quinta-feira, dezembro 31, 2015

Cadê a Constituição? - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 31/12

Os 45 milhões de brasileiros que pagam planos e seguros privados estão gritando que o SUS é um falso universal


Pela Constituição, todo brasileiro tem o sagrado direito de ser atendido de graça nos hospitais, ambulatórios e emergências do SUS, Sistema Único de Saúde, quaisquer que sejam: sua doença, crônica ou aguda, simples ou grave; sua idade; sua renda; sua situação social e econômica (empregado, desempregado, patrão, rico ou pobre); e seu status civil (em liberdade, preso, em dia ou não com as Receitas).

Diz a Constituição ainda que é dever sagrado do Estado atender a esse direito universal.

A realidade e o simples bom senso dizem que não existe a menor possibilidade de se cumprir essa letra da Constituição. Nunca haverá dinheiro para isso. Nem o Estado será capaz de montar um sistema eficiente desse tamanho e alcance.

A solução, praticada em um sem-número de países, exige uma seleção e uma lista. A seleção em quatro níveis: pessoas que serão sempre atendidas no SUS; as que serão atendidas prioritariamente; aquelas que serão recebidas no SUS apenas se tiver vaga sobrando; e, finalmente, as pessoas que não têm esse direito, a menos que paguem a preços de mercado.

A regra, claro, deve ir do mais pobre ao mais rico.

A lista será de medicamentos e procedimentos. Uma primeira grande divisão: o que será de graça e o que será pago. Não faz sentido o Estado ficar sem dinheiro para vacinas enquanto paga uma cirurgia cardíaca no Hospital Johns Hopkins, isso por ordem judicial.

Essas sentenças se baseiam na regra tão exaltada: a saúde é direito de todos e dever do Estado. Alguns interpretam que o governo só tem a obrigação de prestar esse atendimento no SUS. Mas muitos juízes entendem que, se o tratamento não está disponível no Sistema Único, deve ser prestado onde for possível, tudo por conta do Erário.

De todo modo, é evidente que se precisa alterar a Constituição para fazer a lista do pago e do gratuito.

Isso vale para os medicamentos: os básicos são de graça; os intermediários terão um preço subsidiado; os demais, preço de mercado. A lista, claro, deve ser específica e alterada regularmente.

Há ainda uma outra lista, mais geral. É preciso especificar quais procedimentos o SUS faz e quais não vai fazer. E assim chegamos ao ponto mais dramático desta história. Em diversos países com bom sistema de proteção social, existe a seguinte regra: pacientes idosos, com, por exemplo, um AVC grave, de baixo prognóstico, não vão para UTI. Leitores me desculpem, mas o argumento é clássico: a relação custo/benefício é desfavorável.

Sim, posso ouvir a indignação. Dirão que esse comentário prova a brutalidade do sistema de seleção e listas. E a vantagem moral do atendimento universal.

Falso, inteiramente falso. A seleção é praticada diariamente. Comecem pelo coitado do plantonista no pronto-socorro, em geral um residente. A sala de espera está lotada e só tem uma vaga na UTI. Quem vai? Não são raros os casos de jovens médicos que entram em crise psicológica ao terem que decidir entre quem vai viver e quem vai morrer —pois essa é a decisão nua e crua.

Seriam desumanos se não sofressem com isso. Mas é mais desumano ainda colocar essa responsabilidade médica e ética nas mãos de rapazes e moças na casa dos 25 anos.

Seleção e listas elaboradas com critérios médicos, sociais e econômicos seriam infinitamente mais justas e eficientes.

Outra seleção, especialmente pelo interior do país, é feita por compadrio e política. Por que muitos políticos gostam de nomear diretores de hospitais, um cargo tão difícil? Porque gastam dinheiro e podem escolher os que serão atendidos na frente. Parentes e amigos do pessoal que controla os hospitais também furam a fila.

E há uma última e definitiva seleção, essa ocorrida na crise do Rio. Hospitais simplesmente fecham as portas, não entra ninguém. As farmácias declaram que não têm mais remédios — e pronto.

Cadê a Constituição?

Resumo geral: a Constituição promete o que o Estado não pode entregar. É preciso mudar a Carta para que os governos possam atender bem aqueles que precisam e não podem pagar. E abrir espaço, amplo espaço e facilidades, para a chamada saúde complementar — a privada, aquela dos planos e seguros de saúde e dos hospitais particulares — que se tornou mais que essencial.

