domingo, julho 17, 2011

CAETANO VELOSO - Esboço de resposta



Esboço de resposta
CAETANO VELOSO
O GLOBO - 17/07/11

Vargas, o nosso Perón, não é sequer um nome que comova o coração de pessoas com menos de 60 anos


Juan Arias, do “El País”, pergunta por que os brasileiros não demonstram indignação pública contra a corrupção, já que o governo Dilma, em seis meses, teve que expulsar dois ministros fortes por evidência de práticas ilícitas. Pensando nos protestos espanhóis contra o sombrio clima político resultante do caos financeiro pós-2008, ele estranha a atual apatia no país das Diretas Já e dos caras- pintadas. Ao ler seu artigo, me lembrei de ter visto e-mails-filipetas convocando encontros semelhantes aos da Puerta del Sol em frente ao Copacabana Palace. Um pequeno grupo de pessoas tentava incitar pelo menos a garotada e os velhinhos descolados da Zona Sul a se manifestarem.


As notícias são de fato estarrecedoras. Palocci ter caído pela segunda vez em poucos anos e, semanas depois, a cúpula do Ministério dos Transportes ser defenestrada significa que o governo, mais uma vez, se vê obrigado a admitir que não pode sequer tentar negar as acusações gritadas pela imprensa. Ricardo Noblat dissecou o histórico sujo de Pagot — e este passou pelo Congresso com muito lubrificante. Não há quem não saiba que se mantém a tradição de mensaleiros e aloprados. Sendo que Palocci e Nascimento são herança direta do governo Lula.

Eu começaria a responder a Arias dizendo que as manifestações verdadeiramente populares do Brasil moderno têm em seu DNA a explosão indignada que o suicídio de Getúlio deflagrou: ela era contra o moralismo udenista e a imprensa que o apoiava. Este DNA estava nas Diretas Já, nos caras-pintadas e na passeata dos cem mil de 1968. Não somos a Argentina. E Vargas, o nosso Perón, não é sequer um nome que comova o coração de pessoas com menos de 60 anos. Mas o fim da era Vargas, que FH preconizara,
não se realizou. Está, na melhor das hipóteses , em andamento. Lento. A estrutura mental deixada por Vargas é ainda dominante. Seus conteúdo são na maioria inconscientes, mas têm consequências. Então não pode ser fácil arregimentar gente para protestar contra a frouxidão com que se tratam os crimes de corrupção no país.

Arias chama a atenção para o fato de que milhões vão a marchas pelos veados, pelo evangelismo e pela maconha. Sim. Mas isso reflete, por um lado, a tendência contemporânea para a compartimentalização de temas ideológicos, e, por outro, a ausência de estímulo para pôr em xeque um governo cujo histórico tem mais a ver com as manifestações pró-Vargas do que com as críticas ao “mar de lama”. Como iniciar um apelo pela internet para uma passeata contra a impunidade de altas autoridades que são exoneradas e logo santificadas pelos mandatários se a web está cheia de blogueiros lutando contra a “imprensa golpista”? Esses movimentos crescem em ambientes estudantis, em rodas de jovens artistas, em papo de trabalhadores sindicalizados, em naves de igrejas. Como imaginar algo assim acontecendo se a UNE é financiada por estatais e os sindicatos estão nos palácios? Em suma: se os formadores de rebelião são hoje todos chapa-branca, como organizar o movimento?

Claro que essas manifestações espanholas, inspiradas imediatamente no cheiro de jasmim que vem do Oriente, têm caráter sessentista. Como o maio francês e a contracultura americana, elas são mais geracionais do que de classe.

Odeio esse papo de imprensa golpista. Mas é fato que a imprensa brasileira tem o Estado oligárquico em seu DNA. E eu amo mais Vargas como figura histórica do que seus detratores. Começou copiando Mussolini, terminou assustando as oligarquias. Grosso modo, o conluio de Vargas com Samuel Wainer é algo mais progressista do que os jornais pró-Lacerda que viraram, anos depois, marchas da família com Deus pela liberdade. Nestas, viu-se que a mistura de plutocracia com moralismo católico vulgar é marca genética de nossas movimentações políticas mais antiga e mais resistente do que a que se revelou com a morte de Getúlio. Os blogueiros lulistas enfrentam internautas malucos herdeiros das marchadeiras. Será que todas as tramoias de Lula com os parceiros mais variados são mesmo mais progressistas do que toda e qualquer crítica que se lhe faça? Não creio. Não creio nem que as tramoias de Vargas, por mais estruturadoras do novo Brasil que tenham sido, devessem ser imunes a críticas — nem à época, nem agora. E a superação do estágio em que Vargas nos deixou requer coragem para que sejamos mais exigentes do que pudemos ser até aqui. Zuenir tocou na ferida, quando decidiu ousar não temer o udenismo. Será ele apenas a voz mais refinada da imprensa golpista?

Jânio de Freitas insiste em que o silêncio sobre empresas, mesmo quando se malham políticos, é sintoma de uma sociedade que resiste a mudanças mais fundas. O que é inegável. Mas nem o carnaval contra os corruptos parece possível orientarse. As mesmas pessoas que estavam na primeira fila da passeata dos cem mil ou no comício das diretas ainda estão na festa da posse de Lula. E o povo iletrado só tem a agradecer.

Votei em Marina para dizer que o número dos avisados é maior do que se pensa. A contagem dos votos confirmou. Novos critérios. A oposição não pode ser refém de reacionários fanáticos. Se um entrudo antiempresas corruptoras, mesmo com bonecos de Palocci, Dirceu e Nascimento, surgisse de surpresa,
seria um sinal de saúde: o esboço de um pós-getulismo progressista, civilizador e moderno, levando o Brasil a dizer ao mundo o que este precisa ouvir.

JOSÉ SIMÃO - Quén Quén! A Granja do Mano!

Quén Quén! A Granja do Mano!
JOSÉ SIMÃO 
FOLHA DE SP - 17/07/11

Seleção Quén Quén: Pato, Ganso, Pica-Pau e Frango. Só falta ele convocar o Tião Galinha! Rarará!


BUEMBA! BUEMBA! É hoje! A Granja do Mano! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Direto de Simões Filho, Bahia: "Tarado é preso em flagrante no centro comercial Chupa Peito".
E esta: "Japão exibe sua mais nova atração; a montanha-russa Takabisha". Takabisha? Deve ser a montanha-russa do Bolsonaro. Ele deve ser o bilheteiro! E a mulher do ministro dos Transportes é a cantora Rosa Passos. Se não sair o trem-bala, deve sair o "Trem das Onze". Rarará! E olha esse adesivo: "Deus é fiel! Já a vizinha do 501...!". Religioso fofoqueiro.
E quer viajar de graça pra Argentina? Bueiroslineas Brasileiras! E tô adorando o Rodrigo Lombardi em "O Astro"! Com aquele turbante no meio da testa. Bem canastra. Vamos mudar o nome da novela para "O Canastro"! Ele tá parecendo a Mãe Dinah com o turbante da Hebe! E o Sensacionalista: "No remake de "O Astro", Salomão Hayalla morrerá por um bueiro da Light".
E a Patrícia Poeta tava com dengue. E sabe o que o mosquito da dengue falou? "Eu peguei a Patrícia Poeta." Rarará! E sabe o que a mulher do mosquito falou? "Tudo bem. Contanto que você não chupe a Suzana Vieira." Rarará!
E esta do "Fantástico": "Macacos invadem e roubam comida na zona sul do Rio". Já sei, foram treinados em Brasília. E adorei a charge do Mariosan com a Dilma se consultando com "O Astro": "Tem mais ministérios com corrupção, professor?". Eu respondo: SIM! Porque, se corrupção desse caroço, o Brasil seria uma jaca. Rarará!
Hoje! Brasil x Paraguai! A Granja do Mano entra em campo! A Seleção Quén Quén: Pato, Ganso, Pica-Pau e Frango. Só falta ele convocar o Tião Galinha! Rarará! O Neymar é que tem mais apelido: Pica-Pau, Cacatua e Mamute de "A Era do Gelo". E será que o Mano vai botar o Ganso pra fora?!
E sabe a diferença entre a seleção feminina e a seleção masculina? É que a seleção masculina gasta muito tempo no salão. Jassa pra técnico da seleção! Rarará!
E as contas do Galvão: "Se a Colômbia perder pro Peru e a Venezuela empatar com a Argentina e o vento bater a favor e o vulcão entrar em erupção, o Brasil fica em segundo". Aí o adversário marca um gol e ele refaz as contas. O Galvão tá mais rouco que a foca da Disney! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

