domingo, janeiro 16, 2011

J. R. GUZZO

As "cotas" de Brasília
J. R. GUZZO
REVISTA VEJA

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VINICIUS TORRES FREIRE

Massacres naturais
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/01/11

Mortandade no Rio é apenas um exemplo do nosso modo de produção de crueldades


FAZ UM par de anos, uma questão de financiamento do bem-estar social tornou-se polêmica na Alemanha, conta um amigo versado em assuntos germânicos. O governo ainda deveria bancar o custo do serviço de espalhar pedrinhas no gelo liso das calçadas, pedrinhas que evitariam escorregões, tombos e fraturas nos invernos?
Parece piada, certo, um conto de fadas da política fiscal, ricas sofisticações da Previdência de Hansel & Gretel. Seria mesmo?
Quedas e ossos quebrados são um perigo maior para idosos. Além dos danos causados pela fratura, pode haver complicações. Pedrinhas no gelo podem evitar sofrimentos e mortes. O que parecia piada é enfim um cuidado civilizado. Em lugares mais selvagens, tal coisa parece frescura, perdoe-se a expressão.
Agora, pensemos no lado escuro da força. Em vez do "verglas", do gelo liso dos passeios europeus, considere-se um rio bengali. Em domingos fracos de notícias, qualquer jornalista já publicou uma nota de dez linhas sobre naufrágios assassinos em Bangladesh, comuns como mortandades em minas de carvão na China ou massacres em guerras africanas. Ninguém liga muito. A vida é muito barata em certos lugares.
O Brasil é um desses "lugares Bangladesh". Somos melhorzinhos porque alguns de nós insistem em criar um sistema público e universal de saúde e previdência. Ainda assim, somos uma tigrada braba.
Estamos horrorizados e comovidos com a mortandade no Rio, não há como negar, mas tal reação tem algo de farisaico; há mesmo fascínio com a catástrofe sublime. Mortes mais rotineiras parecem fazer parte da ordem da natureza; parceladas em poucas dúzias, não provocam a sensação do "recorde", do "pior em "n" décadas" e outros clichês midiáticos.
Uns 30 mil mortos por ano no trânsito não balançam o coreto (um sexto das vítimas é de atropelados). Outros tantos mortos a bala, facada etc, também não. Nem uns 20 mil mortos de diarreia. Ou as dúzias que muita vez e outra morrem nos nossos "naufrágios Bangladesh" no Amazonas. Ou os infectados em hospitais sujos. Os abandonados à bebedeira. Os dementes largados na rua. Etc.
Nestes dias da mortandade do Rio, tornou-se indignação bem-pensante dizer que os cadáveres não podem ser colocados na conta da natureza, mas sim na das "autoridades" ineptas. Sim, as "autoridades" são o que sabemos (e elegemos), mas sugerir que o massacre fluminense deriva de uma espécie de "erro administrativo" é burrice misturada a má-fé.
Curiosa ou vergonhosamente, uma palavra mais sensata veio de uma "autoridade", a presidente da República. Dilma Rousseff fez o favor de lembrar que, no Brasil, morar de modo precário ou ultrajante é quase regra, não a exceção. Morar, assim como viver, é muito perigoso por aqui. Como diria um economista, no Brasil o risco de morte estúpida é "sistêmico".
Trata-se de um modo de produção de crueldades, de indiferença necrófila a horrores cotidianos: favelas em geral, muvucas penduradas em barrancos, muquifos em meio a esgotos pantanosos, a vida diária insalubre e massacrante dos pobres e outras tolerâncias à violência. A conivência com a morte é sistemática, assim como a opressão que faz tais horrores parecerem tão cotidianamente naturais.

GOSTOSA

CLÓVIS ROSSI

O emergente submergiu
CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SÃO PAULO - 16/01/11

SÃO PAULO - No caso da tragédia do Rio, é só somar 1+1+1 e o resultado inexorável será a incompetência do poder público e o retrato de um país que tem mais de submergido que de emergente.
Primeiro 1 - O "Jornal Nacional" de quinta-feira mostrou que choveu mais em Portugal e na Austrália do que no Rio de Janeiro. Mas o número de mortos no Rio foi esmagadoramente superior.
Segundo 1 - O serviço de meteorologia emitiu aviso especial sobre a iminência de fortes chuvas precisamente nas áreas que acabaram sendo devastadas. Uma das prefeituras reconheceu ter recebido o aviso cinco horas antes da explosão. Nada foi feito.
Terceiro 1 - A manchete desta Folha, ontem, mostra que desde 2008 o Rio de Janeiro sabia perfeitamente que havia riscos tremendos nas cidades que foram as principais vítimas.
O que foi feito? Nada.
Tudo somado, o que se tem é o óbvio fato de que chuvas torrenciais podem acontecer, deslizamentos formidáveis também -e, até aí, a culpa é só da natureza-, mas falta, no Brasil, acontecer a prevenção.
Já nem digo a prevenção original, a de proibir construções em áreas de risco. A incompetência do poder público impediu que essa providência fosse tomada e, se fosse, seria inócua. Falta fiscalização.
Refiro-me à prevenção de, diante da iminência da catástrofe, minimizar os danos ou, ao menos, as mortes, os danos mais terríveis, mesmo nesta era de predominância da finança sobre a vida.
Posto de outra forma, o poder público não está presente nem antes, nem durante e nem depois da tragédia. Chama a atenção, pelo menos de longe, o fato de repórteres chegarem a locais aos quais, segundo informam, nenhum socorro conseguira chegar.
Em vez de emergente, o Brasil parece mais país em construção. Precária, muito precária.

MAÍLSON DA NÓBREGA

O que a Coreia e a China têm ( e nós não)
MAÍLSON DA NÓBREGA
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LYA LUFT

A lei e a justiça
LYA LUFT
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FELIPE PATURY

FELIPE PATURY
HOLOFOTE
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MÍRIAM LEITÃO

Caminho das águas
Míriam Leitão
O GLOBO - 16/01/11

Enquanto o Rio enterra seus mortos, no mesmo país, o órgão ambiental é atropelado por querer avaliar melhor se é viável a construção da usina de Belo Monte na Amazônia. As mudanças climáticas, que podem produzir inundações mais frequentes, vão reduzir as chuvas na bacia do rio Xingu. Com secas mais prolongadas, a usina ficaria menos viável economicamente.

Junte-se a economia e o meio ambiente, que jamais devem estar separados, e a conclusão é que Belo Monte ignora os limites do caixa do Tesouro, e os da Natureza. O país pode, no Xingu, fazer um erro duplo: gastar demais com uma usina que produzirá pouca energia, num momento de contenção de gastos, e que será uma agressão ao meio ambiente, num momento em que a Natureza pede mais respeito.

Ninguém tem dúvidas de que foram erros somados, de incúria, desleixo, ocupação desordenada, que deixaram os brasileiros de qualquer cidade expostos à tragédia das perdas humanas e patrimoniais diante dos eventos climáticos extremos. A lista dos erros é conhecida. E, no entanto, o Brasil se move na mesma direção.

Olhando da perspectiva apenas energética, a hidrelétrica, pela qual se derrubam diretores em série no Ibama, pode ser um fiasco. Ela supostamente teria um potencial de 11 mil megawatts, a terceira maior do país. Balela. Nos picos da cheia, a energia firme seria de 4,4 mil. Nos meses de seca, 2 mil. Podendo ser menos. O risco é que, se ouvidos, os climatologistas dirão que os cenários mais prováveis durante toda a vida útil da usina são de redução das chuvas na Bacia do Xingu, o que pode reduzir muito a energia firme.

