quinta-feira, maio 01, 2014

As agruras da presidente - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 01/05

Em política, nunca se deve dizer nunca, ressalvou dias atrás o ex-presidente Lula, antes de reiterar a lealdade à candidatura de sua afilhada Dilma Rousseff à reeleição. Ela mesma invocou o termo ao responder à inescapável pergunta sobre o "Volta, Lula" que lhe foi feita por jornalistas esportivos em um jantar - cujo prato de resistência deveriam ser os preparativos para a Copa e os protestos contra o evento - segunda-feira, no Alvorada. "Nada me separa dele e nada o separa de mim", entoou. "Sei da lealdade dele a mim, e ele da minha lealdade a ele."

Menos por isso, decerto, do que por saber que Dilma não tem a mais remota intenção de desistir da chance de passar mais quatro anos no Planalto e por pressentir que a operação da troca de nomes poderá não ser, nas urnas, o sucesso que a justificaria, Lula há de calcular que, para si, melhor do que ter elegido um poste será reeleger o poste que, em vez de iluminar, estorva. Se der errado, a culpa, naturalmente, será de Dilma. Se der certo, será a consagração de sua trajetória como o maior líder de massas da história nacional. Guardadas as diferenças, ele já rodou esse filme.

Em 2009, desistiu de buscar o terceiro mandato consecutivo não necessariamente por reverenciar a regra do jogo, que o proíbe, mas por intuir que talvez não pudesse pagar o preço político da tentativa de mudá-la. Antes fazer e tornar a fazer o sucessor, e se guardar para 2018. Não obstante o "nunca", a sua tendência é de permanecer leal a esse traçado. Ocorre que, por si só, o alarido em torno do "Volta, Lula" - resultado do desgosto dos aliados com o desempenho da presidente, do seu fracasso em construir uma coalizão de interesses da qual fosse ela a líder e do receio petista de perder o poder em 2015 - agrava a sua avitaminose política e acentua a sua vulnerabilidade eleitoral.

Um episódio deixa isso claro. Horas antes da entrevista de Dilma, o líder do PR na Câmara, Bernardo Santana, da base governista, se fez fotografar pendurando na parede o retrato de Lula. Segundo ele, 20 dos 32 membros da bancada preferem que o ex-presidente seja o candidato. "Só Lula tem condição de enfrentar qualquer crise", alegou. Pouco importa que tenha se recusado a identificar os supostos 20 lulistas. Pouco importam também as divisões internas no partido que possam ter parte com o anúncio. O ponto é que, estivesse Dilma nadando de braçada nas pesquisas, Santana não se sentiria inseguro do que o espera nas urnas a ponto de aprontar-lhe tamanha desfeita.

A cena de um político aliado afixando a imagem de um Lula com a faixa presidencial é o símbolo mais contundente das agruras de Dilma. É inevitável a comparação com o hino da vitoriosa campanha a presidente do ex-ditador Getúlio Vargas, em 1950. "Bota o retrato do velho outra vez / Bota no mesmo lugar", dizia a marcha que arrebatou o carnaval daquele ano. Eis o carma da presidente. Um dia lhe perguntam o que acha do "Volta, Lula". No outro, ontem cedo, numa entrevista a rádios baianas, o que acha da fidelidade dos partidos alinhados com o Planalto. A resposta é pura Dilma sem açúcar: "Gostaria muito que, quando for candidata, eu tivesse o apoio da minha base, da minha própria base. Agora, não havendo esse apoio, a gente vai tocar em frente".

Falta tocar o eleitor. Por mais que os resultados dos levantamentos de intenção de voto devam ser vistos com cautela - a três meses do início da campanha na TV e a cinco da ida às urnas, quando a disputa ainda não entrou no radar da grande maioria dos brasileiros -, o fato é que a mera coerência dos números da queda da candidata acelera o processo de seu desgaste. Sinal disso é que a equipe da reeleição, segundo uma inconfidência, já se dará por feliz se a chefe parar de cair nas próximas sondagens. A expectativa de vitória no primeiro turno se dissipou. Era, de resto, uma fantasia: nem Lula, apesar de toda a sua popularidade, conseguiu liquidar a fatura logo de saída na reeleição.

Já a aprovação a Dilma - a sua bagagem para as urnas - se aproxima perigosamente do nível que, para os especialistas, conduz antes à derrota do que à vitória eleitoral, sejam quais forem os adversários.