GALINHAGEM

DANUZA LEÃO - Preferências

Preferências
DANUZA LEÃO 
FOLHA DE SP - 17/07/11

Tudo o que é considerado bom dá trabalho. As coisas condenadas são fáceis, e você se habitua logo


VOCÊS JÁ REPARARAM que tudo o que é considerado ruim é absorvido pelas pessoas -por nós- bem mais facilmente do que tudo o que faz bem, seja à saúde, seja à alma? E não é só: é muito mais fácil -e prazeroso- fazer o que é proibido do que o que pregam os governos, as religiões, a família, a medicina. Exemplo: você prefere um suco de beterraba com nabo ou uma caipirinha?
Tudo o que é considerado bom para a saúde e para o espírito costuma ter péssimo paladar, dá trabalho e leva tempo para dar resultado: já as coisas condenadas são fáceis, deliciosas, e você se habitua a elas em poucos dias.
Digamos que você resolva adquirir uma forma física impecável: vai ter que malhar três, quatro horas por dia, durante meses, anos, para poder exibir aquele feixe de músculos que vai deixar todo mundo morrendo de inveja. Mas, se resolver parar tudo, em quatro semanas volta à estaca zero. Dura, a vida.
Capítulo dieta: quanto tempo se leva para perder 15 quilos? Meses, e passando por sacrifícios permanentes, pois nada mais insuportável do que comer legumes no vapor com pouco sal e bebendo água. Insuportável, não: um verdadeiro inferno.
Aí um dia, prestes a cortar os pulsos, você resolve jogar tudo para o alto e cai de boca numa feijoada.
Toma todas as caipirinhas a que tem direito -com açúcar- e quando chega em casa abre aquela caixa de chocolates e vai ver um filme na televisão, fe-li-cís-si-ma. Nesse dia você recupera três quilos, que para perder vai levar pelo menos 40 dias, oh, vida.
Ela, que fumava dois maços de cigarro por dia, resolve deixar o vício. Compra as piteiras milagrosas, usa o tal esparadrapo americano, testa sua força de vontade até o limite máximo, fica de péssimo humor, e vai diminuindo, diminuindo, até chegar a quatro, cinco cigarros por dia -isso depois de seis meses com os nervos à flor da pele.
Do alto de sua superioridade, começa a fazer o discurso habitual, e no qual nem acredito muito: está sentindo mais o cheiro das coisas e o paladar dos alimentos -isso fora a resistência física. Já sobe 12 andares direto, corre dez quilômetros sem cansar e a performance sexual -bem, a modéstia impede de falar.
Com tanta coisa boa acontecendo, só pela cabeça de um louco passaria voltar a esse vício maldito. Mas uma noite sai com uns amigos, se distrai, toma três uísques e resolve botar um cigarro na boca -para nada, só para mostrar que é capaz de fumar um só e não sucumbir.
Acaba fumando um maço inteiro e vai ter que começar da estaca zero, pois o vício já se instalou, igualzinho ao que era antes.
Para desviciar, meses de sacrifício: para reviciar, basta uma noite -é possível? É justo?
E com o amor, a mesma coisa; entre um rapaz de bom caráter, trabalhador, aquele que já se sabe que vai ser um marido fiel -teoricamente, o homem certo-, ela costuma preferir um cafajeste, que não tem trabalho fixo (vive de expedientes), aquele que faz com que ela passe noites em claro esperando que ele apareça -ele, que não pode ver um rabo de saia e que apronta sempre.
E, se ele aparecer, ela abandona o rapaz certo e volta para os braços dele quantas vezes ele quiser; por que será que entre o que nos faz bem e o que nos faz mal -e quanto mais mal, melhor-, a gente sempre prefere o pior?
A vida é mesmo complicada: não podia ser ao contrário?

JOÃO BOSCO RABELLO - A volta de Lula ao palanque

A volta de Lula ao palanque
JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 17/07/11

Começa com cara de filme velho a campanha pelas eleições municipais do ano que vem. O ex-presidente Lula a abriu oficialmente anteontem, no Congresso da UNE, em que enfiou goela abaixo do PT a candidatura do ministro da Educação, Fernando Haddad, à Prefeitura paulistana. Como fez com Dilma para a Presidência da República.

Quase simultaneamente, Lula abriu um site com uma primeira gravação em que deixa claro que voltou ao palanque depois de um breve intervalo de seis meses - ele, que governou oito anos sem jamais abandoná-lo. Tudo precedido de três manifestações da presidente Dilma, a última resumindo o espírito da coisa: "Recebi uma herança bendita".

O filme fica velho quando a ele se junta uma oposição sem rumo, dividida, como na eleição de 2010 - e, por último, amansada com o resgate de sua principal referência, Fernando Henrique Cardoso, pela presidente Dilma.

É nesse cenário que Lula explora um eficiente discurso em que críticas aos erros de hoje e de ontem são vendidas como preconceito da elite e da mídia. Fala às mulheres, aos estudantes e aos emergentes das classes C e D, beneficiados pela sua política assistencialista.

Tudo isso como passageiro de um avião do PR, protagonista do escândalo do Ministério dos Transportes, cuja intervenção mereceu seus elogios, como se os demitidos pelo esquema de corrupção não tivessem nada a ver com seu governo. "Quem erra tem que sair", diz, com cara de paisagem.

Se a economia não conspirar contra Dilma, bem nas pesquisas, esse discurso continuará eficiente, pelo menos, para a campanha municipal de 2012.


De terno...

Em São Paulo, a obsessão de Lula é quebrar a hegemonia do PSDB, o que tenta apostando em um nome novo, desvinculado das disputas anteriores. E, principalmente, de perfil mais tucano que petista, caso de Fernando Haddad, cuja formação acadêmica e atividade professoral seria mais palatável ao eleitor médio paulistano. A face petista que lhe falta para a adesão dos segmentos mais populares, Lula espera suprir como seu cabo eleitoral. No resto do País, a disputa é, de forma geral, com o PMDB, cuja capilaridade lhe confere cerca de 1.250 prefeituras contra pouco mais de 500 do PT.

...e de macacão

E o PSDB, enquanto isso, intensifica a sua estratégia de aproximação com os movimentos sindicais. O partido já conversa com cinco centrais sindicais (a exceção é a CUT), e estuda a criação de um núcleo sindical ligado ao Diretório Nacional. Em São Paulo, costura uma aliança com a Força Sindical, na contramão do diagnóstico de Fernando Henrique Cardoso, de que disputar com o PT os movimentos sociais é perder tempo... Sem janela

São bastante reduzidas, a esta altura, as chances de aprovação de uma "janela" para mudança de partido até setembro. Por ora, o PSD é a única opção para quem quer mudar. Sua mais recente façanha é no Rio, onde o próprio PMDB, maior força no Estado, estimula a migração de filiados para enfraquecer o ex-governador Anthony Garotinho (PR). "O PMDB no Rio está com overbooking", diz um parlamentar, que prevê um PSD carioca com nove deputados estaduais e oito federais.

África que une

Nizan Guanaes é o "novo melhor amigo" do ex-presidente Lula. O interesse comum pela África os reconciliou. Em 2002, quando comandava as campanhas do PFL - inclusive a de Roseana Sarney à Presidência -, o publicitário comparou o PT ao Taleban: "Só falta o turbante, a barba já tem".

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - Contículos 2


Contículos 2
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
O Estado de S.Paulo - 17/07/11

-Você acha que eu devo abandonar a pintura?.

- Não. Você leva jeito. Só falta um pouco de... Por que não tenta entrar na Academia de Artes de Viena?