A briga contra Belo Monte tem 20 anos. O projeto original produziria 20 mil megawatts porque seriam várias usinas. O governo mudou o projeto dizendo que será apenas uma. O que alagará "apenas" um território do tamanho de um terço da cidade de São Paulo. O problema é que não há qualquer garantia de que depois não serão feitas as outras. Até porque, no cenário das mudanças climáticas, ela só tem alguma chance de ser energética e economicamente viável se as outras forem feitas.

Empresas que estudaram profundamente o projeto recuaram da decisão de participar. Aceitam ser fornecedores, mas acham que incorrem em risco de dano à imagem com os conflitos que poderão ocorrer. De todo tipo. Da escavação de 210 milhões de m de terra, da construção de um canal de 100 quilômetros de extensão, do fim da Volta Grande do Xingu, do deslocamento de 20 mil famílias, do fato de que não estão resolvidos os impactos sobre as populações indígenas dos Arara, Juruna e Xikrin di Bacajá.

Segundo um relato que ouvi recentemente, o governo tem prometido estradas e picapes para atrair os mais jovens a aceitar a perda da navegação num certo trecho do rio. Tem dividido tribos.

Em primeiro de fevereiro do ano passado, depois de alguns atropelamentos no Ibama, saiu a licença prévia. Mas foram estabelecidas 40 condicionantes que custariam R$1,5 bilhão para serem atendidas. Não foram atendidas e agora se faz novo atropelamento do Ibama para sair a licença que permitirá o início das obras.

Essa usina que tem tantos riscos ambientais, e que pode encontrar um cenário hidrológico adverso pelas mudanças climáticas, quanto custará? Isso é outro enigma. Pode custar R$19 bilhões como o governo diz, mas ninguém acredita. Nem economistas sem corações ambientais; nem ambientalistas sem corações econômicos; nem empresas que têm apenas bons programas de projeção de custos. Simplesmente parte do custo está embutida nos subsídios e parte está escondida nos riscos que não foram devidamente calculados. Há estimativas de que o preço pode chegar a R$30 bilhões. Se for isso, será com o seu, o meu, o nosso dinheiro, porque o risco foi todo estatizado.

Temos enormes motivos de expansão de gastos pela frente. Alguns inadiáveis. O setor público investe pouco há muito tempo. Deve selecionar seus investimentos cruzando as variáveis. Uma delas é o cenário das mudanças climáticas, outra é a busca de maior competitividade na economia brasileira, outra, a redução de custos futuros, outra, a melhoria da vida da população. Afetar populações indígenas, deslocar milhares de pessoas, agredir o meio ambiente na floresta, ignorar a mudança do regime hidrológico, entrar num gasto que pode ser um buraco sem fundo não parece sensato. Mas é o que o governo está escolhendo fazer.

O que tem isso a ver com o Rio estar contando seus mortos? A Terra é uma só. Os eventos não estão separados. Essa constatação é o grande ganho do conhecimento recente das ligações entre fenômenos climáticos. Ainda estamos aprendendo, mas a cautela é a melhor das atitudes.

A geologia específica da Serra do Mar é camada fina de terra sobre rocha. Pela conformação da serra há muita formação de nebulosidade. A Zona de Convergência do Atlântico Sul e o Sistema de Bloqueio, fenômenos conhecidos, mas mais ativos atualmente, produziram uma queda brutal de água sobre as cidades serranas. Mas a tragédia foi contratada pelos desatinos da ocupação do solo. A Austrália, onde um tufão produziu uma inundação semelhante, teve infinitamente menos mortos.

O Brasil está discutindo seriamente como elevar o grau de desmatamento e redução das áreas protegidas numa extemporânea e amalucada proposta de revisão do Código Florestal.

A promessa do discurso de posse foi bonita. A presidente engalanada e em dia emocionante prometeu crescimento com sustentabilidade. No caminho do crescimento sustentável do governo Dilma Rousseff há, logo na primeira curva, dois incontornáveis rochedos: a mudança do Código Florestal e a construção de Belo Monte.

FERREIRA GULLAR

Quando dois e dois são quatro
Ferreira Gullar
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/01/11

Talvez seja esta a última vez que escreva sobre o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil. Com alívio o vi terminar o seu mandato, pois não terei mais que aturá-lo a esbravejar, dia e noite, na televisão, nem que ouvir coisas como esta: "Ele é tão inteligente que fala todas as línguas sem ter aprendido nenhuma". Pois é, pena que não fale tão bem português quanto fala russo.

É verdade que tivemos, ainda, que aturá-lo nos três últimos dias do mandato, quando "inaugurou" obras inexistentes e fez tudo para ofuscar a presidente que chegava.

Depois de passar a faixa, foi para um comício em São Bernardo, onde, até as 23h, continuava berrando no palanque, do qual nunca saíra desde 2002.

Aproveitou as últimas chances para exibir toda a sua pobreza intelectual, dizendo-se feliz por deixar o governo no momento em que os Estados Unidos, a Europa e o Japão estão em crise.

Alguém precisa alertá-lo para o fato de que a crise, naqueles países, atinge, sobretudo, os trabalhadores. Destituído de senso crítico, atribui a si mesmo ("um torneiro mecânico") o mérito de ter evitado que a crise atingisse o Brasil. Sabe que é mentira mas o diz porque confia no que a maioria da população, desinformada, acreditará.

Isso dá para entender, mas e aqueles que, sem viverem do Bolsa Família nem do empréstimo consignado, veem nele um estadista exemplar, que mudou o Brasil? É incontestável que, durante o seu governo, a economia se expandiu e muita gente pobre melhorou de vida. Mas foi apenas porque ele o quis, ou também porque as condições econômicas o permitiram?

Vamos aos fatos: até a criação do Plano Real, a economia brasileira sofria de inflação crônica, que consumia os salários. Qual foi a atitude de Lula ante o Plano Real? Combateu-o ferozmente, afirmando que se tratava de uma medida eleitoreira para durar três meses.

À outra medida, que veio consolidar o equilíbrio de nossa economia, a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lula e seu partido se opuseram radicalmente, a ponto de entrarem com uma ação no Supremo para revogá-la. Do mesmo modo, Lula se opôs à política de juros do Banco Central e ao superávit primário, providências que complementaram o combate à inflação e garantiram o equilíbrio econômico. Essas medidas, sim, mudaram o Brasil, preservando o valor do salário e conquistando a confiança internacional.

Lembro-me do tempo em que o preço do pão e do leite subia de três em três dias.

Quem tinha grana, aplicava-a no overnight e enriquecia; quem vivia de salário comia menos a cada semana.

Se dependesse de Lula e seu partido, nenhuma daquelas medidas teria sido aplicada, e o Brasil -que ele viria a presidir- seria o da inflação galopante e do desequilíbrio financeiro. Teria, então, achado fácil governar?

Após três tentativas frustradas de eleger-se presidente, abandonou o discurso radical e virou Lulinha paz e amor. Ao deixar o governo, com mais de 80% de aprovação, afirmou que "é fácil governar o Brasil, basta fazer o óbvio". Claro, quem encontra a comida pronta e a mesa posta, é só sentar-se e comer o almoço que os outros prepararam.

A verdade é que Lula não introduziu nenhuma reforma na estrutura econômica e social do país, mas teve o bom senso de dar prosseguimento ao que os governos anteriores implantaram. A melhoria da sociedade é um processo longo, nenhum governo faz tudo. Inteligente, mas avesso aos estudos, valeu-se de sua sagacidade, já que é impossível conhecer a fundo os problemas de um país sem ler um livro; quem os conhece apenas por ouvir dizer não pode governar.

Por isso acho que quem governou foi sua equipe técnica, não ele, que raramente parava em Brasília. Atuou como líder político, não como governante, e, se Dilma fizer certas mudanças, pouco lhe importará, pois nem sabe ao certo do que se trata. Para fugir a perguntas embaraçosas, jamais deu uma entrevista coletiva.

Afinal, ninguém, honestamente, acredita que com programas assistencialistas e aumento do salário mínimo se muda o Brasil.

