terça-feira, agosto 05, 2014

Do monólogo ao diálogo - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 05/08


Quem não pratica a autocrítica está impossibilitado de aprender


O Brasil padece de um mal persistente: os debates são substituídos por monólogos, por manipulação de preconceitos, por repetição cansativa de slogans e rótulos. Debater ideias dá trabalho, exige reflexão, argumentos, racionalidade. Muito mais fácil é agredir pessoas, questionar suas intenções, ofendê-las. Isso até o mais ignorante está em condições de fazer, e muito bem.

Virou moda entre a esquerda de hoje repetir que não se faz mais direitista como antigamente. É que os mortos não podem mais incomodar. Citam como exemplo figuras como Nelson Rodrigues ou Roberto Campos, ignorando que ambos foram vítimas da mesma estratégia pérfida que hoje usam contra os novos pensadores de direita. Não desejavam dialogar naquela época também.

Roberto Campos foi alvo de todo tipo de ataque pessoal, já que eram incapazes de refutar seus argumentos. Até a alcunha de Bob Fields ele recebeu, como se fosse um “entreguista” sem valores patrióticos. Mas se tem uma coisa que Campos buscou em sua longa vida pública foi o diálogo civilizado, a troca de ideias em busca conjunta pela verdade. A esquerda preferiu massacrá-lo com adjetivos.

Ele desabafou: “Não raro, essas questões fogem da análise do objeto em discussão e se agasalham num terreno de difícil acesso à indagação racional. Já não se discutem medidas, mas motivações. Já não se procura vincular a argumentação aos objetivos visados e aos meios escolhidos, senão que se busca frustrar o recomendado pela condenação sumária de quem recomenda.”

Pouco evoluímos. Cá estamos nós com uma esquerda que se recusa a dialogar, preferindo o eco da própria voz a disseminar receitas mágicas, culpando os velhos bodes expiatórios de sempre por seu fracasso quando colocadas em prática. O nacional-desenvolvimentismo uma vez mais trouxe apenas estagnação econômica e elevada inflação? Não importa: basta apontar a metralhadora giratória e condenar as “elites”, a ganância dos empresários, os “gringos de olhos azuis”.

Quem não pratica a autocrítica está impossibilitado de aprender. Quem acha que tudo sabe não evolui. Quem não olha para as lições da História está fadado a cometer os mesmos equívocos. Infelizmente, esta tem sido a postura de boa parte de nossa esquerda.

A presidente Dilma resolveu derrubar a taxa de juros na marra, apesar do alerta feito pelos economistas liberais. Hoje, a taxa está acima de quando assumiu, e a inflação rompeu o elevado teto da meta. Mas não vemos um só pedido humilde de desculpas, um único sinal de reconhecimento do erro.

O mesmo vale para várias outras questões: represamento de preços e tarifas públicas, expansão de gastos e crédito públicos, intervenção setorial abusiva etc. A lista é muito longa, sem qualquer indício de arrependimento por parte da presidente.

Ao contrário: diante das evidências crescentes do fracasso, a reação tem sido subir o tom dos ataques. Como um ouriço, a presidente se fecha, expondo seus espinhos a quem quer que faça questionamentos legítimos ou críticas construtivas. São logo rotulados de “pessimistas”, que torceriam pelo pior, que não amariam o Brasil. Falta capacidade e vontade de debater ideias.

O caso do Santander é sintomático. Tudo que a analista do banco fez foi constatar um fato, qual seja, a correlação direta entre pesquisa eleitoral e Bolsa. Dilma cai nas pesquisas, as ações se valorizam, principalmente as das estatais. Os investidores sabem muito bem o risco que mais quatro anos de governo Dilma representam para nossa economia.

Em vez de encarar essa dura realidade, até para eventualmente alterar o curso, a presidente preferiu adotar uma postura autoritária, intimidar o banco que, pusilânime, pediu desculpas. Até o ex-presidente Lula entrou em campo com seu linguajar chulo para ridicularizar a analista e demandar sua demissão, o que conseguiu.

A reação covarde do presidente do Santander é um problema dele e de seus clientes, que agora sabem que não há como confiar em análise alguma feita por seus analistas subservientes ao governo. Mas onde está a Febraban? Por que não vimos uma nota de repúdio veemente ao governo, já que é a credibilidade do setor inteiro em risco?

Estamos vendo a morte do diálogo aberto e o reino absoluto do monólogo oficial, justo o oposto do que precisamos. Como disse Roberto Campos há décadas, mas ainda atual: “O Brasil de hoje exige diálogo entre as posições conflitantes. E havendo diálogo o pensamento viciado não dá fruto. Nem mesmo viciado.”

GOSTOSAS


Os abutres e a carniça - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA 
Mesmo quem não sabe o significado de "fundo abutre" é capaz de deduzir o espírito da coisa. Abutres se alimentam de carniça. Se a Argentina de Cristina Kirchner tivesse uma economia vistosa e saudável, não haveria títulos podres atraindo esse bando de aves de rapina. É simples assim a natureza. Onde não há mau cheiro, não chegam abutres. E eles não costumam ser bonzinhos.
A fórmula kirchnerista - mistura de populismo e corrupção, nacionalismo e ineficiência, arrogância e censura - deixou nossos hermanos vulneráveis. Nem Messi nem messias salvam a Argentina enquanto essa senhora excessivamente maquiada e seus seguidores estiverem no poder. A destruição da economia argentina começou em casa.

Os abutres não têm pátria nem mátria. Estão por todo lugar. São aves grandes e pesadas, primas dos urubus. Têm cauda pequena, normalmente são desprovidos de penas na cabeça, vivem até 30 anos em cativeiro. Sobrevivem graças a restos de animais mortos. No dicionário informal, adaptado a nosso cotidiano, abutre já é usado também, como metáfora, para definir o "político voraz, que nunca se contenta com os ganhos".

Essa última espécie tornou-se tão comum no Brasil que acabou por contaminar o ambiente que respiramos ou nossos sonhos de um país melhor, mais ético e menos canalha. Quando um político responsável por "choque de ordem", como o deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ), é denunciado pela ex-mulher por toda sorte de falcatrua com o dinheiro público, o eleitor se sente tratado como carniça, bicado de todo lado.

Desistir da reeleição "para cuidar da família e de sua defesa" é suficiente para Bethlem? Não achamos suficiente. Só um político predatório tenta resistir no cargo depois de tantas evidências. Só um deputado com imensas asas insinua que a ex é louca, depois de o país inteiro escutar sua voz listando as mesadas de uma ONG - graças a gravações reveladas por ÉPOCA na semana passada (leia novas denúncias contra ele na página 38). Mesadas recebidas quando era secretário de Desenvolvimento Social.

Os abutres não escolhem partido. O diretório do PT de São Paulo aprovou, na sexta-feira, expulsar do partido o deputado estadual Luiz Moura. Ele é suspeito de lavar dinheiro para uma facção criminosa, o PCC, comandada a partir de presídios paulistas. Moura esteve numa reunião
com membros do PCC e representantes de cinco empresas e cooperativas de transporte paulistanas. Ele nega malfeitos.

Sonho com o dia em que a imprensa consiga provas contra todas as aves de rapina alimentadas pelo setor de transporte do Brasil - em conivência com autoridades estaduais e municipais.

Bethlem e Moura podem ser apenas filhotes, ou aprendizes de políticos abutres, nesse imenso zoológico brasileiro que tira braço, perna e coração de eleitores. A questão não é o que fazem conosco, mas o que fazemos com o que fazem conosco. A citação, do existencialista Jean-Paul Sartre, ajuda a refletir sobre a triste ligação entre os abutres e suas vítimas, sem capacidade ou vontade de reagir.

Quando leio que Garotinho ou José Roberto Arruda lideram as pesquisas para os governos do Rio de Janeiro e de Brasília, penso que o brasileiro parece ter vocação para carniça. Só o masoquismo, a falta de consciência política ou a obtenção de vantagens pessoais explicam a sobrevivência de tantos abutres encastelados no Congresso e nos governos. São clãs e oligarquias que não perdem apoio do eleitorado regional, mesmo denunciados por improbidade.

"Do ponto de vista da consciência cidadã, só tenho a lamentar que ainda perdure o princípio do 'rouba, mas faz' ", disse ao jornal O Globo o cientista político Paulo Kramer, ex-professor da Universidade de Brasília. "A ética não é uma questão decisiva para eleger ou deixar de eleger no Brasil."

O Brasil tem 14 mil políticos e agentes públicos condenados nos Tribunais de Justiça. Caso sejam candidatos, deveriam ser impedidos de disputar as eleições. São os fichas sujas, apenas os flagrados. No Brasil, mais de 30 partidos disputam uma boquinha nas eleições. E demais. Esse quadro desalentador é a causa do desencanto juvenil com a política. Em quatro anos, de 2010 para cá, caiu 31 % o número de eleitores jovens no país.

Falar sobre os políticos abutres não é um convite ao pessimismo, mas à luta contra a alienação e o conformismo. Soubemos pela presidente Dilma Rousseff que ser pessimista é "inadmissível" num país que, apesar de ser "a sétima economia do mundo", tem indicadores sociais e humanos de país subdesenvolvido, bem atrás dos hermanos argentinos. Sejamos otimistas, mas não resignados. Não nascemos para carniça.