- Já tentei. Duas vezes. Não me aceitaram.
- O que eles disseram?
- Que eu levava mais jeito para a arquitetura.
- Está aí. Arquitetura é uma boa ideia. Você estará construindo coisas. Deixando a sua marca no mundo.
- Enquanto que, como pintor, eu não deixaria marca alguma. É isso?
- Bem...
- Seria apenas mais um pintor medíocre, é isso? O mundo jamais saberia da minha existência. Quando eu morresse, minha lápide diria "Tentou ser pintor". Ou "Aqui jaz um nada".
- Não foi isso que eu quis dizer...
- Mas o mundo vai saber da minha existência. Entendeu? Espere só para ver. Ainda não sei como, mas vou me tornar conhecido. Vou ficar famoso. E sabe o que vai acontecer? Qual será a consequência disso?
- Qual, Adolf?
- Minhas pinturas valerão uma fortuna!
Verônica
 A irmã Verônica foi chamada à presença da Madre Superiora. Como ela explicava que na sua cela tinham sido encontradas as sobras de um jantar, inclusive ossinhos roídos de codorna e dois copos com restos de vinho tinto?
Sem erguer os olhos, irmã Verônica contou que tinha recebido a visita do Diabo. Ele chegara com a comida e o vinho e os dois tinham comido e bebido até se saciarem. Depois ela dormira e, ao acordar, só vira o que sobrara do jantar. Nem sinal do Diabo.
Pode ser delírio, pensou a Madre Superiora. A pobrezinha da irmã Verônica reagindo à austeridade da vida monacal e imaginando tudo aquilo. Mas os ossinhos roídos de codorna eram reais, os copos com restos de vinho eram reais. Verônica não poderia ter roubado as codornas da despensa no convento. Não havia codornas na despensa do convento. E, mesmo, como ela prepararia codornas na sua cela? Sem saber o que dizer, a Madre Superiora perguntou:
- Como é o Diabo?
- Simpático.
- Ele não falou se ia voltar?
- Não. Só me perguntou se eu gostava de lagosta.
Naquela noite, as irmãs fizeram vigília na porta da cela da irmã Verônica. Ouviram as vozes da irmã Verônica e de um homem vindas de dentro da cela, numa conversa entrecortada de risadas. E de repente, para grande susto das irmãs, a porta foi entreaberta e apareceu a irmã Verônica. Aparentemente, o Diabo tinha trazido vinho branco e maionese mas esquecido de trazer um instrumento para quebrar a carapaça da lagosta. Se conseguiria algo como um alicate no convento? A Madre Superiora mandou buscar um alicate e fez questão de entrar na cela com ele, fechando a porta atrás de si. Depois ela veria aquela questão da intromissão do Diabo no convento. Falaria com o bispo, talvez fosse preciso um exorcismo. Mas no momento o importante era não deixar a irmã Verônica sozinha com um homem na cela.
Vitória
 Era uma vez uma vaca Vitória. Ela deu um pum - e acabou a história. Mas isto é apenas a narrativa consequencial, descontextualizada, despida dos seus aspectos ecológicos e reduzida a uma linearidade silógica (animal enquanto Natureza não consciente + flato = escatologia nos dois sentidos) cuja brevidade quase aforística lhe empresta uma dimensão totêmica.
E "Vitória", claro, é um pseudônimo. 

FÁBIO ZANINI - Dilma na toca

Dilma na toca
FÁBIO ZANINI
FOLHA DE SP - 17/07/11
Na avaliação de um assessor de Dilma Rousseff, a atual crise econômica mundial pode ser ainda pior que a de 2008. Dessa vez, há diversos centros simultâneos de turbulência, o mercado de títulos está ameaçado e o ambiente político nos EUA foi envenenado. Não é só uma freada no PIB o que está no horizonte.
A presidente, tardiamente, começou a prestar atenção no assunto. Na quinta-feira, em palestra a empresários gaúchos, fez breve referência ao principal tema hoje da agenda internacional. Prometeu que "tensões que explodem lá fora nos estimulam a agir com coragem, com ousadia".
É muito pouco. Dilma moveu o pêndulo da política internacional para o outro extremo, depois dos cansativos anos Lula. Não fala, não se importa, não viaja.
Num momento em que Cristina Kirchner preocupa-se com sua reeleição, Chávez frequenta o noticiário médico e o México é consumido pelos cartéis, Dilma tem uma avenida para ser a voz mais influente do continente. Estranhamente, não a usa.
A lei da política de que não há espaço vazio vale também para a diplomacia. O colombiano Juan Manuel Santos, presidindo uma economia que é 20% da brasileira, desponta hoje como a nova face da América Latina.
Há sinais de que Dilma finalmente vai sair do casulo no segundo semestre. Em setembro, irá aos EUA abrir a Assembleia Geral da ONU, seguindo tradição da diplomacia brasileira que Lula respeitava religiosamente.
Venderá seu peixe: direitos humanos, o combate à miséria e o papel das mulheres são temas certos no discurso, que já está sendo elaborado.
No dia seguinte, participa de um seminário da ONU sobre segurança de instalações nucleares. Também fará viagens ao Peru, à sede da Comissão Europeia (na Bélgica) e à África do Sul -talvez emendando um minitour africano.
Provavelmente em janeiro de 2012, Dilma deve retribuir a vinda de Barack Obama ao Brasil em março, em uma visita de Estado aos EUA.
Há uma corrente minimalista nas relações internacionais que diz que influência vem por inércia. Bastaria ao Brasil continuar a crescer economicamente para conquistar espaços internacionais, em fóruns, organizações ou via "poder suave" (como intercâmbio cultural e assistência ao desenvolvimento).
Dilma, quieta e feliz, poderia dedicar-se a salvar o trem-bala e almoçar com o PR.
Há dois riscos nessa abordagem. O primeiro, conceitual: diplomacia presidencial importa, e o ponto exato entre mudez e megafone é difícil de encontrar.
O segundo, circunstancial: vem crise brava por aí. Sem o empuxo da economia e com uma presidente introspectiva, o Brasil pode andar para trás numa das genuínas conquistas do governo Lula, um lugar melhorzinho no mapa-múndi.

FÁBIO ZANINI é editor de Mundo.

ANTÔNIO GOIS - Quanto vale um professor?

Quanto vale um professor?
ANTÔNIO GOIS
FOLHA DE SP - 17/07/11
RIO DE JANEIRO - Greves de professores, como as que ocorrem no Rio e em Minas, costumam seguir no Brasil um triste roteiro. Sem força para mobilizar a categoria, sindicatos têm de apelar para ações mais radicais. Enquanto isso, a vida segue nas escolas, com parte dos professores em greve, outra trabalhando, e os alunos sabendo que a reposição das aulas, ao final, será para inglês ver.
Sem entrar no mérito da viabilidade, a reivindicação salarial é justa. No Brasil, em geral, um professor que concluiu a universidade e dá aula no ensino fundamental tem salário que corresponde apenas à metade dos rendimentos médios de todos os trabalhadores com formação superior. Já foi pior. Em 1995, a proporção era de só um terço.
No debate sobre salários, dois grupos se enfrentam: os que defendem reajustes iguais para todos e aqueles que querem remuneração por mérito, vinculando ao menos parte do pagamento ao desempenho docente.
Curioso é notar que políticas tão opostas têm resultados semelhantes. Já se sabia, a partir de vários estudos, que salário não tem relação imediata com desempenho do aluno. Agora, surgem evidências de que a bonificação por mérito tampouco tem efeito. Foi esta a conclusão de um relatório publicado no mês passado pela Associação de Escritores em Educação dos EUA, após revisão de estudos publicados naquele país.
Mas tais estudos captam apenas efeitos imediatos. No longo prazo, a perda de prestígio deixa a carreira pouco atrativa para os talentos que poderiam estar em sala de aula, mas optam por outras profissões.
É por isso que são fundamentais políticas de Estado como o Plano Nacional de Educação, em discussão no Congresso. Sem metas e exigências mínimas de investimento no setor, é sempre tentador para o político colocar trens-balas e afins à frente da educação.

GOSTOSA

ALON FEUERWERKE - Probabilidade nula

Probabilidade nula
ALON FEUERWERKE
CORREIO BRAZILIENSE - 17/07/11
Lula está procurando no canto errado do salão por algo que perdeu. Mesmo sendo o canto mais iluminado pelo holofotes, a chance de recuperar assim o que foi perdido é zero

A historinha é velha. O sujeito procura cuidadosamente algo no canto iluminado do salão escuro. O outro observa e pergunta, curioso.

- Você perdeu alguma coisa?

- Sim.

- Perdeu aí nesse canto?

- Não, naquele.

- E por que você está procurando aí? Não seria melhor procurar ali?

- Porque aqui está iluminado.

Qual é a chance de o sujeito encontrar o que procura? Zero.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ao Congresso da UNE e discursou reclamando da imprensa. Mais uma vez. Lula está no pleno direito dele. Ninguém anda acima do bem e do mal. Muito menos o jornalismo.

