sexta-feira, fevereiro 09, 2018

A quem interessa que a reforma não passe? - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO/ESTADÃO - 09/02
Entre os minimamente bem informados, há amplo entendimento de que contas da Previdência se tornaram insustentáveis

No início desta semana, acumulavam-se sinais de que o governo poderia estar prestes a jogar a toalha e, para efeitos práticos, dar por oficialmente abandonada a longa batalha pela aprovação da reforma da Previdência no atual mandato presidencial. E já se notava certa tensão, entre o Planalto e o Congresso, em torno da ingrata divisão do ônus político de tal desfecho.

Nos últimos dias, o governo entendeu que era preciso desfazer essa impressão. Anunciou que o Planalto estava empenhado em novo e decisivo esforço de mobilização da bancada governista para tentar aprovar, até o fim de fevereiro, uma proposta um pouco menos ambiciosa de reforma. Será a última ofensiva do governo em um longo jogo que se revelou ainda mais difícil do que de início se esperava.

Aos trancos e barrancos, ao fim de mais de duas décadas de esforços, é inegável que o país adquiriu compreensão muito mais clara da inevitabilidade da reforma. E boa parte desse avanço deve ser creditada à equipe econômica do atual governo.

Entre pessoas minimamente bem informadas, já há amplo entendimento de que as contas da Previdência se tornaram insustentáveis. Os números falam por si. Só na esfera federal, o déficit do sistema chegou a R$ 269 bilhões no ano passado. E a esta cifra tão absurda ainda têm de ser adicionados os assustadores déficits previdenciários dos governos subnacionais, cujos orçamentos vêm sendo inviabilizados pelo crescimento descontrolado das folhas de inativos. O Estado do Rio Janeiro é só o líder de uma longa fila de estados e municípios quebrados.

Tem também se disseminado a compreensão de que, sem a reforma da Previdência, não há como superar o quadro de descalabro fiscal que vem impedindo uma retomada sustentável do crescimento da economia e a eliminação do drama que hoje enfrentam 12 milhões de desempregados no país.

Em entrevista concedida em meados de janeiro, o secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, assegurou que, se a proposta de reforma fosse aprovada, não mais que 9,5% dos trabalhadores teriam perdas superiores a 1% do seu benefício de aposentadoria (“Valor”, 15 de janeiro). Com a recém-anunciada disposição do governo de flexibilizar em alguma medida a proposta de reforma, é bem provável que o percentual de trabalhadores significativamente afetados se torne ainda menor. E, no entanto, o governo está longe de estar convicto de que ainda será possível formar no Congresso a maioria de 60% requerida para aprová-la.

Entender por que uma reforma tão crucial — com resultados potenciais tão promissores e com custos mais significativos restritos a uma parcela relativamente pequena do eleitorado — continua a enfrentar tantas dificuldades para ser aprovada é tema para discussões intermináveis. Mas parcela importante da explicação tem a ver com a resistência ferrenha que as castas mais bem posicionadas de funcionários públicos vêm fazendo à reforma. Embora isso seja mais do que sabido, ainda falta compreensão clara de como tal resistência vem de fato bloqueando a formação da maioria requerida para aprovação da reforma no Congresso.

Não parece ser uma questão meramente eleitoral, que poderia advir de preocupações do parlamentar com possíveis reações da parte do seu eleitorado composta por funcionários públicos. Isto pode até explicar o comportamento das bancadas do PT e de outros partidos de esquerda. No caso dos partidos da base aliada, contudo, as razões da oposição à reforma parecem ser bem mais diretas.

Com frequência, o parlamentar está irremediavelmente enredado pela teia de interesses de toda uma extensa parentela de funcionários públicos — quase sempre bem posicionados — tanto em Brasília quanto nos estados: cônjuge, pais, irmãos, cunhados, filhos, genros, noras, sobrinhos e netos.

Seria muito bom se evidências mais objetivas e sistemáticas das reais proporções desse enredamento pudessem ser levantadas tanto pela mídia como em pesquisas de mais fôlego.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

O Túnel dos Pombos - CARLOS PRIMO BRAGA

Valor Econômico - 09/02

A autobiografia de David Cornwell - mais conhecido pelo seu pseudônimo: John Le Carré - é intitulada "The Pigeon Tunnel". O título se refere a uma memória de adolescência. Seu pai o levou a Monte Carlo onde eles visitaram um clube, dotado de um campo de tiros. Pombos criados no cassino local eram colocados em túneis que os direcionavam a emergir como alvos no campo de tiros. Aqueles que sobreviviam, tipicamente retornavam ao seu local de origem (o teto do cassino) onde eram novamente aprisionados e mais uma vez utilizados como alvos até o desfecho inevitável.

Sociedades nem sempre aprendem com suas experiências passadas. A memória dos resultados desastrosos de governos populistas é frequentemente superada pelo apelo de soluções simples para problemas complexos. A história dos pombos de Monte Carlo serve de alerta para aqueles que teimam em repetir trajetórias arriscadas.

A economia mundial convive com conflitos geopolíticos, opções políticas extremistas e experimentos econômicos que geram comparações com as experiências da década de 30 e da Guerra Fria. Embora tais comparações devam ser interpretadas com cuidado, não restam dúvidas que esse é um período em que as lições da história são particularmente relevantes.

Na esfera da geopolítica, os paralelos são óbvios. As aventuras nucleares da Coreia do Norte e as "confrontações" mediáticas entre Donald Trump e Kim Jong-un fornecem uma versão burlesca das tensões entre os EUA e a União Sovética. O perigo de um confronto nuclear é novamente considerado ameaça real. O "Relógio do Apocalipse" do Bulletin of the Atomic Scientists foi reajustado em janeiro de 2018 para 2 minutos para a meia-noite (a referência horária para uma catástrofe nuclear), uma marca que só havia sido registrada em 1953 em meio à corrida nuclear armamentista.

Mais relevante, porém, é o estado atual das relações entre as duas principais potências nucleares: os EUA e a Rússia. O governo de Vladimir Putin vem adotando medidas agressivas não apenas no campo militar (a anexação da Crimeia, a intervenção no leste da Ucrânia, a campanha na Síria para sustentar o regime de Bashar al-Assad), mas também na esfera econômica (ameaças de corte de suprimento de gás natural para a Europa) e sobretudo no campo cibernético através de campanhas de desinformação via redes sociais e "hacking" de alvos políticos. É impossível afirmar se tais campanhas realmente afetaram o resultado das eleições presidenciais nos EUA em 2016. Mas o esforço per se ilustra os novos contornos dessa guerra fria.

No campo das relações comerciais, os ecos da experiência protecionista dos anos 30 vão se tornando cada vez mais nítidos. As economias do G-20 não adotaram políticas protecionistas convencionais em larga escala no período pós-2008. Em tese, as disciplinas da Organização Mundial de Comércio teriam ajudado a controlar a tentação. Mas uma análise mais detalhada das políticas do G-20 indica que esses países vêm adotando medidas discriminatórias de "nova geração" (por exemplo, regras de conteúdo nacional, financiamento subsidiado para empresas domésticas, etc).