Revolução das periguetes - ARNALDO JABOR

O ESTADÃO - 05/08


Chega de política. Vou falar de sexo. Antes, havia a "sexpol", bandeira da política sexual dos anos 60. Hoje, temos no máximo a "polsex", ou seja, como as ideologias dançaram, só a sexualidade explica os rumos do mundo e, claro, do Brasil, nosso grande motel das ilusões perdidas. Sexo: nossos sentimentos estão canalizados para um mesmo buraco. Ando pela rua e todos os outdoors são de mulher nua - outro dia, quase bati o carro na Av. Paulista, por causa da loirinha nua da Playboy. Todas as capas de revista são uma grande feira de mulheres gostosas e homens raspadinhos. Tudo parece liberdade, mas a coisa é outra. Nos anos 60 (oh... os recentes anos remotos) o sexo era uma novidade política, depois dos caretíssimos anos 1950, quando o sexo tinha algo de crime, algo de secreto que perfumava nossas vidas com o estímulo da culpa. Não havia motéis, nem as pílulas que, depois, fizeram mais pela liberdade sexual que mil livros feministas. Nunca vi tanta publicidade movida a sexo. A propaganda nos promete uma suruba transcendental. Em nenhum lugar do mundo vemos o apelo sexual nas ruas, nas roupas de meninas - nosso feminismo resultou na revolução das periguetes. No Brasil das celebridades, o feminismo foi um mal entendido. Muitas vezes rima com galinhagem ou até com uma forma velada de prostituição. É uma mistura de liberdade com submissão à uma salada de frutas: mulher melancia, mulher melão, mulher jaca.

Hoje em dia, as mulheres foram expulsas de seus ninhos de procriação, de sua sexualidade expectante e são obrigadas ao sexo ativo e masculino. A "supergostosa" é homem; ou melhor, é produto do desejo masculino. O homem é pornográfico; a mulher é amorosa. A pornografia é só para homens.

Já expuseram o corpo todo, seios, vagina, mucosas, ânus. O que falta? Os órgãos internos? Seu ideal é serem desejadas como bons produtos. Felicidade é serem consumidas. Felizes como coisas: Uma salsicha é feliz? Um bela lata de caviar? Mas, como amar um eletrodoméstico? A grande moda do momento são mulheres penduradas em acrobáticas posições ginecológicas para raspar os pelos pubianos nos salões de beleza. Ficam balançando em paus de arara e, depois, saem felizes com um jardinzinho estreito e não mais a floresta peluda onde mora a temível "vagina dentada". Parecem uns bigodinhos verticais que me fazem pensar em Hitler.

Que querem essas mulheres? Querem acabar com nossos lares? Querem nos humilhar com sua beleza inconquistável? Elas têm de fingir que não são reais, pois ninguém mais quer ser 'real' hoje em dia.

Nos anos 60, sexo era revolução política. Tudo era político. O sexo utópico dos anos 60 era o prelúdio para outras conquistas sociais. O orgasmo para Reich era uma vitória contra a burguesia. Eu me lembro de ter dito para uma mulher amada: "Querida, nosso amor é uma forma de luta contra o imperialismo norte americano." O sexo dos 60 era um comício; queria acabar com a culpa, com o limite, com o proibido. Todas as sacanagens foram testadas, mas chegou-se ao outro lado com uma vaga insatisfação. O que faltava? Faltava o pecado. Sem o pecado ficávamos insuportavelmente livres. Em meio a tanta liberdade, nunca fomos tão solitários. Tudo era referido ao sexo, para substituir frustrações políticas e sociais.

Com a re-caretização do mundo, a liberdade aparente conquistada andou para trás . A liberdade deu lugar a "dessublimação repressiva," como nomeou Marcuse, uma "liberdade" tão ostensiva e grossa que é um louvor à proibição. Os sonhos viraram produto. Todas as conquistas viraram fetiches de consumo: revolta, igualdade, utopias, até o desespero e a angustia passaram a vender roupas e costumes.

O prazer é obrigatório no mercado. A partir dessa época, sob a aparência de grandes euforias narcisistas de gestos e risos de prazer, há um regressismo oculto no mundo de bundas e coxas lipoaspiradas, seios siliconados, bofes comedores. A anatomia virou uma das poucas portas de fuga da classe baixa, como uma saída para a miséria. Nuas, todas as mulheres são iguais: a democracia da bunda. A bunda é a esperança de milhares de Cinderelas. A mídia e a propaganda compraram a liberdade, que não é mais "uma calça velha e desbotada," mas é a superação do pudor, da intimidade. Se alguma mulher ficar famosa, tem de tirar a roupa. O strip-tease é a 'anti-burka' - igual pelo avesso. A pessoa não tem mais um corpo; o corpo é que tem uma pessoa, frágil, tênue, morando dentro dele. O corpo e a pessoa são duas coisas diferentes; a menina mostra sua bunda como se fosse uma irmã siamesa. Tanta oferta sexual angustia-nos, dá-nos dá a certeza de que nosso desejo é programado por indústrias masturbatórias, provocando tesão para vender satisfação.

A verdade é que o prazer anda de cabeça baixa, deprimido, apesar do eufórico exibicionismo em revistas de celebridades. Todos podem confessar tudo: "Sim, eu gosto de atacar nos mictórios das rodoviárias e me orgulho de minha tara!" - diz o perverso sorrindo na TV. A permissividade total esvai a tesão. O prazer precisa da proibição. Aliás, o vício solitário é bem seguro. A punheta é metafísica. A masturbação a dois existe até no grande amor romântico, onde dois narcisismos se tocam, se beijam, se arranham, mas não se comunicam.

Ninguém mais quer ser 'sujeito', apesar de afirmar o contrário. Todos querem ser "inconformistas como todo mundo." O corpo tem de dar lucro. Todo mundo quer ser coisa.

Vi um anúncio de uma boneca inflável que sintetizava o desejo secreto do homem de mercado: ter mulheres digitais que não vivam. O anúncio tinha o slogan em baixo: "She needs no food nor stupid conversation" ("Não precisa de comida nem de conversa fiada"). A liberdade de mercado produziu um estranho 'mercado da liberdade'.

DILMA VAI BOTAR PRA FUDER!


Esperneio - CELSO MING

O ESTADÃO - 05/08


Em vez de se empenhar em buscar uma saída, no momento, o governo argentino se limita a demonizar sucessivamente quem não concordar com ele

Os observadores internacionais dedicam-se agora a advertir que o novo calote da Argentina colocou em evidência a falta de segurança nos casos de renegociação de dívidas soberanas e que é preciso resolver isso.

Antes de avançar, é bom ter em conta que o calote argentino não aumentou a insegurança. Apenas demonstrou que a falta de regras claras e firmes a serem colocadas em prática em casos de defaults (calotes) de Estados soberanos põe a nu as incertezas e os custos mais altos nessas dívidas. (Veja no Entenda, por que o problema existe.)

Nesta segunda-feira, o Instituto Internacional de Finanças, que reúne os interesses comuns aos maiores bancos do mundo, preferiu avaliar que o pouco cuidado com que a Argentina vem lidando com o problema é caso único no mundo. Ele multiplicará as consequências negativas para a economia argentina, mas não tende a se repetir nem a criar problemas insustentáveis para o sistema financeiro global. Aparentemente, a Argentina teria preferido que uma crise grave acontecesse para que seu caso fosse incluído na solução de uma crise internacional.

Enfim, a dinâmica das finanças globais tende a encarar a insegurança de fundo como defeito de nascença com que se tem de conviver para o resto dos dias ou até quando houver disposição internacional de encontrar saída para isso.

Também parece descabido insistir na tese de que não houve calote, só porque, afinal, o governo argentino depositou os recursos devidos em conta bancária. O que vale é que, para os efeitos de pagamento de seguro, a Associação Internacional de Swaps e Derivativos (Isda, na sigla em inglês) já reconheceu, a pedido da União de Bancos Suíços, que o default ficou tecnicamente caracterizado.

É que não basta que pagamentos sejam feitos. Para que não se configure calote, os credores também têm de ter acesso a eles. E, no caso, eles não tiveram acesso porque a Argentina descumpriu sentença pronunciada por juiz de um foro escolhido pela própria Argentina. Está lá no contrato da dívida que, em caso de conflito, o foro determinado para dirimi-lo seria o de Nova York.

Também não cabe a alegação de que o juiz Thomas Griesa exorbitou de suas atribuições. Desde o início pressupunha-se que ele podia tomar decisões favoráveis ou não à Argentina e quaisquer que fossem, deveriam ser cumpridas. Outra questão é o que fazer se, também soberanamente, a Argentina decidir não cumprir a sentença judicial.

Independentemente disso, não ajuda em nada o ministro Guido Mantega assumir as dores e todo o melodrama argentino, como se essas coisas sem solução política tivessem de se resolver politicamente.