Trabalhador paga a conta - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 01/05
Se algum setor da economia brasileira ainda conseguia manter algum nível de estabilidade, era o mercado de trabalho. Pois a má notícia chegou na véspera do Dia do Trabalhador. Divulgada ontem, a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese) e a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) mostrou que o desemprego cresceu, de fevereiro para março, nas seis regiões metropolitanas pesquisadas: Belo Horizonte (0,9%), Fortaleza (1,3%), Porto Alegre (1,5%), Salvador (0,2%), São Paulo (0,5%) e Recife (1,2%).
Como as contratações já perdiam ímpeto, o resultado era esperado, o que não o torna menos preocupante, em especial num cenário de baixo crescimento e com inflação ascendente. Mais assustador é que os sinais de deterioração não sensibilizaram o governo, acomodado com o quadro de quase pleno emprego. O que tampouco é novidade no Palácio do Planalto. Afinal, aí está o conformismo com a alta dos preços, sob o argumento de estar contida dentro da meta, embora roçando o teto e apontando para cima. Aí está também o setor elétrico, outro exemplo da letargia, ressuscitando o fantasma do apagão.

O problema de esperar agravar para agir depois é que os nós vão se entrelaçando, se apertando, e a porta de saída fica cada vez mais estreita. É o caso dos efeitos da política monetária sobre a geração de empregos. Como não vingou a versão de que a elevação dos preços era sazonal, o governo foi obrigado a subir mais os juros para conter a inflação, desestimulando a economia, cuja expansão arrasta-se há anos, e desencorajando novos investimentos. Ou seja, em vez de fazer girar a roda do crescimento sustentável, voltou a acionar o círculo vicioso do subdesenvolvimento.

Ninguém se iluda, é sempre assim: remédio amargo poupado ao paciente terá de ser prescrito em dose dupla logo adiante. No caso, o horizonte delimitado é o das eleições majoritárias de outubro. Enquanto o eleitor não chega às urnas, a realidade vai sendo camuflada. É preciso cobrar mais pela energia? Os combustíveis têm de ter o preço majorado? A inflação clama por combate rigoroso? Os gastos públicos excedem o bom senso? Empurram-se as pendências para o futuro. A cobrança virá com juros, mas a fatura será apresentada ao contribuinte, não ao candidato.

A PED trazida à tona ontem mostra o fechamento de 137 mil postos de trabalho nas seis capitais pesquisadas, com a taxa de desemprego passando de 10,3% em fevereiro para 11% em março. Logo virá a Copa do Mundo e suas vagas temporárias para amenizar a dura realidade que se avizinha. Mas, a prevalecer a política do vamos deixar como está para ver como fica, as consequências poderão ser trágicas lá na frente. É imperioso admitir o esgotamento do modelo e arrumar a casa o quanto antes, independentemente da disputa presidencial em curso.

O fascínio pela complexidade - EVERARDO MACIEL

O ESTADO DE S. PAULO - 01/05

A tributação, em princípio, deve vincular-se, com a maior fidelidade possível, aos fatos econômicos sobre os quais incide. Essa regra, todavia, gera muitas vezes complexidade, da qual resultam ônus para o contribuinte no cumprimento das obrigações fiscais (custos de conformidade) e dificuldades para a administração tributária, no exercício das atividades de fiscalização (custos administrativos), sem falar nos problemas decorrentes de insegurança jurídica.

Não existem estudos confiáveis que avaliem custos de conformidade no País, sendo razoável, entretanto, admitir que sejam expressivos, tendo em conta que pesquisas do Banco Mundial mostram que, em termos de facilidade para pagamento de tributos, o Brasil alcançou uma modesta 156ª posição num universo de 185 países. Nos EUA, os custos de conformidade alcançam a significativa proporção de 18% dos tributos pagos pelas empresas.

O contribuinte, invariavelmente, prefere a simplicidade. No Brasil, 60% das pessoas físicas declaram pelo modelo simplificado e 93%das pessoas jurídicas optam pelo Simples ou pelo Lucro Presumido, evidenciando clara preferência pelos modelos simplificados de tributação da renda.

A complexidade tributária, às vezes, se revela inevitável, como na tributação das instituições financeiras ou das corporações transnacionais. Sempre que possível, contudo, deve ser evitada. As pequenas e microempresas, por exemplo, não podem ser tratadas com a complexidade dispensada à grande empresa, como, aliás, já prescreve a própria Constituição. A despeito disso, a política tributária tem um especial fascínio pela complexidade.