Se qualquer jornalista tem a prerrogativa de escrever ou falar livremente o que pensa sobre o ex-presidente, o caminho inverso é igualmente legítimo. A democracia oferece as duas mãos. Ou deveria oferecer.

Aliás, Lula e a imprensa têm pelo menos um ponto em comum. Ambos odeiam ser criticados. Ambos adorariam só receber elogios. Talvez a característica seja universal, mas na política e no jornalismo fica mais exacerbada. Aqui vaidade é poder.

Não ser criticado nunca é uma impossibilidade prática, mas atravessar a vida com o desejo limitado pelo realismo seria chato demais, convenhamos.

Lula faz questão de expressar o desconforto com a imprensa sempre quando pode. E lhe é útil, pois não se frita omelete sem quebrar os ovos, não se faz política sem definir os adversários, sem piorá-los ao ponto de poder neutralizá-los.

O ex-presidente acaba de lançar um site para falar bem de uns e mal de outros. Ele mesmo disse isso. Não corre o risco de perder dinheiro quem apostar nos jornalistas como um alvo preferencial da crítica.

A realidade, infelizmente porém, é mais complicada. Talvez o ex-presidente esteja a repetir o nonsense da historinha no alto da coluna. Se está mesmo em busca de alvos, talvez devesse procurar no outro canto do salão.

Por uma razão singela. Nos dias recentes, o que mais o governo Dilma Rousseff tem feito é reagir positivamente a revelações trazidas pela imprensa. A cada revelação, uma demissão. Ou mais de uma. É a dança sincronizada das manchetes e das cabeças cortadas.

Quem vem escrevendo o roteiro do expurgo na Esplanada dos Ministérios não são a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) ou o Ministério Público. É o trabalho dos profissionais de jornais, revistas, tevês, rádios e sites.

Eis um fato. E contra fatos os argumentos precisam ser excepcionalmente bons. Não foi o caso do discurso de Lula em Goiânia.

Em resumo, enquanto Lula fala mal da imprensa, a parceria entre o jornalismo e o governo Dilma vai servindo para a presidente ocupar espaço no governo dela.

E essa ocupação se dá - não há outra maneira - à custa da arquitetura que herdou do antecessor. Lula está procurando no canto errado do salão por algo que perdeu. Mesmo sendo o canto mais iluminado pelo holofotes, a chance de recuperar assim o que foi perdido é zero.

EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO - Tarefas pendentes

Tarefas pendentes
EDITORIAL 
 FOLHA DE SÃO PAULO  - 17/07/11
Governo de Dilma Rousseff conseguirá domar economia em 2011, mas já negligencia providências para sustentar o crescimento até 2015

O primeiro ano de Dilma Rousseff será de contenção na política econômica e de freio na alta de preços, no gasto público e no crescimento exagerado. É provável que o governo tenha relativo sucesso na realização dessas metas.
Ainda assim, o esforço de aparar excessos não terá sido bastante para que mesmo o crescimento de médio prazo, até 2015, seja possível sem que se acumulem desequilíbrios perigosos.
A inflação ainda será alta demais no ano que vem, em que está prevista a retomada do gasto do governo tanto em transferência de renda (programas sociais e INSS) quanto em investimento (impulsionado pelo pré-sal e pelos desperdícios das obras esportivas).
Governos municipais e estaduais, depois dos habituais freios de primeiro ano de mandato, voltarão a gastar; 2012, de resto, é ano de eleição -e 2014 também.
O aumento nominal do salário mínimo será de 14% (e de 9% a 10% até o final do mandato). Assim, subirão as despesas da Previdência e de governos regionais.
O nível de emprego ainda será historicamente elevado. O aumento da renda das famílias pressionará ainda mais a alta inflação no setor de serviços, que não é afetado imediatamente pela restrição de crédito imposta de modo gradual pelo Banco Central.
O real forte, que encarece o produto nacional, e o aperto no crédito têm contido a produção industrial, que está quase no mesmo nível de abril de 2010. Ainda assim, a inflação persiste.
A retomada do gasto público e a elevação do nível de investimento e do consumo das famílias são incompatíveis no curto prazo com inflação menor e com deficit externo moderado (pois a importação compensa a insuficiência da oferta doméstica). Um desses três itens da demanda no país tem de ser reprimido para se preservar algum equilíbrio econômico.
O aumento do preço de produtos brasileiros de exportação tem mantido sob controle o deficit externo, mas também colabora para pressionar a inflação.
A perspectiva é, pois, de juros altos pelo menos até 2013. Em decorrência, haverá valorização do real e encolhimento da indústria. A economia continuará dependente de exportação de commodities, desperdícios em obras e transferências de renda.
O acúmulo dessas tensões vai limitar o crescimento. Exigirá um ajuste, que não deve vir antes da eleição de 2014. Ou que pode sobrevir no caso de crise externa grave, que terá reflexos tanto piores no país quanto maiores forem os desarranjos na economia.
O governo não parece se incomodar com a gradual deterioração macroeconômica. Perde, assim, a oportunidade de acelerar o crescimento numa conjuntura mundial e demográfica favorável.

ANCELMO GÓIS - Itamar de Deus

Itamar de Deus
ANCELMO GOIS
O GLOBO - 17/07/11

Sérgio Cabral vai dar o nome de Itamar Franco ao condomínio de 996 apartamentos que vai construir na Cidade de Deus, no Rio. 

Retratos da vida

Não houve só roubalheira no envio de recursos às vítimas das enchentes na Região Serrana do Rio. O Instituto Camargo Corrêa, que doou uns R$ 2 milhões, ofereceu, na tragédia, recursos à Creche Vovô Miguel, em Teresópolis. O pessoal agradeceu e explicou
que a creche não havia sido atingida — e ainda indicou outras, para as quais seria mais justo fazer a doação. Eu aplaudo.

Prazer, Murilo

Murilo Ferreira, o novo presidente da Vale, concluiu uma espécie de volta ao mundo, visitando clientes e parceiros da mineradora. No roteiro, Londres, Tóquio, Xangai, Cingapura, Brisbane e Nouméa.

Pouco ibope
Hoje, a TV Globo só vai exibir o “Central da Copa”, depois do “Fantástico”, se o Brasil ganhar do Paraguai, na Copa América. Se a seleção de Mano Menezes perder, babau, o programa será cancelado. 

Noca da Mangueira

Noca da Portela, 78 anos, o compositor da escola que lhe empresta o nome, entrou na disputa de samba da... Mangueira. Faz sentido numa escola em que Nelson Sargento nunca foi militar, Delegado não é policial, Nelson Cavaquinho tocava violão e Cartola jamais atuou como dirigente de futebol.

Tom para crianças

A Jobim Music assinou contrato com a José Olympio para edição da letra de “Chovendo na roseira”, de Tom, num livro ilustrado para crianças. Será o primeiro de uma coleção infanto-juvenil, tocada pela editora Maria Amélia Mello.

Crime e castigo
Um cidadão procurou a Comlurb, semana passada, para entregar uma cesta coletora de lixo novinha. Cumpria uma decisão da 39a- Vara Criminal do Rio, por ter ateado fogo num desses recipientes em 2009. 

Aos números...
Das 129 mil cestas espalhadas pelo município do Rio, cerca de 26 mil são destruídas por ano. Cada uma custa, em média, R$ 70.
A Comlurb gasta, aproximadamente, R$ 182 mil por ano para fazer a reposição.

Eurico de volta
Sai em setembro “Todos contra ele”, biografia autorizada de Eurico Miranda, ex-cartola vascaíno, assinada por Sérgio Frias. Será lançada pela MPM Neto Editora.

Diego no Botafogo

Quinta, Eike Sempre Ele Batista parou seu carrão no sinal em frente ao boteco Rebouças, no Jardim Botânico, no Rio, e foi reconhecido pela turma do chope. Uns botafoguenses gritaram: “Eike, contrata o Diego!” O magnata baixou o vidro, fez sinal de positivo e disse: “Vou contratar!” Promessa é dívida. 

Irã e Israel
A seleção júnior de vôlei do Irã, que em agosto disputará o Mundial da categoria, no Rio, pediu para alugar uma quadra e uma academia para treinar. Sondado, o presidente da Hebraica, Luiz Maerovitch, concordou. Mas o Irã terminou fazendo outra opção. 

