sexta-feira, janeiro 22, 2016

Depois da farsa, a tragédia... - JOSEF BARAT

ESTADÃO - 22/01

O que acontece quando um governo populista quer agradar ao povo, sem preocupação com a origem e as limitações dos recursos disponíveis? Certamente, um desastre, pois em algum momento as contas não fecham. O desastre é ainda maior quando oferece mimos a grandes empresas. A atitude de agradar, tanto a um povo carente quanto aos empresários amigos – para preservar o poder –, acaba por desagradar a todos. Ou seja, torna-se obsoleta a velha e recorrente estratégia de “subir no caminhão” e falar o que agrada aos peões e, depois, na “sala da diretoria”, falar o que os patrões querem ouvir, pois não há mais o que oferecer para ficar bem com todos. Tal estratégia, como sempre, é boa enquanto mantém partidos populistas no poder e, na hora de fechar as contas, argumenta que liberais malvados querem tirar o que progressistas bonzinhos oferecem ao povo.

Essa é a triste sina de uma América Latina tão distante de Deus e do mundo adulto e tão incapaz de assumir a culpa por seus próprios desastres. Em vez de aproveitar seus ciclos de bonança com a exportação de grãos, minérios e petróleo para investir e modernizar suas infraestruturas e indústrias, prefere queimar os recursos obtidos com estímulos ao consumo e um assistencialismo que não incorpora efetivamente as pessoas à educação moderna e ao processo produtivo. Nenhuma economia se sustenta, em prazo mais longo, com base na ignorância, na exacerbação do consumo e em baixos níveis de investimento. Tentativas de breves ciclos de ajustes e correção de distorções nas contas públicas são sempre seguidas de longos ciclos de irresponsabilidade fiscal e devastação de fundamentos econômicos básicos. O velho fetiche de estimular o crescimento pelo aumento do consumo e “um pouquinho” de inflação se torna incontrolável e todos acabam sofrendo com a conjugação de inflação alta e crescimento baixo.

A nova matriz econômica do primeiro governo Dilma foi uma tentativa de dar sobrevida a algo que já se mostrava inviável no segundo governo Lula. Após um período de estabilidade da moeda, aumento do poder de compra, previsibilidade e confiança nos negócios, equilíbrio fiscal e ordenamento das contas públicas – proporcionado pelo Plano Real e mantido no primeiro governo Lula –, seguiu-se um movimento oposto, que desagregou todo o esforço anterior.

Essa desagregação comprometeu, inclusive, um processo continuado de melhoria na distribuição da renda, por causa da inflação. Afetou, ainda, a credibilidade internacional, em razão dos rebaixamentos nas avaliações de risco. Desnecessário acrescentar a óbvia deterioração do ambiente político, resultante da estratégia de poder baseada no princípio do “eu pago, eu mando”. Tanto a inevitável explosão de sucessivos escândalos de corrupção como a radicalização irresponsável do projeto de dominação do poder desfiguraram todo o comedimento e a antiga sabedoria de contornar crises políticas.

Inflação e desemprego de dois dígitos, com longa recessão e queda do PIB, são ingredientes que levam a graves crises políticas e ao desmonte das instituições de Estado. A história do País mostra isso desde a crise de 1929-32, passando pelas de 1954-56, 1960-62, 1980-82, 1990-92. Com exceção da de 1929 e, em parte, da de 1982, pelo forte impacto do fator externo, são recorrentes o abandono de cuidados com ajuste fiscal, ordenamento das contas públicas e controle da inflação, além da falência de modelos baseados no fetiche do desenvolvimento a qualquer preço e/ou exacerbação do consumo.

Como existe aquele outro fetiche de que a História se repete, primeiro como tragédia e, depois, como farsa, é bom atentar para o fato de que, ao contrário, no Brasil as tragédias se repetem monotonamente como decorrência de farsas. A repetição resulta tanto de erros trágicos do próprio fazer como da escassez de prudência, bom senso e comedimento. Erros e húbris sempre dissimulados pela farsa e o burlesco, como convém ao exuberante e irresponsável ambiente tropical...