O tempo se encarregará de pôr as coisas em seu devido lugar. O presidente Emílio Garrastazu Médici também obteve, em 1974, 82% de aprovação.

GOSTOSAS

ELIANE CANTANHÊDE

Desleixo assassino
Eliane Cantanhêde
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/01/11

Como mostrou ontem o repórter Evandro Spinelli na Folha, o risco de um desastre de grandes proporções na belíssima região de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo foi detectado há dois anos por um estudo técnico encomendado pelo próprio governo do Rio.

E o que o governo fez com o resultado? Largou às traças, deixou pegando poeira na burocracia, empurrou para a gaveta ou simplesmente jogou no lixo -junto com o dinheiro público que o pagou.

Horas antes, as autoridades tiveram nova chance de não dar asas ao azar: o novo radar da Prefeitura do Rio e o Instituto Nacional de Meteorologia identificaram previamente a formação da tempestade.

E o que foi feito? Nada. Os órgãos atuaram isoladamente, não como um sistema integrado, em que o alerta se reproduz entre as várias instâncias, tem consequências e salva vidas. Mas não. É como se o radar fosse de enfeite, e o Inmet, só para inglês ver.

Num ótimo artigo, o colega Marcos Sá Correa defendeu que o remédio é responsabilizar homens públicos -e não abstratamente o Estado- pelos crimes que cometem contra a vida. É crime dar levianamente alvará de construção e "habite-se" para imóveis em encostas, fechar os olhos para casas em áreas de risco, desprezar alertas de tempestades e de outras intempéries.

Para complementar a sugestão do Marcos, a Polícia Federal deveria investigar também esse tipo de crime que pode resultar em 500, 600 mortes, famílias inteiras destruídas, casas despedaçadas, bilhões de prejuízos aos bolsos particulares e aos cofres públicos.

Se não vai por bem, vai por mal -na base da ameaça. Mais ou menos como no caso do cinto de segurança: todo mundo só passou a usar depois de criada a multa.No rastro da Satiagraha, da Sanguessuga, da Castelo de Areia, fica aí a sugestão para o novo diretor-geral da PF, Leandro Coimbra: a operação "Desleixo Assassino".

JOSÉ SIMÃO

"BBB 11"! Vou pichar o paredão!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/01/11

Adorei o casting! Uma transexual cortou o pingolim: o BBB já começou com um membro eliminado!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta: prefeito preso com cocaína escondida no carro. Como é o nome do município? SANTA BRANCA!
E na praia acabam de lançar a Mulher Miojo: é só jogar na água e comer. E um leitor me mandou um e-mail direto de Ubatuba: "Não comi, mas também não dei. Empate fora de casa é vitória".
E um amigo teve cólica de rim, foi pro Hospital do Rim e adivinha o nome do urologista? PENISVALDO Divino da Rocha! Rarará!
E o Datena falou que nós não estamos preparados para as enchentes. Mas ele está: helicóptero, Comandante Hamilton e motolink. Preparadíssimo! Começou a alta temporada do Datena: as enchentes! Rarará!
E eu assisto ao "BBB 11". Me rendi à podridão! Big Bagaça Brasil! Abriram o açougue! Adorei o casting. Uma transexual, a operada que já teve site na Espanha mostrando o ex-pingolim. Cortou o pingolim. O Big Brother já começou com um membro eliminado! Rarará!
Uma outra faz strip em site pornô. Um outro posou pelado pra revista gay. Uma outra foi vencedora de fotos sensuais num concurso de marca de desodorante AXE! Então quero ver o sovaco. Levanta os braços! Isso que é erotismo: vencedora de desodorante mostra o sovaco!
Uma produtora cultural que posou de peito de fora e com máscara de Darth Vader! Ou seja, eles tiraram a roupa ANTES do programa. Não precisam tirar mais. Ô gente ansiosa! Eu só tenho um problema pra assistir ao Big Bródi: não consigo acompanhar o raciocínio do Bial. Acho que vou pichar o paredão: Bial Tá Muito Camões! Rarará! Depois que eu vi o Big Bode, eu não acho que o mundo vai acabar. O mundo TEM que acabar!
E Sampa? E o Aquassab? Kassab lança o Projeto Boia São Paulo. E a Sabesp informa: "A MARginal Tietê apresenta fluxo tranquilo". Pra quem vai de bote! O Aquakassab promete rodízio de pedalinho. Kassab muda de nome pra Pescab. E recebe o apelido de: Iemanjá! Rarará.
São Paulo não tem mais pista, tem raia! Um outro me disse que se salvou da enxurrada porque na hora da enchente ele tava transando com boneca inflável! E pelo menos a Sabesp cumpriu o que prometeu: água e esgoto na porta de casa!
E hoje acordei com uma dúvida cruel: a Dilma não fala nada ou o Lula que falava muito? Rarará. Nóis sofre, mas nóis goza!

RENAULT

DORA KRAMER

Ninguém é de ninguém
Dora Kramer
O ESTADO DE S. PAULO - 16/01/11

O governo Dilma Rousseff avisou aos navegantes: não investirá nas reformas política e da Previdência, bem como deixará de lado quaisquer embates no Congresso que venham a representar alto custo político para baixo benefício público.

Visto assim do alto, tal anúncio parece temerário: uma presidente nem bem toma posse e já admite que não dispõe de capital político suficiente para enfrentar problemas cruciais para o País? Soa a rendição antecipada.

Examinada no detalhe, porém, a decisão pode fazer sentido, pois, por essa ótica, não valeria a pena tentar remediar o que não tem remédio: o modelo absolutamente falido de representação parlamentar que, ao não permitir uma ligação real entre representantes e representados, faz do Parlamento, notadamente da Câmara dos Deputados, uma instituição de regras próprias descolada da realidade do País.

Se o que move a maioria é o fisiologismo, os benefícios obtidos pelos partidos a partir de um jogo de pressão com o Executivo e não o bem-estar da sociedade, o investimento nas reformas pode realmente resultar inútil. E, a fim de não se comprar briga aparentemente perdida, arquiva-se o assunto.

É a lei do menor esforço, porque solução há. Requer compreensão do problema, disposição de enfrentá-lo, habilidade para composição de interesses mediante critério do atendimento do interesse público e, sobretudo, empenho.

E qual o problema fundamental?

O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) resume numa expressão: "Crise de representatividade." Desfeito esse nó, acredita, as demais correções nos meios e modos da política brasileira tendem a ocorrer por gravidade.

Madeira não foi reeleito e vai se dedicar ao assunto, pensando até em criar uma ONG para isso."Não precisamos de reforma política, mas de proporcionar aos cidadãos uma democracia representativa de fato."

Como? Substituindo o atual modelo da eleição proporcional em que ninguém é de ninguém pelo voto distrital ou distrital misto.

Complicado? Simplíssimo: divide-se cada Estado por distritos correspondentes ao número de vagas na Câmara e cada um deles elege um deputado. O eleitor sabe em quem votou, o eleito sabe-se o tempo todo cobrado e fiscalizado.

O compromisso do parlamentar passa automaticamente a ser com o grupo de cidadãos que o elegeu. A referência principal deixa de ser o governo e passa a ser a sociedade.

Corrigido o defeito de origem, tudo o mais tende a se ajustar. Entre outros motivos porque suas excelências não terão mais como se "lixar para a opinião pública".

O governo pode induzir esse processo? Basta querer, gastar tempo e dinheiro para explicar ao público que entenderá perfeitamente de que lado se faz o bom combate.
Almas lavadas. Há razoável consenso no governo: Comissão da Verdade, se realmente for criada, deve se ater a recuperar a história dos anos de autoritarismo entre 1964 e 1985, com o objetivo de esclarecer os fatos, mas não de punir os crimes.

Não há disposição de rever a Lei da Anistia.