A decisão recente dos EUA de utilizar a legislação de salvaguardas para impor tarifas, que variam de 30 a 50% no primeiro ano, às importações de máquinas de lavar e painéis solares abre um novo capítulo nesse front. Tais medidas afetam importações de todas as origens, em contraste com ações anti-dumping e contra subsídios, nos próximos 4 anos. Elas podem abrir as comportas protecionistas nos EUA na medida em que outras indústrias interpretem essa decisão como um sinal de que a administração Trump é favorável ao uso indiscriminado de salvaguardas. Reações de parceiros comerciais dos EUA, por sua vez, podem levar à eclosão de conflitos comerciais significativos como ocorreu nos anos 30.

Como compatibilizar as preocupações geopolíticas e a possibilidade de conflitos comerciais com as expectativas otimistas de crescimento global? Pela primeira vez desde 2007, todas as 45 economias incluídas no Índice de Expansão e Contração da OCDE apresentaram crescimento positivo em 2017. E o FMI em suas previsões mais recentes (1/2018) revisou positivamente as suas estimativas de crescimento global para 2018 (de 3,7 para 3,9%).

Esses números e o desempenho positivo de mercados acionários ao redor do mundo vêm sendo apresentados como evidência de que a crise financeira global ficou para trás. A realidade, porém, é que as taxas de juros nos países industrializados começaram a aumentar, refletindo a normalização de políticas monetárias, expectativas crescentes de inflação, e aumento de déficits fiscais (particularmente nos EUA). Como consequência, a possibilidade de novas crises e de uma correção significativa no valor de ativos financeiros não pode ser descartada, com o agravante de que a margem de manobra dos Bancos Centrais - a capacidade dos mesmos de reduzir taxas de juros - é hoje bem mais limitada do que era em 2008.

Essas observações ilustram a importância de se resistir a apelos populistas em um ambiente marcado por tanta incerteza. Uma visão otimista poderia ser articulada com base na tese de que a recuperação econômica global irá solapar o apoio à estratégias populistas. A realidade, porém, é que o apelo de tais políticas vai além de considerações econômicas. O populismo reflete percepções de que os "outros" (as elites na versão da esquerda ou os estrangeiros/imigrantes na versão da direita) são as causas da ansiedade gerada pelo processo de modernização. Mesmo em um cenário de recuperação econômica, tais tensões não vão desaparecer. Além disso, a sustentabilidade da recuperação econômica não está assegurada. Cabe torcer para que lideranças políticas não repitam os erros do passado, evitando o paralelo com a experiência do túnel dos pombos.

Tributo menor lá fora dificulta nosso caminho à competitividade - PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 09/02

País em que as empresas são sufocadas por impostos e burocratismo não tem futuro


A recente decisão dos EUA de reduzir o Imposto de Renda corporativo colocou uma lente de aumento sobre nossa perda de competitividade no palco internacional, alimentando a ameaça nada desprezível de afugentar o capital externo num futuro não muito distante.

Planejar, empregar e produzir num país em que tudo é complicado, de crédito caro e tributos elevados à burocracia pesada e infraestrutura inadequada, se tornou atividade de risco. E poderá ficar pior, com eventos como a reforma tributária nos EUA.

O país se mantém relativamente bem no mapa do investimento estrangeiro é —o 7º no ranking da Unctad. Mas a atratividade da economia está nos estertores. O crescimento ainda é capenga, o investimento, irrisório, sobretudo em infraestrutura, a falta de inovação é chocante. E o senso de urgência é nenhum.

As economias avançadas e as emergentes aprimoram instrumentos de sedução do capital, enquanto nosso fôlego para enfrentá-las perde força paulatinamente. Com deficit público portentoso e dívida volumosa, crescente e financiada a juros indecentes, o Brasil não aderiu à dieta tributária global devido à carência de estratégias focadas no investimento e à visão obtusa das políticas voltadas ao incremento das conexões externas, entre outras razões.

Nos últimos anos, os sucessivos governos bancaram a aposta nos atributos que sempre atraíram capital externo: o porte do mercado interno, a posição de liderança na América do Sul e, mais recentemente, a avalanche de políticas setoriais sustentadas por subsídios e incentivos que cobram um preço salgado da sociedade.

É um modelo cujo esgotamento se acentua não só pela decisão do governo de Donald Trump mas também pela redução do Imposto de Renda das empresas em outros países. Ao derrubar a alíquota de 35% para 21%, os EUA acompanharam o que outras grandes economias já haviam feito desde 2000. Nesse período, segundo a OCDE, a alíquota média dos 35 países associados caiu de 32% para 24%. Estamos bem acima desse patamar, com o IR de pessoas jurídicas de até 34%.

Somem-se a isso nossas velhas e conhecidas mazelas e está formado um ambiente com potencial de afastar tanto novos investidores como empresas aqui instaladas. Não basta mais ombrear nossa carga tributária aos níveis praticados lá fora. É crucial, porém insuficiente.

O desalinhamento tributário se tornará mais ameaçador à medida que nossos vizinhos também se movimentem, a exemplo da Argentina, que reduziu a alíquota do IR das empresas de 35% para 30%, com previsão de baixar a 25% em 2020. Com ônus fiscal baixo, o Paraguai vem induzindo a migração de empresas brasileiras para lá.

Se a atual crise fiscal já exige enorme esforço para enxugar o Estado ineficiente, o ajuste a ser feito diante do novo cenário da competição tributária internacional será ainda mais profundo.

Não somos uma ilha, como sonharam alguns, e teremos de encarar esse desafio, entre tantos que formam nosso passivo do atraso. Outro exemplo: o tratamento dado às empresas brasileiras com operações no exterior, cujos lucros são tributados de acordo com as alíquotas aqui vigentes. É como um convite a que façam as malas e desistam do Brasil.

Se quisermos reaver o crescimento e alguma relevância no mundo, teremos que remover os obstáculos que nos apequenam, começando pela reforma da gestão de um Estado disfuncional e alheio às necessidades sociais e econômicas do desenvolvimento. E não só.

País em que as empresas são sufocadas por impostos, burocratismo, regulações desarrazoadas não tem futuro.

Novos planos para o BNDES até 2035 - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 09/02

O Plano Estratégico do BNDES, que foi discutido esta semana com o governo e deverá ser aprovado pelo Conselho de Administração do banco em março, define um objetivo - levar o Brasil à condição de país desenvolvido até 2035 - e faz um conjunto de propostas para aumentar a produtividade da economia, alavancar recursos e estimular o crescimento do mercado de capitais.

Para o país dar um salto de produtividade, o banco atuará em três áreas: infraestrutura e logística; modernização da estrutura produtiva e investimentos sociais (em educação, saúde e segurança). O diretor de Planejamento e Crédito do BNDES, Carlos Alexandre Da Costa, foi quem coordenou a discussão do programa, que é uma iniciativa inovadora da instituição.

Uma das ideias é o BNDES funcionar como um "dealer" e dar liquidez às debêntures, mercado que não cresceu como se imaginava por falta de liquidez dos papéis. Explora, também, a criação de novos instrumentos de garantias e a securitização de recebíveis do banco. A securitização só será possível nos projetos financiados em Taxa de Longo Prazo (TLP), com juros mais próximos aos de mercado e eventuais subsídios explícitos, previstos em projetos plurianuais.