Em vez de se empenhar em buscar uma saída, no momento, o governo argentino se limita a demonizar sucessivamente quem não concordar com ele. Demonizou primeiramente os credores que recorreram à Justiça, os quais chama de fundos abutres. Em seguida, demonizou o juiz Griesa, a quem acusa de não entender de direitos soberanos. E, agora, demoniza o mediador Daniel Pollack, a quem ontem o chefe de Gabinete da presidente Kirchner, Jorge Capitanich (foto), chamou de “parcial”.

Pode servir como esperneio, mas não como estratégia que aponte para uma saída.

ENTENDA

Calote soberano
Em todos os países, a lei define o que fazer caso uma empresa, ou até mesmo uma pessoa física, fique impossibilitada de saldar seus compromissos, independentemente dos erros administrativos que tenha cometido.

Concordata
Essa lei define quando essa empresa (ou pessoa física) pode recorrer à proteção judicial (concordata) para recomposição e liquidação do seu passivo. Define, também, qual a prioridade para ressarcimento dos credores com base no levantamento das massas falidas e em que proporção.

Veto
A última proposta para normalizar processos de reestruturação de Estados soberanos foi elaborada em 2002 pela então número dois do Fundo Monetário Internacional (FMI), Anne Krugman, e engavetada por força do veto dos Estados Unidos. E assim permanecerá sabe-se lá até quando.


A falta do coletivo - ILAN GOLDFAJN

O GLOBO - 05/08

Políticas econômicas são desenhadas mirando o interesse nacional. O impacto nos outros países fica em segundo plano



Estive recentemente em uma conferência internacional em Cusco, Peru. Entre as maravilhas dos incas, suas trilhas perfeitas pelas montanhas e as ruínas que nos permitem vislumbrar aquela civilização avançada, discutiu-se como o mundo está cada vez mais conectado e quais políticas globais fazem falta (muitas). Pensar em como melhorar a arquitetura financeira internacional — e a inserção do Brasil — fez bem. Mas a volta foi dura: tanto a realidade no Brasil, com as dificuldades na recuperação da economia, quanto no mundo, com o conflito em Israel que me aflige.

Neste mundo cada vez mais interconectado, cada país essencialmente parece só. Na economia, apesar de todo o arcabouço existente, políticas econômicas são desenhadas mirando o interesse nacional. O impacto nos outros países fica em segundo plano.

Um exemplo relevante é a premente decisão do Fed, o banco central americano, sobre quando elevar os juros, que hoje estão nas mínimas históricas, em zero. Essa decisão é soberana. Será definida pelos dados econômicos nos EUA, não no resto do mundo, como o desemprego, que está caindo, e a expectativa de inflação ainda baixa. A subida dos juros ocorrerá quando ficar mais claro para o Fed que a economia dos EUA saiu da longa estagnação, iniciada na crise de 2007-2008. Tudo indica que acontecerá no ano que vem. Mas a subida de juros sinalizará simultaneamente que a época de dinheiro barato e fluxos de capitais abundantes estará no seu fim. Os fluxos de capitais mudarão de direção e afetarão os outros países. Sem decidir quando, cada país precisará lidar com a pressão de depreciação, inflação e juros mais altos na sua economia. A política é local, mas suas consequências, globais.

De certa forma, os interesses não estão completamente desalinhados. Uma política adequada do Fed permitirá à economia americana crescer de forma segura e, ao mesmo tempo, evitar riscos financeiros, como bolhas em alguns ativos. O mundo deve se beneficiar do crescimento dos EUA e do risco financeiro menor. Mas permanece a preocupação sobre o impacto nas outras economias no momento da reversão da direção dos fluxos de capital. Estarão todos os países preparados para isso? Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou um relatório analisando o impacto de um choque externo em 29 países. O impacto não será igual em todas as economias e nem todas estão preparadas.

Seria mais fácil se houvesse um arcabouço internacional que permitisse aos países se coordenarem em momentos de necessidade, financiando os que precisam de liquidez, permitindo suavizar o choque. O FMI, na sua composição atual, não tem ainda a agilidade necessária nem os recursos para essa tarefa (não é um emprestador de última instância, como os bancos centrais). Na crise de 2008, coube ao Fed decidir quem teria liquidez, através de suas linhas de swap com alguns poucos bancos centrais (o Brasil, inclusive). Mas é necessário algo mais organizado, multilateral.

Hoje em dia, cada país se defende montando seu arsenal, acumulando reservas internacionais para serem usadas em caso de crise. Quando há choques e saídas de capital, a venda de reservas suaviza o impacto na economia. O acúmulo de reservas é o sinal da falta de confiança numa resolução coletiva, num arcabouço internacional.

Mas todos armam a sua defesa e o resultado coletivo é pior. A busca por reservas — basicamente ativos líquidos e seguros — é exagerada, pelo menos do ponto de vista coletivo. A intensa busca por ativos internacionais considerados sem risco (como os títulos do Tesouro americano) eleva muito o seu preço. Países pagam para terem reservas, para guardarem seus arsenais.

A reciclagem desses recursos de volta para financiamento de atividades produtivas é imperfeita. Há “empoçamento” de liquidez. Os recursos não fluem com facilidade e segurança (muito concentrados no curto prazo) dos que poupam para aqueles que precisam de financiamento para investir. Portanto, suspeito que o potencial de crescimento no mundo deva sofrer com essa versão moderna do “mercantilismo”.

Um mecanismo internacional que de fato permita suavizar o choque entre os países, atuando como um efetivo mecanismo de emprestador de última instância, poderia reduzir a insegurança coletiva atual. Só assim seria possível diminuir a necessidade de acúmulo de reservas, o mecanismo mais claro do mercantilismo moderno. Com isso, as distorções no mercado financeiro internacional poderiam diminuir, e o potencial de crescimento no mundo, aumentar. Enquanto essa realidade não chega, o recomendável é manter a economia em ordem e preparar-se para o próximo choque internacional, que pode já ocorrer no próximo ano.

Fatos e versões - JOSÉ PAULO KUPFER

O ESTADÃO - 05/08


Mais de uma semana e meia depois, a recomendação do Santander para clientes adequarem seus investimentos ao ciclo político, continua produzindo reações dos mais variados teores. Abriu-se um leque que vai da crítica ao banco pela recomendação, como fez o governo, à condenação do governo pela "censura" ao banco, como fizeram analistas de mercado.

Na profusão de argumentos utilizados para a defesa desta ou daquela atitude, emergem evidências de quanto as recomendações de compra ou venda de ativos nem sempre conseguem evitar confusões entre fatos perfeitamente observáveis e expectativas, mesmo formadas a partir desses fatos, ainda por se confirmar no futuro. Quando não é possível delimitar bem essa fronteira e a confusão passa a influenciar as tendências de preço dos ativos, seria mais proveitoso tentar definir se uma instituição financeira deve ou não divulgar recomendações de compra ou venda, em vez de embarcar no Fla-Flu de quem pode ou não pode fazê-lo.

Não parece tão difícil estabelecer critérios para uma decisão desse tipo. Uma ideia para evitar recomendações indesejavelmente especulativas é combinar o nível de risco envolvido na recomendação, a quantidade de potenciais investidores alcançados por ela e o seu grau de sofisticação na avaliação de aplicações financeiras. Quanto maiores forem os dois primeiros e menor o último, mais alta deveria ser a cautela nas indicações.

Esse cuidado pode ser necessário, caso o objetivo da recomendação não seja meramente especulativo, justamente porque, nos ciclos políticos presididos por eleições presidenciais, os fatos da economia nem sempre determinam o resultado das urnas e este nem sempre garante que o eleito adote a política econômica dele supostamente esperada. Nas quase três décadas depois da volta da democracia no País, essa verdade já se apresentou com tantas faces que ficou impossível antecipar qualquer padrão de funcionamento.

Era fato, por exemplo, nas eleições de 1998, que o regime de câmbio fixo vigente se tornara insustentável, mas o fato não deu a vitória à oposição e a mudança, para o regime de câmbio flutuante, veio com o presidente reeleito. Na eleição seguinte, o desejo de mudança prevaleceu, impulsionado pelo fato de a economia se encontrar extremamente frágil, necessitada inclusive de mais um socorro do FMI. Porém, ao ganhar, a oposição manteve, em aspectos importantes, a política econômica vigente.

Os fatos, no ciclo atual, mostram uma economia frágil, namorando a estagflação. Não adianta o governo Dilma desqualificar, como tem feito sistematicamente, as análises que apontam para o baixo crescimento, a inflação alta e pressões no setor externo como fatores a exigir mudanças na política econômica. Mas, se mudanças parecem se apresentar como incontornáveis, não é fato que só poderão ser levadas a cabo pela oposição ou mesmo que a oposição as promova ou, ainda, que, ao promovê-las, alcance os bons resultados esperados

Já são suficientes as indicações de que da cartola do governo que pleiteia a reeleição não sairá, durante a campanha eleitoral, nenhum coelho que indique autocritica ou caminhos alternativos para um segundo mandato. O que se vê da oposição, do mesmo modo, não tem sido diferente do que já se conhece de outros carnavais eleitorais. As propostas vão perdendo nitidez à medida em que crescem para algum candidato oposicionista as chances de uma disputa mais competitiva.