PIB da favela
Além de uma filial, a Drogasmil, gigante das farmácias, abriu um centro de distribuição de produtos no Complexo do Alemão, no Rio. 

Cena carioca
Veja como são as coisas. Quarta, uma mulher de uns 50 anos, amiga de uma parceira da coluna, tomou um tombo na Praça da Bandeira, quebrou um dente e cortou o rosto. Um vizinho a levou à UPA da Tijuca. Lá, com a boca ferida, sem poder falar, ouviu da assistente social: “Foi seu marido, não foi? É aquele que está lá fora?! Vamos dar apoio para você denunciar.” Segue... Na volta para casa, no carro, o vizinho comentou: 
— Não entendi nada. Uma
funcionária da UPA me deu uma olhada de cima abaixo e disse: “Tô de olho em você, hein!” Há testemunhas.

GOSTOSA

JOÃO UBALDO RIBEIRO - Estão querendo enganar quem?



Estão querendo enganar quem?
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 17/07/11

Li em algum jornal que a Fifa, essa organização da qual volta e meia se evola um odorzinho de mutreta, que lida com cachoeiras de dinheiro, cujas decisões são às vezes vistas como fruto de processos viciados e que, enfim, não é nenhuma casa pia, ameaçou fazer a Copa de 14 na Espanha, se as obras aqui não forem apressadas - ou até mesmo iniciadas, como dizem que é o caso de muitas. Por artes do caprichoso destino, isso pode interessar à Espanha, que tem estrutura e está pendurada. Pode interessar a toda a Europa, aliás, devido ao reflexo dos problemas espanhóis na economia do euro. E talvez o Brasil nem conseguisse ir aos jogos, porque os espanhóis poderiam aparelhar os aeroportos para otimizar sua já tradicional deportação de brasileiros.

Apressar as obras significa, como também se divulga muito, relaxar controles sobre custos e gastos. Claro, qualquer que seja o resultado dos debates, todo mundo sabe que haverá roubo. Se for feita uma enquete, tenho certeza de que a grande maioria dos brasileiros acredita que vai haver roubo nessas obras, com sigilo, sem sigilo, de que forma for. Existirá sempre um jeito de roubar, entendido isto como faturamento fraudulento, propinas, desvios de materiais e serviços e, enfim, todo tipo de trambique aplicável, num repertório em que seguramente somos líderes mundiais.

Sim, todo mundo está cansado de saber disso. Então para que tanta complicação inútil, se tudo vai ser mesmo garfado, sempre foi, desde que nos entendemos e ninguém tem problemas ao ganhar dinheiro desse jeito? Há tantos estádios a construir, tantos aeroportos a reformar, tantas obras públicas, tantas armações que podiam já estar rendendo grana e ficamos nessa demora ridícula, repetindo atos ou palavras que nunca resolveram nada. Tanto o que surrupiar já dando sopa aí e esse pessoal perdendo tempo em formalidades que todo mundo sabe que não servem para nada, a não ser para embalar o sono dos que as ouvirem, em forma de discursos, no Senado Federal. Não havia nem necessidade da mãozinha que a Fifa está querendo dar (ou meter).

É difícil assistir a um noticiário de televisão em que não seja mostrado o desbaratamento e prisão (e imediata soltura, em questão de segundos) de pelo menos uma quadrilha que fraudava algum órgão público. Difícil, não, impossível; não me recordo de nenhum. Se qualquer político for acusado de ladrão numa roda de conversa, dificilmente alguém o defenderá com convicção, porque confere com o padrão que nos acostumamos a aplicar à nossa sociedade. Nenhum tipo de falcatrua ou sordidez nos surpreende e é bastante comum que, nessas conversas, alguém lembre uma história bem pior.

E os parlamentares, se não são todos ladrões em sentido amplo, são beneficiários impudentes de uma abundância obscena de privilégios, a começar pelo imoralíssimo foro especial, que os põe numa acintosa classe acima dos governados, a quem não prestam satisfações e cuja vontade ignoram, se não coincide com seus interesses. Há sentido nas miríades de "ajudas", nos fantásticos seguros de saúde, nas generosíssimas viagens e em tudo mais de que desfrutam para mal e pouco trabalhar, isto quando trabalham? Os estrangeiros têm dificuldade em compreender como uma sociedade aceita esse deboche deslavado, que ainda lhe é impingido com arrogância e ostentação de poder. Não acho de todo descabida a semelhança que vejo entre esses privilégios e os da corte de Luís XIV, na França do século 18. De fato, como já disse aqui, o Estado entre nós não é o rei, que não temos; mas o Estado entre nós é dos governantes e a soberania é deles, respeitados os donos da economia.

No serviço público, a falta de compostura e o nepotismo, embora hoje disfarçado pelos intrincados laços familiares dos brasileiros, são a regra. O que é público não é de ninguém, começando pelo material de escritório levado para casa e terminando pelos cartões corporativos. Ocupantes de cargos públicos de relevância se associam secretamente a empresas de "consultoria" e assim ganham fortunas, fazendo na verdade advocacia administrativa e tráfico de influência. Egressos do serviço público caem na mesma prática, pois o serviço público aqui não é para o público, mas para quem o presta, ou alega prestar. O serviço público é uma oportunidade para "se fazer". Comportam-se assim até os menos rapineiros, que se contentam em "colocar" um filho aqui ou acolá, ou bem encaminhar seu futuro depois da política, apesar de já bastante acolchoado por aposentadorias magnânimas e benesses liberais.

E ninguém, afinal, é punido por nada. Se antes isso se aplicava somente aos ricos e poderosos, agora vale para todos. A melhor maneira de matar alguém no Brasil é ficar bêbado, pegar o carro e atropelar a vítima. Aí o atropelador se recusa a usar o bafômetro e vai para casa, responder a processo em liberdade, para, no caso difícil de vir a ser condenado, cumprir a pena também em liberdade. Embriaguez pode até virar atenuante, surto psicótico. Matar gente, aliás, é cada vez mais fácil, talvez mais que roubar. Matar bicho nem tanto, mas pega mal o sujeito sair dizendo que está sob a proteção do Ibama.

É por essas e outras que eu digo: vamos parar com essa enrolação toda, que chega a nem ficar bem, parece sabotagem com a Seleção. Não já estamos exaustos de saber que, em ocasiões semelhantes, meteram a mão na granolina para valer? Não é assim que se faz e sempre se fez neste país, como costumava lembrar um grande líder nosso? Então vamos liberar logo essa grana e sossegar a rapaziada, corrupto também fica estressado. E, afinal de contas, não somos assim tão bestas, pensam que estão nos enganando, mas não estão. Nós sabemos de tudo e não somos bobos, somos apenas omissos, submissos, cínicos e cada vez mais moralmente insensíveis - ninguém é perfeito.

SERGIO FAUSTO - O que os vizinhos pensam do Brasil



O que os vizinhos pensam do Brasil
SERGIO FAUSTO
O Estado de S.Paulo - 17/07/11

O protagonismo do Brasil na América do Sul não é uma questão de escolha. Tornou-se um dado da realidade, com o declínio relativo da Argentina e a perda de influência dos Estados Unidos na região. Deve até aumentar no futuro previsível, dadas as tendências expansionistas da economia brasileira. A questão é saber se esse protagonismo se traduzirá em liderança e se ela será positiva para a região em seu conjunto.

Em síntese, essa foi a visão da maioria dos líderes políticos sul-americanos presentes em mesa-redonda organizada recentemente pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) para discutir o papel do Brasil na América do Sul. Participaram da discussão o ex-presidente da Bolívia Carlos Mesa, o senador chileno e ex-chanceler Ignacio Walker, a senadora uruguaia Constanza Moreira, o ex-ministro da Justiça do Peru Fausto Alvarado, além de vários brasileiros, como os embaixadores Sergio Amaral e José Botafogo Gonçalves e o ex-chanceler Celso Lafer. Uma amostra representativa da centro-esquerda democrática sul-americana.

Apesar de uma percepção em geral positiva sobre o Brasil, detectam-se incerteza e mesmo inquietude em relação ao "gigante sul-americano".