No mato sem cachorro - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de SP - 22/01

Economistas do governo de Dilma Rousseff diziam ontem que foi mesmo a piora da situação da economia mundial que levou o Banco Central à reviravolta sobre a taxa de juros que tanto bafafá tem causado –e ainda causará.

Os motivos do BC talvez fiquem menos obscuros apenas na semana que vem, quando se divulga uma espécie de explicação do que se decidiu fazer a respeito dos juros, a "Ata do Copom".

Sejam quais forem as razões e as consequências da decisão, ao menos nos próximos meses o Brasil terá entrado em um universo de política econômica em que não há mapa, bússola ou mesmo controle da direção.

Esses economistas do governo afirmam, claro, que não houve pressão da presidente para que se evitasse um aumento da taxa "básica" de juros (Selic) na reunião do BC de quarta. Até a primeira semana de janeiro, pelo menos, o BC na prática dizia que era necessário elevar a Selic.

Explicam que "a maioria" dos diretores do BC mudou de ideia nos últimos dez dias, por aí, porque houve "precipitação de acontecimentos e intensificação das dúvidas" sobre a economia e finança mundiais. São citados o caso de China, petróleo e fuga de capitais dos países "emergentes", além do risco de deflação mundial e, pois, de redução de crescimento também no mundo rico.

Qual o efeito preciso disso no Brasil e na política do Banco Central? Não querem adiantar a explicação.

Em teoria, não se aumenta a taxa de juros, mesmo com inflação indesejável, quando, por exemplo, se imagina que o remédio vai matar o paciente por outras vias: juros mais altos arrebentam os gastos do governo. Ou quando se acredita que o remédio vai fazer efeito contrário: a inflação vai subir (teoricamente, acredita-se que é possível).

Ou, então, quando se imagina que o efeito combinado da taxa de juros no nível em que está com o efeito daninho do tumulto mundial vai fazer o serviço. Isto é, recessão ainda maior e quedas mundiais de preços vão conter a nossa inflação. Nesse caso, espera-se uma queda bem horrenda dos salários.

Seja como for, estamos agora em um universo desconhecido de política econômica, se algum.

Não haverá tempo para se inventar e menos ainda consolidar um modo diferente, ora misterioso, de lidar com as alavancas básicas da economia. Não haverá tão cedo como recuperar as ferramentas antigas, danificadas ou perdidas.

Isto é, não há vontade ou possibilidade de controlar o aumento da dívida pública (o que não soa bem para o destino dos juros e para a inclinação a investir em novos negócios, para fazer um resumo grosso).

Não se sabe mais nada do que será da taxa de juros que "orienta" todas as demais (Selic). Não há instrumentos críveis para tentar controlar a inflação dentro de certos limites, nem a inclinação a utilizar os que havia. Em suma, não se sabe bem qual é a política monetária (juros, crédito) e, voltando-se a saber, levará um tempo para se acreditar que é para valer.

Por ora, não há nem mesmo como remediar parte dessa situação por meio de terapias heroicas, tal como tentar fixar a desordem por meio de uma taxa de câmbio mais ou menos controlada, o que tenderia a provocar apenas uma corrida de pânico em direção à porta de saída (grande desvalorização do real).

Governo sem trégua - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 22/01


Não haverá trégua para a presidente Dilma Rousseff em 2016, no que depender da economia. A situação, que estava ruim, ficou ainda mais difícil com o vacilo do Banco Central, porque isso elevou o risco inflacionário. Ontem, o dólar bateu no maior nível do real, o que provoca aumento de vários custos. Esse e outros problemas da economia manterão a pressão contra o governo.

Se o ambiente fosse de retomada do crescimento, seria possível uma mitigação da crise política. Mas com a deterioração concreta das condições de vida da população, a possibilidade de melhora política fica mais remota. Economistas acham que dificilmente haverá recuperação durante o mandato da presidente Dilma porque ela está fazendo o que acredita, e isso não tem dado certo.

O economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio e da Opus Gestão de Recursos, prevê uma inflação de mais de 1% em janeiro.

- Na Opus, nós estávamos prevendo 8% no ano, mas a partir da decisão do BC vamos rever – disse, numa entrevista que me concedeu na Globonews.