Sem muitas bases concretas de avaliação, exceto suposições de políticas econômicas a serem adotadas por candidatos, as apostas com base nos vaivéns das pesquisas eleitorais são, portanto, bastante arriscadas. O fato de que a economia está frágil não sustenta sozinho as versões, apoiadas nas instáveis nuvens da política, que estão levando o mercado de ações à formação de bolhas perigosas.


Sustentabilidade do agronegócio - ANTÔNIO MÁRCIO BUAINAIN

O ESTADO DE S.PAULO - 05/08


O agro é um bom negócio para o Brasil, um dos poucos que têm funcionado bem, produzindo alimentos, matérias-primas e energia que se traduzem em renda, empregos, divisas e bem-estar para a sociedade. E o bom desempenho vem sendo obtido apesar dos problemas associados à infraestrutura precária, à legislação inadequada, a políticas erráticas e a um sem-número de incertezas, das climáticas àquelas criadas pela incompreensão sobre o papel do agronegócio.

Valorização e Protagonismo foi o tema do 13.º Congresso da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), realizado ontem em São Paulo, em que se destacou a necessidade de valorizar este setor cuja importância ainda não é plenamente reconhecida pelo governo e pela sociedade. Bolívar Lamounier destacou que, apesar da contribuição positiva da agricultura, o setor é ainda vítima de um viés antirrural que marca a urbanização do País.

No evento, foi apresentada aos presidenciáveis uma proposta com 5 princípios para transformar o agronegócio num dos eixos centrais da economia brasileira: 1) desenvolvimento sustentável; 2) competitividade; 3) orientação para os mercados; 4) segurança jurídica; e 5) governança institucional. É preciso ter claro que tais princípios deveriam pautar a formatação da política pública e a ação do setor privado. E, ainda, que a sustentabilidade responde tanto às políticas públicas de financiamento, seguro, assistência técnica, etc., quanto à aplicação correta da tecnologia disponível, ao respeito ao meio ambiente e ao uso adequado dos recursos naturais, que dependem da cultura e da atitude dos produtores.

A sustentabilidade deste grande negócio é fundamental para o País pois vastas áreas do território nacional e milhões de brasileiros não teriam outra alternativa para sobreviver fora do agronegócio. Sustentabilidade exige, antes de mais nada, estabilidade das instituições e das regras que orientam as ações do governo e da sociedade. Nesse sentido, os produtores cobram do setor público a adoção de um planejamento de médio e de longo prazos, formalizado num Plano de Safra Plurianual que assegure um horizonte razoável para decisões de investimento e de produção, que raramente são anuais. Cobram, ainda, segurança jurídica para a propriedade da terra e os contratos em geral, incluindo os realizados entre privados, que dependem de uma legislação adequada e da capacidade de a Justiça fazer valer a lei e os acordos.

Não existe sustentabilidade sem competitividade, e, neste quesito, é hora de compreender que o sucesso do passado não é garantia de sucesso futuro e que, se não acordarmos rapidamente para enfrentar os desafios do presente, quando o fizermos já teremos perdido o futuro. A ineficiência da infraestrutura eleva os custos e pode inviabilizar segmentos produtivos importantes caso os preços, ainda elevados, venham a se estabilizar num patamar 20% abaixo da média dos últimos três anos - hipótese bem plausível.

A competitividade depende ainda de um sistema de defesa agropecuária ágil e eficiente, quase o oposto do atual, que é caótico, velho, frágil e deixa o setor à mercê das pragas e doenças, que encontram nossas fronteiras livres e desimpedidas. Também depende da pesquisa, desenvolvimento e inovação, no que contamos com recursos humanos qualificados e algumas boas instituições públicas e privadas, cuja capacidade de ação é emperrada por um marco jurídico ruim e pela falta de incentivos econômicos.

Na palestra inaugural, o economista Samuel Pessoa indicou que a dinâmica da economia brasileira vem sendo determinada por duas agendas: a do contrato social da redemocratização, que é estrutural, e a da matriz de política econômica, que é técnica e decorre das preferências dos gestores responsáveis pela economia. Para ele, além da aplicação dos cinco princípios indicados acima, a sustentabilidade do agronegócio depende da adoção de uma novíssima matriz econômica que corrija os equívocos da política dos últimos anos, responsável pelo fraco desempenho da nossa economia, apesar do excelente desempenho do agronegócio.


Separando os bons ativos - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 05/08


Portugal começou a solucionar o problema do seu maior banco com uma tecnologia parecida com a do Proer, dos anos 1990, no Brasil. Os ativos com liquidez foram separados dos ativos tóxicos, dois bancos foram criados, e os acionistas e controladores ficaram com o banco ruim. Na instituição boa, estão todos os clientes e seus depósitos, garantidos por um empréstimo do governo.

Nem sempre é usada essa engenharia financeira, que tem a vantagem de salvar os depositantes e punir os controladores e administradores. Nos Estados Unidos, depois da quebra do Lehman Brothers, o Tesouro e o Fed despejaram bilhões sobre os bancos em dificuldade para que nenhum outro quebrasse. Logo depois, os administradores, que haviam tomado as decisões temerárias, estavam recebendo bônus de performance e ninguém foi punido.

Em Lisboa, ontem, a ministra das Finanças de Portugal, Maria Luís Albuquerque, disse que tem que haver punições severas diante das irregularidades encontradas no banco. Ainda não se sabe detalhes e, para terminar bem, será necessária muita perícia nesta transição.

O Banco Espírito Santo, com sua longa história e sua importância para a economia portuguesa, sofreu intervenção e neste fim de semana se anunciou a solução: ele será capitalizado com € 4,9 bilhões, através de um empréstimo tomado pelo Fundo de Resolução, com as mesmas funções do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

Aqui, o FGC foi usado em várias operações. Na mais notória delas, salvou-se o Banco PanAmericano, em 2010, no governo Lula, mas com uma diferença fundamental: foram protegidas as finanças dos controladores com o dinheiro do Fundo. Em Portugal, a operação foi mais parecida com a do Proer dos anos 90, porque os controladores e acionistas perderam os ativos saudáveis. Eles ficarão apenas com os bens com dificuldade de recuperação.

A solução ainda não está completamente desenhada, mas a nova instituição, com os ativos bons, será chamada de Novo Banco. É considerado uma espécie de banco-ponte, porque será vendido para outro grupo, quando, então, terá um novo nome. Já os acionistas do velho Banco Espírito Santo terão prejuízos pela má gestão da instituição. Até os minoritários, como o Bradesco, terão prejuízo, já que eram acionistas. Nada que assuste, porque o banco brasileiro é sólido e a participação era pequena.

No caso do Banco Espírito Santo, a orientação das autoridades europeias a Portugal foi que evitasse a estatização do banco e, por isso, ele será vendido no futuro e o empréstimo veio através do Fundo de Resolução e da Linha de Recapitalização. Nesse aspecto, fica diferente de várias operações recentes de instituições financeiras no mundo que foram resgatadas com dinheiro público, e algumas praticamente estatizadas, como a seguradora AIG, dos Estados Unidos.

Crise bancária acontece com certa frequência no mundo e, em geral, as instituições se sentem protegidas da falência por acreditar na máxima do "grande demais para quebrar". Seus administradores e controladores acham que serão resgatados pelo governo, pelo efeito demolidor que a quebra de uma instituição financeira tem sobre a economia. De fato, há o risco da crise sistêmica, mas a economia não precisa ficar debaixo dessa chantagem do tamanho da instituição.

A fórmula é separar o banco bom do banco ruim, entregar o segundo para os acionistas e controladores da instituição que quebrou, investigar a administração do banco para identificar responsabilidades, vender os ativos saudáveis para um novo grupo e, através de um empréstimo, garantir a integralidade dos ativos dos aplicadores e correntistas.

Aqui, os bancos foram resgatados de duas formas. Nos anos 1990, através do Proer, em que banqueiros como Ângelo Calmon, a família Magalhães Pinto, ou a família Andrade Vieira perderam seus ativos, os bancos Econômico, Nacional e Bamerindus. Na segunda onda de quebra de bancos, no governo Lula, as instituições receberam empréstimos do Fundo Garantidor de Crédito, criado pela Lei do Proer. O caso mais controverso foi o do PanAmericano, porque nele o grupo Silvio Santos teve todos os seus ativos liberados. O que complicou mais ainda a situação foi que a Caixa Econômica Federal havia comprado 49% do capital do banco pouco tempo antes.

Farsa reveladora - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 05/08

Se juntarmos as pressões bem-sucedidas sobre o Tribunal de Contas da União (TCU) para retirar o Conselho de Administração da Petrobras do rol dos culpados pelo prejuízo causado pela compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, à denúncia de que o depoimento de ex-diretores da estatal na CPMI do Congresso não passou de uma farsa, já que eles tiveram acesso antecipado às perguntas, e foram treinados sobre qual resposta dar, temos mais um grande escândalo envolvendo o Palácio do Planalto e, pelo menos indiretamente, a própria presidente Dilma Rousseff.
Ela foi a principal beneficiária da decisão do TCU de não incluir o Conselho na relação dos culpados, pois o presidia à época em que a compra da refinaria foi aprovada. O próprio ex-presidente Lula entrou no circuito, pressionando seu ex-ministro José Mucio - e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, acompanhou o advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, a uma audiência com o presidente do TCU para tentar adiar a decisão.