O raciocínio é resumido numa frase por um ministro na época ligado à luta armada: "Estamos na Presidência da República e, portanto, ganhamos a guerra."

Ver de novo. Perfeitamente: nossas autoridades já chegaram à conclusão de que a culpa pela catástrofe anual das chuvas é da incúria e a da imprevidência do poder público.

Posto isso, chorados os mortos, desfeitas as famílias, infelicitadas milhares de vidas, é de se observar em que medida, com que disposição e consciência haverá mudança de conduta a fim de que em 2012 nessa mesma época não sejam chorados novos mortos.

Não sejam desfeitas outras famílias, destruídas comunidades inteiras enquanto suas excelências se surpreendem com a violência da natureza sem terem feito o que lhes caberia: dar prioridade à segurança da população que lhes delegou instrumentos de poder para executar essa missão.

MERVAL PEREIRA

Sem Guerra Fria
Merval Pereira
O GLOBO - 16/01/11

A possibilidade de surgir um cenário de crise internacional na América do Sul, com Estados Unidos e Rússia envolvidos em uma disputa de poder do tipo da Guerra Fria - com os dois países instalando bases militares na região -, é vista por especialistas como bastante remota, embora seja verdade que os russos estão interessados em vender equipamentos militares na região, e contam com um certo apoio de Venezuela e Equador, dentro de uma política antiamericana dos governos bolivarianos da área.

As fronteiras brasileiras se estendem por mais de 16 mil quilômetros, são motivo de orgulho de nossa diplomacia por não termos problemas graves com nada menos que dez vizinhos. Mas há também questões políticas que reaparecem numa região em que governos de esquerda, como os de Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia, têm que conviver com governos conservadores, como os da Colômbia e do Peru.

Mas o fato de o Brasil estar anunciando um extenso programa para a vigilância de nossas fronteiras nada tem a ver com essa suposta tensão, e sim com a tentativa de evitar a entrada de armas e drogas, e de o país servir como refúgio para grupos guerrilheiros tipo Farc e Sendero Luminoso.

O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), orçado em US$6 bilhões, deve ser implantado até 2019 com recursos de financiamento externo.

O projeto inclui radar de imagem, radares de comunicação de diferentes graus de sofisticação, Vants (veículos aéreos não tripulados) e blindados para abranger a fronteira terrestre, com o foco na Amazônia.

Os Pelotões Especiais de Fronteira passarão de 21 para 49. Com o monitoramento do espaço aéreo na região pelo sistema de satélites, e com a Lei do Abate, o contrabando e o tráfico de armas passaram a ser feitos principalmente por estradas e rios, o que explicitou nossas deficiências no controle dos mais de 16 mil quilômetros.

Do ponto de vista brasileiro, diz o professor Francisco Carlos Teixeira, da História Contemporânea da UFRJ, "é absolutamente insuportável uma base russa na América do Sul, como o seria da China ou de Luxemburgo, países "não hemisféricos".

Por isso o Brasil condenou a presença americana na Colômbia e exigiu compromissos e transparência da parte de Bogotá, diz ele.

Para Teixeira, a tentativa de internacionalizar as rivalidades mundiais no nosso continente "é um erro e um risco", daí a importância do projeto do Ministério da Defesa de criação do Conselho Regional de Segurança.

"Creio que a Guerra Fria - um complexo sistema de rivalidades militares, políticas, econômicas e intelectuais em torno de uma utopia de futuro - é um fato do passado e com tal complexidade jamais se repetirá", diz Teixeira, para quem teremos, sim, "rivalidades", como já tivemos a rivalidade anglo-francesa entre 1680-1815, ou a nipo-americana, entre 1922-1945.

"Mas rivalidades não formam Guerra Fria, onde a disputa de supremacia de sistemas sociais e ideológicos era a tônica maior. Hoje, até a China emula o capitalismo".

De qualquer forma, ele considera estranha a notícia de que a Rússia estaria construindo uma base aérea na região amazônica boliviana, inclusive porque o presidente americano Barack Obama "acaba de fazer uma superoferta, aceita, de colaboração com Moscou no âmbito da Otan".
Já o professor Expedito Carlos Stephani Bastos, coordenador dos estudos de defesa da Universidade Federal de Juiz de Fora, diz que, em relação à construção de bases na América do Sul em diversos países, "há muita especulação e não se tem nada de concreto".

As bases americanas na Colômbia nada mais são, segundo Expedito Bastos, do que bases colombianas, administradas por eles e que servem de apoio para operações americanas no combate ao narcotráfico, com presença de um determinado grupo de americanos. Mas elas são comandadas pelos colombianos.

As bases funcionam da mesma maneira que a existente no Equador (Manta), que não teve seu contrato renovado. "Justamente por isso os americanos ampliaram os acordos com os colombianos, muito embora esses acordos estejam sofrendo pressões internas com o novo governo eleito, o que vai limitar muito os americanos", explica Bastos.

Ele também não vê essas movimentações como uma disputa tipo Guerra Fria, "até porque a região não é tão importante que justificasse uma presença física de americanos e russos, sendo que estes últimos teriam grande dificuldade em manter uma base na região, em razão de custos e de seus problemas fronteiriços, sem que haja um interesse tão profundo que justifique".

Bastos não vê ligação entre os fatos, e considera a região amazônica "muito extensa e complexa" para que se possa tê-la como um fator que se aproximasse com o que representou a Guerra Fria.

"É muito mais fácil termos problemas com questões indígenas na região, e com os velhos problemas fronteiriços não resolvidos entre Colômbia e Venezuela, Venezuela e Guiana, Bolívia e Paraguai, Peru com Equador e Colômbia.

O professor Expedito Bastos também acredita que "estejam criando uma grande especulação sobre este tema" com fins ainda não conhecidos.

GOSTOSA

CELSO MING

Novo aperto nos juros
Celso Ming 

O Estado de S.Paulo - 16/01/11

Nesta quarta-feira, a primeira reunião do Copom sob a direção do novo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, deverá decidir-se por nova alta dos juros, provavelmente de 0,5 ponto porcentual. Se isso se confirmar, a Selic subirá para 11,25% ao ano.

A inflação de 2010 saltou para 5,91% ao ano porque foi turbinada pelo aquecimento da economia. Esse efeito ainda não foi atacado. A esse se juntam agora outros dois: a forte alta das commodities internacionais e o efeito da desorganização da distribuição de alimentos em consequência das chuvas.

Além da providência institucional de combater a inflação e seus desdobramentos, a decisão do Copom deverá passar mais dois recados: o de que nada de substancial muda na determinação de observar à risca o regime de metas de inflação; e o de que o Banco Central mantém intacta a autonomia administrativa no cumprimento do seu mandato de defender a moeda.

Mas as questões de fundo continuarão em aberto. O Brasil aprofunda sua posição de campeão mundial em juros, fato que produz dois efeitos colaterais adversos: o primeiro é o de que aumenta um dos maiores custos da atividade econômica, o que tira competitividade do produto brasileiro; o segundo é o de que atrai dólares (ou, no que dá no mesmo, desestimula sua saída), fator que também tira competitividade, porque contribui para manter deprimidas as cotações da moeda estrangeira no câmbio interno e mantém excessivamente caro em dólares ou em euros o produto brasileiro.

Assim, do ponto de vista de quem luta para evitar a excessiva valorização do real, essa alta dos juros é um sério estorvo. E, no entanto, os juros aumentam porque, para todos os efeitos, do ponto de vista do governo, mais importante do que evitar a entrada de dólares é o combate à inflação.

A alta dos juros poderia ser evitada ou, pelo menos, reduzida, se o governo usasse dois outros instrumentos contra a esticada dos preços: a austeridade na administração das contas públicas e providências destinadas a reduzir outros fatores responsáveis pelo alto custo Brasil, como impostos caros demais, infraestrutura precária, custo elevado da Previdência Social... e por aí vai.

