveis irrisórios nos orçamentos públicos, pelas despesas com juros sobre a dívida, salários e aposentadorias do funcionalismo, subsídios e transferências de renda. Da mesma forma que a China precisa ampliar seu consumo interno, para compensar os efeitos da desaceleração econômica global sobre suas exportações e sua engrenagem de geração de empregos movida pelo comércio internacional, o Brasil tem de expandir seus investimentos em educação, infraestrutura e logística, para transformar uma expansão cíclica à base de crédito ao consumidor e transferências de renda num crescimento econômico sustentável.

Na América Latina, os países trilham caminhos diversos ante a grande crise contemporânea. De um lado, no cinturão do Pacífico, estão Chile, Peru, Colômbia e México. Transformando a crise em oportunidade, aprofundam reformas de modernização, mergulham suas economias nos mercados globais e se integram competitivamen- te à nova ordem mundial. De outro lado, estão Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina, na equivocada rota de sociedades política e economicamente fechadas. Do trágico peronismo do século XX ao socialismo bolivariano do século XXI, acumula-se a evidência empírica de um grande desastre causado por ideologias obsoletas.

Enquanto peronistas e bolivarianos retrocedem, capturados por uma inadequada visão de mundo, o Brasil segue devagar na direção certa. Democracia, ainda que emergente. Mercados, ainda que imperfeitos. Estado de direito, embora cego muitas vezes. Redes de solidariedade social, ainda que precárias. Imprensa livre, mesmo que entre a cenoura e o chicote dos poderes político e econômico. Moeda decente, apesar das indefinições dos regimes monetário e fiscal. Marcos regulatórios em construção, embora ainda instáveis.

Sob esse olhar, há uma dimensão histórica no julgamento do mensalão. O impeachment de Collor, há 20 anos, foi um momento de afirmação do Congresso, com a demarcação da independência do Poder Legislativo. Da mesma forma, os ministros do Supremo Tribunal Federal estão agora demarcando a independência do Poder Judiciário, pela condenação da compra de apoio parlamentar por representantes do Poder Executivo. Enquanto isso, seguimos em nossas rotineiras eleições municipais. Os países colhem prosperidade ou pobreza de acordo com as instituições que plantam. O Brasil prossegue na longa estrada de melhoria institucional que conduz à Grande Sociedade Aberta.

O que 20 anos fizeram com Zé Dirceu? - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA


No caso Collor, ele não poupava elogios à imprensa. Hoje, quer transformar os jornalistas em vilões


1992, texto escrito pelo deputado federal José Dirceu de Oliveira e Silva, membro da CPI de PC Farias, na orelha do livro Todos os sócios do presidente, dos jornalistas Gustavo Krieger, Luiz Antonio Novaes e Tales Faria:


“A Comissão Parlamentar de Inquérito do caso Paulo César Farias pertence ao país, particularmente à juventude. Não teria sido possível sem democracia. Pela primeira vez na história do Brasil, esse sentimento de revolta contra a impunidade encontrou eco no Parlamento e cresceu até tomar conta de todo o país. A CPI só saiu do papel graças à pressão da sociedade organizada e às denúncias da imprensa, que deram sustentação à luta quase quixotesca que parlamentares travavam contra a corrupção no governo federal. A CPI revelou que o chefe da corrupção era o próprio Collor, envolvido em fatos incompatíveis com o cargo de presidente da República, recebendo vantagens econômicas ao longo de seu mandato, para si e seus familiares, através do esquema criminoso de PC. Mais grave ainda é que tudo isto foi possível porque recebeu o apoio de grande parte do empresariado brasileiro, o que revela o grau de decomposição ética das elites brasileiras, acostumadas à impunidade e ao assalto aos cofres públicos. Por tudo isso, não basta a CPI, é preciso que seu espírito tome conta do país. A verdade é que nosso povo novamente está caminhando. Está tecendo o fio da história, retomando a luta por dignidade e justiça, pela cidadania”.


***

2012, texto no blog escrito pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, réu condenado no escândalo do mensalão por corrupção ativa e formação de quadrilha, obrigado a entregar seu passaporte. Dirceu foi incluído pelo STF no Sinpi (Sistema Nacional de Procurados e Impedidos): “A decisão do relator Joaquim Barbosa de apreender os passaportes é puro populismo jurídico e uma séria violação aos direitos dos réus ainda não condenados. (…) Os argumentos (de Barbosa) cerceiam a liberdade de expressão e são uma tentativa de constranger e censurar”.