Os governos Lula e Dilma têm imposto regras e limitações a essa saúde complementar, muito além do que seria uma regulação correta. Também é mais que um desvio antiprivatizante. É uma reação tipo consciência culpada. Os 45 milhões de brasileiros que pagam planos e seguros privados estão gritando que o SUS é um falso universal. Estão mostrando a incapacidade dos governos de colocá-lo de pé.

Em vez de tentar reorganizar o SUS, com uma reforma na Constituição, admitindo as limitações, essa gente resolve pressionar o sistema privado. Nem conserta um e ainda estraga o outro.

A última: governadores estão querendo cobrar dos planos de saúde quando o SUS atende segurados. É inconstitucional: todo brasileiro, tenha ou não seguro privado, tem de ser atendido no SUS. Os que têm seguro pagam duas vezes: os impostos para o SUS, as mensalidades para o plano. Se este tiver que pagar ao SUS, obviamente terá o custo aumentado e precisará cobrar de seus clientes — que estarão pagando uma terceira vez.

2016 só poderá ser melhor - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 31/12

Nem começou 2016 e o Brasil já está mal na foto, literalmente: Dilma Rousseff, abatida e de cabeça baixa, ocupa a capa da "Economist" já em circulação, mas com data de 2 de janeiro.

O título é "A queda do Brasil", e o texto começa por prever que, em vez de promover uma grande festa pelos Jogos Olímpicos, "o Brasil enfrenta um desastre político e econômico".

Nada que não tenha sido publicado em 11 de cada 10 jornais brasileiros (e do resto do mundo).

Mas, de todo modo, é significativo que o Brasil volte estropiado à capa da revista que, não faz tanto tempo assim, retratou-o como um foguete rumo a um futuro brilhante (é verdade que, mais recentemente, o foguete se esfarelou sem pena nem glória, sempre na capa da nobre revista britânica).

Nem serve de consolo o fato de que o mal-estar no Brasil, evidente a olho nu, não é um (triste) privilégio nosso.

Apesar da recuperação da economia na maior parte do mundo, "no momento todos os grandes atores [mundiais] parecem inseguros –até mesmo temerosos", constata, por exemplo, Gideon Rachman no "Financial Times".

Reforça, para o caso dos Estados Unidos, o notável chargista Patrick Chappatte: seu desenho mostra um casal olhando dois cartazes, um com a resenha de 2015 e o outro, sobre o que esperar para 2016.

"Não sei qual me assusta mais", diz o homem.

Qualquer chargista brasileiro poderia ter feito desenho igual e estaria rigorosamente certo, até mais do que nos Estados Unidos.

Afinal, o Brasil era, ao se iniciar a cúpula do G20 em novembro, o país com o segundo pior desempenho econômico desse conjunto das 20 grandes economias do planeta, à frente apenas da Rússia (a "Economist" prevê que, em 2016, ficaremos atrás até do desastre russo).

Além disso, há o formidável imbróglio político cujo desenlace foi jogado para 2016. É difícil encontrar no mundo, fora as antigas repúblicas bananeiras, um país em que estão sob suspeita a presidente da República e os presidentes das duas Casas do Congresso.

Rachman joga o Brasil em um saco coletivo no qual "o maior fator comum, e o mais difícil de pinçar, é um sentimento em ebulição contra as elites, combinando ansiedade a respeito da desigualdade e raiva com a corrupção, que é visível em países tão diferentes como a França, o Brasil, a China e os Estados Unidos".

Acrescenta o colunista: "Na América e na Europa, tais queixas são frequentemente vinculadas a uma disseminada narrativa de declínio nacional".

Preciso dizer que, no Brasil, a crise levou a uma difusa, mas persistente, sensação de que o país está andando para trás?

Parecemos (o Brasil e o mundo) vítimas de um novo "mal du siècle", aquela melancolia que abateu a Europa, especialmente a França, no início do século 19.

Era, então, um estado d'alma. Agora, é algo bem mais material, mais mensurável, mais difícil de destrinchar.

Resta o consolo de que 2015 foi tão ruim que 2016 tem que ser forçosamente melhor, para a alma e para o bolso. É pelo menos o que desejo ao leitor.

2016 aflitivo - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 31/12

O governo Dilma termina o ano com a saúde muito debilitada, mas respirando sem a ajuda de aparelhos. A presidente conseguiu uma leve melhora na sua popularidade (de 8% de ótimo/bom em agosto no Datafolha para 12% em dezembro) e o clima pró-impeachment arrefeceu desde que, com habilidade inusual, Dilma carimbou no processo a figura de Eduardo Cunha.