A maioria dos economistas não está com previsão de inflação em dois dígitos, mas vários consideram que a atuação vacilante do Banco Central ajuda a passar o sinal de que não haverá combate à inflação eficiente. Não porque os juros foram mantidos, mas pela forma desencontrada como se comunicou.

O economista Márcio Garcia explica que é delicada essa relação entre o BC e os sinais que ele emite.

- Eu achava que os juros deveriam subir, mas Affonso Celso Pastore, por exemplo, achava que não deveria. Não é a decisão em si o problema. O BC se amarrou ao dar tantos sinais de que elevaria fortemente os juros e, depois, durante a reunião indicou o contrário. A política de metas precisa desses sinais e quanto mais eles são entendidos, e o BC vai acertando, mais consegue agregar credibilidade. E quanto mais ele perde credibilidade maior terá que ser a dose do remédio amargo que é o juro alto.

José Márcio havia dito em meados do ano passado que o crescimento só ocorreria em 2018. Márcio Garcia concorda com essa previsão porque não acredita que o governo Dilma consiga reverter o quadro.

- Como ninguém sofre impeachment por patente incompetência, o meu cenário é que a presidente Dilma ficará até o fim do mandato. A política econômica será mais do mesmo. Vai oferecer crédito, mas não vai adiantar; vai tentar gastar mais, mas não terá como. Ninguém muda. A presidente é a mesma e vai continuar fazendo aquilo no qual ela acredita – diz Márcio Garcia.

José Márcio acha que o BC errou duplamente, ao se comunicar e ao manter os juros:
- A economia está ofertando menos e as pessoas estão consumindo menos, não adianta tentar crescer a demanda se as empresas estão diminuindo a oferta. Só se consegue com isso gerar inflação. É preciso que a queda da demanda seja maior do que a queda da oferta. Dificilmente a inflação ficará abaixo de 10% este ano.
Além disso, o problema fiscal permanece. Márcio Garcia acha que o pagamento das pedaladas também foi feito de forma equivocada, e que o descontrole fiscal continuará alimentando a crise:

- O problema fiscal é sempre o pano de fundo da crise brasileira e piorou muito no governo Dilma, que gastou demais e gastou por fora do Orçamento. Quando pagou aos bancos com recursos da Conta Única do Tesouro Nacional, é como se ele tivesse sacado dos recursos que poupou no passado para fazer superávit primário. Ou seja, é como se estivesse descumprindo as metas anteriores. E isso gera mais incerteza.

José Márcio também não acredita em melhora da economia durante o atual governo:
- É impossível. Ela perdeu qualquer capacidade de recuperar a credibilidade por tudo o que fez, pelos erros que cometeu no passado. E não é apenas a presidente. É uma forma de pensar que está levando o país ao desastre. O Brasil fez uma revolução pacífica entre 1994 e 2005. Espetacular. Fez várias reformas, reduziu a pobreza, privatizou. De 2005 para cá, fizemos uma contrarrevolução.

Com cenários econômicos negativos, a presidente continuará tendo dificuldade no Congresso. É difícil para um político apoiar um chefe de governo que provocou inflação, recessão, crise fiscal e desemprego.


Banco Central vê o mundo em espiral - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 22/01

Após participar da reunião do Banco de Compensações Internacionais (BIS), na Basileia (Suíça), nos dias 9 e 10, Alexandre Tombini mudou de ideia sobre o que deveria ser a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), esta semana. Ali ele se informou melhor sobre os rumos da desaceleração da China e sobre o futuro dos preços internacionais do petróleo. Ambos com consequências desinflacionárias para o restante do mundo.

Embora os documentos oficiais do Copom e os pronunciamentos do presidente do BC tivessem formado a percepção no mercado de que o Copom aumentaria a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, ainda dava tempo de comunicar uma mudança de rota ao mercado, ao deixar claro que todas as informações, inclusive as do Fundo Monetário Internacional (FMI), seriam avaliadas pelo Copom.

Na quinta-feira da semana passada Tombini foi avisado pelo FMI da revisão para pior que a instituição faria, em comunicado na terça feira desta semana, nas projeções de crescimento do Brasil para este (-3,5%) e para o ano que vem (zero).