***

Dirceu insiste que sua condenação foi baseada em indícios, diz que nunca fez parte nem chefiou quadrilha e que “as reuniões na Casa Civil com representantes de bancos e empresários são compatíveis com a função de ministro e, em momento algum, como atestam os testemunhos, foram o fórum para discutir empréstimos”. Diz que foi condenado como mentor de um esquema financeiro apenas “por ser ministro”.

Por que Lula se disse “traído” em 2005 e expulsou o tesoureiro Delúbio Soares? Lula se sentia traído por quem? Por seus companheiros? Que companheiros? Traído pela mídia, que saudou com orgulho a transição democrática de FHC para o primeiro operário presidente do Brasil? A mídia que publicou perfis laudatórios de Luiz Inácio Lula da Silva e torceu por uma política com ética e sem corrupção – a maior bandeira do PT, junto ao combate à fome e à miséria?E a imprensa brasileira, digna de elogios e salamaleques de Dirceu em 1992? Se, na visão do idealista Dirceu de 20 anos atrás, “a CPI só saiu do papel graças à pressão da sociedade organizada e às denúncias da imprensa”, por que hoje os jornalistas seriam os vilões da história? Por que Dirceu acusa a mídia de instigar o “clamor popular” pela condenação dos réus do mensalão? Por que Dirceu continua empenhado em defender a regulação da mídia como “uma das principais metas a ser conquistadas pelo Partido em 2013”?

Por que Dirceu foi o primeiro a deixar o ministério de Lula, dez dias depois de o mensalão ser denunciado pelo deputado Roberto Jefferson? Se era inocente, por que saiu, saiu por quê? Ao se despedir, disse que, na Câmara, poderia esclarecer as “denúncias infundadas” contra ele. Prometeu “percorrer o Brasil como militante dirigente para combater os que querem desestabilizar o governo Lula”. O governo que Dirceu chamou de “minha paixão e minha vida”.

“Tenho as mãos limpas. Sei lutar na planície e no Planalto. Não me considero fora do governo. Eu me considero parte integrante do governo.” Essas foram as palavras de Dirceu ao sair do gabinete há sete anos, abrindo o caminho para uma então improvável candidata à continuidade, Dilma Rousseff. Dirceu repetiria essas palavras hoje. Nisso, é coerente.

Se o PT, em seu estatuto, se compromete a expulsar os condenados por práticas ilícitas e improbidade administrativa – mas nada faz –, temos hoje no Brasil muito mais que um confuso cálculo de sentenças. Temos um impasse entre os Poderes Executivo e Judiciário: ou o governo expulsa Dirceu ou desafia o STF. Para o PT, o melhor seria Dirceu submergir em férias na Bahia, já que Caribe e Cuba estão fora de cogitação.

Reitores mandam no ensino médio - CLAUDIO DE MOURA CASTRO

REVISTA VEJA


"Mas, para implementar uma idéia que traz muitos avanços e poucos senões, será que não poderíamos contar com a ajuda dos reitores?"


Nosso ensino médio, após várias décadas de letargia, começa a ser visto como um pantanal de problemas e contradições. Aleluia! Trata-se de um ciclo copiado da França do pós-guerra, quando apenas 5% da faixa etária correspondente frequentava uma escola média. Lá, era para o topo da elite. Enquanto o médio brasileiro permanecia minúsculo e atendia, sobretudo, às ínfimas elites, mal e mal, os alunos davam conta do currículo enciclopédico. Mas nas últimas décadas explodiu a matrícula, o ensino ficou cada vez mais aguado e congestionaram-se os currículos e ementas. É o pior dos mundos: a escola ficou pior, os alunos são rapados do fundo do tacho e o currículo é para gênios. Vejamos as alternativas existentes, antes de inventar mais jabuticabas.


Copiar a high school americana significa oferecer centenas de disciplinas dentro de uma escola única, para onde acorrem todos os alunos. Diante desse cardápio, cada aluno constrói o seu currículo. A idéia não é economicamente viável no Brasil e anda na contramão da nossa cultura. A solução clássica européia é oferecer escolas de diferentes modelos, de acordo com o perfil e o gosto do aluno. Umas mais voltadas para preparar para o trabalho, outras para a universidade. E mais as soluções híbridas. Nossa esquerda engasga e protesta contra o elitismo de criar uma "escola de pobres" e uma "de ricos"- apesar de a Europa ser a região de menor desigualdade econômica e social. Independentemente do que possa vir à frente e com mais ambição, resta uma solução fácil e amplamente testada. Trata-se de voltar à idéia de um modelo parecido com o que tínhamos no tempo do clássico, científico e comércio. É algo similar ao modelo francês, oferecendo vários "sabores" de baccalauréat: humanidades, ciências biológicas, matemática, e assim por diante. A Argentina tem algo parecido.