O BNDES, que chegou a ter desembolsos de R$ 190 bilhões em 2013, agora trabalha com desembolsos da ordem de R$ 90 bilhões por ano. Recursos que serão complementados pelo setor privado nos projetos de infraestrutura que tenham impacto na produtividade - ferrovias, saneamento básico, mobilidade urbana e geração de energia.

O banco vai operar, também, com um "kit" básico, o "BNDES 10", para que projetos de até R$ 10 milhões possam ser liberados em um prazo de dez dias, sem grandes burocracias. Hoje, esses prazos superam 180 dias. Serão recursos para iluminação pública, estação de tratamento de esgoto e resíduos sólidos, dentre outros.

O diretor explicou que, para cumprir o objetivo básico definido no plano estratégico, nos próximos 18 anos a renda per capita terá que atingir US$ 25.200 e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) chegar a 0,86 - parâmetros hoje comparáveis aos de Portugal e Grécia.

Para chegar lá, saindo de uma renda per capita de US$ 10 mil (ranking do FMI) e de um IDH de 0,75 (dados de 2015), será preciso aumentar a escolaridade e melhorar a qualidade do ensino, crescer em média 3,3% ao ano e elevar em 2,7% ao ano o PIB per capita. Pode parecer muita ambição, dado o baixo desempenho do produto per capita nos anos mais recentes, mas "nos últimos 115 anos a renda per capita do brasileiro cresceu, em média, 3,7%", observou Da Costa.

Caberá a esse novo BNDES "transformar a vida de gerações de brasileiros pelo desenvolvimento sustentável", resumiu ele. Para cumprir essa missão, o tamanho do banco - R$ 90 bilhões em desembolsos -é, segundo o diretor, adequado, porque a intenção é estimular o crescimento do mercado de capitais, e não competir com ele.

O Plano Estratégico foi submetido esta semana ao Conselho de Administração do BNDES e, posteriormente, aos secretários da Fazenda, Planejamento e Casa Civil.

A moldura do BNDES foi produto da mobilização de 800 funcionários da instituição, mais de 30 workshops, 38 entrevistas com profissionais de fora da instituição e consultas a mais de 500 clientes. O plano começou a ser preparado tão logo Da Costa assumiu, em agosto do ano passado, e ficou pronto agora.

Procurou-se, no debate, definir qual a relevância do banco, onde ele vai atuar e que impacto poderá ter na sociedade. Depois de ouvir a exposição do plano estratégico, economistas do governo que estavam presentes à reunião, no Ministério do Planejamento, comentaram que agora "o BNDES tem um caminho que faz sentido".

Outras ideias estão concebidas no plano, a exemplo da criação de um braço na instituição de fomento para funcionar como um banco de investimentos da União.

O governo federal tem um amplo leque de ativos (terrenos, imóveis, mais de 140 empresas). O BNDES tem uma atitude passiva diante desses ativos e só entra em algum negócio quando chamado. Como banco de investimento ele passaria a ter uma postura ativa para montar propostas de operações de venda, fusão, incorporação e o que mais for possível.

Com a perspectiva de investimentos de longo prazo - "para ações de curto prazo o governo federal tem o BB e a Caixa ", disse Da Costa - o que se pretende do BNDES é que desenvolva "políticas de alto impacto incentivador de transformações" que coloquem o país no século XXI.

Ao definir como prioridade na área social a educação, saúde e segurança -que serão trabalhadas com os respectivos ministérios, o diretor espera formar mão de obra qualificada para o mercado e estabelecer condições de segurança nas cidades. "O Rio de Janeiro não é um polo de economia criativa e Recife não é um polo de economia digital, mesmo tendo essas vocações, por causa da insegurança."

Sob fortes críticas por ter sido usado pelo governo do PT para criar as empresas "campeãs nacionais" às custas de pesados empréstimos do Tesouro Nacional, o BNDES terá, portanto, um novo papel. Só irá financiar grandes companhias se os projetos tiverem "relevante efeito modernizador", disse.

Tudo isso implicará também uma economia mais aberta. "As empresas brasileiras terão que competir de igual para igual com o resto do mundo. O impacto do acordo do Mercosul com a União Europeia será mais relevante do que a abertura dos anos 90", adiantou Da Costa.

Deixar de ser um país de renda média para se transformar em uma nação desenvolvida não é um trajeto trivial. O Brasil acostumou-se aos "voos de galinha" da economia, segundo ele, por falta de previsibilidade, consistência e equilíbrio fiscal e monetário.

"Há países que se desenvolveram e depois se desequilibraram, e há países equilibrados que não se desenvolveram. Mas não há história de países com desequilíbrios que tenham se desenvolvido", disse.

Os dilemas do BC - FERNANDO DANTAS

O Estado de S.Paulo - 09/02


O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central derrubou a Selic, a taxa de juros básica, a menos da metade desde outubro de 2016: de 14,25% para 6,75%, o menor nível da história. O último corte, de 0,25 ponto porcentual, foi feito após a reunião do Copom na quarta-feira.

Para padrões normais de atuação dos bancos centrais mundo afora, é uma pancada e tanto. É natural, portanto, que o BC queira parar para ver. No comunicado do Copom na quarta-feira, está escrito que, se o cenário evoluir como o esperado, o BC não vai baixar de novo a Selic na reunião de março.

Fica claro que o plano A do Copom é ficar nos 6,75%. Ontem, porém, foi divulgado o IPCA de janeiro de 0,29%, abaixo das mais baixas projeções do mercado. Em outras palavras, o cenário já começou a surpreender o BC e o mercado na manhã seguinte ao comunicado – no qual, aliás, também consta a ressalva de que surpresas positivas podem levar o Copom a fazer mais um corte moderado em março.

O Copom vai manter o plano A ou vai usar a ressalva para cortar mais uma vez na próxima reunião? Obviamente, uma peça fundamental na resposta a essa pergunta é qual será a inflação de fevereiro, que será divulgada antes da reunião do Copom de março. Em dezembro, por exemplo, o IPCA ficou em 0,44%, bem acima das expectativas do mercado. Agora em janeiro, trouxe uma surpresa ainda maior, só que no sentido contrário. Fica claro que o índice pode ser bem errático, e que tirar conclusões com base emapenas um mês não é boa ideia.

Assim, um IPCA de fevereiro baixo para o padrão do mês reforçaria a ideia de que a inflação de 2018 está se desenhando como menor do que o esperado. Já um índice alto este mês indicaria que janeiro teria sido um “ponto fora da curva”.

A questão é que os sinais iniciais são de que a inflação de fevereiro também pode ser baixa. O economista Carlos Thadeu de Freitas Filho, especialista em inflação do Ibre/FGV, estima que o IPCA de fevereiro ficará em 0,38%, que é pouco para esta época do ano.

Freitas Filho representa uma corrente de mercado que está otimista com a inflação e que vê o BC sendo forçado a abandonar o plano A. Ele nota que, no “balanço de riscos” do Copom, vários daqueles que podem empurrar a inflação mais para baixo que o previsto já estão em ação. O preço dos alimentos subiu menos do que o esperado em janeiro, a inflação de serviços está rodando em um nível reduzido e houve no mês passado até deflação de bens semiduráveis (basicamente vestuário e calçados) e industriais. Os dois últimos fatores podem refletir uma economia mais fraca em relação ao potencial de crescimento não inflacionário do que julgam muitos analistas.