O presidente do BC cogitou deixar os dados do FMI falarem por si, mas acabou decidindo usá-los como justificativa para um novo comunicado ao mercado. Chamou Anthero de Moraes Meirelles, diretor de Fiscalização, e ambos redigiram na noite de segunda-feira a nota que foi divulgada na manhã de terça, uma hora após o anúncio das novas projeções do Fundo.

Se entre os economistas, mesmo os mais conservadores, havia forte questionamento sobre a utilidade da elevação da taxa de juros, a grande maioria dos operadores do mercado financeiro convergiam para um aumento de 0,5 ponto percentual, que elevaria a taxa Selic para 14,75% ao ano.

Reunir o Copom na terça e quarta feira e não subir a Selic, sem dar um sinal prévio ao mercado, poderia gerar comoção nacional e até despertar suspeitas de vazamento de informações. Tombini optou por divulgar a nota mesmo sabendo que receberia severas críticas e que essa iniciativa arranharia a credibilidade do BC.

Convencido de que o mundo entrou em uma "espiral", ele resolveu arriscar, conta uma fonte. "É melhor ter perda de credibilidade do que fazer uma coisa sabendo que está equivocada", comentou.

As pressões políticas do PT e do ex-presidente Lula contra o aumento dos juros estavam estampadas diariamente nos jornais. Os pronunciamentos da presidente Dilma Rousseff e do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, de que o BC tem autonomia para decidir sobre juros foram, em geral, de pouca valia para os agentes do mercado. Têm a mesma força de persuasão de quando se declara que o técnico de futebol "está prestigiado".

"Aqui ninguém se move por pressão política ou por pressão do mercado", costumam afirmar os membros do Copom a cada suspeita de que a presidente passou alguma determinação para a política monetária.

Dilma achava que o comitê aumentaria a Selic em 0,5 ponto percentual, rezava para que fosse apenas 0,25 ponto percentual e foi surpreendida tanto pela nota de terça-feira quanto pela manutenção dos juros, sustentavam fontes oficiais ontem. Para esses informantes há uma grande diferença entre como as coisas ocorrem no governo e como a opinião pública suspeita que elas ocorram. Nas conversas entre a presidente e Tombini não há uma terceira pessoa para testemunhar o que de fato acontece. Sabe-se, também, que poucos vão acreditar nesses argumentos.

O BC divulgou no dia 8 a carta aberta ao ministro da Fazenda explicando por que a inflação fugiu da meta no ano passado, chegando a 10,67% para um teto de 6,5%.

Embora as notícias vindas da China já chacoalhassem os mercados desde o dia 4 de janeiro, todos leram a carta como mais uma reiteração de que os juros subiriam 0,5 pontos esta semana. Ontem, porém, estudiosos da política monetária no governo comentavam que a carta já indicava algumas pistas "dovish". Entre os parágrafos 30 e 38 o BC mencionava pelo menos três elementos que poderiam ser interpretados como sinal de que não era líquido e certo o aumento dos juros de 0,5 ponto percentual. Eram eles: "efeitos cumulativos que se manifestam com defasagem", um desenho de "política fiscal convincente e sustentável" e a referência ao "hiato do produto em território desinflacionário".

Na avaliação dos economistas oficiais, a atividade ainda não chegou ao fundo do poço. A retração continua, mas o ajuste externo impulsionado pela desvalorização cambial tem sido forte, e o ingresso de investimentos para a aquisição de negócios que ficaram baratos é substancial. Só na quarta-feira houve entrada líquida de US$ 850 milhões.

Nas reuniões da Basileia os dois assuntos mais discutidos a portas fechadas foram a piora da situação da economia na China - que em 12 meses até dezembro já perdeu US$ 900 bilhões em investimentos - e as razões para a queda de 15% nos preços do petróleo este ano.

A derrubada do preço do petróleo é preocupante, explica o corte de cerca de 50% nos investimentos norte-americanos nesse setor e a liquidação de ativos por parte de fundos soberanos. Os efeitos foram mais rápidos sobre os investimentos que sobre o consumo de derivados.