Isso permite aos alunos estudar mais aquilo de que gostam ou o que querem, além de aliviar a avalanche curricular do presente. É uma solução simples, realista e próxima do que já tivemos. No nosso caso. como o Enem tem quatro disciplinas, seria óbvio pensar em quatro vertentes. Essa solução funciona, sem mudanças de currículo ou legislação. Mas ficaria ainda melhor se fosse possível desvencilhar-se dos currículos excessivos e impositivos. Se isso acontecer, poderão aparecer trajetos mais práticos, para quem não se interessa pelo superior e quer um programa em linha com seus planos de trabalho. As matérias do ensino técnico também podem substituir as do médio regular, fazendo com que tenha a mesma carga horária total. Contudo, os alunos que cursarem uma escola assim diversificada terão uma surpresa desagradável no vestibular das universidades públicas, pois estas consideram apenas as médias das quatro disciplinas testadas no Enem. Quem estudar em uma alternativa com pouca matemática - ou com pouco português - será severamente punido no processo de seleção. O vestibular presente estraçalha os sonhos de diversificação do médio - tal como existe em todos os países avançados.

Não é de hoje que os vestibulares das universidades públicas determinam o funcionamento das escolas de nível médio. De fato, essa proposta simples e exequível torna-se letra mona diante dos vestibulares que ponderam igualmente as médias das quatro disciplinas. Faz parte da solução ter vestibulares dando mais peso às disciplinas correspondentes à área escolhida pelo aluno. Se assim for, as escolas espontaneamente se bi- furcarão segundo os quatro grandes troncos. Contudo, as instituições de nível superior, mesmo as federais, têm todo o direito de determinar seus critérios de acesso. Em última análise, é uma reforma fácil, conveniente e bem testada. Só que não depende do ministro ou de secretários, mas das universidades públicas. São elas que mandam nos vestibulares. Mas, em se tratando de uma idéia que traz muitos avanços e poucos senões, será que não poderíamos contar com a ajuda dos reitores? Por outro lado, o MEC tem meios de persuadir as universidades a andar nessa direção.

Black power - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 12/11

Sábado, no Lisner Auditorium, da Universidade George Washington, perto da Casa Branca, Gilberto Gil abriu o show desejando muito sucesso ao “velho/novo” Obama.
Foi ovacionado e ganhou o público antes mesmo de desfiar seu repertório de sucessos nordestinos.

Segue...
O ator Lázaro Ramos, que filmou há quatro anos a posse de Obama, em Washington, também festejou a reeleição do presidente americano:
— Acho que se ele tivesse pego os EUA sem essa crise faria um belo governo. Esses novos quatro anos são uma oportunidade de fazer algo mais. Continuo na torcida.

Royalties
Não são só os EUA que estão ameaçados de um “abismo fiscal”. O Rio também, por causa desse risco de tunga dos royalties do petróleo. Aliás, na Secretaria de Fazenda do Rio já se estuda o fim do regime especial dado à Petrobras no governo Marcello Alencar.
Esse regime permite à petroleira concentrar todos os créditos de ICMS num só CGC.

Força, Niemeyer
Veja do que uma “barriga” (notícia falsa) é capaz. Sexta à noite, o show de Diogo Nogueira no Clube da Aeronáutica, no Rio, foi interrompido na metade para que o público, contrito, fizesse um minuto de silêncio pela “morte” de... Oscar Niemeyer, o genial arquiteto de 104 anos, que está no hospital. Era boato.

Esse cara sou eu
FH, 81 anos, cheio de amor pra dar, foi assistir ao show de Roberto Carlos no Ibirapuera, SP. Depois, comentou com um amigo:
— Ainda tem um pessoal por aí que insiste em envelhecer. 

Sobrou para Luciano
Gente do setor diz que Dilma, com a ideia de reduzir as tarifas de energia, vai acertar, por tabela, o caixa do BNDES, presidido por Luciano Coutinho.
É que o banco detém 22% do total de ações da Eletrobras, e o governo calculou indenizar a empresa em R$ 14 bi, apesar de o valor contábil ser de R$ 30 bi — ou seja, R$ 16 bi vão ficar na saudade.

E mais...
Dessa dinheirama que a Eletrobras vai perder com a redução da tarifa, R$ 3,5 bi são do BNDES. Sem contar, claro, a queda do lucro da elétrica com a diminuição da remuneração para operação e manutenção de usinas e linhas de transmissão.
O banco pode ter virado sócio de um mico preto.