Até recentemente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, combatia a disposição do Banco Central de cumprir seu papel de calibrar o volume de dinheiro na economia (política monetária) de maneira a manter a inflação dentro da meta que, nos últimos seis anos, foi de 4,5% ao ano (com 2 pontos porcentuais de escape tolerado, tanto para cima como para baixo). No entanto, Mantega passou a admitir que a política fiscal (administração das contas públicas) deva ser acionada "para abrir espaço para a queda dos juros".

É o reconhecimento de que a gastança do setor público cria renda e consumo a velocidade maior do que a capacidade de oferta e , portanto, cria inflação. E é o reconhecimento, também, de que os dois últimos anos do governo Lula deixaram o Banco Central praticamente sozinho na tarefa de combater a alta dos preços.

Por enquanto, não houve tempo ainda para a criação desse espaço mencionado por Mantega e, mesmo se houvesse, o que se poderia esperar, no momento, é que os juros não subam tudo o que têm de subir para conter a inflação. Em todo o caso, os pronunciamentos feitos até agora pela presidente Dilma Rousseff indicam que a determinação do governo é mesmo essa. A conferir.

Mais demanda

Alguns analistas ainda veem essa alta como consequência da especulação. É muita vontade de passar tranquilidade. No entanto, os estoques estão baixos, os países emergentes da Ásia estão comprando cada vez mais e os países ricos começam a sair da crise, situação que deve aumentar a demanda.

JOÃO BOSCO RABELLO

Uma oposição consentida
JOÃO BOSCO RABELLO

O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/01/11

A desistência do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) de disputar a presidência da Câmara, determinada pela constatação de que não reuniria os votos necessários a uma dissidência na base aliada, mostra também uma oposição envolvida com sua própria sobrevivência e distante de seu papel no processo político.

Além de não conseguir o apoio do chamado ""bloquinho"", formado por PDT, PSB e PC do B, Aldo não conseguiu reunir sequer a oposição em torno de seu nome. PSDB e DEM negociaram seu apoio ao acordo que ungirá Marco Maia (PT-RS) presidente da Casa antes mesmo de ele ganhar consistência.

Ambos com expressiva redução em seus quadros cuidaram de garantir a preservação da proporcionalidade na distribuição de cargos e espaços nas comissões que já havia antes das eleições. Assim, a derrota eleitoral não representará necessariamente perda de posições no Legislativo.

O caso do DEM é mais contundente: seus 43 votos podem ser decisivos em votações estratégicas. Como seriam se houvesse disputa para o comando da Casa.

Por ora, garantiu um lugar na Mesa Diretora e a presidência de duas comissões - provavelmente as que já ocupava: Defesa do Consumidor e Meio Ambiente. O PSDB, diz-se, terá uma vice-presidência.

Lideranças do DEM justificam o pacto com o adversário como forma de ter meios regimentais mínimos para exercer a oposição. Ainda que consentida.

Celebração

A saída de Aldo sacramenta o acordo de revezamento no cargo, pelo menos no primeiro biênio que caberá a Marco Maia (PT-RS). Até chegar a vez do PMDB muita água vai rolar na convivência entre os aliados. No momento, ele une o PSB cearense e o pernambucano e aplaca a sede do chamado baixo clero - uma maioria fisiológica de deputados de pouca ou nenhuma expressão política, mas que já elegeu o pernambucano Severino Cavalcante presidente da Casa. Dia 18 próximo, um deles, Valdemar Costa Neto (PR-PR), expoente do mensalão, organizará o jantar de adesão e comemoração a Maia, em Brasília.

Constrangimento

Aldo Rebelo diz lamentar o acordo entre PMDB e PT pela sua natureza excludente, que considera a negação da própria política. Chegou a confidenciar que foi constrangido por governadores e pelo próprio governo federal para que desistisse da candidatura. O que, na sua avaliação, comprova que ela teria viabilidade, se os interesses imediatistas não se submetessem ao processo democrático.

Campo minado

É intenção da presidente Dilma Rousseff levar o Brasil ao estágio de enriquecimento de urânio. Quer limitá-lo à Eletronuclear e estimular as parcerias privadas apenas para a exploração. Ela sabe que o tema é sensível e que pisa em terreno minado, mas acha que o País tem uma das maiores reservas do mundo e não enriquece urânio nem para abastecer as usinas de Angra. Ela acha que o País tem credibilidade suficiente para que não se duvide de sua índole pacífica.

Direitos Humanos

Dilma não admite que suas primeiras manifestações no campo das relações internacionais sejam interpretadas como uma inflexão na política externa em relação à era Lula. Mas mantém a determinação de não deixar passar em branco violações de direitos humanos. Sem seletividade ideológica, disse a um interlocutor.

GOSTOSA

MARIO VARGAS LLOSA

Conceitos vazios sobre o público e o privado
MARIO VARGAS LLOSA 
O Estado de S.Paulo - 16/01/11

Desde que comecei a ler seus livros e artigos, coisa já de uns 30 anos atrás, sinto em relação a Fernando Savater algo que não me acontece com nenhum outro dos meus escritores preferidos: quase nunca discordo de seus julgamentos e críticas.

Em geral, as razões que ele apresenta me convencem de imediato, ainda que para isso deva retificar radicalmente aquilo em que, até agora, eu acreditava.

Quer ele fale a respeito de política, de literatura, de ética e até de cavalos (sobre os quais não sei nada, salvo que nunca acertei uma única aposta nas raras vezes em que pisei em um hipódromo), Savater pareceu-me sempre um modelo de intelectual comprometido, ao mesmo tempo um homem de princípios e um pragmático, um desses raros pensadores contemporâneos capazes de enxergar sempre claramente nos intricados meandros deste século 21 e de orientar os que se extraviaram a encontrar o caminho perdido.

Tudo isso vem a propósito de um artigo de sua autoria sobre o WikiLeaks e Julian Assange, fundador do site, que acabo de ler na revista Tiempo (edição de 23 de dezembro de 2010 a 6 de janeiro de 2011). Peço encarecidamente aos que comemoraram a divulgação de milhares de documentos confidenciais do Departamento de Estado dos EUA como uma proeza da liberdade, que leiam este artigo que esbanja inteligência, valentia e sensatez. Se não os fizer mudar de opinião, certamente os levará, pelo menos, a refletir e a se perguntar se seu entusiasmo não terá sido algo precipitado.

Savater comprova que nesta vasta coleção de materiais vazados não há praticamente revelações importantes, que as informações e opiniões confidenciais vindas à luz já eram sabidas ou presumíveis por qualquer observador da atualidade política mais ou menos informado, e o que predomina nelas é principalmente o mexerico destinado a saciar esta frivolidade que, sob o respeitável rótulo da transparência, é na verdade o entronizado "direito de todos a ser informados de tudo, para que não haja segredos e reservas que possam contrariar a curiosidade de alguém - seja quem for que tiver de cair, e o que for que percamos pelo caminho".

Este suposto "direito", acrescenta, é "parte da atual imbecilização social". Concordo integralmente com esta afirmação.

A revolução audiovisual de nosso tempo violentou as barreiras que a censura opunha à livre informação e à dissidência crítica. Graças a isso, os regimes autoritários têm muito menos possibilidade do que no passado de manter seus povos na ignorância e de manipular a opinião pública.

Evidentemente, trata-se de um grande progresso para a cultura da liberdade e é preciso se beneficiar disso. Mas daí a concluir que a prodigiosa transformação das comunicações representada pela internet nos autoriza a saber tudo e a divulgar tudo o que acontece debaixo do sol (ou debaixo da lua), fazendo desaparecer de uma vez por todas a linha de demarcação entre o público e o privado, há um abismo que, se abolido, poderá significar, não uma façanha libertária, mas pura e simplesmente um liberticídio que, além de solapar as bases da democracia, infligirá um rude golpe à civilização.