China e petróleo produziram queda de 13% do Ibovespa e no índice Dow Jones e queda de cerca de 20% nas bolsas chinesas neste início de ano. As bolsas dão a dimensão da confiança dos empresários.

Mas se há alguns supostos efeitos desinflacionários vindos do exterior, aqui a situação está longe de um conforto.

Pelo menos dois riscos inflacionários à frente podem atrapalhar os prognósticos do Copom para limitar a inflação de 2016 ao teto de 6,5%: a elevação da Cide e o preço da energia.

O BC não conta mais com a entrada em vigor da bandeira verde nas contas de energia este ano, prevista para abril ou maio. A informação é que a bandeira vermelha prevalecerá por todo o ano. Mesmo com toda a chuva no país, o custo da energia para consumidores residenciais e industriais se manterá elevado, pela continuidade do uso das usinas térmicas. Isso mostra que o curso da política monetária, agora, é uma questão em aberto.


Em boca própria - MERVAL PEREIRA

O Globo - 22/01

A partir da declaração bombástica do ex-presidente Lula de que não existe ninguém no Brasil mais honesto do que ele, é possível constatar que a Operação Lava-Jato, assim como já acontecera com o mensalão, provoca em caciques petistas uma autorreferente sinceridade que chega às raias da comicidade.

Para começar, sem querer, Lula repetiu, anos depois, a mesmíssima frase que o deputado Paulo Maluf cunhou para se defender das acusações de corrupção. A tal ponto que na internet já surgem montagens afirmando que Maluf queixou-se de que Lula roubara-lhe a frase, logo num debate sobre roubalheiras.

Esquecendo-se do ditado que diz que “elogio em boca própria é vitupério”, Lula foi tão convincente quanto quando se diz pioneiro da boa governança no país: “Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica. Pode ter igual, mas eu duvido”. Disse a blogueiros aliados, sem corar e nem provocar em seus “entrevistadores” reações de espanto ou risos.

Embora beire o ridículo, a frase de Lula tem o objetivo de criar constrangimento às investigações que se aproximam dele, tanto que o ex-presidente continuou em tom de desafio: “Duvido que exista um promotor, um delegado, com a coragem de afirmar que me envolvi em algo ilícito”.

A postura de Lula tem antecedentes em diversos companheiros petistas, alguns deles na cadeia depois de pronunciá-las. A mais famosa e hilária pertence ao ex-ministro todo poderoso José Dirceu, ainda quando estava sendo investigado pelos crimes do mensalão, pelos quais foi condenado. “Estou a cada dia mais convencido de minha inocência”, disse Dirceu, como se a cada reminiscência do que fizera como chefe da Casa Civil de Lula, mais elementos absolutórios fossem agregados à sua memória.

O resultado final dessa revisão foi que Dirceu acabou condenado pelo Supremo Tribunal Federal no processo do mensalão, e está novamente na cadeia, ainda sem condenação, devido à sua atuação nos escândalos do petróleo. E, a cada dia, deve estar mais convencido de sua inocência.

Também a presidente Dilma teve sua oportunidade de dar declarações assertivas sobre seu próprio comportamento. Ao responder a uma pergunta de jornalistas estrangeiros sobre como reagiria se fosse constatado seu envolvimento nos escândalos da Lava-Jato, ela teve uma reação muito semelhante à do exministro José Dirceu. Disse Dilma: "Eu sei que não estou nisso. É impossível. Eu sei o que eu faço”, assegurou ao canal francês TV France 24.

Não fosse sua proverbial dificuldade em se expressar, a presidente Dilma poderia ter respondido a perguntas desse tipo de maneira direta, sem necessitar dar testemunho a seu próprio favor. O mesmo vício de linguagem pode ser encontrado em declarações do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, antes de ser preso na Operação Lava-Jato.

Em uma reunião do PT, ele disse ao microfone a seguinte pérola, sendo muito aplaudido, a respeito da quebra de seu sigilo telefônico: “Eu sei o que fiz. Não vão encontrar nada”. O que tanto pode significar que ele não fez nada de ilegal, como também que está convencido de que escondeu tão bem suas falcatruas que não há chance de ser descoberto.