Existe receio de que a expansão das exportações e dos investimentos brasileiros em outros países da América do Sul prejudique a capacidade de produção e geração de empregos de suas economias. E que isso leve mais água para o moinho de governos, partidos e/ou movimentos adeptos de um nacionalismo retrógrado com inclinações populistas e autoritárias. Em países menores, sobretudo naqueles onde há ressentimento histórico em relação ao Brasil, como a Bolívia e o Paraguai, é bem vivo o temor de que o extravasamento da economia brasileira acabe por levá-los a uma situação de subordinação política ao colossal vizinho. Mesmo no Uruguai, o mais desenvolvido dos pequenos países fronteiriços, observa-se um incipiente nacionalismo antibrasileiro, em reação à compra de terras em quantidade crescente por empresas brasileiras naquele país.

Algumas características do investimento brasileiro na região reforçam o sentimento descrito. O fato de grandes companhias brasileiras receberem apoio do BNDES para a aquisição de empresas locais acentua a percepção de que nosso país conta com um poder excessivo, derivado não apenas do porte e da eficiência de seus maiores grupos empresariais, mas também da estreita associação entre eles e o Estado brasileiro. A propósito, em entrevista recente ao jornal Valor Econômico, o presidente da União Industrial Argentina afirmou, com exagero característico: "Só quando tivermos um BNDES poderemos abaixar a guarda".

A reação à crescente presença brasileira na América do Sul poderia ser atenuada se fossem os investimentos feitos em parceria com grupos locais, mas as joint ventures são raras, predominando o controle do investidor brasileiro sobre o negócio. São raros também os fornecedores locais que se beneficiam dos empréstimos concedidos pelo BNDES a governos vizinhos, em financiamentos vinculados ao pagamento de obras e serviços realizados pelas grandes empreiteiras brasileiras nos países da região.

Em suma, à constatação de assimetria na relação com o Brasil soma-se o sentimento de que se está diante de uma competição desleal contra um poder cujo funcionamento parece opaco. De fato, não há nada similar na região à aliança entre grandes grupos empresariais privados, fundos de pensão públicos, empresas estatais e banco de desenvolvimento. Com frequência o investimento e o crédito chineses surgem como alternativas bem-vistas diante do temor de se tornar muito dependente do Brasil, apesar de as relações entre Estado e empresas serem na China muito mais opacas do que aqui.

Além de pouco transparente, o Brasil é visto como "soberanista", isto é, relutante em ceder parcelas de sua autonomia decisória em benefício do fortalecimento de instituições de governança coletiva da região. Desse "soberanismo" faria parte a resistência a pagar o custo financeiro, em favor da integração, correspondente ao tamanho de sua economia, como a Alemanha na Europa.

O Brasil é também considerado ambivalente quanto à importância que sua política externa atribui à região. Embora a centralidade da América do Sul esteja claramente definida no discurso, resta muita dúvida sobre se o Brasil de fato considera que o fortalecimento de sua liderança regional é mesmo necessário à realização de suas ambições como global player. Critica-se o governo brasileiro por supostamente não consultar os governos sul-americanos antes de tomar iniciativas no plano internacional, ao mesmo tempo que invoca a sua condição de líder regional quando lhe interessa fazê-lo nas negociações internacionais.

É nítido o contraste entre a percepção de que o Brasil é autocentrado e até certo ponto voraz em relação aos vizinhos e a opinião que no geral se tem aqui dentro a respeito da atitude do governo brasileiro em relação à região, normalmente percebida como muito generosa com as demandas de alguns países e tolerante com eventuais desmandos contra empresas brasileiras que operam na vizinhança.

Para o Brasil, não se trata, é claro, de moldar o figurino de sua política externa sul-americana à opinião média de seus vizinhos, que, aliás, varia de país a país. Trata-se, isso sim, de constatar que nos faz falta - na sociedade e no governo - um pensamento sobre a América do Sul que leve na devida conta a percepção dos outros países da região a nosso respeito, sem perder de vista os interesses brasileiros. Precisamos de uma visão abrangente e de longo prazo, que não se deixe levar por simpatias ideológicas episódicas nem por ilusões de que o peso econômico do Brasil se traduzirá automaticamente em maior liderança política. À medida que cresça a nossa presença na região, essa visão será cada vez mais indispensável.

DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP

GOSTOSA

GAUDÊNCIO TORQUATO - Informação, sigilo e direito do cidadão



Informação, sigilo e direito do cidadão
GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 17/07/11

O affaire em torno da lei de acesso à informação pública, que passou pela Câmara e deverá ser votada no Senado após o recesso, revela o traço de um país que tem como costume inverter a ordem das coisas. Não temos uma norma para obrigar o Estado a suprir a sociedade com informações de interesse público, mas dispomos de uma lei decretando o sigilo, ou seja, para regular a exceção. O fato pode parecer estranho, mas em se tratando de Brasil, tudo é possível. Quem não recorda nossa pirâmide dos direitos? Por aqui, os direitos sociais chegaram antes dos direitos civis, invertendo a lógica descrita por Thomas Marshall. O sociólogo defendeu a tese de que as nações democráticas, a partir de seu país, a Inglaterra, implantaram primeiro as liberdade civis, a seguir, os direitos políticos e, por último, os direitos sociais.

Pior é que os nossos congressistas parecem querer inventar a roda, deixando de avaliar a experiência de países como os Estados Unidos, que dispõem de um forte instrumento de acesso à informação pública, o Freedom of Information Act, de 1966. Ali, os prazos máximos de sigilo são de até 25 anos e apenas em casos excepcionais (armas de destruição em massa, por exemplo), podem ser estendidos por mais 25 anos. Por aqui, a Câmara aprovou um prazo de 50 anos para sigilo de documentos ultrassecretos (25 anos prorrogáveis por mais 25), mas a proposta esbarra na visão do presidente do Senado, José Sarney, e do senador Fernando Collor, que preside a Comissão de Relações Exteriores, ambos defendendo o sigilo eterno.

Defender o sigilo de informações de interesse público num dos ciclos mais intensos da Sociedade da Informação parece contrassenso. Aqui e alhures, a sociedade clama por transparência, ao empuxo das correntes que avançam no vácuo deixado pela democracia representativa e nas pistas abertas pela democracia participativa. Põe-se o dedo nas feridas dos governos, cobrando-se explicações e providências dos mandatários, exigem-se ajustes nas políticas públicas, denunciam-se as tramoias e máfias que se formam nas malhas intestinas do Estado, forma-se, enfim, um gigantesco aparato de acompanhamento e controle de obras e serviços públicos. Agindo como motor do sistema de vigilância social, expandem-se as redes sociais da comunicação eletrônica propiciada pela internet, cujos efeitos se fazem sentir na pressão sobre os atores políticos de todos os espectros e instâncias. Enfrentar tal paredão de pressão, mesmo sob o defensável argumento de que o interesse público se deve fundar na segurança coletiva ou do Estado, equivale a tentar parar o fluxo civilizatório.

O fato é que os dois senadores acima citados parecem formar juízos de valor com o olho no espelho retrovisor, esquecendo que um instrumento normativo há de ser considerado na perspectiva de vir a ser a porta do amanhã. Se o Brasil continuar confinando documentos sobre a Guerra do Paraguai ou a conquista do Acre (que o próprio Itamaraty descarta como comprometedores) ou sobre outros eventos do passado remoto, estará reforçando o baú conservador, onde se escondem ideários bolorentos e retrógrados.

É evidente que nem todos os fatos socialmente significativos podem ser escancarados. Há casos que dizem respeito às razões do Estado e outros habitam o estreito território que separa a vida privada da vida pública. Ou seja, o sigilo abriga situações ancoradas na segurança da sociedade ou quando convêm ao processo investigativo promovido por autoridade. Ainda no cofre do sigilo, estão ocorrências relevantes, em particular no campo dos negócios. Resguardam-se, também, questões atinentes à imagem ou à privacidade das pessoas. Nessa área está a execrável espionagem feita pelo tabloide inglês News of the World, do magnata australiano Rupert Murdoch, que bisbilhotou a vida de cidadãos, invadindo sua intimidade, gravando conversas íntimas. Mas há casos de alto interesse público que não podem ser coibidos. Exemplo é a Operação Boi Barrica, envolvendo o empresário Fernando Sarney. O Estado foi proibido por um desembargador do Distrito Federal de publicar matérias sobre esse caso.