Um contraponto a essa visão é a abordagem de Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra. No balanço de riscos do BC, pelo lado ruim, consta que a frustração dos investidores com a não aprovação da reforma da Previdência, especialmente na eventualidade de uma piora do cenário externo, pode aumentar o risco Brasil, desvalorizar o real e ter impacto na inflação.

Segundo Kawall, esse último risco deve ser mais significativo para o BC do que um IPCA mais baixo no curto prazo. Ele acha que em março o Copom já estará começando a pensar em 2019, e um fator estrutural como a continuidade da fragilidade fiscal do Brasil, sem a reforma da Previdência, é mais relevante para determinar a inflação nesse horizonte mais longo.

Assim, o economista vê uma retomada firme e bem encaminhada, uma provável não aprovação da reforma da Previdência em fevereiro e um cenário internacional que já deu uma “chacoalhada” na última segunda-feira (embora ele ache mais provável que se mantenha favorável). A combinação desses fatores sugere para Kawall que o Copom deve manter a Selic em 6,75% em março, mesmo que em fevereiro o IPCA traga outra surpresa positiva.

Queda na Bolsa 'é fichinha, até agora' - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 09/02

Peso-pesado do banco central dos EUA desdenha perdas no mercado financeiro


"ATÉ AGORA, diria que é fichinha." A queda nas Bolsas até agora seria "small potatoes", fichinha ou café pequeno, sem efeito sobre o futuro da economia americana, disse William Dudley, presidente do Fed de Nova York, à TV Bloomberg, nesta quinta-feira (8).

Quanto ao resto do mundo, nada disse nem lhe foi questionado. Mesmo que esteja certa, a afirmação tranquila de Dudley lembra aquelas frases que ficam para a história das crises financeiras que, se imaginava, não aconteceriam. Causa um desconforto supersticioso.

Dudley não é qualquer um, é um visconde da finança. Desde 2009, preside o Fed de Nova York, o mais importante do sistema que compõe o banco central americano, seu braço operacional. Supervisiona Wall Street. O presidente do Fedde Nova York é, enfim, um dos pesos-pesados na definição da política monetária americana. Por dez anos, foi economista-chefe do Goldman Sachs; doutorou-se em economia na Universidade da Califórnia (Berkeley). Aposenta-se do Fed neste ano.

Dudley obviamente jamais poderia dizer que as batatinhas do mercado estão assando. Entre outros óbvios, disse ainda que, caso o preço das ações continue a cair, famílias vão gastar menos (o patrimônio delas terá caído) e empresas vão conter investimento. Bidu. Mas a perspectiva de crescimento americano continua boa, ainda mais com os cortes de impostos; a política monetária continua relaxada, os juros vão, sim, subir umas três ou quatro vezes neste ano. Vida normal, aperto monetário previsível.

Os observadores avançados da finança mundial ainda não viram ameaça de explosões nos mercados. Alguns papéis e fundos que fazem apostas malucas em índices de volatilidade e em opções viraram pó, sim.

Ao que parece, contribuíram apenas para tumultuar o que pode ser de fato uma reorientação maior de aplicações financeiras, tendo em vista que as taxas de juros americanas vão subir. Tais transições não costumam ser pacíficas, embora nem sempre acabem em acidentes ou desastres.

Quanto às mudanças no mercado de juros americano, o tamanho da mexida ainda não indica um revertério súbito. No entanto, a persistência de perdas em algumas regiões visíveis da finança (na Bolsa em particular) pode baixar a maré do mercado e revelar muita gente nadando pelada em recantos obscuros.

BRASIL

No mundo das economias ditas "emergentes", a reação tem sido moderada, sem disparada dos juros em relação às taxas americanas, o que acontece também no Brasil, até agora. No entanto, estamos com água pelo nariz, sob risco de afogamento até durante marolas.

Animação estrangeira e dinheiro barato sustentaram os ânimos por aqui em maio e junho de 2017, na crise do grampo de Michel Temer, quando muito empresário e gente do mercado achavam que a coisa iria degringolar. Para a surpresa de muita gente, não degringolou, graças à dinheirama externa. Agora, ao contrário, há mais ânimo com a economia doméstica e nuvens lá fora.

A confiança maior vai aguentar a sacudida? Não há sinais de sangria no mercado, em particular nada acontecendo no mercado de juros, até agora. Quanto à confiança, vai demorar mais para se saber.

Novo recuo da inflação - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 09/02


A inflação continua oferecendo boas surpresas. Em janeiro, para quando o mercado esperava avanço de 0,40%, veio um terço a menos, veio 0,29%. Em 12 meses, a inflação caiu de 5,35% em janeiro de 2017, para 2,86% em 2018.

Se este fevereiro emplacar alguma coisa em torno do que deu em janeiro, o Banco Central terá de rever sua decisão tomada nesta quarta-feira, de deixar os juros básicos (Selic) parados por algum tempo em 6,75% ao ano. Terá de aplicar pelo menos mais uma dose de 0,25 ponto porcentual. A conferir na próxima reunião do Copom agendada para 21 de março.

E há novas razões para apostar em que a inflação continue baixa, a despeito da estocada esperada a partir dos reajustes do custo da educação (mensalidades escolares e material didático). Uma delas são as novas previsões das safras agrícolas que apontam para algo melhor do que o esperado, especialmente na área da soja (veja o Confira). Nova supersafra de grãos tende a segurar também em baixa os preços dos alimentos.

Como já está no comunicado divulgado após a reunião do Copom de quarta-feira, o risco maior são as distorções provocadas pela desordem das contas públicas. Se a decisão for de adiar novamente a reforma da Previdência, sinal negativo estará sendo repassado para a sociedade, que tenderá a defender-se com alta de preços.

Os juros básicos (Selic) agora nos 6,75% ao ano e o novo recuo da inflação ajudam a preservar poder aquisitivo e, portanto, ajudam na recuperação da economia. Mas achatam o rendimento das aplicações financeiras. O retorno bruto do DI (antes do Imposto de Renda) se limita agora a 0,5458% ao mês. E a caderneta de poupança (nova) não paga mais do que 0,3994% ao mês. Esta será razão adicional para empurrar os aplicadores a mais risco. E a maior procura por risco será fator adicional para valorização dos ativos de risco.

Ainda sobram por aí pessoas para as quais a queda da inflação não passa do resultado da asfixia do consumo produzida pela recessão. É afirmação simplista. Nos dois últimos anos do governo Dilma, a queda do PIB foi, respectivamente, de 3,5% e de 3,6% e, no entanto, a inflação estava na casa dos 10%.

A inflação caiu por um punhado de fatores positivos convergentes. Foi concluída a atualização dos preços administrados (principalmente tarifas), que estavam atrasados; a política monetária (política de juros) foi consistente e o Banco Central soube conduzir as expectativas; a inflação quase zerada nas principais economias do mundo ajudou; o dólar permaneceu relativamente estável em reais, o que segurou os preços dos importados; e houve a supersafra que conteve o reajuste dos alimentos, especialmente dos cereais.