Libertinagem informativa. Nenhuma democracia poderá funcionar se desaparecer a confidencialidade das comunicações entre funcionários e autoridades, nenhuma forma de política nos campos da diplomacia, da defesa, da segurança, da ordem pública e até da economia terá consistência se os processos que estas políticas determinam forem expostos totalmente à luz em todas as suas instâncias.

O resultado de semelhante exibicionismo informativo seria a paralisia das instituições e tornaria mais fácil para as organizações antidemocráticas a criação de obstáculos e a anulação de todas as iniciativas dotadas de seus propósitos autoritários. A libertinagem informativa não tem nada a ver com a liberdade de expressão e, ao contrário, é seu oposto.

Esta libertinagem é possível somente nas sociedades abertas, não nas que são submetidas a um controle policialesco vertical que sanciona com ferocidade toda tentativa de violentar a censura. Não por acaso os 250 mil documentos confidenciais obtidos pelo WikiLeaks são o fruto da ação de pessoas que traíram os Estados Unidos e não da Rússia ou da China.

Embora as intenções de Julian Assange respondam, como foi dito, ao sonho utópico e anarquista da transparência total, suas operações com o propósito de pôr fim ao "segredo" poderão conduzir, nas sociedades abertas, ao surgimento de correntes de opinião que, com o argumento de defender a indispensável confidencialidade no seio dos Estados, proponham freios e limites a um dos direitos mais importantes da vida democrática: o da livre expressão e da crítica.

Em uma sociedade livre, a ação dos governos é fiscalizada pelo Congresso, pelo Poder Judiciário, a imprensa independente e de oposição, pelos partidos políticos, instituições que evidentemente têm todo o direito do mundo de denunciar as fraudes e as mentiras aos quais às vezes recorrem certas autoridades para encobrir ações e trâmites ilegais. Mas o que o WikiLeaks fez não é nada disso. Ele destruiu brutalmente a privacidade das comunicações nas quais os diplomatas e agregados informam seus superiores sobre as intimidades políticas, econômicas, culturais e sociais dos países onde servem.

Grande parte deste material é constituída por dados e comentários cuja divulgação, embora não tenha maior transcendência, cria situações enormemente delicadas para estas atividades e provoca suscetibilidades, rancores e ressentimentos que servem apenas para prejudicar as relações entre países aliados e desprestigiar seus governos.

Não se trata, pois, de combater uma "mentira", mas, de fato, de satisfazer a curiosidade mórbida e malsã da civilização do espetáculo, que é a do nosso tempo, na qual o jornalismo (e a cultura em geral) parece se desenvolver seguindo o desígnio único de entreter.

Julian Assange, mais do que um grande lutador libertário, é um animador de sucesso, uma espécie de Oprah Winfrey da informação.

Se não existisse, teria sido criado mais cedo ou mais tarde pelo nosso tempo, porque esse personagem é o símbolo emblemático de uma cultura em que o valor supremo da informação hoje é o de divertir um público frívolo e superficial, ávido de escândalos que vasculham a intimidade dos famosos, mostram suas fraquezas e envolvimentos e os convertem em bufões da grande farsa que é a vida pública.

Embora, talvez, falar de "vida pública" seja inexato, pois para que ela existisse deveria existir também sua contrapartida, a "vida privada" é algo que praticamente foi desaparecendo até se transformar em um conceito vazio e obsoleto.

O que é o privado nos nossos dias? Uma das consequências involuntárias da revolução informática é a volatilização das fronteiras que o separavam do público, e ter confundido ambos em uma representação na qual todos somos ao mesmo tempo espectadores e atores.

Nela, reciprocamente queremos brilhar exibindo nossa vida privada e nos divertimos observando a alheia em um strip-tease generalizado no qual nada está a salvo da curiosidade mórbida de um público depravado pela frivolidade.

O desaparecimento do privado, o fato de ninguém respeitar a intimidade alheia, de esta se ter tornado um espetáculo que excita o interesse geral e de que exista uma indústria informativa que alimenta sem trégua e sem limites este voyeurismo universal, é uma manifestação de barbárie.

Pois com o desaparecimento do domínio do privado muitas das melhores criações e funções do humano se deterioram e se aviltam, a começar por tudo aquilo que está subordinado ao cuidado com certas formas, como o erotismo, o amor, a amizade, o pudor, as maneiras, a criação artística, o sagrado e o moral.

Que remédio, se os governos escolhidos em eleições legítimas forem derrubados por revoluções que querem trazer o paraíso para a terra (embora frequentemente tragam antes o inferno)?

Que desgraça, se forem deflagrados conflitos e até guerras sanguinárias entre países que defendem religiões, ideologias ou ambições incompatíveis, que desgraça!

Mas que tais tragédias possam chegar a ocorrer porque nossos privilegiados contemporâneos se aborrecem e precisam de emoções fortes, e um internauta vidente como Julian Assange lhes oferece o que pedem, não, não é possível nem aceitável. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

TAM começa a vender passagem no Jardim Ângela
MARIA CRISTINA FRIAS

FOLHA DE SÃO PAULO - 16/01/11

A TAM começa nesta semana a vender passagens no Jardim Ângela, em SP.
Localizado na periferia da zona sul da capital, o bairro foi considerado o mais perigoso do mundo pela ONU em 1996. Anos depois, a região registrou queda da violência.
Também serão instalados pontos de venda nos municípios paulistas de Mauá e Guarulhos, na esteira da estratégia da empresa de ampliar vendas para a classe C.
Em agosto, a TAM fez parceria com as Casas Bahia, para instalar quiosques nas unidades da rede varejista na Praça Ramos, na Vila Nova Cachoeirinha e em São Mateus, também na capital.
As capitais do Nordeste foram os destinos mais demandados, o que motivou a escolha do Jardim Ângela. "São bairros que concentram muitos nordestinos, pessoas que vão todo ano para a região. Os destinos mais procurados são Salvador, Recife e Fortaleza", diz Líbano Barroso, presidente da TAM.
As tarifas mais baixas e mais procuradas são as noturnas e as de fora do horário de pico. "Executivos viajam mais entre 7h e 10h e entre 17h e 20h."
As passagens são financiadas em 12 meses e o público não iniciado recebe orientações sobre como viajar.
As concorrentes Azul e Gol têm iniciativas semelhantes. A Gol tem um ponto no Largo 13 e oferece condições de pagamento facilitadas.
A Azul, por sua vez, abriu loja em um shopping na região e está presente na rede Magazine Luiza.

"O avião se tornou o substituto do ônibus nas viagens de longa distância, acima de 800 quilômetros, como ocorreu nos EUA na década de 50"

Novos destinos

O francês Philippe Alluard, que acaba de se tornar presidente da recém-criada divisão no Mediterrâneo e na África, da LVMH Watch and Jewelery, diz que vê potencial para o mercado de luxo no continente africano.
"A África ainda é um território pouco explorado para nós e pouco mapeado no que se refere ao luxo. Vemos um aumento da demanda daquela parte do mundo em nossas lojas na Europa e nos EUA. Há um grande potencial a médio prazo lá e desejamos estar presentes desde o início", diz Alluard, que terá a missão de identificar o potencial de empresas-chave nos vários mercados.
"Também temos de adaptar nossos produtos ao gosto local, como já fizemos nos EUA e no Oriente."

Diferenças
"Há diferenças entre americanos e europeus no que se refere ao luxo. Na classe executiva ou na primeira de um voo nos Estados Unidos, de cada dez americanos, oito tem relógios simples, de US$ 100. Na Europa, não. A maioria estará com relógios de grandes grifes. Um médico alemão, não necessariamente muito rico, terá um carro e um relógio de grife porque gosta de artigos de qualidade e bom gosto. Não para ostentar. Os brasileiros parecem-se mais com os europeus."