Na batalha da comunicação, o impeachment deixou de ser um pedido formulado pelo fundador do PT e militante dos direitos humanos Hélio Bicudo para figurar como um "golpe" impetrado pelo "dragão da maldade" peemedebista.

Mas a calmaria é circunstancial. Eduardo Cunha não deverá se sustentar muito tempo no cargo. Sem o bode expiatório, o processo de impeachment deverá retomar o curso normal, a não ser que a presidente consiga reconstruir sua base política no Congresso -tarefa que tenta, desde a segunda posse, sem sucesso.

O problema é que Dilma não pode contar hoje com as duas principais armas que um governante costuma dispor para aglutinar forças. A despeito da ligeira melhora em sua imagem, a presidente está longe de ser uma boa companhia para quem necessita de voto nas eleições de 2016.

Ao mesmo tempo, em meio à grave crise econômica, seu governo não tem como oferecer obras e verbas para estimular a acomodação política parlamentar. O máximo que poderá fazer é prestar socorro a governadores que, a exemplo do que foi feito pelo do Rio, disponibilizarem votos para sua causa maior (a sobrevivência) no Congresso. Mas, como se viu na reunião do ministro da Fazenda com 10 governadores, os problemas são enormes e prementes, enquanto o cobertor é obviamente curto.

Para embaralhar ainda mais o quadro, há a Operação Lava Jato, que exerce incessante ameaça sobre o governo e seus aliados, assim como sobre o entorno de Michel Temer.

O ano de 2016 tende a ser tão ou mais aflitivo que 2015.

A quem desagradar? - CELSO MING

ESTADÃO - 31/12

O ministro Nelson Barbosa começou sua atuação na Fazenda sob o signo da contradição.



Seus primeiros pronunciamentos foram os de um paladino da ortodoxia. Afirmou e reafirmou que a prioridade é atacar o rombo das contas públicas, sem o que não haverá crescimento sustentável nem controle da inflação nem aumento do emprego – no que está carregado de razão. E ainda avisou que era preciso atacar com coragem o déficit da Previdência Social por meio do aumento da idade mínima de aposentadoria e fazer reformas nas leis do Trabalho, no que também tem razão.

O ministro não conquistou a confiança das forças mais conservadoras, menos por seus discursos do que pela sua ficha até então. Enquanto esteve no Ministério da Fazenda, como secretário executivo, de 2011 a maio de 2013, foi um dos arquitetos da chamada Nova Matriz Macroeconômica, o arranjo do primeiro período Dilma que produziu o desastre. Além disso, assumira ao longo do segundo semestre de 2015 a tarefa de justificar as pedaladas, um dos truques que escamotearam o resultado das contas públicas, o principal argumento do projeto do impeachment. E desde o início do segundo mandato, foi quem mais resistiu aos programas saneadores comandados por Joaquim Levy. Com esses antecedentes, ficou mais difícil convencer o País de que seja o cara talhado para garantir políticas de responsabilidade fiscal.

Por motivos diferentes, as esquerdas, que brigam por uma política distributivista – que, ao mesmo tempo, garanta rápido crescimento econômico, expansão do emprego, inflação no chão e juros de primeiro mundo –, também receberam o ministro com forte dose de desconfiança. É verdade que ajudaram a empurrá-lo para cima, pela sua vasta folha corrida de serviços prestados ao PT e ao governo Lula. Mas agora desconfiam de que Barbosa pode ser um Levy disfarçado ou um Palocci, que plantou a ortodoxia no primeiro período Lula.

Enfim as esquerdas estão cismadas de que Barbosa não passe de quinta coluna do pensamento neoliberal, que acredita mais nos banqueiros do que nos desenvolvimentistas e do que na gente mais identificada com as políticas sociais.

Seria também o que transparece da ênfase que o ministro dá ao ajuste fiscal, em detrimento da criação de empregos. O anúncio de que vêm aí reformas na Previdência e na Consolidação das Leis do Trabalho é para eles uma indicação de que Barbosa olha mais para os interesses do capital do que para os do trabalhador.

É essa sensação que transparece do último documento da direção do PT. Uma nova e ousada política econômica para 2016, que pede realinhamento com a política populista do primeiro período Dilma: “Chega de altas de juros e de cortes em investimentos”.

Para desgosto da direção do PT, a presidente Dilma vem insistindo em que não haverá reviravolta à esquerda na economia e que não haverá desvios no objetivo de passar a limpo as contas públicas. Mas as pressões estão aí. Enquanto os empresários pedem mais bondades fiscais, os dirigentes dos sindicatos e dos movimentos sociais querem mais gastança e refugam qualquer reforma na Previdência e nas leis trabalhistas.