Depois disso, Vaccari não apenas foi preso, como já foi condenado em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro a 15 anos e quatro meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

Essa reação conjunta de lapsos e atos falhos de petistas graduados só pode ter origem na ansiedade de se livrar de acusações que a cada dia se mostram mais comprováveis, através das delações premiadas que fornecem informações confiáveis aos investigadores.


Vacas macérrimas - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de SP - 22/01

Numa situação em que falta dinheiro até para manter hospitais funcionando, você ampliaria as verbas destinadas a políticos para usarem em suas campanhas? Pois Dilma acaba de conceder quase R$ 1 bilhão aos partidos.

Eu sei, apelei. Pelo menos até agora, são Estados e municípios que enfrentam problemas de caixa que batem em serviços ao cidadão. E também não me parece muito exato afirmar que Dilma tenha dado esse dinheiro. Ela apenas deixou de vetar o aumento do fundo partidário que havia sido aprovado pelo Congresso. Especialmente agora que o Supremo proibiu doações de empresas, ela teria pouca ou nenhuma condição política de bancar esse veto.

Em termos de resultado, porém, não faz muita diferença. Num momento de vacas macérrimas, o poder público fez crescer a parte do bolo reservada aos partidos políticos, o que contraria noções elementares de prioridade. A manobra fica ainda mais grave quando se considera que não haveria grande prejuízo para a democracia se todos os partidos passassem ao mesmo tempo a fazer campanhas eleitorais franciscanas.

O que de pior poderia acontecer é caírem um pouco as taxas de renovação (candidatos menos conhecidos dependem mais de exposição para ter sucesso), mas baixos índices de troca não estão entre os problemas da política brasileira. A renovação do Congresso, por exemplo, tem variado entre os 40% e os 60%, valores altos na comparação internacional, e nem por isso temos assistido a uma melhora qualitativa na representação. A tendência é que o eleitor troque seis por meia dúzia.

Meu ponto aqui é que o governo Dilma chegou a um ponto em que não tem mais força nem para fazer o óbvio, que seria vetar o despropositado aumento. E, num cenário de impeachment, a situação de Temer não seria melhor. Ao que tudo indica, infelizmente, a crise política continuará pelo menos até a próxima eleição.


BC se descredencia ao sinalizar submissão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 22/01

Tombini poderia ter defendido a manutenção dos juros com argumentos técnicos, mas errou na comunicação e reforçou a imagem de um funcionário do Planalto



O desastre para a imagem do Banco Central de Alexandre Tombini, e, por tabela, do governo Dilma Rousseff, não se deve apenas a uma inusitada nota divulgada pelo presidente da instituição, na terça, no início da reunião de dois dias do Conselho de Política Monetária. A gravidade do fato está no conjunto da obra. Isso, não bastasse a liturgia do cargo limitar declarações sobre o Copom. Mais exótico ainda foi soltar a nota na abertura da reunião do conselho, periodicamente realizada para avaliar a taxa básica de juros da economia, a Selic, se ela deve ser recalibrada ou não.

Curto, o comunicado de Tombini considerava “significativas” as revisões das estimativas do FMI para a evolução da economia brasileira este ano e em 2017, publicadas naquele dia: de uma recessão de 1% para 3%, e de um crescimento de 2,3% para estagnação.

Nenhuma novidade. O presidente do BC, com acesso fácil a toda sorte de indicadores, não deveria ficar surpreso. O relatório Focus, elaborado semanalmente pelo próprio Banco Central com estimativas dos maiores departamentos de análise do mercado, já apontava na mesma direção.

Por que alardear o já sabido? A interpretação corrente foi que Tombini se sentiu obrigado a justificar formalmente a decisão de propor no Copom manter os juros em 14,15%, depois de ter indicado que o BC apertaria a política monetária, apesar da recessão. Uma das indicações estava na carta aberta ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, exigência legal quando o BC não evita que a inflação estoure o teto da meta.