Recuperação
A grife criou um novo cargo para cuidar das vendas da Tag Heuer na América Latina. A contratação havia sido adiada em razão da crise. "Nosso negócio voltou ao seu ponto mais alto e podemos arcar com custos adicionais."

"Na classe executiva ou na primeira de um vôo nos EUA, de cada dez americanos, oito tem relógios simples, de US$ 100. Na Europa, não. A maioria estará com relógios de grandes grifes"

JOIA RARA
Véronique Claverie, diretora de marketing da Cartier no Brasil está otimista para 2011. A Cartier percebe o mercado brasileiro como um todo: as vendas feitas no Brasil mais as vendas feitas fora do país aos turistas brasileiros. "Hoje o cliente número 1 das butiques Cartier de Bal Harbour em Miami e de Buenos Aires é o brasileiro."

O QUE ESTOU LENDO

Gustavo Franco, sócio da Rio Bravo e ex- presidente do BC

Gustavo Franco, sócio da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central, dedica-se à leitura de "Native Capital: Financial Institutions and Economic Development in São Paulo, Brazil, 1850-1920", de Anne G. Hanley, Stanford University Press, 2005.
"É obra de brasilianista nova, de perfil quantitativo, com muita pesquisa primária sobre o desenvolvimento bancário e financeiro de SP, com destaque para o início da República. Muito do que se escreveu sobre bancos nessa época é focado no Rio. E é fortemente influenciado pelo livro do Visconde Taunay sobre o encilhamento. Segundo ele, o início da República coincide com um delírio especulativo após o qual nada restou. Não é bem isso o que emerge desse livro, centrado em SP."
com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK, VITOR SION e VERENA FORNETTI

CORTA O SETE

ILIMAR FRANCO

Em cima do muro
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 16/01/11

Candidato a presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) está entre a cruz e a espada. Apesar de ser sindicalista, não pode defender os R$580 propostos pelas centrais sindicais para o salário mínimo. Tampouco quer brigar pelos R$545 do governo. Questionado, sua reação é dar uma sonora gargalhada. Depois, sobe no muro: “Eu acho legítimo as centrais reivindicarem, assim como é legítimo o governo defender o equilíbrio das contas. Meu papel é garantir que o diálogo aconteça”.

De olho em 40 votos no Congresso

Excluídos da nomeação dos ministros, o PTB e o PSC serão contemplados no segundo escalão. O PTB vai manter a presidência da Casa da Moeda, mas substituirá o atual presidente, Luiz Felipe Denucci, por Sérgio Farias, que hoje ocupa a Diretoria de Comércio Internacional. O partido também vai manter a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), embora não tenha chegado a um consenso sobre o nome. Na semana passada, o ministro Mário Negromonte (Cidades) chamou, por determinação de Antonio Palocci (Casa Civil), o presidente do PSC, pastor Everaldo, para conversar. Ainda não foi definido o cargo.

O quinto comitê
O governo Dilma está avaliando criar um quinto comitê, além dos quatro anunciados ontem na reunião ministerial. Ele teria como função centralizar todas as ações relacionadas à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016. 

Teste para o governo Dilma
A presidente Dilma Rousseff enfrentará em maio sua primeira Marcha dos Prefeitos a Brasília. Entre as espinhosas reivindicações estarão a mudança das regras de distribuição dos royalties do petróleo e a regulamentação da emenda 29, que assegura mais recursos para a saúde. Uma das medidas previstas no texto é a recriação da CPMF. Será um teste de habilidade política para a presidente e seu governo.

Cid quer licenciamento automático
Projeto enviado pelo governador Cid Gomes (CE) à Assembleia Legislativa propõe a dispensa de licenciamento ambiental para obras do governo do estado consideradas “de interesse social”. Entre as atividades que entrariam nessa categoria estão: habitação de interesse social, aterros sanitários de pequeno porte, restauração e implantação de estradas, agricultura familiar e investimento agropecuário. Parte dos deputados afirma que a medida fere a Constituição. 

Corrida
O deputado ACM Neto (DEM-BA) está percorrendo todos os estados. Ele disputará a liderança na Câmara contra Marcos Montes (MG). A eleição será dia 31. O resultado será um avant premier da disputa pelo controle do partido.

Estou conversando com o presidente da Força (Sindical) ou com o deputado (da base do governo)?” — Luiz Sérgio, ministro das Relações Institucionais, para o líder do PDT na Câmara, Paulo Pereira da Silva (SP)

O SECRETÁRIO-GERAL da Presidência, Gilberto Carvalho, está propondo alterar o Código de Ética Pública. Argumenta que o preço máximo dos presentes recebíveis, R$100, é muito baixo.

OS MINISTROS saíram da reunião ministerial de sexta-feira dizendo que a ministra Miriam Belchior (Planejamento) se comprometeu a fazer um corte “customizado” do Orçamento, em vez de linear.

ALGUNS ministros avaliam que o governo deveria ter uma pauta própria de votações na Câmara. Dizem que, no vazio, os deputados podem criar uma explosiva

HORACIO LAFER PIVA

A personalidade do novo governo
HORACIO LAFER PIVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/01/11


Se hesitar no enfrentamento de problemas e alianças, a presidente perderá muito de sua identidade e capacidade de sucesso logo na partida


Especialistas observam que quem de fato julga protagonistas de cargos públicos são os sucessores de seus sucessores. Eis por que não se devem levar excessivamente a sério as críticas que o recente governo fez do anterior, bem como não considerar demais o que agora vier a se dizer do que se encerra.
Acreditar na história é dar tempo ao tempo...
Contudo, está claro que tanto FHC quanto Lula são exceções no recente ambiente institucional brasileiro. O primeiro, comprometido com a estabilidade e a democracia, emprestando ao país uma dignidade e uma dimensão intelectual raras. O segundo, com conhecimento prático da alma do povo, que, aliado a uma extroversão pragmática, fez de nossa diversidade um instrumento de ação e marketing. Ambos "pontos fora da curva".
Eis finalmente que este processo incremental de melhorias, embora ainda sem senso de urgência, aponta um vetor de crescimento com justiça social. Quiçá o momento certo para alguém como a presidente Dilma Rousseff.
Estamos naquela entressafra em que ainda não se avalia com precisão o que fez Lula e nem o que fará Dilma, mas recorde-se de que, não obstante o criativo mote publicitário da "esperança vencendo o medo", havia em 2002 uma enorme dúvida quanto aos reais compromissos do governo que assumia.
Dissipados, sim, em parte, na "Carta aos Brasileiros", mas ainda presentes quando da posse nos então não poucos céticos.
Já a recente assunção ocorre num ambiente positivo, fruto da tolerância da largada somada à herança aspiracional do antecessor, que, com gestos, embora aqui e ali exagerados, abraçou a democracia e o mercado, gerando uma expectativa conformada de continuidade e afastando muitos dos sentimentos negativos da sucessão.
Entretanto, se incorpora a reputação, suscita ao mesmo tempo reflexões quanto ao enfrentamento dos recentes exageros nos temas fiscais e político-institucionais.
Há dúvidas e expectativas com relação a inflação, juros, câmbio, inadimplência e deficit, assim como as crises americana e europeia e seus impactos no fluxo de comércio e investimentos.
A presidente tem demonstrado, embora parta com um ministério, digamos, enigmático, possuir conhecimento para boas escolhas técnicas, mas na administração de sua base de sustentação, que vai de seu próprio partido ao espectro criatura-criador, entendido este como o ex-presidente Lula e as forças que a apoiam, em especial o PMDB, reside o mistério.
Se conseguir dar organicidade à maioria que detém, aliada ao fato de que uma oposição ainda sem coesão poderá atender a seu gesto de desprendimento, implementará seu projeto. Se, contudo, mostrar-se hesitante no enfrentamento de problemas e alianças, e ainda parecer à sociedade que haverá interferência de seu antecessor, perderá muito de sua identidade e capacidade de sucesso na partida.
Nas próximas semanas já será possível entender a personalidade deste governo, seja pelas prioridades e pela maneira de agir, seja na forma de se posicionar perante pressões e o próprio Congresso.
Uma sociedade agora mais rica e politizada estará vigilante. A presidente tem um grande trunfo nas mãos, e esperamos todos que o use com competência. Do tenso equilíbrio dependemos todos. Olho vivo e serenidade.
HORACIO LAFER PIVA, 53, é empresário. Foi presidente da Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) de 1998 a 2004.