Na verdade, a sociedade clama é pela maximização do conceito de transparência total pelos governantes, cumprindo o princípio basilar estabelecido no caput do artigo 37 da Constituição, que trata da publicidade dos atos públicos. O princípio entra na agenda dos governantes, lembrando-se que, nos EUA, o presidente Barack Obama inaugurou o Open Government. Dos homens públicos cobram-se atitudes compatíveis com parâmetros éticos, não podendo ser escamoteados atos que atentem contra a coisa pública.

Em termos de Brasil, esse é um dos aspectos que mais geram conflitos. Gestores, parceiros e figurantes políticos flagrados com a boca na botija acham-se injustiçados. Na condição de indiciados, alegam receber da mídia tratamento de condenados. A questão é complexa, eis que emergem dois escopos garantidos pela Carta Magna: o direito à informação, resguardado o sigilo da fonte, e a justiça para todos. Os envolvidos se queixam: a visibilidade na imprensa gera condenação prévia, influindo no julgamento. Se a mídia utiliza seu potencial para noticiar e emitir juízos de valor sobre um acusado, o julgamento pode ser imparcial? O interesse individual (sigilo) deve se subordinar ao interesse coletivo (divulgação)? Outra situação diz respeito ao sigilo da informação. A quem cabe a culpa pela quebra de sigilo: a quem o rompeu ou à mídia, que acolheu a informação?

Por todos esses ângulos e, mais ainda, pela cultura patrimonialista, que viceja em todos os quadrantes do território, cujos frutos aparecem no farto noticiário sobre desmandos, enriquecimento ilícito, favorecimentos, superfaturamento de obras, a lei de acesso à informação pública aparece em boa hora. Trata-se de um avanço civilizatório. Que seja aprovada sem censura.

O País deve recebê-la com a bandeira da cidadania.

MARIO VARGAS LLOSA - O direito feudal



O direito feudal
MARIO VARGAS LLOSA
O Estado de S.Paulo - 17/07/11

Quando jovenzinho, nos anos 50, muitas vezes ouvi meus companheiros de bairro e de escola se gabarem de ter se desvirginado com as empregadas de sua casa. O diziam utilizando uma expressão que sintetizava todo o racismo, o machismo e a brutalidade de uma classe social que, naquela época, ainda eram exibidos sem o menor acanhamento no Peru: "Tirar-se a la chola" (traçar a empregada). Os meninos de boa família não faziam amor com suas namoradas, que deviam chegar virgens ao casamento. Para seus ardores sexuais, escolhiam entre a prostituta e a criada.

O direito da primeira noite é antiquíssimo e os senhores feudais da Idade Média europeia o legaram aos senhores e patrões sul-americanos. Mas estão enganados os que acreditam que essas violências sexuais de fortes e poderosos cavalheiros contra mulheres pobres e desvalidas limitavam-se ao mundo do subdesenvolvimento. A truculenta odisseia vivida por Dominique Strauss-Kahn parece demonstrar que na civilizada França há senhores que, desafiando os tempos atuais, costumam perpetrar a sinistra tradição.

Se a acusação à qual Strauss-Kahn deve responder perante a mais alta corte do Estado de Nova York for aceita pelos juízes, ficará claro que ele praticava o direito da primeira noite segundo o antigo hábito, com o acréscimo de pancadas e maus tratos à sua vítima. Os médicos que examinaram a camareira da Guiné, que denunciou o político francês por tê-la obrigado a praticar sexo oral com ele, detectaram que ela estava com um ligamento do ombro rompido, hematomas na vagina e as meias rasgadas. A polícia, por sua vez, comprovou a existência, tanto na parede quanto no tapete do quarto, de sêmen que a camareira afirma ter cuspido, enojada, logo depois que o suposto autor do crime ejaculou. Esses são fatos objetivos e a Justiça deverá determinar se o sexo oral foi forçado, como ela declara, ou consensual, como diz Strauss-Kahn.

Mentiras. Como foi comprovado que a camareira mentiu para a polícia sobre seu ingresso nos Estados Unidos - é uma imigrante ilegal - e teve uma conversa com um homem preso por tráfico de drogas, para quem se gabara de querer tirar dinheiro de seu suposto estuprador aproveitando-se do ocorrido, comenta-se que a acusação já não convence, e o próprio promotor de Nova York estaria pensando em arquivar o caso.

Isso provocou, na França, onde me encontro agora, a publicação de muitos artigos e declarações de amigos e colegas favoráveis ao ex-diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI). Encabeçados por Bernard-Henri Lévy, atacam ferozmente a Justiça americana por ter mostrado à imprensa Strauss-Kahn algemado e humilhado, em vez de respeitar sua privacidade e sua condição de mero acusado, não de culpado. Tem-se a impressão de que ele é um tipo de mártir e mereceria desagravo.

Repulsa. Na minha opinião, entretanto, o personagem é repulsivo. Tendo a acreditar que o que a camareira guineana afirma a respeito dele é verdade. Continuaria achando-o repulsivo mesmo se o sexo oral com o qual ele se gratificou naquela manhã nova-iorquina foi consensual. Mesmo se o tivesse solicitado com as boas maneiras, pagando por isso, teria cometido um ato covarde, prepotente e asqueroso com uma pobre mulher infinitamente mais frágil e vulnerável do que ele. Alguém que teria passado por essa pantomima por necessidade ou por medo, mas de modo algum seduzida pela posição ou a inteligência do personagem que encontrou nu no quarto que deveria arrumar. "Traçar a empregada", com boas ou más maneiras, é um ato ignóbil e vil, principalmente quando quem o perpetra é um aristocrata, como o quase intocável Strauss-Kahn.

Não sei por que as mentiras da camareira atenuariam a falta do seu suposto estuprador. O que vai ser julgado é se ela foi ou não violada, e não se é boa, sincera e desprendida. Se o elemento determinante para que a acusação prevalecesse não fossem os dados objetivos, e sim a personalidade e o caráter, Strauss-Kahn estaria em maus lençóis.

Seus antecedentes indicam claramente que ele sempre gostou muito das mulheres, e não teve o menor problema em demonstrá-lo, usando o que os brasileiros chamam de "mão boba" nas recepções, em elevadores e corredores. Pouco tempo após assumir a direção do FMI, ele se envolveu em um caso semelhante por ter contratado uma amante entre suas subordinadas.

Agora mesmo há um processo contra ele em Paris, no qual é acusado pela jornalista e escritora Tristane Banon de ter tentado estuprá-la, em 2003, quando ela foi entrevistá-lo para um livro. A jornalista declara que ele a recebeu num apartamento decorado apenas com uma cama e umas poltronas e teve de se defender com pontapés e arranhões do seu entrevistado, que rasgou o sutiã e a calcinha dela enquanto lutavam no chão. Na época, Tristane quis denunciar a tentativa de estupro, mas sua mãe a impediu de fazê-lo argumentando que isso seria muito prejudicial para o Partido Socialista, no qual ela também militava.

Portanto, se há indícios negativos no que concerne ao caráter e à personalidade da camareira guineana, as credenciais morais do hóspede estão longe de serem impolutas. Esse senhor superinteligente, ultra poderoso e milionário estava acostumado a se conceder certos excessos com a convicção de que estas fraquezas são permitidas a alguém como ele, assim como o direito da primeira noite era permitido aos senhores feudais.

O mais terrível é que, aparentemente, um bom número de seus compatriotas concorda com ele. A indignação contra a polícia e a Justiça dos Estados Unidos por terem tratado esse homem tão importante e de tão grande prestígio como um ladrãozinho preso em flagrante é quase unânime.

Não entendo tanta indignação. Não houve exagero no tratamento de Strauss-Kahn. Mas ele tampouco teve um tratamento preferencial por desempenhar um alto cargo no mundo financeiro. Pelo que leio em Paris, em seu país ele seria perdoado. Já a camareira seria expulsa por ser por ser imigrante ilegal e praticar a prostituição. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

É GANHADOR DO NOBEL DE LITERATURA

GOSTOSAS

YOANI SÁNCHEZ - Quatro rodas, mil problemas



Quatro rodas, mil problemas
YOANI SÁNCHEZ
O Estado de S.Paulo - 17/07/11

A céu aberto, o Lada seguiu, engolindo poeira, com portas e para-choques já corroídos pela ferrugem. O carro havia sido fabricado nos anos 60, na longínqua região do Volga central, e chegou a Cuba graças ao Conselho para Assistência Econômica Mútua (Comecom) e o "intercâmbio justo" entre os povos.