Os tempos estão complicados demais para a política econômica. O ministro terá de fazer escolhas. Entre elas, a de que lado mais desagradar.

Confira

''Falha nossa"
O ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner admitiu terça-feira que o rombo fiscal deste ano e dos anteriores e a crise da economia foram agravados por erros do governo. Conforme o jornal 'O Globo', o ministro citou como erros, "a desoneração exagerada" e "programas de financiamento num volume muito maior do que a gente aguentava". Poderia acrescentar: o represamento de preços e tarifas, a derrubada artificial dos juros, os favores tributários às montadoras e ao setor de aparelhos domésticos e muito mais.

Mau diagnóstico
É a primeira vez que um membro do alto escalão faz esse reconhecimento. Até agora, o governo apontava como causa da encalacrada a crise externa. Ou a "imprensa golpista", essa destiladora de pessimismos.

Matriz errada
Levado às suas últimas consequências, esse reconhecimento embute crítica aos pressupostos desses erros, contidos no programa chamado de Nova Matriz Macroeconômica.


O ano que acaba e o que começa - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 31/12

Nos anos 1950, na Itália, circulava uma piada.

Um padre transita de bicicleta pela praça de um vilarejo e quase é atropelado por um caminhão. Um guarda de trânsito, que é membro do Partido Comunista, comenta: "Padre, você teve sorte, hein?". E o padre: "Não foi sorte, não. É que você não consegue enxergá-lo, mas aqui comigo, na garupa, sempre vem Deus". O guarda, triunfante, tirando do bolso seu carnê de multas: "Dois numa bicicleta? Lamento, padre, esta é uma infração grave".

Penso nessa piada a cada vez que alguém me diz que, na sua vida, algo está certo "graças a Deus".

Tudo isso para dizer que a nossa vida e o estado do mundo dependem de nós —com um pouco de sorte, eventualmente.

Nestes dias, os jornais e a televisão nos oferecem as tradicionais revisões conclusivas do ano que passou. Todos gostamos de um balanço. Qual é, para mim, o fato dominante de 2015? (Não é Eduardo Cunha; lamento, mas, à vista do que é para mim o fato do ano, a política nacional não passa de um pastelão ruim).

Neste ano, mais de um milhão de refugiados foi da Ásia e da África para a Europa —metade deles da Síria.

Admiro especialmente a coragem dos que fugiram com os filhos pequenos. Graças a eles, reaprendi o que significa ser humano: o medo de morrer e de destinar seus filhos à morte não bastou para pará-los. Eles me lembraram assim que, para os homens, existem coisas mais importantes do que a vida (por ex., a liberdade, a dignidade, a honra).

Três corolários do fato do ano.

1) Os europeus terão que decidir quem eles querem ser. Se o que os define for um conjunto de religião, costumes, tradições e língua, eles só poderão se sentir ameaçados pelos recém-chegados. Se eles se definirem pelos valores que eles mesmos inventaram —liberdade, igualdade e solidariedade—, eles, portanto, ajudarão e acolherão os recém-chegados.

Ou seja, na resposta aos refugiados, os europeus decidirão quem eles são e seu próprio futuro.

2) Os que chegam à Europa fogem de seu país e de seus costumes. Essa mudança, que eles desejam, não deixa de ser um conflito interno dilacerante. Será que eles e os descendentes deles, mesmo se forem acolhidos, conseguirão um dia se sentir em casa na Europa? Ou, obcecados pelo sentimento de ter traído suas origens, ficarão numa mistura eterna e contraditória de inveja e sentimento de exclusão?

3) O fundamentalismo do Estado Islâmico, do qual muitos refugiados fugiram, foi de grande ajuda para reconhecer que nossos inimigos são os que querem converter o mundo, impor sua fé. Tenho igual respeito por evangélicos, ateus, muçulmanos, satanistas ou adoradores do sexo selvagem —contanto que ninguém sonhe em exigir que todos sigam seus preceitos.

O fato dominante do ano tem dois cartões-postais. Um vale para o ano passado; o outro, para o ano que começa amanhã.

Há a imagem do pequeno Alan Kurdi, de dois anos, deitado de bruços entre a água e a areia de uma praia da Turquia. A fotografia comoveu o mundo. Na primeira vez que eu a vi, meu desespero não foi só pelo corpo inerte do pequeno Alan; imaginei que o policial estivesse escrevendo algo, uma multa por sujar as praias da Turquia? Uma lista dos corpos encontrados naquele dia? A burocracia de um gesto que imaginei me revoltou. Soube logo que o policial estava aos prantos.