Mas a inflação não é a casa inteira. O desempenho da economia depende de inúmeros outros fatores. A mais premente e a que trabalha em direção oposta é a já mencionada área das contas públicas. E há as nuvens escuras que pairam sobre a economia mundial, caso os grandes bancos centrais se vejam na obrigação de colocar em marcha o ajuste monetário – como ficou analisado na Coluna desta quinta-feira. Mas o resumo geral é o de que a economia está saindo do sufoco.

Surpresa também nas safras
Os técnicos da Conab e do IBGE, os dois organismos oficiais que rastreiam o comportamento das safras agrícolas, estão revendo sua posição inicial de que a produção de grãos deste ano seria substancialmente menor do que a anterior. Apesar de certo atraso no plantio em consequência do retardamento da estação das chuvas, as plantações reagiram melhor do que o esperado. É agora bem mais provável que a supersafra de 2017 se repita neste ano, dependendo ainda do que acontecerá com a safrinha do milho.

O país do carnaval e das novelas - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 09/02

Do maior dos enredos, as eleições, espera-se gente que nos possa ajudar a sair do buraco


Dizem que no Brasil o ano só começa depois do carnaval. Não é verdade, pelo menos em 2018. Há várias novelas em andamento e o carnaval será uma simples pausa na sua trajetória.

A nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho é uma delas. O governo cometeu um erro na escolha. À medida que os fatos vão ampliando a dimensão desse erro, Temer insiste em manter sua decisão, apesar do imenso desgaste.

O que fazer diante de pessoas que percebem o erro, mas insistem em levá-lo até o fim? Talvez desejar que Deus as proteja delas mesmas.

A outra novela é a tentativa de Lula de escapar das consequências de uma condenação em segunda instância. É uma expectativa que envolve o Supremo Tribunal, a quem se pede, no fundo, a negação do fundamento que inspirou as investigações da Operação Lava Jato: a lei vale para todos. Não há condições de mudá-la sem que isso represente uma imensa fratura na já combalida credibilidade da instituição.

A terceira é mais delicada, porque envolve a Justiça e a sociedade, que a apoiou no curso das investigações e das sentenças. Auxílios-moradia, salários turbinados, juízes combatendo uma necessária reforma da Previdência Social – tudo isso vai criando uma distância que ainda pode ser reparada pelo bom senso.

A Justiça tardou a compreender que o movimento de combate à corrupção com apoio da sociedade certamente traria uma visão mais severa sobre o uso do dinheiro público. O fato de oportunistas tentarem invalidar a luta contra a corrupção porque os juízes recebem salário-moradia em cidades onde têm residência é inconsistente e não está aí o maior problema.

É possível dizer que a Justiça parcialmente triunfou sobre o gigantesco esquema de corrupção. Mas é um tipo de luta que imediatamente leva a um novo patamar: o da coerência.

A reforma é também um confronto com as corporações. A dos juízes está em posição especial para constatar como o País foi saqueado e como a máquina do Estado é inflacionada com cargos em comissão e inúmeros penduricalhos.

Estamos na lona. Mas esperando que as instituições confiáveis, como a Justiça e as próprias Forcas Armadas, se aproximem do esforço nacional de ajustar o País à sua realidade financeira.

Não é só a luta contra a corrupção nem o princípio de que a lei vale para todos que estão em jogo. Há toda uma luta silenciosa no País contra a ideia de que todos querem vantagens públicas, mesmo os que aplicam a lei.

Desejo um final feliz para essa novela, uma vez que dela depende, em parte, o futuro de uma reconstrução baseada na aliança de amplos setores da sociedade com as instituições confiáveis.

Um dos meus argumentos contra a luta armada é que ela precisa criar um exército de salvação nacional para triunfar. Depois, quem nos salvará dos salvadores? Claro que vivemos uma situação diversa, mas é importante que a Justiça, após um trabalho nacionalmente aprovado, reconheça que ela mesma precisa se ajustar aos tempos que ajudou a moldar.

Tudo isso ainda nos espera depois do carnaval, abrindo alas para o enredo maior de 2018: eleições. Delas é possível esperar a escolha de gente que nos possa ajudar a sair do buraco não só da economia, mas também do desencanto geral com os rumos do País.

A reforma da Previdência foi conduzida por um governo impopular. Mas ela não é necessariamente impopular se reduz privilégios, cobra dos devedores e garante um futuro menos instável. Não precisa vir numa situação já de emergência, como na Grécia, trazendo insegurança e sofrimento. Ou como no Rio, para não ir mais longe.

Minha expectativa é de que isso se resolva bem na campanha. Os candidatos sabem que a reforma é necessária. Ou a defendem ou serão obrigados a fazê-la depois, nesse caso com baixa legitimidade, porque mentiram na campanha.

É uma ilusão da esquerda negar uma reforma necessária. Um dos fatores que a levam à resistência é o fato de estar muito enraizada nas corporações. Nesse caso pesa também o cálculo eleitoral. Até que ponto perder parcialmente o apoio dos funcionários públicos seria recompensado em votos pelos contribuintes?

Não só a esquerda vive esse dilema, mas o sistema político-partidário no seu conjunto. Ele não tem fôlego para realizar uma tarefa decisiva. Tornou-se um obstáculo às chances de reconstrução econômica. Entre outras, essa é uma das fortes razões para esperar mudanças a partir das escolhas de 2018.

Se o carnaval dá uma pausa para as novelas políticas, ele é implacável com a tragédia da violência urbana. Tudo continua. No Rio, três grandes vias, Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil, foram interditadas por tiroteios entre polícia e bandidos. Um menino e um homem morreram. Balas perdidas, governo perdido.

Já é um pouco estranho que tanta gente pare para fazer o carnaval. Mas seria mais estranho ainda que o governo parasse sobretudo nesta emergência. Existem graves problemas de violência no Norte e no Nordeste, mas o caso do Rio tem algumas agravantes.

A situação é tão grave que os responsáveis por atenuar o problema o examinam de certa distância. O ministro da Defesa declarou que o sistema de segurança está falido e o governador Pezão disse que na Rocinha se mata policial como se mata galinha. São bons comentários para um programa de rádio, mas quem está na linha de frente, ao dizer isso, imediatamente tem de responder a perguntas como: e daí? E os tiroteios? Como é que vai ser? Significa que estamos sós e desarmados antes, durante e depois do carnaval?

A moderada esperança nas eleições não significa abstrair problemas que não podem esperar, não só porque envolvem vidas, mas porque podem criar um terreno fértil para soluções autoritárias.

*Jornalista

De volta para o futuro - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 09/02

A história brasileira anda muito repetitiva, o que a transforma em farsa com facilidade. E não apenas pelas semelhanças desta eleição com a de 1989, de que tanto já se falou e que o senador Collor, apresentando-se como candidato, só reforçou.

Em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, todos davam o então presidente Lula morto politicamente, a ponto de o PSDB ter descartado a possibilidade de pedir o impeachment dele. Seria o segundo presidente impedido em pouco tempo, e, além do mais, era preciso evitar “um Getúlio vivo”, na definição de Fernando Henrique.

Lula, como anda fazendo agora, chegou a enviar emissários aos tucanos propondo uma negociação: não seria candidato à reeleição, desde que o deixassem terminar o mandato. Deu no que deu, Lula venceu a reeleição.

