segunda-feira, junho 11, 2018

A banalidade do arbítrio - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 11/06

Parece livre de obstáculos o caminho de arbitrariedades trilhado por alguns membros da Polícia Federal (PF), do Ministério Público (MP) e do Poder Judiciário em uma autoatribuída cruzada anticorrupção. Ela não raro vem carregada de um ar messiânico na fala e nas ações de seus integrantes, mais preocupados com a opinião pública do que com o respeito às leis. Uma cruzada que seria por demais importante para ter de lidar com “óbices” como a Constituição.

O pedido de quebra do sigilo telefônico do presidente da República é exemplar destes tempos esquisitos, em que a banalidade do arbítrio se instalou justamente entre alguns dos que deveriam ser os primeiros a venerar a lei.

A quebra do sigilo telefônico do presidente Michel Temer foi requerida pela PF ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do inquérito que apura o suposto pagamento de R$ 10 milhões ao MDB pela Odebrecht. Em troca do financiamento ilegal de campanhas eleitorais do partido, a empresa teria sido favorecida em contratos com o governo federal.

De acordo com o inquérito – que, pasme o leitor, tramita em segredo de justiça –, a negociação para o repasse do dinheiro teria ocorrido em 2014 no Palácio do Jaburu, envolvendo Michel Temer, então vice-presidente de Dilma Rousseff; Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira; Moreira Franco, atual ministro de Minas e Energia; e Eliseu Padilha, atual ministro-chefe da Casa Civil. A PF também requereu a quebra do sigilo telefônico dos dois ministros de Estado.

À luz do que está escrito no artigo 86, parágrafo 4.º, da Lei Maior, o pedido de quebra do sigilo telefônico do presidente da República feito pela PF ao STF é mais um caso de audacioso abuso. Fosse respeitado o texto constitucional, um inquérito para apurar supostos crimes cometidos por Michel Temer em 2014 nem sequer deveria ter sido instaurado enquanto ele exercer seu mandato como presidente da República.

Isto acontece, primeiro, por conta de uma ferrenha campanha de desmoralização da atividade política que parece animar setores da PF, do MP e do Judiciário com o objetivo de nivelar por baixo todos os políticos. Desta forma, os gratos olhos da Nação se voltariam para aqueles empenhados em expurgar os malfeitores da vida nacional, malgrado as graves consequências de um hipotético estado de negação da política.

Segundo, porque uma leitura enviesada do texto constitucional dá azo a interpretações convenientes aos interesses daqueles que desejam atingir o político que tem maior expressão entre todos: o presidente da República.

A Constituição diz que o “Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. A artimanha está na interpretação da palavra “responsabilizado”. Há quem diga que impedir que o presidente seja responsabilizado por crime anterior ao mandato não impede a sua investigação.

É evidente que tal forma de ler o comando constitucional se presta tão somente a legitimar a ação daqueles que têm por intento instalar um clima de instabilidade política no País ao enfraquecer o chefe do Poder Executivo. E aqui não se trata apenas do atual presidente, mas de todos os outros que lhe sucederem.

Uma investigação criminal já é, por si só, uma forma de responsabilização. Ela traz consequências sérias para a vida do investigado; em se tratando do presidente da República, implicações diretas nos rumos do País. Ao impedir a responsabilização do presidente por atos anteriores ao mandato, a Constituição visa justamente a proteger o País de aventureiros que, desestabilizando o chefe de Estado e de governo, ponham em risco os interesses da Nação.

O ministro Edson Fachin fez valer a Constituição e negou o pedido de quebra do sigilo telefônico do presidente Michel Temer, deferindo-o apenas em relação aos ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha. Não é certo dizer que isso impedirá novos abusos, mas foi um sinal claro dado pelo STF de que eles não podem ser tolerados.

Um buraco promissor - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 11/06


Buraco nas contas públicas ainda por muitos anos é uma das poucas previsões seguras sobre a economia brasileira, neste momento. Com vento a favor e reformas em andamento, o Brasil voltará a gerar superávit primário – uma sobra para pagar juros da dívida pública – em 2022, segundo as projeções do governo. Sem reformas, as contas primárias poderão sair do vermelho em 2024 ou 2025, disse na Câmara dos Deputados o ministro do Planejamento, Esteves Colnago. Ele se absteve de especular sobre uma possível festinha, com bolo e brigadeiro, quando esse déficit completar dez anos. Mas uma comemoração até será justificável, se o País chegar lá sem uma grande fuga de capitais, uma crise de insolvência e um nova recessão.

O ministro citou apenas as projeções de um déficit mais prolongado se faltarem mudanças fundamentais, como a da Previdência. Poderia ter lembrado uma consequência mais assustadora que o déficit: sem superávit primário, a dívida pública seguirá em crescimento e poderá atingir ou superar 90% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso tornará mais feia a imagem do Brasil para os financiadores e investidores internacionais. O País quase certamente será rebaixado nas classificações de risco de crédito.

Isso criará dificuldades adicionais para o setor público, uma consequência facilmente compreensível, mas também as empresas privadas serão atingidas pela piora da credibilidade do governo. O ministro procurou, em seu depoimento à Comissão Mista de Orçamento, na quarta-feira passada, chamar a atenção para alguns fatos positivos, como a inflação abaixo do limite inferior da meta e a ampla redução dos juros básicos a partir do fim de 2016. Mas sua referência à credibilidade do governo estava certamente desatualizada.

Neste momento ninguém pode falar com um mínimo de segurança sobre como estará o quadro fiscal quando o próximo presidente assumir o posto em 1.º de janeiro. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, promete arrumar as contas, mexendo em despesas e benefícios, para compensar os subsídios prometidos aos transportadores para baratear o diesel.

Não se sabe sequer como ficará a política de preços de combustíveis, se o governo tiver de atender a outros setores, prejudicados pelas decisões anunciadas nos últimos dias. Há quem proteste contra os preços mínimos para o frete. Há quem reclame facilidades para importar combustíveis. Há quem conteste o controle de preços nas bombas.

Falta conhecer o tamanho dos danos causados aos vários setores de negócios pela paralisação do transporte rodoviário em maio. Já houve prejuízos enormes para a produção, como indicaram os números de maio da indústria automobilística. Não há informações precisas sobre outros segmentos industriais, mas os dados, quando surgirem, dificilmente serão tranquilizadores.

É cedo para calcular como esses fatos afetarão o crescimento econômico. Mas prejuízo haverá, certamente, e isso atingirá a arrecadação e a execução orçamentária. Essa perda será somada aos gastos criados com a concessão de subsídios ao uso de óleo diesel.

Enquanto isso, o governo tenta garantir a elaboração de um programa financeiro tão realista quanto possível para o próximo ano. O projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), já enviado ao Congresso, foi elaborado, como lembrou o ministro do Planejamento, sem previsão de receitas atípicas. É um cuidado especialmente bem-vindo.

Mas o Orçamento é cada vez mais engessado. Em 2013 os gastos obrigatórios foram 83% da despesa. Em 2021 deverão ser 98%, disse o ministro. Além disso, será cada vez mais difícil cumprir a regra de ouro, a limitação do endividamento ao necessário para cobrir investimentos e serviço da dívida.

Para aliviar a situação do governo em 2019, o Executivo incluiu na proposta da LDO receitas e despesas condicionadas à aprovação de um crédito especial. Isso prevenirá a violação da regra de ouro, mas poderá haver resistência à proposta. Candidatos à Presidência deveriam estar interessadíssimos nessas questões. Mas têm raramente pronunciado palavras fundamentadas e realistas sobre os desafios fiscais.