Depois de Alan, dezenas de crianças se afogaram na tentativa de atravessar o mar e chegar à Grécia, à Turquia, à Itália.

E há uma outra foto que me arranca as lágrimas; é de Tyler Hicks, e o "New York Times" a escolheu para introduzir as fotos do ano. A imagem faz parte de uma série sobre a chegada de um grupo de refugiados à ilha de Lesbos, na Grécia. Há uma espécie de justiça histórica, aliás, pela qual, fugindo do horror do Estado Islâmico, os refugiados encontram salvação na ilha onde nasceu Safo e que é ainda hoje um lugar de peregrinação para os homossexuais, ou seja, para aqueles que o fundamentalismo condena à morte.

Na fotografia, vemos um menino, com uma salva-vidas a tiracolo, como se ele estivesse a salvo só pela metade.

Ele adotará e será adotado pelo novo país, seja ele qual for? Não sabemos o futuro, mas, naquela praia, o olhar dele é vivo, cheio de sonhos e de alegria.

Meu voto para o ano que vem é que a gente consiga pensar e agir à altura da esperança estampada na cara deste menino.

Quando quer, o Brasil faz - MOREIRA FRANCO

ESTADÃO - 31/12

A crise brasileira é, essencialmente, uma crise de confiança. Industriais, comerciantes, agricultores, investidores, consumidores e o povo em geral não acreditam que o governo, os partidos e o Congresso Nacional sejam capazes de dar resposta aos graves problemas do País. A população sente-se desamparada por quem deveria justamente liderar o processo de mudanças: os políticos. E é forçoso dizer, por um dever de honestidade, que os brasileiros têm razão. Nossa cultura de fazer política está esgotada e, caso não se renove, ensejará uma deterioração crescente das condições já precárias da economia nacional. É preciso brigar menos, cooperar mais. Menos ambição, mais Brasil.

O desafio que os partidos de situação e oposição têm à frente é um só: não adiar mais a agenda de mudanças na economia, todas elas públicas e notórias. Nossa primeira tarefa é imprimir uma imagem do futuro em que estejam presentes o crescimento econômico, inflação sob controle, equilíbrio fiscal e segurança jurídica.

Temos a pluralidade como patrimônio nacional e a busca de entendimento como capital político, já utilizado no passado. O PMDB cumpre de novo o seu papel. Legenda cheia de contradições, bem de acordo com a tradição política brasileira, é capaz, no entanto, de construir pontes nos momentos em que mais se precisa dele, como foi na resistência à ditadura, na redemocratização e na Assembleia Nacional Constituinte.

O nosso recente documento Uma Ponte para o Futuro resgata fundamentos do Plano Real e da Carta ao Povo Brasileiro, lançada em junho de 2002 pelo então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva. Graças ao primeiro, criamos uma moeda estável, graças ao segundo, experimentamos avanços sociais inéditos. Tanto um quanto outro privilegiaram o equilíbrio fiscal e criaram o ambiente desejado para o desenvolvimento. Até que, por alguma leniência ou falta de clareza política, se sacrificaram conquistas e se perdeu o norte.

O que essa Ponte para o Futuro – batizada com justiça de Plano Temer pelo partido – faz é resgatar o apreço dos planos anteriores pelo equilíbrio das contas do governo. A estabilidade da economia não tem dono. É uma necessidade, um bem comum. É regra que paira acima de carimbos ideológicos, não é progressista nem conservadora. Tanto na casa do social-democrata quanto na do liberal, gastos descontrolados trarão igualmente o caos.

O PMDB, com seus 50 anos de história, propõe-se a reconstruir caminhos que nos levem novamente à outra margem, da qual descuidadamente voltamos. Essa ponte é oportuna porque faz o convite político ao diálogo e à travessia. Não sendo eleitoral, não é oportunista e, portanto, tem a legitimidade de reivindicar a atenção de todos para a urgência de tomarmos solidariamente o caminho de volta.

O item inicial dessa agenda de encontro é promover um ajuste fiscal verdadeiro e de longo alcance, regulado e perenizado por lei. Sem ele continuaremos agarrados à política de juros muito altos, à carga tributária elevada e de baixo retorno para a sociedade, à dívida pública crescente e cara, à pressão cambial, à retração do investimento privado e à inflação em alta. Ao contrário das ladainhas políticas, somente o equilíbrio fiscal permanente poderá salvar as conquistas sociais e permitir o crescimento econômico.