Foram necessários onze anos para que se procedesse à elevação dos limites de opção pelo Lucro Presumido -regime que possibilitou, na segunda metade dos anos 1990, uma relevante formalização fiscal. O Simples, instituído em 1996, representou sem dúvidas a mais ousada medida visando a tratar adequadamente, no âmbito tributário, as pequenas e microempresas.

Como ocorre com as iniciativas pioneiras, encerrava algumas limitações na origem: era restrito à tributação federal, ainda que tenha inspirado modelos análogos nos Estados; vedava a inclusão de inúmeros setores, como o de serviços; não previa um modelo de transição para outros regimes, o que desestimulava o crescimento das empresas, produzindo uma variação tributária do "Complexo de Peter Pan".

A Emenda Constitucional n.° 42, de 2003, previu a criação do Simples Nacional, o que se tornou realidade com a Lei Complementar n.° 123, de 2006. A amplitude nacional foi um inequívoco ganho, mas, em contrapartida, o regime ficou paradoxalmente muito complexo, a ponto de a própria lei complementar fazer alusão a um sistema operacional para calcular o imposto devido. Quanto às restrições setoriais para adesão ao Simples, pouco se acrescentou e nada se disse quanto à transição.

Há um forte movimento, no Congresso Nacional, para rever a legislação do Simples, notadamente no que concerne à extinção quase completa das vedações à opção pelo regime, supressão das tabelas de alíquotas que complicam a apuração do tributo, restrição à utilização da substituição tributária e eliminação dos entraves burocráticos. Em direção contrária ao movimento, movem-se todos aqueles que abominam a simplificação, porque, afinal, sistemas tributários complexos constituem uma instância de poder.

As alegações contrárias são as costumeiras: dificuldades para a fiscalização e perda de arrecadação. Os reconhecidos avanços tecnológicos da administração tributária produziram uma máquina para enfrentar a evasão fiscal.

As estimativas de renúncia fiscal partem do falso pressuposto do montante que seria arrecadado caso essas pequenas e microempresas fossem tributadas no regime comum. Nada dizem sobre se elas estariam em atividade ou se recolheriam tributos, caso não existisse o Simples. Nessa refrega, cabe bem a observação de Steve Jobs: "o simples pode ser mais difícil que o complexo".


GOSTOSA


Polícia! - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 01/04

Há países mais pobres que o Brasil com menos criminalidade. Há sociedades tão desiguais também com menos crimes


O “Jornal Nacional” e o “Jornal da Globo” estão exibindo nesta semana duas extraordinárias séries de reportagens que, por caminhos diferentes, mostram a mesma realidade: como a falta de produtividade, ou a baixa eficiência, tanto no setor público quanto no privado, atrasam e tornam o Brasil mais injusto.

O “Jornal da Globo” encarou um desafio complicado: mostrar como a impunidade é causa primária da criminalidade. Por que algumas sociedades e setores dentro de sociedades são mais violentos? — esta é uma eterna discussão e um tema atualíssimo no Brasil de hoje.

Mas o debate tem sido incompleto. Há questões, digamos, permanentes, como a relação entre pobreza e violência ou má distribuição de renda e criminalidade. Durante um certo tempo, na verdade, ainda hoje em certos setores, essas questões têm sido dominantes. A violência, se diz, é um problema social, não de polícia — e essa seria a tese de esquerda, para quem gosta de colocar velhas ideologias em tudo.

Nessa visão, a polícia entra como agente da violência e, especialmente, contra os pobres. Está acontecendo no Rio. Em protestos estimulados e promovidos pelo tráfico, pessoas das comunidades reclamam a retirada das UPPs, como se estas, e não os traficantes, fossem as responsáveis pela violência.

É certo que os policiais têm cometido erros terríveis, mas não se pode concluir daí que seja uma força contra a comunidade. Mas é certo que faltam preparo e competência em todo o sistema policial e jurídico no Rio e no Brasil.

A série do “Jornal da Globo” apanha um aspecto essencial desta história: a impunidade. Parte de um dado alarmante bastante conhecido: 27 assassinatos por cada grupo de cem mil pessoas, no país. Mas se concentra em outro dado mais alarmante e menos conhecido e debatido: de cada cem homicídios, no máximo oito são esclarecidos e os culpados, punidos. E, assim mesmo, depois de muito tempo.