Você mata o papai
O grupo Sorriso Maroto ainda colhe os frutos de “Assim você mata o papai”, tema de Leleco e Tessália em “Avenida Brasil”.
Seu CD/DVD de 15 anos de carreira atingiu a marca de cem mil cópias, ficando entre os três mais do Brasil.
Agora, o grupo emplaca “E ‘nóis’ fazer parapapá”, em parceria com Michel Teló, na novela “Salve Jorge”.

O LIXO NO SUBSOLO
O novo secretário de Conservação do Rio, Marcus Belchior, está disposto a acabar com aquela incômoda cena noturna de sacos e mais sacos de lixo amontoados nas ruas do Centro do Rio. É que muitos comerciantes colocam aqueles sacões pretos nas calçadas após o expediente, à espera da Comlurb. A ideia inicial da prefeitura é aproveitar o projeto que a concessionária Porto Novo desenvolve na Zona Portuária do Rio, veja acima, onde as lixeiras são subterrâneas. “Queremos que essas lixeiras tenham compactadores de lixo, o que permite um armazenamento maior. Estamos procurando soluções até fora do país”, conta Belchior. Vamos torcer, vamos cobrar 

Choque de ordem
Mendigo, só com licença dada pela polícia. Quem vendesse objetos falsos por verdadeiros seria preso e era proibido ter cachorro em casa sem matrícula.
Essas foram algumas das posturas municipais que o Rio teve nos últimos 180 anos.
Para comemorar seus 120 anos, o Arquivo Geral da Cidade vai compartilhar esse tesouro na internet.

Segue...
O acervo, que inclui esta foto do bode com o cachorrinho, de Augusto Malta, tem edições de 1854, 1889 e 1928, das décadas de 1970 e 1980, até os dias atuais.

Eleição na Mangueira
O juiz Rossidélio Lopes da Fonte, da 36ª Vara Cível do Rio, marcou para uma semana depois do carnaval a eleição na Mangueira — que, como se sabe, está em intervenção por causa da confusão no processo de sucessão do presidente Ivo Meirelles.
O colégio eleitoral será o de 2006, com 4.000 votantes, em vez dos 800 que Meirelles pretendia. O juiz determinou o início do processo eleitoral para dia 24 agora.

Carnaval 2013
A Banda de Ipanema vai homenagear no carnaval de 2013 alguns brasileiros centenários: Ciro Monteiro, Rubem Braga, Jamelão, Wilson Batista e Paulo Tapajós.
Homenageará também o Jongo da Serrinha.

O orçamento e as tragédias climáticas - GIL CASTELLO BRANCO

O Estado de S. Paulo - 12/11


No Brasil, o primeiro homem público que demonstrou preocupação com os fatores climáticos foi d. Pedro II, quando prometeu: "Venderei até o último brilhante da minha coroa para acabar com a seca no Nordeste". A coroa intacta, com todos os brilhantes, está exposta no Museu Imperial de Petrópolis e milhares de nordestinos, ao longo de 150 anos, foram sepultados em seus Estados.

Desde o Império, portanto, a natureza anda de mãos dadas com a falta de planejamento e a debilidade do Estado nas esferas municipal, estadual e federal. No caso das inundações e dos desabamentos, a raiz do problema é a questão habitacional. Por muitos anos, o financiamento da casa própria atendeu somente as classes mais favorecidas. Em razão da inflação e dos juros elevados, a correção das prestações superava os reajustes salariais, inviabilizando as operações, notadamente para as famílias de baixa renda. Surgiram, assim, as ocupações precárias e as invasões, sob a vista grossa dos governantes.

Diante do caos consumado, as tragédias vêm com aviso prévio. As enchentes, por exemplo, estão no calendário nacional entre o Natal e o carnaval. Todos conhecem os Estados, as cidades e até as áreas de risco onde os eventos historicamente acontecem, mas o poder público é omisso em relação à atuação preventiva.

De 2000 a 2011, o Ministério da Integração Nacional - onde está alocada a Secretaria Nacional da Defesa Civil - aplicou RS 7,3 bilhões na "resposta aos desastres e reconstrução" e apenas RS 697,8 milhões na "prevenção e preparação para desastres". No ano passado, da mesma forma, foram gastos quase sete vezes mais em "resposta"às catástrofes do que em medidas que poderiam minimizar os seus efeitos. Além disso, nos últimos 12 anos, de cada RS s do Orçamento da União para evitar calamidades naturais, somente RS 1,22 foi efetivamente investido.