Ilustra bem a situação atual de descontrole o desequilíbrio crônico e crescente da Previdência Social, com déficit este ano superior a R$ 88 bilhões e R$ 125 bilhões previstos para 2016. Enquanto a maioria dos países estabeleceu a idade mínima de aposentadoria e a vem ajustando para 65 a 69 anos, de acordo com o crescimento da expectativa de vida da população, o Brasil foge do problema. O aposentado brasileiro tem em média 57,5 anos. Nesse ritmo, a falência do sistema é certa.

Já se foi o tempo em que se podia cobrir o aumento das despesas públicas com o aumento de impostos. De 1985 a 2013 a carga tributária cresceu 50%, mas não houve melhoria dos serviços prestados pelo Estado. Além da baixa eficiência da máquina pública, a opção cômoda pelo bolso do contribuinte estrangula a economia brasileira e insufla o déficit nominal, que foi de 6% do PIB em 2014 e chega a inacreditáveis 9% em 2015.

A despesa pública cresce acima da renda nacional, justificada fundamentalmente pelas necessidades de custeio da máquina administrativa, e eleva a dívida pública a quase 70% do PIB, em contínua trajetória ascendente. Ao mesmo tempo, o sobrepeso dos impostos, como fonte exclusiva de receita, e a complexidade do regime tributário nos fizeram despencar 18 posições no Relatório de Competitividade 2015 do Fórum Econômico Mundial. A queda livre do Brasil no gráfico de atratividade dos países significa menos investimentos, menos empregos e oportunidades.

As vinculações orçamentárias e despesas obrigatórias, por sua vez, engessam 89% das receitas orçamentárias e retiram do governo e da sociedade a capacidade de fazer escolhas quando tudo o que se deseja não cabe no Orçamento e vai produzir déficit e endividamento. O Estado pode e deve aumentar seus recursos eliminando desperdícios, encerrando programas que não produzem resultados e reduzindo drasticamente as oportunidades de corrupção.

A economia brasileira está em crise, mas não está perdida. Se o que nos paralisa é o desequilíbrio do Estado, é responsabilidade do sistema político concentrar-se no interesse público. É assim, e somente assim, que mudaremos as expectativas sobre o futuro. Resolver isso depende de nós, os políticos, no exercício da política em sua grandeza. A Nação quer e merece a responsabilidade de todos neste grave e ameaçador momento à paz social que a duras penas conquistamos. Nesta hora é preciso ser sincero e dizer a verdade à sociedade, sem fantasiar a realidade.

O Brasil exige isso.

O ano em que se confirmou o fim do modelo lulopetista - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 31/12





Historiadores não seguem o calendário gregoriano. Por método, dividem os fatos em ciclos, por sobre a convenção de se limitar o ano a 12 meses. Getúlio, na primeira encarnação, por exemplo, perdurou sete anos, de 1930 até o golpe do Estado Novo, e por aí segue.

Hoje, concluem-se os primeiros 12 meses do segundo mandato de Dilma. São, portanto, cinco anos de Dilma no poder, e também 13 de PT no Palácio do Planalto, todos com Dilma em postos proeminentes: ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil, presidente da República. Com o detalhe de ter presidido o Conselho de Administração da Petrobras de 2003 até disputar as eleições presidenciais de 2010.

Dilma é o fio condutor pelo qual o lulopetismo põe em prática o projeto dos sonhos: dirigista, concentrador de rendas da sociedade no Estado, este aparelhado pelo partido, a fim de redistribuir o dinheiro do contribuinte para fazer o “bem” ao pobres e aos empresários escolhidos para ser futuros “campeões nacionais”.

Portanto, a seriíssima crise na qual Dilma 1 embalou o Brasil precisa ser colocada numa contexto amplo. Esses 12 meses de 2015 são apenas a menor parcela de um experimento catastrófico. Ele foi sinalizado a partir do final do primeiro mandato de Lula, quando, afastado José Dirceu da Casa Civil, Dilma, a substituta, rejeitou, por “rudimentar”, a proposta que lhe foi apresentada pelos ministros da Fazenda e Planejamento, Antonio Palocci e Paulo Bernardo, para impedir que as despesas públicas crescessem mais que o PIB. A ideia, correta, sensata, livraria o país desta que deve ser a mais grave crise desde a provocada pela Grande Depressão americana, em 1929/30. Consta que Lula, sempre ardiloso, ordenou a Dilma matar na origem aquela proposta, contrária ao ideário do “Estado forte”.