Na Inglaterra, são 90% de casos resolvidos. E a taxa de homicídios, mostra a série do JG, vai lá para baixo. Esta é uma relação bem verificada. Penas mais elevadas, ao contrário, não derrubam a criminalidade. Se o assassino, como no Brasil, tem 92% de chance de não ser apanhado, qual a importância de a pena ser de dez ou 20 anos?

E para apanhar criminosos, mostra a série, precisa-se de algo que é uma raridade no Brasil: a polícia científica, tecnológica, que chega logo e bem equipada ao local do crime, o início de uma boa investigação.

A reportagem chega a dar tristeza: repartições de polícia supostamente técnica que deixam cadáveres amontoados num quintal, aguardando identificação e perícia. Por anos! Equipamentos de ponta que não são utilizados por falta de gente e de pequenas providências, como uma rede elétrica. Repartições policiais lotadas de funcionários administrativos e com falta de peritos e policiais para as operações-fim.

Tudo considerado, é um exemplo acabado do setor público brasileiro: caro e ineficiente. E, claro, socialmente injusto: tendo que selecionar quais assassinatos vai investigar, a polícia dá preferência aos casos de maior impacto na mídia ou que envolvam famílias, digamos, influentes. Os mortos pobres comuns ficam na fila, amontoados nos pátios. E todos os cidadãos comuns sentem a falta de segurança. Quer dizer, todos não: bairros mais ricos conseguem de algum modo mais polícia.

A rigor, a relação direta entre violência e pobreza nunca foi demonstrada de modo a não deixar dúvidas. Não basta mostrar que há mais violência em cidades ou bairros pobres.

Há países mais pobres que o Brasil com menos criminalidade. Há sociedades tão desiguais como a nossa também com menos crimes. E, entre os países ricos, o índice de criminalidade varia bastante, mais alto nos EUA, por exemplo, do que na Europa ou Japão. Sim, há mais desigualdade nos EUA, mas a criminalidade varia também em países europeus com o mesmo padrão de distribuição de renda e benefícios sociais.

Por outro lado, é certo que o ambiente social, a cultura e as condições de vida podem ser mais ou menos favoráveis à prática de crimes. Mas a tese, levada ao extremo, de que a polícia leva a violência aos mais pobres deixou um paradoxo: uma polícia mais violenta.

Foi assim: um lado responsabiliza a polícia e pede sua retirada (“Fora UPPs!”) ou a restrição de sua atividade (não poder abordar mascarados, por exemplo, ou não poder entrar em universidades nem para procurar traficantes); em reação, o outro lado pede mais polícia baixando o pau. Resultado, ficamos sem a polícia boa, competente, bem remunerada e bem equipada, que acha e prende os culpados de crimes diversos, de assassinatos a destruição de ônibus.

(As séries do JN e do JG estão no ar. Também podem ser vistas pelo site g1.com.br. Na próxima coluna, a questão da produtividade).

Dilma reage a golpe - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 01/05
Quem melhor definiu a situação em que se encontra o PT e partidos da base aliada foi o ministro Ricardo Berzoini, um membro destacado da burocracia partidária: a campanha pela volta de Lula não tem sentido prático, disse ele, à guisa de defender a candidatura da presidente Dilma à reeleição.
Sintomático que a melhor coisa que ele pudesse dizer fosse isso, apelando para o pragmatismo de seus correligionários. Nenhum elogio ao governo Dilma, nem mesmo um comentário sobre eventuais qualidades. "Ela tem o direito de se candidatar", disse Berzoini, e cabe ao PT lidar com essa realidade. Mesmo que esteja coberto de razão, a fala do ministro de Relações Institucionais demonstra como estão se estreitando as chances de Dilma na campanha. Para aliados circunstanciais, a maioria dos partidos que fazem parte da coalizão, esse argumento prático não encerra o assunto, ao contrário, reforça a sensação de que é preciso procurar uma alternativa longe do PT.

Mesmo que a maioria dos petistas não queira Dilma, não há outra escolha a não ser seguir com ela até o fim, mesmo para perder (e ela tem boas chances de vencer: com a caneta cheia de tinta, abriu ontem seu saco de bondades, que ajudará sua popularidade e aumentará mais ainda os problemas econômicos do país). Se a alternativa for Lula, dificilmente se tornará realidade. Em primeiro lugar, existe a necessidade de Dilma aprovar a troca, o que parece improvável. Ao anunciar que será candidata mesmo sem apoio da base, Dilma pode ter cometido um erro político, revelando fragilidade, mas mostrou que tirá-la do páreo não será fácil.