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

TIMOTHY GARTON ASH

Wikipédia, idealismo não remunerado
TIMOTHY GARTON ASH 
O Estado de S.Paulo - 16/01/11

Enciclopédia livre na internet comemora dez anos com sucesso e mantendo a missão de levar a todas as pessoas do planeta o acesso à soma de todo o conhecimento humano

A Wikipédia completou dez anos ontem. É o quinto website mais visitado na internet. Mensalmente, cerca de 400 milhões de pessoas utilizam seus dados. Aposto que muitos leitores desta coluna estão entre elas. Você quer checar alguma coisa, entra no Google e, então, com mais frequência ou não, escolhe o link Wikipédia como o melhor caminho para sua pesquisa.

O que é extraordinário nessa enciclopédia livre, que contém hoje mais de 17 milhões de artigos em mais de 270 línguas, é que ela é quase que inteiramente escrita, editada e autorregulamentada por voluntários não pagos. Todos os outros websites também muito visitados são empreendimentos multibilionários. O Facebook, com 100 milhões a mais de usuários, está avaliado em US$ 50 bilhões.

Visite o Google no Vale do Silício e vai se encontrar num vasto complexo de edifícios de escritórios modernos, como a capital de uma superpotência. Ali pode existir ainda algumas peças divertidas de Lego no saguão, mas você terá de assinar um acordo de confidencialidade para passar pela porta de entrada. A linguagem dos executivos do Google gira estranhamente entre a de um secretário-geral da ONU e a de um vendedor de carros. Num momento falam de direitos humanos universais para, em seguida, discutirem o "lançamento de um novo produto".

A Wikipédia, ao contrário, é supervisionada por uma fundação não lucrativa. A Fundação Wikimedia ocupa um andar de um prédio comercial anônimo no centro de San Francisco . Você precisa bater forte na porta para alguém vir abrir. Dentro, a sensação que se tem é exatamente do que ela é: uma modesta organização não governamental internacional.

Se o principal arquiteto da Wikipédia, Jimmy Wales, tivesse escolhido comercializar a empresa, hoje estaria bilionário - como Mark Zuckerberg, do Facebook. Colocar a Wikipédia sob a égide de uma organização não lucrativa foi, disse-me Jimmy, ao mesmo tempo a mais estúpida e a mais inteligente ideia que teve. Mais do que qualquer outro importante site global, a Wikipédia exala o idealismo utópico dos heróis da internet nos seus primeiros dias. Os "wikipédios", como eles se chamam, são homens e mulheres com uma missão. E essa missão está resumida na seguinte frase, que poderia ter sido de John Lennon, mas foi dita pelo homem que todos chamam de Jimmy: "Imagine um mundo em que todas as pessoas do planeta têm livre acesso à soma de todo conhecimento humano".

Achar que este objetivo utópico poderia ser atingido por uma rede mundial de voluntários, trabalhando sem ganhar nada, editando todos os assuntos, com as palavras que digitam se tornando visíveis para o mundo todo, era, naturalmente, uma ideia completamente maluca. Mas este exército maluco avançou extraordinariamente em apenas dez anos.

A Wikipédia ainda tem grandes deficiências. Os artigos variam muito, em termos de qualidade, de um tema para outro e de língua para língua.

Muitos dos artigos sobre personalidades são irregulares e desproporcionais. E isso ocorre porque depende muito de que um ou dois wikipédios sejam genuinamente conhecedores daquele assunto e língua particulares. Eles podem ser surpreendentemente bons em pontos obscuros da cultura popular, e muito fracos em algumas áreas de interesse dominante. Nas versões mais antigas (em inglês e alemão, por exemplo) as comunidades editoriais voluntárias, apoiadas por uma pequena equipe da fundação, melhoraram muito os padrões de confiabilidade e capacidade de comprovação, especialmente insistindo nas notas de rodapé com links para as fontes.

Sei que você ainda deve sempre checar a informação encontrada ali antes de citá-la em algum contexto. Um artigo na New Yorker sobre a enciclopédia fez uma distinção interessante entre conhecimento útil e conhecimento confiável. Um dos maiores desafios da Wikipédia na próxima década é reduzir o máximo possível esse fosso que separa o útil e o confiável.

Outro grande desafio é levar este empreendimento para além do Ocidente pós-iluminista, onde nasceu e continua, na maior parte, alojado. Um especialista disse-me que 80% de tudo o que é editado pela Wikipédia provém do mundo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico da ONU. A meta da fundação é chegar a 680 milhões de usuários em 2015 e espera que grande parte desse crescimento seja em lugares como Índia, Brasil e Oriente Médio.

Mas o enigma não é porque o site ainda tem claras deficiências, mas porque ele tem funcionado tão bem. Os wikipédios dão várias explicações para isso. A Wikipédia chegou relativamente cedo, quando não existia esse número incontável de sites para os usuários da internet passarem o tempo. Uma enciclopédia trata (principalmente) de fatos verificáveis, em vez de trazer meras opiniões - comuns na blogosfera. E, sobretudo, ela teve sorte com suas comunidades de editores colaboradores. Diante da escala do projeto, a equipe de editores regulares é muito pequena.

Colaboração. Cerca de 100 mil pessoas colaboram em mais de 5 edições no mês, mas as grandes Wikipédias, mais antigas, como aquelas em inglês, alemão, francês ou polonês, são apoiadas por um grupo minúsculo de talvez 15 mil pessoas, cada uma oferecendo mais de 100 colaborações por mês. Na maior parte são jovens, solteiros e muito instruídos.

Como muitos dos sites globais conhecidos, a Wikipédia tem a vantagem de estar sediada no que o seu conselheiro Mike Godwin descreve como "o oásis da liberdade de expressão chamado EUA". Todas as enciclopédias em línguas diferentes, não importa onde seus editores vivem e trabalham, são fisicamente hospedadas nos servidores da fundação nos EUA. E têm as proteções legais oferecidas pelas leis americanas de liberdade de expressão.

Civilidade é um dos cinco pilares da Wikipédia. Desde o início, Jimmy diz que deve ser possível combinar honestidade com boas maneiras. Indivíduos mal-educados são contatados e o problema é debatido com eles. Depois, eles são advertidos antes de, caso persistam, serem banidos. Se uma comunidade de uma língua for além da conta, a fundação tem poder para eliminar seus disparates do servidor. (A Wikipédia é uma marca protegida legalmente, enquanto que os Wiki alguma coisa não o são; é o caso do WikiLeaks, que não tem nada a ver com a Wikipédia nem é um wiki).

Não sabemos se o ataque a tiros em Tucson, Arizona, foi diretamente um produto da incivilidade corrosiva do discurso político americano, como ouvimos nas entrevistas de rádio e TV. Um louco pode ser simplesmente louco. Mas essa virulência política diária que observamos nos EUA é um fato inegável.

Diante desse pano de fundo deprimente, é bom comemorar uma invenção americana que, apesar de todas as suas falhas, tenta difundir pelo mundo uma combinação de idealismo não remunerado, conhecimento e uma obstinada civilidade. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É COLUNISTA E ESCRITOR