Naquele ano, seu adversário foi o governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que teve mais votos no primeiro que no segundo turno. A votação surpreendente no primeiro turno, em volta de 40%, indicava que poderia vencer a eleição pela fragilidade de Lula diante das acusações de corrupção no mensalão.

Mas Alckmin, fundador do PSDB, mas o menos tucano dos tucanos na aparência e no pensamento, cometeu erros crassos, a começar por aceitar fazer uma pausa na campanha entre o primeiro e o segundo turnos. Lula ficou tão abalado com a votação de Alckmin que sumiu de circulação por uns dias.

Na volta, o tucano desfilou com um colete cheio de logotipos de empresas estatais, para desmentir que pretendesse privatizá-las, mesmo depois do sucesso da privatização da telefonia. Hoje, Alckmin apresenta-se novamente como candidato, mas sua candidatura não deslancha, o que faz o PSDB buscar alternativa.

Fernando Henrique diz que o apresentador Luciano Huck “sempre foi muito próximo ao PSDB, o estilo dele é peessedebista. É um bom cara”. Voltamos à coincidência. Ao definir Fernando Haddad – que pode vir a ser seu substituto agora na eleição – como o candidato petista à prefeitura de São Paulo em 2012, o ex-presidente Lula disse que ele tinha sido escolhido por ter “cara de tucano” numa cidade tucana.

Deu certo na primeira vez, errado na reeleição, quando apareceu João Dória, com mais cara de tucano ainda, e levou no primeiro turno. Nem Dória nem Huck, com estilos tucanos, têm vez na disputa presidencial pelo PSDB hoje, e podem sair pela tangente, em outros partidos.

Dória pelo DEM ou mesmo PMDB – ontem ele teve uma reunião com o presidente Temer para debater a campanha presidencial – e Huck pelo PPS.

De volta ao futuro, o novo advogado de Lula, o ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence, comparou-o a Getúlio logo na sua primeira fala na nova função. Disse que perseguição igual, nem mesmo contra Getúlio. Temos aí a volta do Getúlio vivo que tanto temia Fernando Henrique há 13 anos.

A proposta atual de Lula não tem nem mesmo um começo, pois dizer-se que ele não se candidatará em troca de não ser preso é uma negociação nula. Não há jeito de Lula não ser preso, ou dentro de poucos meses ou no final do processo, mesmo que a nova jurisprudência do Supremo volte à exigência do trânsito em julgado, o que é difícil de acontecer.

Sepúlveda Pertence é velho companheiro de Lula, foi advogado do líder operário durante a ditadura, aventado como vice na primeira vez em que ele se candidatou à presidência da República. Não merece a acusação de que entrou na disputa jurídica para constranger seus antigos companheiros de STF.

Mas tem uma missão impossível pela frente: anular o julgamento do TRF-4, ou acabar com a Lei da Ficha Limpa, únicas maneiras de evitar a prisão de Lula e conseguir que ele se candidate em outubro. Para retardar a prisão, basta que o plenário do STF mude a jurisprudência sobre o início do cumprimento da pena em segunda instância, o que, se acontecer, não terá sido por influência dele.

O ministro Gilmar Mendes já anunciou que está em transição para mudar o voto, o que inverte o resultado. Mas a ministra Rosa Weber permanece uma incógnita. Ela tem seguido a maioria, a favor da prisão em segunda instância, embora tenha votado contra e continue com o mesmo pensamento. Ela tanto pode manter seu voto, como pode votar a favor da atual jurisprudência apenas para não mudar devido a um caso específico.

No caso de Lula, então, há outra coincidência com o passado. A ministra Rosa Weber teve como assessor no julgamento do mensalão ninguém menos que o juiz Sérgio Moro. E Lula, no petrolão, foi apanhado numa conversa com Jacques Wagner – que é outro possível substituto de Lula na urna eletrônica – pedindo que ele fizesse pressão sobre Rosa Weber para que tirasse seu caso de Moro. Não deu certo.

Na coluna de ontem, por erro de revisão, o nome do novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luiz Fux foi trocado pelo do ministro Ricardo Lewandowski. No blog saiu correto. Peço desculpas aos leitores e aos ministros.

Essa coluna voltará a ser publicada no dia 27. Bom Carnaval a todos.

Dou à turma da nova política e a FHC o conselho de Nelson Rodrigues aos jovens: envelheçam! - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 09/02

Se Huck for "o candidato de FHC", cria-se para o PT o segundo melhor dos cenários



É espantoso que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso esteja patrocinando a aventura Luciano Huck, ecoando essa patacoada de "nova política", que nem o sociólogo nem o presidente conseguiriam caracterizar porque um amontoado de conceitos mal digeridos, vomitados nas redes sociais por oportunistas a soldo de financiadores sem cara, candidatos de si mesmos a pensadores. Os petistas que conheço estão em êxtase com a possibilidade.

Nunca censuro a vaidade alheia. Pode-se fazê-lo por vício, não por virtude. Não se é juiz moral de um vaidoso sem que se entre numa competição com ele. Mas notem: essa minha consideração diz respeito à esfera privada. No debate público, a vaidade merece nomes mais ásperos: arrogância, prepotência, ilusão da infalibilidade.

É proverbial a dita vaidade de FHC. Nunca dei bola para essa prosa. Foi, em muitos aspectos, o presidente mais importante do país. Sua obra evidencia sua agudeza intelectual. O livro "Dependência e Desenvolvimento na América Latina" (1967), por exemplo, escrito em parceria com Enzo Faletto, evidenciou a fragilidade do aparato ideológico terceiro-mundista da Cepal (Comissão Especial para a América Latina).

Por equívoco, o título acabou integrando a lista de referências do "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano", de Plinio Apuleyo Mendoza, Alvaro Vargas Llosa e Carlos Alberto Montaner, que listam todas as ilusões das esquerdas do continente, sejam as moderadas, que os autores classificam de "vegetarianas" --prefiro chamar de "herbívoras"--, sejam as "carnívoras", para ficar ainda na sua terminologia. Houvessem lido o livro, teriam constatado que ali estava a negação dos conceitos então firmados sobre a "Teoria da Dependência".

Para o FHC já do fim da década de 60, o capitalismo poderia se realizar nos países ditos periféricos. Às economias ditas "dependentes" não estava reservado o papel de meras fornecedoras de matéria-prima e importadoras de manufaturados, com um mercado consumidor local dinâmico, mas restrito --enquanto, como disse o poeta, "a terra ficava esfaimando". Não tardou para que essa perspectiva abrisse uma outra: também a democracia era viável naquela periferia. Tratava-se de trincar um gigantesco edifício intelectual, que também era um lugar de poder nas universidades, cujo pilar era a militância anti-imperialista.

FHC operou outro rompimento importante, desta feita no terreno da disputa pelo poder. Quando candidato do Plano Real à Presidência, em 1994, buscou o apoio da "velha política", encarnada pelo PFL, para fazer as reformas modernizadoras que a esquerda e a centro-esquerda se recusavam a apoiar. E as fez. É esse líder a surgir como a mão que balança o berço em que Huck balbucia infantilismos sobre política?