Dilma também, espertamente, ressaltou a lealdade que existiria entre ela e Lula, o que coloca uma outra barreira ao golpe partidário que pretendem dar. Lula teria que assumir uma traição à sua criatura, o que, convenhamos, não seria bom para sua imagem. Uma solução de ruptura tampouco seria uma boa saída para o PT, pois teria de passar a campanha inteira justificando o golpe em Dilma, que, por sinal, estará no Planalto com a caneta na mão e cheia de ressentimento.

A substituição por motivos de saúde seria a única saída, mas nada indica que Dilma tenha problemas, e seria impossível conseguir o aval de médicos respeitados do hospital Sírio-Libanês para encobrir a manobra golpista.

Falta sentido prático ao "Volta, Lula", além de faltar vontade ao principal personagem desse "golpe branco", o próprio ex-presidente. Não diria que, se pudesse voltar à Presidência sem passar por eleições, que ele não gostaria. Mas disputar uma eleição difícil, em condições anormais como as criadas pelo afastamento de Dilma, seria mais que um risco.

Só a substituição de candidatos já seria uma admissão de fracasso, e uma tendência de derrota que teria de ser superada pelo "craque" do time, tirado do banco de reservas. Mesmo para um "craque" como Lula, seria difícil reverter uma derrota iminente. Longe dos melhores dias, seja pela idade ou pelos problemas de saúde que superou, Lula dificilmente teria condições de enfrentar uma campanha estafante como a que se avizinha. Teria de confiar em seu magnetismo e no tempo de TV, mas levar em conta que hoje está mais vulnerável a críticas do que esteve.

Superar a crise do mensalão foi possível, em especial, pela situação econômica em 2006. Hoje temos uma economia debilitada e perspectiva de um 2015 difícil, que exigirá do eleito esforço para restabelecer o equilíbrio às contas públicas e controlar a inflação. Tarefa que Lula enfrentou 12 anos atrás. Estará disposto a arriscar duplamente seu prestígio e sua história, disputando uma eleição difícil e depois encarando um mandato que tem tudo para impedir que repita o sucesso dos 8 anos em que governou? Como sempre quando improvisa, Dilma fez uma declaração entre a obviedade e o enigmático: "Sempre, por trás de todas as coisas, existem outras explicações".

Referia-se às traições que se desenham às suas costas, no PT e na base. O que quer dizer a presidente? Certamente o que não pode aprofundar por falta de condições políticas, que os que a estão abandonando o fazem por interesses fisiológicos, que ela rejeita. Esta seria boa linha de atuação, se Dilma tivesse condições de romper com aliados de circunstâncias e anunciar um 2º mandato livre de interesses subalternos. Foi o que ensaiou com a "faxina ética", e teve de voltar atrás.

Mais de 50 mi na 'folhona' de pagamentos da União - ROBERTO MACEDO

O Estado de S.Paulo - 01/05

Certa vez, em conversa com o economista Raul Velloso, um dos maiores especialistas em finanças públicas do País, ele me falou desse imenso número de pessoas no que chamou de "a grande folha" de pagamentos do governo federal. Grandes números não surpreendem neste enorme país, mas esse é de levantar sobrancelhas e contrair o rosto. O Brasil tem enorme território, população já na casa dos 200 milhões e é recordista de carga tributária na segunda divisão do campeonato mundial de desenvolvimento, a dos times com renda per capita insuficiente para levá-los à primeira.

Chega lá jogando com os pés da tal "pátria de chuteiras", mas sem cabeça para se aproximar mais dos efetivamente ricos. Nosso governo federal vende como lema a ilusão de que "país rico é país sem miséria". Mas, com o perdão da tautologia, país rico é o que tem mais riqueza acumulada, inclusive para lidar com seus menores bolsões de pobreza muitíssimo melhor que o Brasil. Aqui são "bolsoezões" e mal cuidados.

Com a carga tributária mais empréstimos, nosso governo como um todo toma perto de 40% do produto interno bruto (PIB), e esse total tem que ver com a folhona de que fala Velloso, pois é alta a pressão que coloca mais gente nela e há também aumentos dos valores que o governo paga, em particular com propósitos eleitoreiros.