Para acentuar o rol de absurdos, em 2010, dos RS 167,5 miIhões aplicados em prevenção, 50,5% foram utilizados na Bahia, terra natal do ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima. O Tribunal de Contas da União (TCU) questionou a distribuição de recursos e recebeu a informação de que a Bahia havia apresentado maior quantidade de projetos bem elaborados. Será que projetos dessa natureza são como o acarajé, que ninguém faz como os baianos?

No ano passado, sob nova direção, o Ministério da Integração destinou cerca de 90% dos recursos do programa de prevenção a Pernambuco. Embora a finalidade tenha sido a construção de duas barragens, uma vez mais foram questionados os critérios de distribuição estadual das verbas. A discussão acabou em frevo.

Em 2012, além dos programas de prevenção e resposta que já existiam - e permanecem neste ano -, foi criada outra rubrica com o nome de "Gestão de Riscos e Respostas a Desastres", envolvendo pelo menos seis ministérios. A dotação autorizada neste exercício para os três programas, nas várias pastas, é de RS 44 bilhões. No entanto a dois meses do fim do ano, nem sequer a metade dos recursos foi empenhada (reservada para pagamento futuro). Até 7 de novembro, apenas RS 2 bilhões foram comprometidos e somente RS 1,3 bilhão foi efetivamente pago, incluindo os restos a pagar de anos anteriores. Algumas ações aparentemente importantes apresentam execução orçamentária pífia.

No Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a ação de "Implantação do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais" tem RS 90,5 milhões autorizados, mas apenas RS 867.427,50 (1%) foram empenhados. No Ministério das Cidades, dos RS 404,7 milhões destinados ao "Apoio ao Planejamento e Execução de Obras de Contenção de Encostas em Áreas Urbanas", somente 20% foram empenhados até a semana passada. Diversas outras ações estão mal executadas, o que é preocupante tendo em vista a proximidade do verão.

Por outro lado, o Nordeste vivência a pior seca dos últimos 80 anos. O cenário é desolador, com escassez de água, animais morrendo, fome e miséria. O governo segue o ritual. Repassou recursos para as áreas atingidas, prorrogou a bolsa-estiagem e autorizou o pagamento de duas parcelas do seguro-safra. Anunciou, ainda, o aumento do número de carros- pipa e a venda de milho subsidiado para a alimentação de animais. Em síntese, combate a febre sem eliminar a doença.

A seca no Nordeste brasileiro é um problema crônico e secular, que exige providências definitivas de longo alcance, como obras que ampliem a estrutura hídrica e a distribuição de água. A transposição do Rio São Francisco, discutida desde o Império, só foi realmente iniciada em julho de 2007. No entanto, mais de quatro meses depois da inauguração do primeiro trecho, em junho de 2012, nenhuma gota d"água do Velho Chico chegou aos moradores da região de Cabrobó, em Pernambuco. O canal com pouco

mais de 2 km já esta pronto, mas faltam uma estação de bombeamento e uma ponte, que nem começou a ser construída.

Além da necessidade de agilizar as obras de infraestrutura, o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil precisa ser aprimorado. Na verdade, a Defesa Civil, criada na 2. a Guerra Mundial, até hoje não encontrou a sua identidade. Em alguns Estados, está vinculada à Casa Militar do Governador; em outros, ao Corpo de Bombeiros. Também é possível encontrá-la subordinada a secretarias da área social. A coordenação é exercida tanto por civis como por militares, sem que existam carreiras específicas.

Assim, tanto nas enchentes quanto nas secas, é preciso que seja intensificada a prevenção dos desastres naturais, aprimorando a gestão e ampliando os valores aplicados, mesmo que, para isso.seja necessário vender os brilhantes da coroa de d. Pedro II.

Euro tem futuro duvidoso - FLOYD NORRIS

FOLHA DE SP - 12/11


Para alguns países, a recuperação pode ser dolorosa


Há poucos meses, a crise do euro estava nas manchetes. Temia-se que a moeda única fosse desmoronar, que o sul da Europa quebrasse por ser incapaz de contrair empréstimos a juros razoáveis, que houvesse uma recessão mundial.

Agora, num grau surpreendente, parece haver a percepção de que a situação europeia está controlada. Isso é verdade se a única preocupação for com o pagamento das dívidas. Mas é falso se você adotar uma perspectiva mais ampla.

O Banco Central Europeu tem poderes para emitir dinheiro, e foi isso que ele afinal fez. Mas, na verdade, a questão era -e continua sendo- se os países periféricos podem se transformar em economias de sucesso permanecendo na zona do euro.