Notaram a armadilha? Lula não vai disputar a eleição porque impedido pela Justiça. Mas estará na urna na figura de um ungido seu. Se Huck, o "homem da Globo" (na linguagem de seus adversários, não inteiramente fantasiosa), for "o candidato de FHC" --e essa marca já está estampada nele; não sai mais--, cria-se para o PT o segundo melhor dos cenários, já que Lula, potencial vitorioso, seria o primeiro. É estupefaciente que, em nome da "nova política", ele atue para reeditar um velho pacto de duelistas.

Surpreende? Há meros oito meses, o tucano defendeu a antecipação das eleições presidenciais, proposta que, se tornada realidade, rasgaria a Constituição e nos poria à beira do indeterminado. Que teoria a iluminava? Nenhuma! Era a "vanitas" a serviço da própria voz, que ecoava, no entanto, vozes bem mais poderosas. Refiro-me aos veículos do Grupo Globo, que abraçaram, como ordem unida, o "Fora, Temer". Loucura, loucura, loucura!

É ruim perder a noção de limites. O Brasil não merece um novo confronto entre Lula e FHC, ambos como candidatos virtuais, com seus respectivos bonecos de ventríloquo.

Darei a essa turma da "nova política" o conselho que Nelson Rodrigues deu aos jovens: "Envelheçam!" Soa um tanto ridículo ter de dizer o mesmo a FHC. Mas é necessário.

Previdência e justiça social - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 09/02

Sem a reforma, os pobres é que continuarão a ser, pois já são, os mais prejudicados


O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), não está sozinho – o que não quer dizer que esteja certo – quando diz que não aceitará uma reforma da Previdência que “prejudique aqueles com menos condições”. Esse argumento tem sido usado com frequência por todos os que dizem falar em nome dos interesses do “povo” para caracterizar a reforma da Previdência como uma ameaça aos direitos dos trabalhadores em geral, particularmente dos mais pobres. De acordo com essa visão, o ajuste das contas públicas, em que a reforma previdenciária desempenha papel fundamental, não pode ser pago à custa das condições mínimas de bem-estar dos que estão na base da pirâmide socioeconômica, ameaçadas, segundo se alardeia, pela mudança das regras de aposentadoria.

Há nisso uma grande dose de oportunismo eleitoreiro, que alimenta a desinformação, criando ambiente favorável para o triunfo da demagogia. Nem se discute que toda política pública deve, sempre que possível, beneficiar os desvalidos. Se alguma medida os prejudica em vez de protegê-los, é claro que deve ser rejeitada pelos brasileiros de bom senso. Fosse esse o caso da proposta de reforma da Previdência, não há dúvida de que teria de ser prontamente rechaçada.

A reforma da Previdência, contudo, é o exato oposto do que dizem seus detratores. Sem ela, os pobres é que continuarão a ser, pois já são, os mais prejudicados, a começar pelo fato de que a manutenção das regras atuais significaria a preservação de uma situação de profunda injustiça social.

O estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria, que os adversários da reforma veem como um dos aspectos mais perversos da proposta, é na verdade um modo de reduzir privilégios de quem acumula recursos em desfavor de quem tem menos.

Hoje, a maioria absoluta dos pobres só consegue se aposentar por idade – 65 anos para homens e 60 para mulheres, com ao menos 15 anos de contribuição –, pois não foi capaz de contribuir para a Previdência pelo período regulamentar – 30 anos para mulheres e 35 anos para homens – para se aposentar por tempo de contribuição. E isso acontece porque em geral esse trabalhador está na informalidade, convive com desemprego crônico e não tem condições de reservar parte de seus ganhos para o sistema previdenciário. Logo, só lhe resta esperar pela idade mínima para reivindicar a aposentadoria.

Já os brasileiros das classes média e alta em geral contribuem para a Previdência desde cedo, sofrem bem menos com o desemprego e, assim, conseguem se aposentar por tempo de contribuição, muitas vezes antes de completar 50 anos de idade, se além de tudo tiverem a sorte de pertencer a uma das tantas categorias profissionais consideradas merecedoras de vantagens.

Assim, a mudança da regra de idade mínima, submetendo todos os brasileiros a um piso igual, não mudaria em nada a realidade dos mais pobres, mas realizaria parte da tão almejada justiça social. De uma hora para outra, deixariam de existir brasileiros de primeira e de segunda classe no que diz respeito à Previdência.

O tratamento isonômico no sistema previdenciário deveria ser a grande bandeira dos movimentos que se dizem preocupados com a desigualdade social. Mas estes, como se sabe, estão mais ocupados com a defesa dos interesses de funcionários públicos, que, por razões óbvias, não pretendem abrir mão das benesses acumuladas em décadas de populismo às expensas dos cofres públicos.

Em vez de ser “a maior rede de proteção social do mundo”, como a qualificou o senador Eunício Oliveira, a Previdência se tornou fator de concentração de renda para alguns. Isso só começará a mudar quando os critérios de distribuição dos recursos do sistema previdenciário não fizerem mais distinções determinadas pelo poder dos lobbies.

É preciso entender, portanto, que a reforma da Previdência não é somente uma medida destinada a sanear as contas públicas. Serve antes de tudo como forma de respeitar o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei.

Falta complementar o profundo corte nos juros - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 09/02
Cortar a Selic de dois dígitos para 6,75%, nível observado apenas na década de 50, é uma façanha, mas tudo se perderá caso o Congresso não faça a reforma da Previdência

Parece contraditório o Banco Central, por meio do Conselho de Política Monetária (Copom), executar o 11º corte consecutivo na taxa básica de juros enquanto os mercados mundiais parecem entrar numa fase de volatilidade.

Há, porém, bases firmes para o corte de 0,25 ponto percentual dos juros, fixando-os em 6,75%, nível comparável ao da década de 50. A economia brasileira tinha uma outra conformação. Mas é mesmo um feito.

Em 11 de janeiro do ano passado, a taxa era de 13%. A conjugação da confiança dos agentes do mercado no BC com uma calmaria nos preços dos alimentos, causada por boas safras, e a quebra da chamada inércia inflacionária, derivada da indexação — o preço sobe hoje porque subiu ontem — forçada pela profunda recessão de 2015/16 permitiram ao Copom fazer este corte profundo nos juros, sem maiores riscos.

Juros baixos são o objetivo de todas as correntes políticas. As divergências ocorrem sobre os meios de alcançá-los. O país testemunhou o voluntarismo lulopetista durante o governo de Dilma Rousseff, quando, por ato de vontade da presidente, sem que houvesse condições técnicas objetivas para a derrubada da taxa, a Selic saiu de pouco mais de 12% para 7,25%.

Não deu certo, por óbvio. A inflação saltou de patamar, ficou na faixa do limite superior da meta (6,25%) e terminou de volta aos dois dígitos. O BC da época, de Alexandre Tombini, foi forçado a puxar os juros até 14,25%.

Agora, há uma chance de ouro de que mais algum corte venha a ser feito ou, na pior hipótese, a Selic não se afaste muito deste nível — o mercado aposta em 8% no final do ano, segundo o relatório Focus, do BC, feito com base em previsões de analistas do mercado financeiro. Há a possibilidade rara de a recuperação da economia ocorrer em bases sustentáveis.