Já a crise mundial iniciada em 2008, com a explosão da bolha imobiliária-financeira americana, serviu de pretexto para o início de implementação do “novo marco macroeconômico”, ainda com Lula no poder, sob inspiração da ministra Dilma, coadjuvada por Guido Mantega, na Fazenda. Que ela manteria no primeiro mandato, juntando-se aos dois o secretário do Tesouro Arno Augustin, o mago da “contabilidade criativa”, das pedaladas e outros truques. Gastos sem controle, descuido com a inflação, manipulação do câmbio e de preços administrados se constituem a fórmula básica que destruiu a Venezuela chavista e desestabilizou a Argentina kirchnerista, aparecendo aos brasileiros mais distraídos apenas neste ano. Antes sufocada por razões eleitoreiras, a crise desabrochou: inflação em dois dígitos, déficits fiscais cavalares, recessão grave e desemprego em alta rebaixam a nota de risco do país para nível especulativo e elevam a cotação de papéis que servem como seguro contra uma quebra do Brasil, os CDS (Credit Default Swap). (gráficos)

Entra-se na fase final do ciclo da política econômica lulopetista. Haverá pelo menos mais um capítulo, com o economista Nelson Barbosa, transferido do Planejamento para a Fazenda, no lugar de Joaquim Levy. Barbosa, próximo ao PT, fará o que a economista Dilma quiser. Também por isso é dito que 2015 não acaba hoje. E ainda não é possível saber até onde irá.

Protesto nada pacífico - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 31/12

A verdadeira face dos protestos contra o projeto de reorganização das escolas da rede estadual começa a aparecer, com o levantamento que está sendo feito pela Secretaria Estadual da Educação das condições em que ficaram muitas daquelas unidades, em consequência de sua ocupação por estudantes, com o apoio e participação de alguns professores, de muitos pais e mesmo de pessoas totalmente estranhas às suas atividades. Não foi um movimento inteiramente pacífico e ordeiro, como alardearam seus organizadores. Longe disso.

Os primeiros resultados do balanço da situação das escolas desocupadas – no total foram ocupadas 196 em todo o Estado – indicam que 72 sofreram prejuízos estimados em R$ 1 milhão. Segundo nota da Secretaria, somente no último fim de semana, “seis unidades localizadas nas regiões de Bauru, Pirassununga, Guarulhos, Campinas e na zona leste da capital registraram ocorrências de furto, depredação e vandalismo”. A conclusão do trabalho, que se baseia em avaliações feitas pela direção de cada uma das escolas ocupadas, pode, portanto, elevar bastante aquele cálculo.

Há muitos casos de furtos de computadores, notebooks, radiocomunicadores e eletrodomésticos, como mostra reportagem do Estado. E não apenas isso. Na escola Conselheiro Crispiniano, em Guarulhos, por exemplo, constatou-se a destruição de objetos da secretaria, das salas de coordenação e de equipamentos usados para festas. Numa outra escola, a Coronel Antônio Paiva de Sampaio, em Osasco, que ficou 15 dias ocupada, a destruição e o prejuízo decorrente dela e dos furtos foram particularmente graves. Foram pelo menos 10 computadores, 2 aparelhos de televisão LED e 15 tablets furtados. Um prejuízo de cerca de R$ 250 mil.

A situação contrasta fortemente com a imagem transmitida à opinião pública pelos líderes das ocupações, de protesto pacífico, com estudantes fazendo faxina para manter as escolas impecavelmente limpas e organizadas. Essa, como se começa a constatar agora, está longe de ter sido a regra geral. E isso não é surpresa para ninguém que tenha acompanhado com atenção esse caso.

Já em meados de outubro estava claro que o protesto ia descambar para a violência, quando grupos de estudantes, insuflados e orientados por pessoas que queriam tirar proveito político da situação, impediram o governador Geraldo Alckmin de participar de evento numa faculdade de São José dos Campos e também depredaram o portão de entrada do Palácio dos Bandeirantes.

A entrada em cena, logo no início das ocupações, de membros da diretoria do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), ligado à CUT, foi outra indicação segura de que as manifestações contra o projeto do governo estavam condenadas a degenerar. E, quando o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) fez o mesmo, deixou de existir dúvida a respeito disso. O que tem a ver o MTST com essa questão além da intenção de fazer oposição, por razões ideológicas, ao governo do Estado, e com os métodos violentos que o caracterizam?