"As ações do BCE e de outros formuladores de políticas na Europa tiveram, em geral, o efeito de preencher grandes lacunas financeiras no financiamento soberano e na banca da periferia", escreveu recentemente Bob Prince, da Bridgewater Associates. "Mas essas ações fizeram relativamente pouco para resolver os desequilíbrios competitivos entre essas economias."

Os bancos hesitam em conceder empréstimos.

O relatório do BCE sobre o crédito, em setembro, mostrou um declínio recorde de 1,4% em relação ao ano anterior nos empréstimos com saldo devedor entre empresas privadas e indivíduos na zona do euro.

Se os países periféricos simplesmente tivessem câmbio fixo, em vez de uma moeda comum, eles poderiam ter desvalorizado sua moeda há muito tempo, a receita normal para países em apuros financeiros. Junte-se a isso medidas de austeridade, e a recuperação pode ser surpreendentemente rápida, já que as exportações disparam, e as importações despencam.

Tal qual está, o processo certamente será longo, doloroso e sem garantia de sucesso.

"A União Europeia tem capacidade para colocar suas coisas em ordem, se tiver a determinação política para tal", disse Richard Lambert, chanceler da universidade britânica Warwick, ex-editor do "Financial Times" e ex-diretor do Banco Central, num recente discurso na Universidade de Nova York. "Essa é uma crise que tem a ver com os desequilíbrios econômicos dentro da zona do euro, mais do que com as falhas geológicas em relação ao resto do mundo."

Eis um ponto que vale a pena recordar. A zona do euro como um todo tem deficits inferiores aos dos EUA. Se ela fosse um só país, poderia haver reportagens sobre regiões deprimidas, mas não se falaria em colapso.

Mas ela não é um país. A união política não vai ocorrer. Tampouco haverá facilidade de movimentação de trabalhadores pela Europa.

A Irlanda costuma ser retratada como a história de sucesso da periferia, o que, de certa forma, ela é mesmo. Os custos trabalhistas caíram, e o país parece mais preparado para competir no mercado mundial. A Irlanda fez isso com deflação, cortando salários nos setores públicos e privados, reduzindo os benefícios para os desempregados e elevando a idade de aposentadoria. Seu setor exportador está crescendo e -algo raro na periferia- suas importações também.

Esses sacrifícios foram o preço de uma bolha imobiliária que devastou os bancos do país e depois o governo, quando este tentou amparar os bancos.

Uma razão que deixa os americanos dúbios sobre a perspectiva de sobrevivência do euro é que é difícil imaginarmos alguém aceitando esse remédio quando a simples adoção de uma nova moeda (a ser rapidamente desvalorizada) parece tão menos dolorosa.

Mas o euro nunca foi uma criação primordialmente econômica. As razões políticas para unir a Europa foram (e são) mais importantes. A Grécia, que parece atravessar uma infindável depressão, ainda demonstra forte apoio ao euro. O mesmo vale para as pesquisas na Finlândia, que ficou insatisfeita por precisar apoiar a periferia.

Se os países periféricos permanecerem no euro, eles precisarão de certa maneira alinhar seus custos trabalhistas aos da Alemanha.

Não foram só os países periféricos que tiveram inflação e aumentos dos custos trabalhistas superiores aos da Alemanha na última década, causando um problema de competitividade. Isso vale também para Itália e França. Lambert argumenta que a questão mais importante enfrentada pela Europa é se a França vai domar seu problema de competitividade.

Além disso, a inflação alemã seria um efeito colateral benéfico do fato de as prensas do BCE rodarem a todo vapor.

Em longo prazo, se as economias periféricas não se tornarem competitivas em relação às dos vizinhos, o resultado será, nas palavras de Lambert, "a divisão permanente da Europa em nações credoras e devedoras, com os credores ditando os termos". Isso, diz ele, "não seria politicamente sustentável ao longo do tempo".

A zona do euro não está prestes a desmoronar, mas não está claro se poderá se sustentar a longo prazo.

Vórtice de mediocridade - MARCELO DE PAIVA ABREU

O Estado de S. Paulo - 12/11


Será pessimismo excessivo? O clima que parece prevalecer hoje no País é de certa acomodação à mediocridade, com a opinião pública entorpecida. O governo está atordoado. Qual Midas às avessas, ao invés de tudo o que toca virar ouro, todas as suas iniciativas recentes têm sido desastradas. E difícil que esse quadro seja revertido. E, em pouco mais de um ano, o País estará mergulhado em clima pré-eleitoral.