Os demais diretores da Petrobras tiveram seus bens bloqueados e responderão a um processo, inclusive a atual presidente Graça Foster, excluída da lista inicial por um engano do TCU que será sanado ainda esta semana. A reação de vários deles foi de denunciar a responsabilidade de Dilma e de todo o Conselho na compra, o que parecem dispostos a repetir na investigação do Tribunal de Contas.

Não é à toa, portanto, que o ex-presidente José Sérgio Gabrielli e o ex-diretor Nestor Cerveró, acusado por Dilma de ser o responsável por um relatório falho que teria levado o Conselho a tomar uma decisão errada, foram tratados a pão de ló pelos assessores governamentais e líderes do PT, que trataram de lhes preparar não apenas as perguntas, mas também as respostas, para que os depoimentos na CPI da Petrobras tivessem aparência de coerência.

A denúncia da revista "Veja", com base em uma gravação clandestina feita por alguém presente em uma reunião na qual o assunto foi tratado em Brasília, mostra que o próprio relator da CPI no Senado, o petista José Pimentel, usou a presidente da Petrobras, Graça Foster, e o diretor da estatal e seu ex-presidente José Eduardo Dutra para passar para os ex-diretores que iriam depor as perguntas que seriam feitas.

Na reunião gravada aparecem o chefe do escritório da Petrobras em Brasília, José Eduardo Sobral Barrocas, o chefe do departamento jurídico do escritório, Leonan Calderaro Filho, e um advogado da estatal, Bruno Ferreira, conversando sobre a melhor estratégia para encaminhar as perguntas.

Segundo Barrocas, as perguntas teriam sido formuladas pelo assessor especial da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência Paulo Argenta; pelo assessor Marcos Rogério de Souza, da liderança do governo no Senado; e por Carlos Hetzel, assessor da liderança do PT na Casa. A participação do assessor da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência leva o escândalo para o Planalto, onde trabalha seu chefe, o deputado Ricardo Berzoini, o mesmo envolvido na eleição de 2006 no escândalo dos aloprados.

De acordo com declarações dos participantes da reunião, o senador petista Delcídio Amaral, que já foi diretor da Petrobras e é apontado como próximo a Cerveró, foi o intermediário para que chegassem a ele o que chamam cinicamente de "gabarito", isto é, as perguntas e as respostas certas, como se tivessem conseguido antecipadamente o resultado certo de um vestibular.

Era "pule de dez", como se diz no Jóquei quando um cavalo favorito vence o páreo, que a CPI sobre a Petrobras seria uma enganação, pois o governo, tendo a maioria, a controlaria. Mas o que não se sabia é que o caso é tão perigoso para o governo que seria necessário armar uma farsa mais ampla que a pura negligência na apuração.

Pela reação dos ex-diretores da Petrobras acusados pelo TCU, enquanto tudo não for resolvido da melhor maneira para eles, pairará sobre o Palácio do Planalto a ameaça de revelações que até agora foram contidas por movimentos radicais como a farsa da CPI. O ex-presidente Gabrielli, que já dissera que a presidente Dilma não pode fugir "de suas responsabilidades", está calado, mas outros diretores anunciaram que não aceitarão a culpa sozinhos.

A ousada manobra para ajudá-los na CPI do Congresso dá bem a mostra do poder de fogo que têm. E dizem que a construção da refinaria Abreu e Lima é muito mais problemática do que a compra da refinaria de Pasadena.

Tropeço da tropa - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 05/08


Pode ter sido só uma coincidência.

Não há na denúncia sobre a farsa dos depoimentos previamente acertados na CPI da Petrobrás no Senado nada que estabeleça uma relação direta de causa e efeito entre uma declaração do ex-presidente Luiz Inácio da Silva feita em abril último e a denúncia que agora vem a público em gravação transcrita e divulgada pela revista Veja.

Realmente pode ter sido só uma coincidência o fato de Lula ter pedido ao PT que fosse "para cima" da oposição na CPI da Petrobrás a fim de evitar que os trabalhos prosperassem, e a trama cujos contornos se desenham em um vídeo de 20 minutos sobre acertos a respeito das perguntas de senadores e respostas dos convocados a depor.

Na ocasião - uma conversa com blogueiros amigos na sede de seu instituto -, o ex-presidente lembrou que o mensalão começara com uma CPI para investigar denúncia de pagamento de propina nos Correios. Na opinião dele, o PT deveria aprender a lição e não repetir o equívoco de ficar esperando soluções jurídicas. Era preciso ir à luta.

A tropa governista foi ao combate. Usando os instrumentos de praxe. Primeiro, a manobra da presidência do Senado de tentar cassar o direito da minoria, tentativa devidamente cassada pelo Supremo Tribunal Federal.

Depois, recorreu ao seu direito legal de usar a maioria para fazer de conta que investigava para não investigar coisa alguma. Ao ponto de a compra da refinaria de Pasadena não fazer parte da pauta da CPI.

Já ia a comissão de inquérito caminhando para a pretendida insignificância - em parte devido à irrelevância dos depoimentos, em parte à falta de quórum nas reuniões e, por último, à ausência de parlamentares devido às férias pré-eleitorais que o Congresso se autoconcedeu, quando voltou a ter importância.

Não pelos motivos certos, a investigação correta dos negócios da Petrobrás, mas pela informação que esclarece a razão pela qual aqueles depoimentos eram tão desinteressantes, não obstante os depoentes - Graça Foster, José Sergio Gabrieli e Nestor Cerveró - fossem detentores de dados relevantes.

A julgar pela transcrição da gravação, estava tudo combinado. As testemunhas sabiam o que lhes seria perguntado, estavam devidamente orientadas para responder de maneira legalmente adequada aos interesses governamentais e os senadores preparados para aceitar o que ouviam sem contestar.

Do ponto de vista do comprometimento de um processo de investigação, não poderia haver nada mais perfeito. Um método muito sofisticado, e pérfido, de desmoralizar completamente a função de fiscalização do Congresso.

A presidente Dilma Rousseff não deixa de ter razão quando diz que o Parlamento precisa se explicar. Sobre o envolvimento do Planalto por ora há apenas uma presunção e uma conjugação suspeita de interesses.

Mas, em relação ao Senado, o cenário se delineia mais claro. Não é apenas o relator da CPI, José Pimentel quem fica na berlinda. São os integrantes da comissão que ou repassaram suas perguntas para os "treinadores" ou aceitaram passivamente fazer as indagações que lhes foram passadas por eles.

Desse ponto de vista, a oposição fez bem em não querer participar da CPI. E a situação, ao trazê-la de novo ao foco, pode ter obtido o efeito contrário ao originalmente pretendido.

Nome ao boi. O vice-presidente, Michel Temer, foi enfático ao pedir que o candidato do PMDB ao governo de São Paulo dê menos atenção às pesquisas e mais importância à política, deixando de ouvir tanto o marqueteiro Duda Mendonça responsável pela orientação para que se afaste da presidente Dilma Rousseff devido aos altos índices de rejeição.

Temer lembrou que Duda acaba de perder uma eleição na Colômbia, na qual trabalhou pelo candidato Óscar Iván Zulvaga, derrotado pelo presidente Juan Manuel Santos.


Tudo embolado - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 05/08


BRASÍLIA - Difícil dizer o que é pior: assessores do governo e das lideranças do governo e do PT no Senado redigindo "gabarito" para fazer da CPI da Petrobras uma farsa, ou o governo Lula transformando o Sesi num antro de pelegos ricos de fazer inveja à ditadura militar.

Uma fita amadora obtida pelo repórter Hugo Marques deixa a CPI, a Petrobras e o governo federal numa posição delicada. Foi Dilma quem acusou a Petrobras de fazer um negócio danoso com a compra da refinaria de Pasadena. Agora é a equipe de Dilma no Congresso e no Planalto que prepara a defesa de Graça Foster, José Sérgio Gabrielli e Nestor Cerveró, providenciando as perguntas da CPI e até as respostas que dariam?!

Se for assim, os servidores, sobretudo o do Planalto, fizeram um serviço de ética questionável, os senadores se prestaram a um papel lamentável, e o que dizer de Foster, Gabrielli e Cerveró? Eles não tinham respostas autônomas? Papagaiaram mentiras?

O mais grave é Cerveró, que assumiu dois papéis nesse teatro: foi acusado por Dilma de fazer um parecer falho e incompleto que a induziu a a erro; e agora é defendido pelo próprio governo de Dilma, que lhe teria enviado um script pronto para... rebater o que a própria presidente da República disse publicamente.

Dedução lógica: os escândalos da Petrobras estão associados aos governos Lula e Dilma e é preciso amenizar seus efeitos na campanha. Só isso explica ligar a máquina do Planalto para salvar até mesmo Cerveró.

Já o repórter Murilo Ramos mostrou que uma das noras de Lula (R$ 13,5 mil por mês), a mulher do mensaleiro João Paulo Cunha (R$ 22 mil) e três outros petistas de carteirinha (mais de R$ 30 mil cada um) foram contratados pelo Sesi depois de 2003, já no governo Lula, não necessariamente para trabalhar. Aliás, nem mesmo para dar expediente como os meros mortais.