A atitude patética funcionou como um bumerangue e atingiu o próprio Tombini e o BC, por reforçar a ideia de que o Banco Central jamais teve autonomia desde que Dilma assumiu a Presidência. E nunca terá. Causa avarias também no governo, ao realçar sua faceta intervencionista.

Foi lembrado que o BC de Tombini começou a cortar juros em 2011, em Dilma 1, quando a inflação não estava dominada. A Selic chegou a 7,12%, sob aplausos do PT e entre sorrisos no Planalto, mas as taxas tiveram de voltar a subir em 2013. A inflação jamais voltou à meta de 4,5%, nem a economia chegou a um crescimento sustentado, justificativa “desenvolvimentista” para menos juros.

A imagem de um BC submisso é reforçada pela pressão explícita do PT contra a política monetária, alvo também do ex-presidente Lula. E Tombini poderia ter feito tudo dentro do rito normal, pois até mesmo economistas ortodoxos defendiam a manutenção da Selic, temerosos da “dominância fiscal”, situação em que os juros altos, por aumentarem muito os gastos públicos, perdem eficácia como terapia anti-inflacionária.

Reforça-se, cada vez mais, a imperiosidade de um programa sério de corte de despesas públicas, para tirar o país deste beco sem saída. A situação se agrava porque, não bastasse o governo não ter compromisso confiável com um efetivo ajuste fiscal, o BC parece ter perdido de vez as condições de ancorar os preços.

Golpe de misericórdia - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 22/01

Perguntaram a Aristóteles a diferença entre história e literatura. A história, respondeu o mestre grego, olha os fatos. Mostra a realidade. No presente, o que os homens são e fazem. No passado, o que foram e fizeram. A literatura lida com os mesmos acontecimentos. Mas os mira com olhar diferente. Revela o que os homens gostariam de ser e de fazer. Ou o que gostariam de ter sido ou de ter feito.

Vem à tona a sabedoria do filósofo estagirita em razão dos malabarismos do governo brasileiro. Como se usasse os óculos de lentes verdes de Oz e desembarcasse no País das Maravilhas, a presidente Dilma Rousseff teima em apresentar enredos que não conversam com a verdade. Ao contrário das obras de ficção, falta-lhes coerência interna - pacto não escrito estabelecido entre autor e consumidor. Um finge que diz a verdade. O outro finge que acredita.

A história ficou clara na campanha eleitoral. Discursos e imagens marqueteiros iam de encontro à verdade escancarada nos hospitais, nas escolas, nos transportes, nas estradas, na segurança. Esperava-se que a vitória nas urnas representasse o retorno ao mundo real. A indicação de Joaquim Levy para o comando da economia justificou a esperança. Mas, boicotado pelos próprios petistas, o ministro abandonou a pasta.

Nelson Barbosa ficou longe de apontar rumo para a falta de rumo nacional. Em Davos, no primeiro dia oficial do Fórum Econômico Mundial, ele apostou no ovo ainda na barriga da galinha. Contou com a volta da CPMF para o reequilíbrio das contas públicas. Inspirou-se, por certo, na Lei Orçamentária Anual (LOA), em que figura o imposto que taxa a movimentação financeira como se estivesse em vigor.

O governo prevê aprová-lo até maio para ser cobrado em setembro. Se a ficção coincidir com a realidade, a arrecadação deve atingir R$ 10 bilhões, cujo montante ajudaria o cumprimento da meta de superavit primário de 0,5% do PIB em 2016. O condicional impressiona, mas não convence. Dilma Rousseff precisa de um choque de realidade.

Em 2015, o país perdeu 1,5 milhão de postos de trabalho - o pior resultado desde o início da série histórica em 1992. A taxa de desemprego, hoje superior a 8%, poderá fechar 2016 em acima de 12%. O deficit primário deverá chegar a R$ 68,2 bilhões.

Após encolher cerca 4% no ano passado, a economia, como um todo, ficará 3,5% menor, conforme projeção do FMI. A inflação encerrou 2015 em 10,67% e segue em ritmo ascendente. A taxa de juros em 14,25% torna o valor do crédito exorbitante, o que desestimula os investidores. No ambiente de incertezas, o Executivo resiste aos cortes necessários na máquina pública para frear o aumento do deficit fiscal. Persistir nesse roteiro é levar o Brasil à falência e torná-lo a Grécia da América Latina.