As expectativas quanto à inflação são benignas (4,25%, abaixo do centro da meta, de 4,5%). E o próprio BC admite uma “flexibilização monetária moderada adicional”, a depender do cenário e dos riscos. Ou seja, se, ao contrário das previsões negativas atuais, a reforma da Previdência for mesmo iniciada na Câmara, que já adiou a data limite da aprovação das mudanças de 20 para o dia 28 deste mês, a fim de o governo conseguir o apoio mínimo necessário de 308 deputados.

Poucas vezes ficou tão nítida a dependência da economia em relação à política. Houve avanços no governo Temer que ajudaram a construir este ensaio de recuperação da economia, com inflação baixa para os padrões brasileiros.

A reforma trabalhista, para flexibilizar as relações entre capital e trabalho, foi um deles. O teto dos gastos, para dar horizontes às contas públicas, outro. Mas, se não desarmar a bomba fiscal da Previdência, o Brasil não irá longe sem grave crise. Não chega a 2020.

Para quem o juro cai - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 09/02

Melhora não se reflete por inteiro no crédito a empresas e consumidores

Numa decisão esperada, o Banco Central reduziu sua taxa, a Selic, de 7% para 6,75% ao ano, o menor patamar de uma história de juros nacionais exorbitantes.

Salvo surpresas positivas, como a aprovação da reforma da Previdência Social nas próximas semanas, o mais provável é que se interrompa por algum tempo o longo ciclo de queda da Selic, iniciado em outubro de 2016.

Está em jogo agora por quanto tempo os juros permanecerão em níveis mais civilizados —e em que medida o abrandamento monetário chegará ao crédito concedido a consumidores e empresas.

Quanto ao primeiro ponto, tudo dependerá da inflação. A situação atual se mostra favorável: o IPCA de janeiro, de 0,29%, foi historicamente baixo para o mês. Em 12 meses, a alta acumulada dos preços não passa de 2,86%, bastante abaixo da meta oficial de 4,5%.

Com a expectativa de uma boa safra agrícola, repetindo o resultado do ano passado, e o desemprego ainda elevado, não se vê maior risco de repique neste ano. As projeções de analistas rondam os 3,9%.

Mesmo nesse quadro aparentemente tranquilo, o BC faz bem em indicar certa prudência no momento. Restam incertezas de ordem política, que vão do andamento da agenda de ajustes orçamentários às eleições presidenciais.

Tendo em vista, ademais, que a retomada econômica dá sinais mais alentadores e que a meta de inflação será cadente nos próximos anos —para 4,25% em 2019 e 4% em 2020, respectivamente—, convém aguardar o efeito dos cortes já promovidos nos juros antes de tomar novas decisões.

Há muito a fazer, enquanto isso, para reduzir o custo do dinheiro para o setor privado. As taxas ainda são abusivas e controladas por poucos bancos. Reformas institucionais que aumentem a competição, como o cadastro positivo, devem ser aceleradas.

O principal desafio, porém, será manter juros reais (descontada a inflação) inferiores a 3% de forma perene, o que depende de progressos em várias áreas, sobretudo na recuperação da saúde orçamentária do Estado, que mal se iniciou.

Os juros e a reforma travada - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 09/02

A redução dos juros é excelente notícia, mas deve ser a última do ciclo, exceto se ocorrer alguma novidade, como um avanço na política de ajustes e reformas


Consumidores e empresários puderam celebrar duas excelentes notícias em menos de 12 horas: o corte de juros para um mínimo histórico, 6,75%, e um novo recuo da inflação, desta vez para 2,86% em 12 meses. Mas a redução de juros, a 11.ª consecutiva desde o fim de 2016, deve ser a última do ciclo, exceto se ocorrer alguma novidade muito importante. Essa novidade poderia ser, com certeza, um avanço na política de ajustes e reformas. Sem o detalhe negativo, a comemoração poderia ter sido muito mais afinada com a fase pré-carnavalesca. As boas novidades somaram-se a outros sinais positivos acumulados nas últimas semanas, como os 2,5% de aumento da produção industrial no ano passado, a redução do desemprego para 11,8% no fim de 2017 e o superávit comercial de US$ 2,77 bilhões em janeiro, um recorde para o mês. Como complemento, a alta de preços deve continuar moderada em 2018 e 2019, segundo as projeções correntes no mercado e nos escritórios do governo.

A nova diminuição da taxa básica de juros, a Selic, era dada como garantida pela maioria dos economistas do mercado e das principais consultorias. No texto distribuído logo depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o corte foi justificado com detalhes suficientes e previsíveis. O comunicado mencionou os dados econômicos positivos, citou a perspectiva de inflação contida neste ano e no próximo e reafirmou a conveniência de manter uma “política monetária estimulativa”. Até aí, tudo de acordo com os padrões já habituais. E depois?

O anúncio da provável interrupção do corte de juros veio com muito menos explicações, embora fosse a única informação com alguma aparência de novidade. Afinal, a conjuntura só prescreve a política estimulativa até este ponto, embora as pressões inflacionárias permaneçam fracas e o crescimento econômico tenha apenas começado? Não há resposta direta a essa pergunta. Mas há uma resposta indireta, revestida muito diplomaticamente com a linguagem tradicional dos comunicados de bancos centrais.

Por enquanto, o cenário básico aconselha, segundo o comunicado, interromper na próxima reunião do Copom “o processo de flexibilização monetária”. Mas a decisão poderá ser diferente, com novo corte de juros, “caso haja mudanças na evolução do cenário básico e do balanço de riscos”. Os próximos passos continuarão dependendo da evolução da atividade, do balanço de riscos, de uma reestimativa da extensão do ciclo e das projeções e expectativas de inflação.

Que fatores, concretamente, poderão produzir qualquer dessas mudanças? Uma piora das condições externas poderá gerar pressões cambiais e inflacionárias, como já foi indicado em muitos comunicados do Copom e repetido no último texto. Dados de inflação melhores que os previstos poderão abrir espaço para maior afrouxamento da política monetária. Um avanço na política de ajustes, com a aprovação da reforma da Previdência, permitirá retomar a aposta na consolidação das finanças públicas.

A incerteza quanto a essa reforma se agravou nas últimas semanas. Durante muito tempo o Copom indicou em seus documentos algum otimismo quanto à realização dos ajustes. Desta vez, o comunicado trouxe a repetição da advertência: “Uma frustração das expectativas sobre a continuidade das reformas e ajustes necessários (...) pode afetar prêmios de risco e elevar a trajetória da inflação no horizonte relevante para a política monetária”. Além disso, o documento enfatiza, mais uma vez, a importância desse processo para a baixa da taxa de juros estrutural.

Fundamentos sólidos, garantidos por ajustes e reformas, proporcionam a melhor defesa contra choques externos, além de ser indispensáveis para o crescimento seguro. Nisto se inclui, naturalmente, a sustentabilidade das finanças públicas. Nenhum desses temas envolve desafios menores e providências adiáveis. A turbulência financeira do começo da semana poderia ter sido um alerta para políticos atentos, menos provincianos e razoavelmente responsáveis. Esses, pelo menos, devem ser capazes de entender o alerta do Copom.