O bom da história é que a denúncia partiu de funcionários que levam o Sesi a sério. Se a moda pega...


O ‘Sistema S’ continua uma caixa-preta - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 05/08


Revelação da revista ‘Época’ de que nora do ex-presidente Lula emulher do mensaleiro João Paulo Cunha estão na folha do Sesi recoloca em questão este aparato



O metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva e companheiros que lançaram as fundações da CUT e do PT, no fim da década de 70, lutavam por um programa de reformas modernizantes do meio sindical e das relações trabalhistas. Vociferavam contra o enorme aparato herdado de Getúlio Vargas, de inspiração no fascismo de Mussolini, em que as representações sindicais, de patrões e empregados, eram parte do Estado.

Defendiam o fim da unicidade sindical, para que vários grêmios pudessem se constituir na mesma região e disputar livremente o apoio entre os trabalhadores. Por coerência, eram contrários a todas as contribuições compulsórias, o imposto sindical entre elas. E, não poderia deixar de ser, atacavam o “Sistema S”, outra criação getulista, um conjunto de entidades sustentadas por deduções legais nas folhas de pagamento da indústria, do comércio e atividades rurais.

Os metalúrgicos daquele tempo também criticavam o fato de um enorme volume de recursos subtraídos dos salários transitar por Senai, Sesc, Sesi, entre outras siglas, sem transparência. O chamado Sistema S reúne características que facilitam o desperdício de recursos. Haja vista denúncias de gastos em sedes suntuosas pelo Brasil afora, entre outros desmandos.

Porém, ao chegar ao poder, Lula, seu partido PT e a CUT mudaram de opinião, e todo aquele aparato getulista foi colocado a serviço do projeto de poder petista. No fim do primeiro mandato, Lula oficializou a CUT e demais centrais. Com isso, elas passaram a ter direito a uma parte do butim do imposto sindical — tão criticado no tempo heroico da luta contra a ditadura. E, no primeiro ano do segundo mandato, Lula conseguiu aprovar no Congresso projeto que garantiu espaço para os sindicatos na gestão das entidades do Sistema S. Os bilhões que transitam por Senai e Sesc passaram a ficar ao alcance de decisões dos antigos metalúrgicos aguerridos.

Tornou-se inevitável o “aburguesamento” de líderes, caso do ex-radical Jair Meneguelli, já há onze anos presidente do conselho do Sesi, por nomeação do ainda presidente Lula, antes mesmo desse sistema de cogestão.

A última edição da revista “Época” revelou que a própria família de Lula se beneficia da influência que petistas e cutistas passaram a ter no Sistema S: uma das noras do ex-presidente, Marlene Araújo Lula da Silva, formalmente trabalha no “escritório de representação” do Sesi em São Bernardo do Campo. Em situação semelhante está Márcia Regina Cunha, mulher do mensaleiro petista condenado João Paulo Cunha. Outro ponto comum entre Márcia e Marlene é que não costumam comparecer ao local de trabalho: uma em São Bernardo; a outra, em Brasília. A descoberta recoloca o Sistema S em questão. Não apenas pelo seu aspecto de baixa transparência, mas pelo peso no custo das empresas em comparação com o retorno que dá para a sociedade.

Para ocultar a podridão - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 05/08


Só pode ter uma causa a farsa armada pelo governo, o PT e a Petrobrás na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o escândalo da compra da Refinaria de Pasadena, em curso no Senado - a seleção sob medida e o repasse antecipado das questões a cair nas sabatinas a que se submeteriam figurões da estatal, como revelou a revista Veja -: a ânsia de calafetar até a mais microscópica das frestas do caso para que permaneçam nas sombras as dimensões do pântano profundo que recobre os subterrâneos da transação.

Segundo o transcrito de uma conversa de 20 minutos filmada a que a publicação teve acesso, o chefe do escritório da Petrobrás em Brasília, José Eduardo Sobral Barrocas, comentou com o advogado da empresa, Bruno Ferreira, e um terceiro interlocutor não identificado que o assessor especial da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Paulo Argenta; o assessor da liderança do governo no Senado, Marco Rogério de Souza; e o assessor da liderança do PT na Casa, Carlos Hetzel, foram os autores das perguntas previamente encaminhadas à presidente da petroleira, Graça Foster, ao seu antecessor Sérgio Gabrielli e ao ex-diretor Nestor Cerveró, para que combinassem as respostas a fim de não cair em contradição. Eles depuseram na CPI entre os dias 20 e 27 de maio.

Dos 13 membros do colegiado, que tem 180 dias de prazo para apurar o negócio de Pasadena e as ligações de funcionários da Petrobrás com o doleiro Alberto Youssef, 10 são governistas. Maioria na Casa, as lideranças do PMDB, PT e de outras siglas da base do Planalto haviam se apropriado, numa operação a que não esteve alheia a presidente Dilma Rousseff, de uma iniciativa da oposição, quando ficou claro que não seria possível bloqueá-la. Lesados, os oposicionistas conseguiram emplacar outra CPI, dessa vez mista, e ignoraram a contrafação montada no Senado, tendo como presidente o peemedebista Vital do Rêgo e como relator o petista José Pimentel. Nem essa confortável situação era o bastante, agora se sabe. "Risco zero" foi a palavra de ordem.

Isso não pode ser atribuído a um velho cacoete petista nem, apenas, ao cuidado para que nada, absolutamente nada, possa respingar no projeto da reeleição de Dilma - que, em 2006, chefiando o Conselho de Administração da Petrobrás, autorizou a compra de metade da refinaria, por 8,5 vezes mais do que a sua proprietária, o grupo belga Astra Oil, havia pago pelo empreendimento inteiro, apenas um ano antes. A estatal acabaria enterrando na tenebrosa transação US$ 1,245 bilhão, com um prejuízo de US$ 792 milhões, segundo o Tribunal de Contas da União. Em decisão recente, que se seguiu a intenso trabalho de lobby, o órgão isentou a presidente de qualquer responsabilidade pelo maior rombo na história da empresa e resolveu abrir outra ação contra 11 dos seus diretores ou ex-diretores.

Por que então os operadores do Planalto, com a presumível cumplicidade do relator José Pimentel, prepararam e entregaram a "cola" da prova aos sabatinados? Repita-se: o único motivo que faz sentido era impedir que, por descuido, um deles desse uma pista das enormidades que possam estar por trás do escândalo de Pasadena. Não que inexistam indícios veementes disso. Basta citar um exemplo pontual, uma ponta de iceberg: um relatório da própria Petrobrás, obtido em abril pelo jornal O Globo, descobriu que, em fevereiro de 2010, US$ 10 milhões foram retirados da conta da refinaria mediante mera autorização verbal - não se sabe de quem, para quem e para quê. E Pasadena muito provavelmente não foi um raio em céu azul.

O PT no poder, ao aparelhar a Petrobrás, "criou um monstro", como disse certa vez o general Golbery do Couto e Silva da sua criatura, o Serviço Nacional de Informações (SNI). E se há uma personagem central nesse processo, que permitiu o inadmissível na estatal, é a então ministra de Minas e Energia, depois titular do Gabinete Civil e, enfim, chefe do governo. Ninguém, ao longo desses anos, nem mesmo o ex-presidente Lula, há de ter tido influência comparável na estatal. É dela, portanto, a responsabilidade objetiva - não por uma ou outra decisão desastrosa ou falcatrua, mas pelo conjunto da obra.


Refinaria de mentiras - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 05/08


Diálogo gravado menciona armação na CPI e aprofunda descrédito quanto à vontade de investigar o nebuloso negócio da Petrobras


O enfrentamento de governo e oposição em palcos como a campanha eleitoral e as comissões parlamentares de inquérito têm, vez ou outra, a utilidade de balançar as cortinas que ocultam os bastidores de grandes negociatas.

A propaganda política ainda conta com efeitos especiais para tapar as frestas abertas, mas esse recurso nem sempre está à disposição nas CPIs --e o que se vê é um espetáculo mambembe, em que raramente alguém sai nocauteado.

O caso Pasadena não representa exceção à regra, como indica a fraude noticiada pela revista "Veja". Se confirmada a armação comentada por funcionários da Petrobras no vídeo que serve de base à reportagem, chega-se muito perto da total desmoralização das CPIs.

As imagens mostram o chefe do escritório da Petrobras em Brasília e um advogado da empresa. Eles trocam informações sobre formas seguras de fazer chegar perguntas preparadas pelo governo a depoentes na comissão do Senado.

O "gabarito" teria sido contrabandeado pelo senador José Pimentel (PT-CE) à atual presidente da Petrobras, Graça Foster, ao ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli e ao ex-diretor da área internacional Nestor Cerveró.

No vídeo, afirma-se que as questões combinadas foram obra de Paulo Argenta, assessor da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.

A compra da refinaria nos EUA, vale lembrar, subiu à condição de escândalo com ajuda da presidente Dilma Rousseff (PT). Ela, que presidia o conselho da Petrobras à época da malfadada transação bilionária, buscou eximir-se de responsabilidade pelo fiasco atribuindo sua aprovação a um parecer malfeito.