A desmoralização do BC - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 22/01

Ao manter em 14,25% a taxa básica de juros, o Banco Central (BC) comprometeu sua credibilidade, o ativo mais importante da autoridade monetária. O presidente da instituição, Alexandre Tombini, terá muita dificuldade para contestar a humilhante versão corrente no mercado. Segundo todas as aparências, a decisão sobre os juros foi determinada pela presidente Dilma Rousseff, interessada em afrouxar a política econômica para reconquistar popularidade. Numa versão ainda mais desmoralizante, o episódio teria marcado uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da cúpula do PT. Até agora inúteis contra a Operação Lava Jato, as pressões do partido seriam muito eficazes quando aplicadas sobre o BC.

Tombini chocou o mercado ao indicar, na véspera da decisão, uma reviravolta na estratégia de combate à alta de preços. Durante um mês e meio dirigentes do BC haviam deixado clara a intenção de elevar os juros na reunião de janeiro do Comitê de Política Monetária (Copom).

O compromisso com uma política severa foi reafirmado na carta enviada ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, com a explicação sobre o enorme desvio da inflação, em 2015, em relação à meta de 4,5%. Tombini reiterou, no texto, a disposição dos membros do Copom de tomar as medidas necessárias para conter a alta de preços, independentemente das demais políticas da área econômica. A carta ressaltou o efeito inflacionário do desajuste das contas do governo.

Durante semanas predominou no mercado a expectativa de uma alta de juros de meio ponto porcentual, justificada tanto pela persistência de uma inflação elevada como pela insegurança sobre a evolução das contas públicas neste ano. Como levar a sério um orçamento aprovado e sancionado com a previsão de receita de um tributo inexistente, o imposto sobre o cheque? Como acreditar nas promessas de ajuste de um governo gastador, populista e com um currículo de enormes desmandos na área fiscal?

Com a imagem de seriedade restaurada, gradualmente, a partir de 2013, quando foi retomada com algum empenho a política de combate à inflação, o BC permaneceu, até há poucos dias, como um raro fator de segurança num ambiente governamental de incompetência e de irresponsabilidade. Também isso acabou.

A reviravolta foi anunciada de forma escandalosa na véspera da decisão sobre os juros. Uma breve nota divulgada pelo BC resumiu um comentário de Tombini sobre a atualização das projeções globais do Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo o comentário, as mudanças na avaliação do cenário brasileiro, com estimativa de contração econômica de 3,5% neste ano e de crescimento nulo no próximo, haviam sido significativas.

A piora das expectativas em relação ao Brasil foi considerável, mas nada surpreendente, quando se considera a deterioração das condições políticas e econômicas desde o fim do ano. Surpreendente, mesmo, foi a divulgação do comentário do presidente do BC, como se a sua reação imediata fosse indispensável e normal. Não era, especialmente na véspera de uma deliberação do Copom, quando deve prevalecer a regra do silêncio.

Só havia uma explicação plausível: Tombini tentava justificar uma decisão contrária àquela indicada anteriormente. O recurso ao FMI para fundamentar a mudança foi especialmente estranho. O Fundo estaria mais informado a respeito do Brasil do que o BC? Poderia haver argumentos técnicos a favor da decisão, mas foram inutilizados com esse lance.

O comentário de Tombini concentrou-se nas previsões para o Brasil, mas a ênfase mudou no comunicado distribuído depois da reunião do Copom. Para justificar a manutenção da taxa de 14,25%, os autores do texto mencionaram a “elevação das incertezas domésticas e, principalmente, externas”. A ênfase se deslocou para as incertezas externas, nem sequer mencionadas na declaração de Tombini. Insegurança internacional certamente existe, como indicam os tombos das bolsas de valores, mas, apesar disso, o FMI projeta para a economia global crescimento continuado em 2016 e 2017, com desempenho imensamente melhor que o do Brasil. Terá o BC aderido ao costume da presidente Dilma Rousseff de atribuir os males brasileiros às perversidades de um mundo cruel? Seria a cereja no bolo da desmoralização.