Velloso apresentou seus números na última reunião mensal de conjuntura que a Fipe-USP realiza há anos, sob a competente condução do professor Fernando Homem de Mello. Ao iniciar, Velloso gentilmente disse que, entre outras razões, estava lá para me entregar os números que me prometera na citada conversa, e lhe sou muito grato. Ele falou das cifras do Orçamento de 2012 e de suas perspectivas atuais, mas, quanto aos números da folhona da União, os que tinha eram de 2008. Muito úteis, mais adiante mostrarei que os atuais já são bem maiores.

O total naquele ano era de 49.179.214 (!) pessoas, com todos os algarismos para realçar sua enorme dimensão, que então equivalia a cerca de 1/4 da população do País. Sem contar os dependentes, que, se dois por pessoa, dobrariam esses números. Prosseguirei com o tamanho de cada subgrupo em 2008 e, entre parênteses, a porcentagem que representou dos gastos da União em 2012 - e o total alcançou 73,7%(!) desses gastos.

Em ordem decrescente dessa porcentagem, os números são: 7.316.041 de beneficiários do INSS recebendo mais de um salário mínimo (23,7%); 16.291.706 de beneficiários do INSS que ganhavam um salário mínimo (15,9%); 1.146.828 de funcionários ativos (13,2%); 980.337 funcionários inativos e pensionistas (9,9%); 7.784.154 recebendo seguro-desemprego e o abono salarial anual (4,9%); 3.489.233 de pagamentos da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) e de sua antecessora, a da Renda Mensal Vitalícia, para idosos e inválidos sem outra fonte de renda (3,3%); e 12.370.915 (2,8%) de benefícios do programa Bolsa Família, pagos às pessoas responsáveis pelas famílias.

Dados mais recentes apontam um aumento do número dos incluídos na folhona. Em 2013, o número de famílias nesse programa passou a 14,1 milhões e, neste ano, a meta da presidente Dilma é incluir nele mais 500 mil, com o que, relativamente a 2008, a ampliação deve alcançar 2,2 milhões. No INSS a listona também cresceu de 2008 a 2012, ano do último anuário do INSS, com mais 3.907.793 beneficiários. Levando em conta apenas os dados deste parágrafo, mais o fato de que os benefícios do INSS cresceram em cerca de 1 milhão ao ano entre 2008 e 2012, e continuam aumentando, a folhona já está mais perto de 60 milhões que de 50 milhões!

O quadro pintado por todos esses dados é o de um Brasil que buscou precocemente o caminho de um enorme Estado do bem-estar, o Welfare State da literatura internacional. A velocidade recebeu forte impulso com a Constituição de 1988 e, mais recentemente, dos governos federais petistas. Quanto a estes, Mansueto Almeida, outro entre os maiores especialistas em finanças públicas do Brasil, mostrou que, numa comparação dos gastos de 2012 com os de 2002, os do INSS aumentaram em 1,2% do PIB, enquanto os demais gastos sociais tiveram acréscimo de 1,1% do PIB e os investimentos, um mísero aumento de 0,1% (!) do PIB. E sei que esse aumento dos gastos sociais foi custeado principalmente com maior carga tributária. Tudo isso inibiu investimentos públicos e privados e, entre outros efeitos, agravou as condições da infraestrutura econômica, como a de transportes, e da social, como a de mobilidade urbana e saneamento básico.

A opção da Constituição de 1988 pode ser vista como da sociedade, por meio dos constituintes que escolheu. A dos governos petistas, entretanto, tem forte conotação eleitoreira. O que os move é o poder a qualquer custo, num processo em que cativar eleitores com benesses é tido como fundamental.

Houve época em que no Brasil se criticava muito a ideia de que antes de distribuir o bolo do PIB seria preciso fazê-lo crescer. Agora chegamos ao outro extremo, em que o caminho de distribuí-lo por meio desse enorme Estado do bem-estar social nos conduziu a outro Estado, o das taxinhas do Pibão.

Cabe encontrar um caminho intermediário, que combine crescimento mais acelerado com avanços sociais. Propor e explicar como seria feito esse caminho é tarefa dos candidatos da oposição, já que da candidata da situação a perspectiva é de mais do mesmo. E não se pode ficar apenas na discussão entre candidatos, até porque essa candidata foge de debates, em razão das suas evidentes dificuldades de enfrentá-los.

Mais importante ainda é que a própria sociedade se empenhe em levá-los adiante, em lugar de apenas protestar contra isto ou aquilo, nas ruas ou fora delas. Como encontrar o referido equilíbrio? Econômica e socialmente, essa é a questão fundamental.