A manobra estimulou a conjectura de que, para além de incompetência da direção da estatal, tenha havido irregularidade e má-fé no prejuízo causado pela aquisição.

Sob pressão, o Congresso criou duas CPIs para o caso, e em ambas o Planalto fez de tudo para manter o controle. Na primeira, no Senado, garantiu sólida maioria --e, mesmo assim, terá sentido a necessidade de manipular depoimentos.

Na CPI mista aberta em seguida, o governo petista instalou como presidente o mesmo condutor da comissão do Senado, Vital do Rêgo (PMDB-PB). Para relator elegeu o fiel deputado Marco Maia (PT-RS), garantia de poder sobre pauta e agenda de testemunhos.

Todo esse empenho é decerto proporcional à gravidade ainda mal vislumbrada do escândalo Pasadena e seu potencial de dano nas urnas. O Legislativo, porém, mais uma vez se contenta com encenar uma pantomima subserviente.

A farsa na CPI da Petrobras - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 05/08

Fosse trama criada por Dias Gomes, Janete Clair ou Aguinaldo Silva, por certo o autor mereceria aplausos pela capacidade criativa. Enredar o Senado, a Petrobras, o PT e o Palácio do Planalto em fraude contra o povo é obra de mestre. Imaginar que a montagem da farsa passaria despercebida em época de big brothers é descuido de principiante. As microcâmeras registram o cenário, os personagens, a movimentação e os diálogos sem economia de pormenores.

Graças a uma caneta filmadora, funcionários da estatal do petróleo gravaram reunião do chefe do escritório da empresa em Brasília com dois homens. Um deles, o advogado Bruno Barreiro. No vídeo de 20 minutos obtido pela revista Veja, os servidores dizem ter conseguido cópia das perguntas que seriam feitas a figurões ou ex-figurões da Petrobras, em depoimento na CPI do Senado que investigava desvios em contratos da petroleira.

Em bom português: os investigados receberam as questões e as respostas antecipadamente. Não só. Foram treinados (media trainning) para se saírem bem na foto, no áudio e no vídeo. Entre os municiados com a cola, estavam o ex-presidente da estatal José Sergio Gabrielli e o então considerado homem-bomba Nestor Cerveró, diretor da área internacional da empresa à época da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. A operação comprometia diretamente Dilma Rousseff, então presidente do Conselho de Administração da petrolífera.

É constrangedor. Tomar conhecimento de que senadores aceitaram participar de embuste dessa dimensão causa vergonha e revolta. Fiscalizar o Executivo é uma das funções mais importantes do Legislativo. Um dos instrumentos mais eficazes para exercê-la é a comissão parlamentar de inquérito (CPI). Ao jogá-la na lama, a Câmara Alta não só desacredita o recurso, mas também desmoraliza a instituição. Senado e Câmara, vale lembrar, constituem um dos tripés da democracia.

Impõe-se apurar responsabilidades e punir exemplarmente protagonistas e coadjuvantes da farsa que desrespeitou a opinião pública e abalou ainda mais a reputação da maior empresa brasileira e uma das maiores do mundo. A Petrobras - fruto de campanha que mobilizou o país de norte a sul - é importante demais para ter o nome manchado por dirigentes descomprometidos com o patrimônio e os valores nacionais.

Com a divulgação do embuste montado para mantê-la com os pés no lodaçal, cresce a suspeita de que existe algo mais grave que convém ocultar. Em concursos públicos, quando ocorre quebra de sigilo, anula-se o certame. Vale a pergunta: descoberta a fraude, a CPI será anulada?

Cepal mostra Brasil estagnado - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 05/08


Com expansão prevista de 1,4%, o Brasil perderá mais uma vez a corrida do crescimento, neste ano, para a maior parte dos latino-americanos, segundo os novos cálculos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Para toda a região, ficou em 2,2% o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2014. Em abril, a projeção ainda estava em 2,7%. O pessimismo denunciado com insistência pela presidente Dilma Rousseff parece haver-se tornado uma epidemia. Já havia contaminado outras instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), e continua a espalhar-se, mas com algumas limitações. Ainda há fortes apostas na recuperação dos Estados Unidos e da Europa, embora menos veloz do que se previa no ano passado. Além disso, a China, apesar de alguma desaceleração, ainda deverá crescer uns 7,5% neste ano, segundo as estimativas correntes.

Outra qualificação importante envolve a América Latina: num quadro geral menos brilhante que o dos últimos anos, o Brasil se distingue como um dos países com piores perspectivas de crescimento. O governo brasileiro já contestou o FMI, quando suas novas projeções, divulgadas em julho, reduziram de 1,9% para 1,3% a expansão esperada para o País.

A nova estimativa da Cepal é muito parecida com a do Fundo. Mas há outros detalhes desagradáveis nesse conjunto de previsões. Segundo as contas cepalinas, o dinamismo brasileiro só deve ser maior, neste ano, que o da Argentina (expansão de 0,2%) e o da Venezuela (contração de 0,5%). Mas será tão bom como o de Cuba, com crescimento igualmente estimado de 1,4%. A coincidência pode ser acidental, mas nem por isso menos notável: a convergência no mau desempenho parece acompanhar as alianças políticas, afinidades ideológicas e parentesco de concepções diplomáticas.

O novo relatório da Cepal assemelha-se aos últimos estudos do FMI também no diagnóstico das condições de crescimento. Os problemas externos explicam apenas em parte as dificuldades da América Latina. A maior parte dos obstáculos é de origem interna. Os latino-americanos, como outros emergentes, perderam potencial de crescimento, depois de alguns anos de muito dinamismo. Essa explicação é geralmente válida, mas é preciso levar em conta diferentes condições.

Em muitos países o potencial de crescimento está próximo de 3% ao ano ou abaixo desse nível. Esse grupo inclui a maior parte dos centro-americanos e algumas das maiores economias da América Latina, incluídas a mexicana e a brasileira, além, naturalmente, da venezuelana. O potencial do Chile continua acima de 3%, mas com tendência de baixa. Outro grupo, muito dinâmico nos últimos anos, mantém a capacidade de crescer mais que 4% ao ano por um tempo razoável: Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai.

Nem todos, mas vários desses países têm exibido taxas de inflação inferiores às do Brasil. Em alguns, a geração de emprego tem sido inferior à observada no Brasil, mas os números ficam muito próximos quando se consideram os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), muito mais amplos que os da pesquisa mensal divulgada pelo IBGE e realizada em apenas seis áreas metropolitanas. A Pnad cobre cerca de 3.500 municípios.

A receita para o crescimento pode variar nos detalhes, mas algumas recomendações são aplicáveis a todos os latino-americanos. É preciso investir mais em infraestrutura, cuidar mais da formação de mão de obra e, de modo geral, cuidar das condições de produtividade. A diversificação da pauta de exportações tem aparecido há anos como um componente óbvio do receituário. A presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda podem continuar rejeitando as projeções econômicas e contestando os diagnósticos. Têm feito isso há algum tempo e os resultados, a começar pelos divulgados p0r fontes oficiais, invariavelmente indicam baixo crescimento e inflação alta. Mudar a política econômica daria mais certo.

O termômetro industrial - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 05/08


É hora de o país discutir o que fazer para reverter a tendência de queda da atividade industrial



A satisfação das necessidades básicas da população – como alimentação, vestuário, abrigo e preservação da saúde – exige que a atividade de produção ocorra de forma equilibrada entre os três setores: o primário (agricultura, pecuária, vegetal e animal), o secundário (indústria de transformação) e o terciário (comércio, transporte, educação, lazer e demais serviços). A indústria de transformação desempenha o papel de fazer o balanceamento adequado entre os três setores, pela simples razão de que os recursos da natureza precisam ser transformados em artigos consumíveis.

Uma economia saudável é aquela que apresenta um equilíbrio entre a produção dos três setores de atividade, com a indústria de transformação fazendo o papel de termômetro do equilíbrio. Os países que apresentam um setor primário desenvolvido, mas cuja indústria é pequena e incipiente, acabarão caindo na necessidade de se tornarem exportadores de produtos primários a fim de fazer caixa em dólares para importar produtos industriais indispensáveis. Entre os produtos industriais necessários estão os bens de consumo duráveis (a exemplo dos eletrodomésticos) e a extensa gama de medicamentos destinados a combater as doenças.

Historicamente, os preços internacionais dos produtos primários sempre foram deprimidos em relação aos produtos industrializados. Há pouco tempo, a importação de um computador pessoal exigia o pagamento de um preço equivalente às receitas com exportação de dez toneladas de soja. Nas últimas oito décadas a essência do debate econômico era de que somente as nações que conseguissem desenvolver seu parque industrial iriam chegar ao crescimento econômico e melhorar o padrão de vida de seu povo.

Os discursos dos candidatos à Presidência da maioria dos países eram centrados na meta de industrializar o país. No Brasil, não foi diferente, tanto na esfera federal quanto na estadual. Somente nos últimos 20 anos é que os preços dos produtos primários, especialmente os alimentos, começaram a crescer enquanto diversos preços de produtos industrializados começaram a cair, permitindo melhorar a relação entre o setor primário e o secundário.