Sua proprietária o conseguiu por meio de um sistema de méritos, quando ela disputou o benefício em intermináveis assembleias com os demais trabalhadores de seu hospital. A briga foi dura, pois vários médicos haviam participado de missões em vários países africanos, mas a lista dos sacrifícios que ela acumulara era muito maior.

Tinha até um diploma de reconhecimento firmado pelo líder máximo. E foi assim que ela conseguiu o carro: diante dos olhares felizes de alguns e invejosos de muitos. O veículo converteu-se rapidamente no seu bem mais precioso. Conduzi-lo pelas ruas era uma demonstração de seu sucesso social e de sua fidelidade ideológica incondicional.

Depois de algumas décadas, muitos dos felizes proprietários começaram a ver como sua criatura de rodas se deteriorava. O mercado de automóveis não foi liberado durante todo esse tempo, fazendo com que eles continuassem como os afortunados que desfrutavam de um privilégio remoto.

Somente carros ainda mais velhos, de marcas como Chevrolet, Cadillac ou Plymouth podiam ser comprados e vendidos legalmente dentro da improvisada estrutura do intercâmbio popular. No entanto, os carros produzidos na Europa Oriental estavam condenados a permanecer nas mãos dos ilustres trabalhadores agraciados com eles.

Uma contradição era incrível: apenas a propriedade dos carros comprados antes de 1959, sob o capitalismo, era respeitada, enquanto que os carros distribuídos sob a égide do socialismo não podiam ser transferidos.

Se o proprietário saía do país por mais de 11 meses, o carro era confiscado em nome de uma justiça social que nunca foi tão justa ou equitativa. O sorriso altaneiro sumiu do rosto de quem dirigia aqueles carros de comprovada resistência e design lamentável.

Então, aquele absurdo sistema de meritocracia acabou, ao menos na sua forma mais pura. Para adquirir os carros Toyota, Mitsubishi e Peugeot que começavam a ser importados, era preciso ter cacife político e dólares no bolso.

Com base nessa nova premissa, quem conseguia comprar carros eram músicos famosos, esportistas, membros da Marinha e artistas que vendiam suas obras no exterior. Durante muitos anos, o documento de autorização para compra de um desses veículos precisava ser assinado por Carlos Lage, vice-presidente do Conselho de Estado.

Até hoje, o processo para obter a autorização é tão complicado que pode demorar de cinco a dez anos, entre o pedido inicial e a compra. E esses reluzentes automóveis também não podem ser cedidos ou vendidos para uma outra pessoa.

Todo esse controle sobre o comércio de carros tem por finalidade impedir que as diferenças sociais se tornem tão visíveis. Da mesma maneira, o mercado imobiliário e de outros símbolos de status também foi congelado. A igualdade foi definida por decreto e não pela existência de uma proposta socialista.

A abertura de revendedoras onde não seria preciso mostrar a insígnia da fidelidade ideológica ou a bendita carta assinada por um alto funcionário era uma ideia que ofendia os orientadores do igualitarismo tosco. Foram justamente esses burocratas - que já possuíam seus carros - que criaram mais de 40 limitações legais para impedir que os outros pudessem adquirir seus veículos. A imobilidade tornou-se a norma de vida e o automóvel, um objeto inacessível.

Quando parecia que esse assunto já chegara às raias do absurdo, realizou-se o 6.º Congresso do Partido Comunista de Cuba. Entre as medidas aprovadas, foi anunciado o fim desse disparate. A abertura do mercado de compra e venda de automóveis começa a vigorar, de acordo com o conselho de ministros, antes do fim de 2011.

Finalmente, os veículos obtidos com base no ultrapassado sistema de mérito laboral poderão ser transferidos para outra pessoa. Com isso, chegaremos ao fim do último bastião de um período em que o importante não era o dinheiro que uma pessoa tinha, mas a ideologia que professava. A oferta e a demanda acabarão se impondo à chamada "distribuição racionada" e os orgulhosos proprietários de antigamente respiram aliviados ao olhar para seus carros Lada e Moskovich.

Finalmente, poderão transformar o fruto das suas virtudes políticas em dinheiro vivo. Trocarão aquele prêmio dado há décadas por uma moeda que pode ser convertida, por esse outro capital que nega tudo aquilo que um dia eles idealizaram. / TRADUÇÃO TEREZINHA MARTINO

É JORNALISTA CUBANA E AUTORA DO BLOG GENERACIÓN Y. EM 2008, RECEBEU O PRÊMIO ORTEGA Y GASSET DE JORNALISMO

ILIMAR FRANCO - Plano de ocupação

Plano de ocupação 
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 17/07/11

Os ministros Nelson Jobim (Defesa) e José Eduardo Cardozo (Justiça) querem criar um plano de ocupação nas fronteiras norte e noroeste do país. As populações que já vivem nessa faixa receberão recursos para continuar lá. Os que se dispuserem a habitar aquela área receberão incentivos do governo para se fixarem na terra. O objetivo do plano é ocupar as fronteiras do país e torná-las menos permeáveis às atividades ilegais.

Envolvendo as outras áreas no plano

Para garantir que o Plano de Ocupação da Fronteira saia do papel, os ministras Tereza Campello (Desenvolvimento Social) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente) foram chamadas à reunião de quarta-feira no gabinete do vice-presidente Michel Temer. O Meio Ambiente terá que estudar em que condições essa população será transferida para essas regiões, onde há áreas de preservação. E o Desenvolvimento
Social, criar plano de incentivo financeiro para estimular a fixação dos atuais e dos novos moradores. O objetivo da proposta é povoar os 150 km2, dentro do território brasileiro, a partir do marco fronteiriço, e que pertencem à União.

"A presidente Dilma fez bem ao elogiar a base aliada. O reajuste do STF está lá, na Câmara, há um ano e meio, e nós estamos segurando a votação” — Henrique Alves (RN), líder do PMDB na Câmara

BATEU, LEVOU. Em conversa com sindicalistas, no Congresso da União Geral dos Trabalhadores (UGT), o ex-presidente Lula disse
que quer voltar a participar do movimento sindical. “Ótimo, a gente está precisando do seu apoio para acabar com o fator previdenciário”, disse o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). Lula riu. O seu governo impediu a votação do projeto do senador Paulo Paim (PT-RS) na Câmara.

Marketing
A presidente Dilma participará de três lançamentos do Brasil Sem Miséria, no mês de agosto, nas regiões Nordeste, Sudeste e Norte. Aliados reclamam que o governo não bate o bumbo do programa, que está em fase de cadastramento.

Novos aliados
O deputado Dr. Rosinha (PTPR) defende candidatura própria à prefeitura de Curitiba, mas, em eventual segundo turno, não vê problema em apoiar o ex-tucano Gustavo Fruet, a caminho do PDT. Fruet fez oposição feroz ao governo Lula.

Sobrou para o Ministério Público
Com os convites já entregues, a Câmara Municipal de Manaus cancelou uma homenagem ao ex-senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), na próxima quinta-feira, alegando problema de data. O presidente da Câmara é aliado do senador Eduardo Braga (PMDB-AM), adversário de Virgílio. Mas o vereador Leonel Feitoza (PSDB) não se fez de rogado. Desconvidou o presidente do Ministério Público estadual, procurador Otávio Gomes, que receberia uma medalha no dia 28, e encaixou Virgílio.

Medo do critério

Ministros e integrantes da base aliada consideram “intempestiva” a decisão da presidente Dilma Rousseff de afastar o diretor-geral do Dnit, Luiz Antonio Pagot, acusado de corrupção. Alegam que não haveria provas contra ele.

Quem é quem?
Na defesa de Pagot estão o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, os ministros Nelson Jobim (Defesa), Fernando Pimentel (Desenvolvimento) e a direção do PT. A principal defensora de seu afastamento é Gleisi Hoffmann. PORTEIRA FECHADA. Na reunião de chanceleres do Mercosul, em Assunção, no mês passado, foi aprovada resolução pela qual quem não tem mandato nacional não pode ter mandato no Parlamento do Mercosul enquanto as eleições forem indiretas.
 O VICE-PRESIDENTE Michel Temer e o ex-presidente Lula se reuniram na semana passada. Conversaram sobre evitar o acirramento da disputa nas eleições da capital paulista, tendo em vista a manutenção da aliança PMDB-PT nas eleições presidenciais de 2014. 
● A PRESIDENTE Dilma vai intensificar neste mês as
reuniões de avaliação do andamento do PAC.