Vale citar alguns desacertos recentes, tratando de manter a lista sob controle draconiano.

"Flexibilização" imprudente da política macroeconômica, com abandono do câmbio flutuante, do centro da meta inflacionária e das metas de superávit primário, já afetadas pela persistente alquimia nas contas públicas. Reversão da abertura comercial, distribuindo benesses com aumentos de proteção discricionários (no caso extremo - o do setor automotivo -, a margem de proteção foi aumentada para a casa dos 70% ad valorem). Exigências excessivas quanto à participação da Petrobrás na exploração do pré-sal, combinadas a metas irrealistas para o conteúdo local de bens e serviços demandados. Trapalhada na prorrogação dos contratos de concessão de energia elétrica. Inépcia reiterada no cumprimento das metas de investimento previstas no PAC. E, também, com relação às licitações da exploração de aeroportos e do trem-bala, quase sempre com base em visão fantasiosa sobre as virtudes do controle estatal. Política externa que parece, em muitos casos, a reboque dos países vizinhos ao norte e ao sul, cujos dirigentes, para ser circunspecto, têm escassa ou nenhuma credibilidade internacional. E, ainda, com o Itamaraty mostrando docilidade quanto à preponderância de ideias econômicas, frequentemente disparatadas, que emanam do eixo Planalto-Fazenda.

Isso tudo em meio a denúncias algo pueris de tsunamis monetários e propostas de ajustar as tarifas consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC) às flutuações cambiais. Enquanto isso, o País segue sem iniciativas de política externa que resultem em ganhos substantivos. E só gogó.

Com esse retrospecto, e com a formação bruta de capital fixo na casados 17% do PIB, o Brasil parece satisfeito com a sua posição na rabeira dos Brics e com as perspectivas de crescer a 3% ao ano por muito tempo, entremeados a ocasionais vôos de galinha.

E indiscutível, entretanto, que o predomínio da mediocridade, esboçada no segundo mandato de Lula e que hoje prevalece no governo Rousseff, só se pode enraizar à sombra da inoperância da oposição.

Mesmo antes da derrota na eleição municipal de São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enfatizou a necessidade de renovação do PSDB. Esses comentários foram considerados "inconvenientes" por importantes políticos do partido: afinal, se "novo" ganhasse eleição, o ex-senador Arthur Virgílio não teria ganho por ampla margem a eleição em Manaus. A idéia de que alguns candidatos sejam "bons de urna", e outros bem menos, parece de difícil digestão entre políticos do PSDB calejados pela sucessão de derrotas desde 2002. Renovação de programa? Nem pensar. A vocação para reincidir no erro é quase inacreditável.

O ex-presidente tem razão. Embora seja possível argumentar que suas ponderações tenham ocorrido com significativo atraso. O seu governo foi marcado por divisões muito marcadas entre os que implementaram e apoiaram o Plano Real, e viam méritos na privatização e na abertura comercial, e aqueles que resistiram ao Plano Real, promoveram a reversão da abertura comercial e demonstraram entusiasmo quase nulo com a privatização. Quis o destino, e a cúpula do PSDB, que o candidato presidencial da situação em 2002 fosse José Serra, que não tinha nenhum entusiasmo pelo programa implementado pelo governo FHC. Após essa sua primeira derrota, o que se viu foi a apropriação pelo PT da ênfase na estabilização, inicialmente acompanhada por comedimento quanto à proteção e à reversão da privatização. A partir daí o PSDB foi posto na defensiva.

Nas candidaturas presidenciais do PSDB em 2006 e 2010, de novo faltou convicção a Alckmin e Serra para voltar a defender o programa do governo FHC. O PSDB não conseguiu apresentar programa alternativo ao programa governista. Serra, em 2010, não conseguiu se apresentar como algo diferente de um Lula bem menos simpático.

Com o retrospecto medíocre do governo Dilma, Lula ficará tentado a voltar à liça em 2014, embora lhe falte programa. Afinal, desta vez, não vai poder copiar o programa de seu antecessor. O PSDB terá de digerir as viúvas de Serra e alinhar-se a Aécio Neves em torno de um programa que retome FHC 1995-2002 aggiornato. Afinal, espaço para tanto está sendo criado pelos disparates do governo Rousseff coroando a gradativa volta aos entusiasmos originais petistas: a inflação que se dane, muita estatização e muito protecionismo, tudo acompanhado por alguma redistribuição de renda. Mas é difícil imaginar que o PSDB resista à antropofagia. Embora a candidatura presidencial alternativa do PSB se tenha posto seriamente, com base nos resultados das eleições municipais recentes, é difícil vislumbrar qual será o programa substantivo de seu candidato. Será que o Brasil pode escapar da mediocridade?