Apesar de alguma melhoria na situação dos países produtores de bens primários, o desenvolvimento de um parque industrial capaz de transformar os recursos naturais, gerar empregos, agregar valor e competir no mercado internacional é o termômetro das possibilidades de crescimento econômico e desenvolvimento social. Além disso, quando o setor industrial está bem, trabalhando a plena carga e produzindo para o mercado interno e para exportações, em geral é um sinal de que a economia em geral vai bem. O inverso também é verdadeiro. Quando o setor industrial começa a dar sinais de falha, fábricas são desativadas, a produção é diminuída e o setor começa a apresentar prejuízos, em geral é porque a economia como um todo está mal.

No mundo todo, o setor industrial é o mais sensível às virtudes e às imperfeições da política econômica e da ação do governo. Uma das razões da alta sensibilidade da indústria vem do fato de que sua atividade requer grandes aportes de capital para a montagem de fábricas, modernização tecnológica e reposição de máquinas e equipamentos. Outra razão é que tanto o setor primário quanto o setor terciário vivem também em função de movimentar e operar produtos resultantes da indústria. Por essas e outras razões, as recentes estatísticas sobre o investimento industrial, a produção do setor e as oscilações na atividade de transformação mostram um quadro preocupante que denuncia furos no painel da economia brasileira.

Redução de investimentos, postergação de projetos, queda na atividade, redução de lucros, excesso de carga tributária e desconfiança dos investidores são algumas das doenças do setor industrial, retratadas nas diversas publicações, artigos e reportagens sobre a indústria brasileira. A política oficial de conceder incentivos a alguns setores escolhidos e privilegiar alguns setores muitos específicos (como o automobilístico) está mostrando furos no que nem pode ser chamado de “política industrial”.

A parte da indústria que era voltada para a exportação amargou, durante anos, uma taxa de câmbio defasada e causadora de prejuízo. Ao bater em seu nível mais baixo, em torno de R$ 1,60, a taxa de câmbio fez considerável estrago na indústria de exportação. Não bastasse isso, as empresas continuaram amargando custos elevados, decorrentes da precariedade da infraestrutura de transportes, portos, aeroportos e outros. É hora de o país discutir o que fazer para reverter a tendência de queda da atividade industrial, mesmo porque esse setor é importante gerador de empregos, e o aumento do desemprego é assunto socialmente explosivo.


O eleitor informado - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 05/08


Pela primeira vez na história, o número de eleitores brasileiros com nível universitário supera o contingente de votantes analfabetos. O fenômeno, divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), indica uma mudança significativa no perfil do eleitorado brasileiro. A perspectiva é de que os cidadãos se mostrem melhor informados e, por isso, mais exigentes na escolha de governantes e representantes parlamentares em outubro. Os analfabetos têm os mesmos direitos que os letrados, conforme determina a Constituição, mas certamente têm menos acesso a informações e às modernas formas de comunicação que se baseiam predominantemente na linguagem escrita.
Mesmo com a mudança detectada no perfil dos habilitados a votar, não deixa de ser preocupante que o país conte apenas com 8 milhões de graduados. E que, apesar dos avanços na educação, continue com 7,4 milhões de eleitores sem condições de ler ou escrever. Ainda assim, um aspecto incontestável é que aumentou a participação de todas as faixas de votantes com escolaridade considerada alta, ao mesmo tempo em que houve redução em todos os segmentos de menor escolaridade. No caso do eleitorado com nível universitário, o acréscimo foi de 54,6% desde a última eleição geral, o maior em todas as faixas. A notável expansão no número de brasileiros com ensino superior tem um impacto importante no grau de conscientização dos eleitores, que os candidatos precisam levar em conta.
As estatísticas demonstram também que, mesmo depois de terem liderado as mobilizações de rua em 2013, os jovens eleitores se mostram pouco dispostos a canalizar suas reivindicações por meio do voto. O contingente de habilitados a votar com menos de 18 anos foi o que mais se reduziu de 2010 para 2014. Isso significa que os inconformados com a falta de atenção à agenda dos protestos intensificados em junho do ano passado não acreditam que os políticos possam se encarregar de contemplá-la. Esse aspecto também serve de recado para quem está em campanha por todo o país.
Historicamente, muito do inconformismo de parcela dos brasileiros com a qualidade da política e dos políticos no país tem sido atribuído ao baixo nível educacional da população, de maneira geral. A perspectiva de reversão desse quadro, de forma acelerada, gera uma expectativa favorável sob o ponto de vista de maior qualificação dos eleitores, que desafia candidatos a cargos eletivos.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Isso é uma questão que deve ser respondida pelo Congresso”
Presidente Dilma, esquivando-se de perguntas sobre a fraude na CPI da Petrobras



COMBINAR PERGUNTAS É FRAUDE HABITUAL EM CPIs

É habitual, no Congresso, depoentes ligados à maioria governista receberem previamente as perguntas que lhes serão formuladas, nas comissões parlamentares de inquérito. A prática é também parcial quando parlamentares, inclusive de oposição, combinam com depoentes o que lhes será perguntado. A diferença, agora, na denúncia contra a CPI da Petrobras, é que a farsa foi gravada em vídeo, documentada.

O QUE ELES TEMEM?

Apesar das ameaças de representação, a reação da oposição à fraude na CPI foi considerada, no mínimo, cautelosa. Para não dizer medrosa.

TUDO DOMINADO

Em pleno ano eleitoral, os políticos (inclusive de oposição) não querem desagradar, na CPI da Petrobras, grandes empreiteiras que os financiam.

O CÉU É O LIMITE

“Pool” de empreiteiras contratou criminalistas famosos, parlamentares e lobistas para blindar seus dirigentes de depoimento na CPI da Petrobras.

BATOM NA CUECA

A Petrobras tem o dever de explicar por que proporcionou a um ex-diretor sob suspeita, Nestor Cerveró, media training para enfrentar a CPI.

VEXAME: BRASIL DEVE TOMAR NOVO PROCESSO NA OMC

A União Europeia e países como o Japão vão anunciar a abertura de um painel contra o Brasil, na Organização Mundial do Comércio (OMC), em reação a medidas protecionistas como o programa Inovar-Auto e regimes especiais de tributação, criando privilégios para fabricantes que incluem em seus produtos conteúdo local. O objetivo do governo é conferir vantagens à indústria nacional em relação aos similares importados.

SEMPRE CARROÇAS

O programa “Inovar-Auto” não fez a indústria automobilística “nacional” inovar em nada. Deveria terminar em 2012, mas foi postergado até 2017.

NÃO DEU CERTO

O governo impôs 30 pontos percentuais a mais no IPI de importados. Foi inútil: o consumidor prefere pagar mais por veículos de melhor qualidade.

E AS LEIS DO MERCADO?

O setor automobilístico não reduz preços para enfrentar a queda drástica nas vendas. Afinal, o governo amigo sempre abre mão dos impostos.

OLHO NA MALANDRAGEM

A Câmara dos Deputados não toma jeito. O Tribunal de Contas da União publicou acórdão endossando atos de aposentadoria de cinco servidores, mas, sabendo com quem trata, determinou que a Câmara respeite as leis que aprova, como a que fixou o teto para o pagamento de proventos.

FALTA AGNELO

Até agora, só o PT não confirmou se Agnelo Queiroz vai ao debate que a Band promoverá entre candidatos ao governo do Distrito Federal, quinta (14). Cabe aos partidos a confirmação. Todos os rivais já toparam.

TRIUNFO DA IRRELEVÂNCIA

Quase um mês após a final da Copa do Mundo, a Comissão do Esporte da Câmara se reúne amanhã para votar projeto obrigando a Fifa a checar a identidade estudantil de quem comprou entradas da categoria.

ESTILO ‘AERONEVES’

Agora, é o governador Zé Filho (PMDB-PI) – candidato à reeleição – o acusado de construir pista de pouso em sua fazenda de Buriti dos Lopes, com 1,2 mil metros, a 30 quilômetros do aeroporto de Parnaíba.

MAIS SAÚDE

De olho no voto dos médicos, que não engolem Dilma após implantação do programa Mais Médicos, o tucano Aécio Neves (MG) se reúne hoje (5) com presidente da Associação Médica Brasileira, Florentino Cardoso.

A CAMINHO DO BI

Autor de projetos de lei como o fim do foro privilegiado e a proibição de o governo contratar empresas de parlamentares, o deputado distrital Chico Leite (PT) deve repetir 2010, quando foi o campeão de votos.

FARSA DA CPI

Líder do PPS, o deputado Rubens Bueno (PR) garante que a oposição vai brigar para convocar os envolvidos na Petrobras e no governo na fraude de submeter aos depoentes as perguntas na CPI da Petrobras.

VERGONHOSO

Primeiro, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) tentou se descolar de Nestor Cerveró, que indicou para a diretoria da Petrobras, atribuindo a nomeação do amigo a Renan Calheiros (PMDB-AL). Depois, à sombra, segundo Veja, “ajudou” a tornar mais amena a vida de Cerveró na CPI.

PENSANDO BEM...

...de nada adiantou o teatrinho da CPI da Petrobras: os depoentes não convenceram a ninguém porque afinal se revelaram péssimos atores.