É lamentável que muitos pais de alunos tenham fechado os olhos a essas evidências e apoiado os protestos, ao que tudo indica com um misto de ingenuidade e irresponsabilidade, produto infeliz do politicamente correto. Se queriam dar uma lição de “cidadania” a seus filhos, escolheram a maneira e o momento errados. Furtos, depredação, vandalismo e manipulação ideológica nada têm a ver com isso.

O pior foi a reação do advogado da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Victor Grampa. Para ele, houve casos de depredação, mas após a desocupação das escolas – espera-se agora que ele apresente as provas disso –, e a divulgação do levantamento da Secretaria é uma tentativa de “criminalizar” os estudantes. Essa tal “criminalização”, que virou mera esperteza, já não engana ninguém.

Dessas entidades não se pode mesmo esperar nada. Mas dos pais que entraram nessa aventura, sim – que ponham a mão na consciência.

Uma oposição para 2016 - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 31/12

A oposição falhou miseravelmente em captar o sentimento popular 

O último dia do ano é momento de repensar as atitudes tomadas em 2015, fazer um exame de consciência, identificar os acertos e os erros – especialmente os erros, propondo-se não apenas a evitar sua repetição, mas principalmente a cultivar as virtudes opostas aos defeitos manifestados no ano que se encerra. Se a oposição resolvesse fazer semelhante análise, perceberia que, neste ano, deixou prevalecer a preguiça, a inércia, a indecisão e as escolhas de conveniência, de forma mais acentuada no que diz respeito a dois temas que se entrelaçam: o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a cassação do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

Mesmo quando já estavam evidentes as falcatruas e os métodos nada republicanos do presidente da Câmara, os partidos de oposição hesitaram em tomar a frente do movimento pela sua cassação. Tudo porque Eduardo Cunha era visto como peça necessária para levar adiante um eventual processo de impeachment de Dilma. Isso fez dele uma espécie de “noiva cobiçada” – não apenas pela oposição, diga-se a verdade: também o governo flertou com o presidente da Câmara e, com maior poder de fogo, entrou no “acordão” que buscava preservar ambos os mandatos: Cunha pouparia Dilma do impeachment e, por sua vez, o PT pegaria leve nos ataques a Cunha. O namoro só acabou quando os três petistas do Conselho de Ética da Câmara resolveram votar pela admissibilidade do processo de cassação de Cunha.

A essa altura, os partidos de oposição também já tinham se colocado contra o presidente da Câmara, mas eram meros coadjuvantes. Afinal, os autores do pedido de abertura do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética sob acusação de quebra do decoro parlamentar tinham sido os partidos de esquerda Rede e PSol – apenas um tucano e um deputado do PPS assinaram o requerimento. Até mesmo o PT apareceu para a opinião pública de forma mais proativa que a oposição nesse episódio.

A oposição agiu a reboque também em relação ao impeachment de Dilma Rousseff. Após as grandes manifestações do primeiro semestre de 2015, seria natural que os partidos de oposição se pusessem à frente da campanha pelo impeachment, dadas as razões objetivas e legais que o fundamentam e que já eram conhecidas mesmo antes que o Tribunal de Contas da União recomendasse a rejeição das contas de Dilma. Mas especialmente o PSDB passou a maior parte do ano batendo cabeça, a ponto de os caciques do partido terem sido convocados mais de uma vez para tentar unificar o discurso; sua única estratégia acabou sendo a de proteger Eduardo Cunha, pelas razões que já descrevemos – isso apesar de as provas e evidências de amplo conhecimento público que implicam o deputado constituírem uma contradição em relação ao sentimento que levou tantos milhões às ruas.

De fato, mais do que pelas “pedaladas” que dão causa jurídica ao impeachment, de complexo entendimento pela sociedade, o povo se manifestou pelo fim do lulopetismo e pelo afastamento da presidente em razão do mar de lama do qual emergiram os escândalos de corrupção detectados pela Operação Lava Jato e por causa do esgarçamento do tecido social provocado pelas ideologias de esquerda. A oposição falhou miseravelmente em captar esse sentimento popular (em parte porque a social-democracia não deixa de ser uma corrente de pensamento de centro-esquerda) e preferiu as escolhas de conveniência, perdendo a capacidade de representar amplos segmentos da sociedade ávidos pela restauração da moralidade e da eficiência administrativa.

A letargia oposicionista confunde e desanima as massas, ao mesmo tempo em que oferece à presidente Dilma e ao PT a chance de reduzir o clamor popular aos estreitos limites de um “golpe deles contra nós”. Uma oposição proativa é necessária em qualquer democracia – que em 2016 o Brasil possa ver essa proatividade, em vez de partidos que apenas se deixam levar pelos acontecimentos.