Uma economia encalhada - ROLF KUNTZ


O Estado de S.Paulo - 12/11


O Brasil exportou de janeiro a outubro US$ 202,4 bilhões, 5,5% menos que um ano antes, pela média dos dias úteis, e isso se explica apenas em parte pela crise nos principais mercados. Com o comércio internacional em marcha lenta, a disputa pelos clientes ficou mais dura. Os produtores brasileiros têm perdido espaço até no mercado interno para concorrentes estrangeiros mais competitivos. Uma infraestrutura deficiente e de baixa qualidade, especialmente na área de logística, é uma das maiores desvantagens de quem produz no Brasil. Numa lista de 144 países, o Brasil fica na 123.ª posição quando se comparam estradas, na 134.ª quando se trata de aeroportos e na 135.ª quando o assunto é o sistema portuário, segundo o Índice de Competitividade Global divulgado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial.

Graças à sua eficiência, a agricultura nacional continua vendendo muito, mas para isso precisa vencer obstáculos temíveis. O exportador brasileiro gasta em torno de US$ 125 para levar uma tonelada de soja de Mato Grosso ao Porto de Santos, enquanto o concorrente americano paga US$ 25 para o transporte entre Illinois e Nova Orleans. Números como esses, divulgados por entidades de produtores e de exportadores, dão uma primeira ideia da ineficiência logística e do choque de qualidade quando se cruza a porteira da fazenda ou o portão da fábrica para o sistema público de transporte. Naquela comparação, caminhões levam o produto brasileiro ao porto, enquanto a mercadoria americana é transportada por hidrovia. Mas o brasileiro estaria em desvantagem, de toda forma, se o confronto fosse entre as malhas rodoviárias dos dois países.

O Brasil perde na maior parte das comparações com países relevantes, como lembrou em discurso no ano passado a senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Ela mencionou 4 milhões de quilômetros de rodovias asfaltadas nos Estados Unidos, 1,5 milhão na China e 196 mil no Brasil. Lembrou as ferrovias americanas, com 226 mil quilômetros de extensão, as chinesas, com 74 mil, e as canadenses, com 48 mil, e comparou-as com as brasileiras, com apenas 29 mil.

O contraste é quase espantoso, quando se trata do transporte hidroviário. Apesar de sua invejável malha fluvial, o Brasil tem apenas 7 mil quilômetros de hidrovias, enquanto os Estados Unidos têm 41 mil, a China, 124 mil, e a Rússia, 102 mil. Parte importante do discurso foi uma cobrança de investimentos em eclusas para facilitar a navegação em rios importantes da Região Norte.

Mas o quadro fica mais feio, quando se examina a qualidade das malhas disponíveis. As condições das estradas brasileiras pioraram entre 2011 e 2012, segundo pesquisa anual da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) divulgada em 24 de outubro. Quase dois terços dos 95.707 quilômetros avaliados - 62,7% - estão em condição regular, ruim ou péssima. No ano anterior, 57,4% haviam sido classificados dessa forma. A avaliação cobriu a qualidade da pavimentação, da sinalização e da geometria das estradas.

É preciso investir muito mais, tanto para manutenção quanto para expansão e modernização do sistema e, para isso, o governo lançou o Plano Nacional de Logística e Transportes. Foram projetados investimentos de R$ 430 bilhões até 2023, mas o pacote inicial é de R$ 133 bilhões para rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. O governo reconheceu suas limitações financeiras e decidiu chamar o setor privado para participar dos projetos por meio de concessões e de parcerias. A novidade é promissora, mas o governo ainda terá de cuidar dos critérios de seleção das empresas, dos editais e das licitações. Os contratos só passarão pelo Tribunal de Contas da União se os procedimentos forem mais cuidadosos do que têm sido até recentemente. Apesar do importante papel atribuído ao setor privado, o governo terá de mostrar muito mais competência do que tem mostrado na gestão dos programas.

O Ministério dos Transportes ficou quase travado por mais de um ano, depois da faxina realizada em 2011, quando se tornou impossível, para o governo, ignorar uma longa e custosíssima história de bandalheiras. Muito mais que financeira, a limitação dos investimentos em infraestrutura tem sido política e gerencial. Essa parte do problema foi atacada apenas limitadamente, desde o ano passado. Seria preciso ir mais longe, na profilaxia, para vencer os males do loteamento e do aparelhamento da administração federal.