quarta-feira, setembro 30, 2015

Impeachment à vista - ROSÂNGELA BITTAR

VALOR ECONÔMICO - 30/09

Tudo o que a presidente Dilma Rousseff pensa, a forma como age, negocia, formula, discute, representa, tem no horizonte o impeachment. Conquistar maioria, reter a base, agradar às inúmeras correntes do PMDB, punir o vice-presidente que acredita estar secando o seu lugar, tudo, tudo, tudo.

Nada tem a ver com a derrubada de vetos que impôs a despesas criadas pelo Congresso para o orçamento deficitário da União, nem à necessidade de aprovar a PEC da DRU, siglas arrecadatórias; sequer a ver com veleidade de aprovar a desaprovável e odiosa CPMF, ou ameaçar o PMDB com sangria na migração para o partido de Gilberto Kassab, aquele que nunca chega perto de cumprir a missão pela qual veio ao governo, criar um partidão de apoio a Dilma tirando filiados do PMDB.

Tudo isto Dilma e seus coordenadores políticos estão fazendo, mas sabem que os vetos não serão derrubados, e a CPMF não será aprovada.

Aproveitando as concessões na reforma ministerial que nunca conclui, para manter acesa a chama da barganha e aproveitamento máximo de uma dádiva em diferentes negócios, os coordenadores políticos do governo e a presidente ganham tempo.

Para enxergar melhor o que interessa e ela não tem controle, não tem ideia de como se dará, e por isso faz o jogo no escuro.

Seu problema é o impeachment e esse está nas mãos de José Sarney, Renan Calheiros, Leonardo Picciani e Eduardo Cunha. O impeachment é possível.

A crise econômica, política e moral vai demorar muito tempo em cartaz; o impeachment, se é que se pode tratá-lo de forma independente, deve correr em paralelo e rapidamente.

O veredito que definirá a sorte presidencial é o do Tribunal de Contas da União e não o do Tribunal Superior Eleitoral, segundo avaliam experientes políticos ligados ao judiciário. O TSE, tão cedo, não julgará a ação contra Dilma. Imagina-se que ficará anos no TSE, sem possibilidade de prosperar, só com protelações, recursos, pedidos de vista.

É um processo cheio de nuances, investigação, prazos, difícil crer que por aí avance de forma a se tornar realidade.

A manifestação do Tribunal de Contas da União, ao contrário, é a que tem a força, o poder de fazer algo acontecer. O governo sabe disso, por isso empurrou o processo até agora, pediu prorrogação de prazo, dois ministros do governo passaram a se dedicar integralmente à argumentação com o tribunal, Luís Inácio Adams e Nelson Barbosa, em intermináveis périplos entre o TCU, o Congresso e seus gabinetes, onde tiveram encontros com integrantes decisivos da corte de contas.

O governo não se deu por achado e fez uma defesa sem argumentação de nível para justificar o erro. Pedalou despesas, sim, mas todos fizeram e ainda fazem isso. É como o PT se defende em tudo, jogando para cima dos outros a prática do erro. A pedalada, porém, não é questão fundamental na análise do TCU. Essa transgressão há muito deixou de fazer parte do conjunto de práticas que podem dar razão à desaprovação das contas da presidente.

Há um conjunto de ações e omissões às quais o TCU atribui maior gravidade, como explica um ministro: "Dilma seria obrigada a contingenciar as despesas para obter a meta prevista em lei, e ela não só não contingenciou como editou decreto ampliando os gastos". Isso seria infinitamente mais grave que a pedalada.

Foi para responder a essas questões que o governo pediu ao TCU mais prazos, todos já esgotados.

Portanto, a possibilidade do impeachment está concentrada no TCU e no PMDB, em equação simples. O PMDB tem três ministros fechados com o partido no Tribunal, Raimundo Carrero (de Sarney), Vital do Rego e Bruno Dantas (de Renan). Se eles aprovarem as contas, o impeachment não vai adiante no Congresso porque os ministros já terão votado em acordo com o partido, como se espera.

Segundo o entendimento geral e a constituição, além do bom senso na avaliação dessas relações, o TCU é um órgão de assessoria do Legislativo. A posição desses ministros vai definir a posição do PMDB. Caso votem pela rejeição das contas, elas serão rejeitadas no Congresso pelo PMDB, e o impeachment será inexorável. É o que correntes substantivas de dois partidos governistas e um de oposição incluem em sua análise do processo. Quanto a Picciani, é o líder que encaminhou os pleitos dos que vão votar o impeachment e coordena a bancada. Os benefícios podem reduzir os votos favoráveis. Eduardo Cunha é quem acolhe o processo.

Se a posição dos ministros ligados aos senadores for, porém, contrária à rejeição, aprovando as contas, o impeachment se perdeu por esta vez. Até que apareçam outros fatos que justifiquem o movimento, instigados pela sociedade, que está claramente a favor do afastamento e não fala outra coisa com os políticos a não ser isso. Abordados na rua, em restaurantes, em cinemas, lhes pedem para tirar a presidente e acham que, se sair, ela já vai tarde.

O manifesto da Fundação Perseu Abramo e de acadêmicos amigos do PT abriu mais uma avenida para que o partido faça o teste das suas chances de recuperar-se como projeto político até 2018. São muitas as picadas abertas com a expectativa de que, se alguma colar, colou. Nenhum partido, e especialmente o PT, sabe o que o eleitorado vai querer ouvir na próxima campanha eleitoral. O risco é tudo soar como mentira, dado o trauma da última.

No momento, ninguém sabe o que dizer, mas no PT já há vários testes em curso: o do descolamento da cúpula, petistas e aliados, da incompetência da presidente Dilma Rousseff, fazendo-lhe oposição ou a quem vier substituí-la; o teste de preservação de alguns nomes fora da rede de denúncias, como o de Jaques Wagner, por exemplo, ministro da Defesa, para assumirem a liderança de campanha caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se veja impedido. Há o teste de defesa da política econômica para recuperar o país para o sucessor de Dilma, caso mantenham o comando. E há o teste de ataque à política econômica, esse de agora, da academia petista.

Com a fórmula mais aceita o PT marchará. Por enquanto, o partido é um grupo poderoso identificado com a corrupção, a incompetência administrativa, o aparelhamento do Estado.

PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA 30/09

07h00 - WTCC: etapa da China - FOX SPORTS2 (VT)

08h30 - Copa do Mundo de Natação: etapa da China - SPORTV2

10h15 - MX GP: etapa da França - FOX SPORTS2 (VT)

12h00 - Campeonato Europeu de Vôlei Feminino: partida não informada - 
ESPN+

15h00 - Campeonato Europeu de Vôlei Feminino: partida não informada - ESPN+

15h45 - Liga dos Campeões da UEFA: Malmo x Real Madrid - BAND, EI MAXX2 e GLOBOESPORTE.COM (Internet)

15h45 - Liga dos Campeões da UEFA: Shakhtar Donetsk x Paris Saint Germain - EI MAXX

15h45 - Liga dos Campeões da UEFA: Juventus x Sevilla - EI PLUS (Internet)

15h45 - Liga dos Campeões da UEFA: Manchester United x Wolfsburg - EI PLUS (Internet)

15h45 - Liga dos Campeões da UEFA: Atlético de Madrid x Benfica - EI PLUS (Internet)

15h45 - Liga dos Campeões da UEFA: Borussia Monchengladbach x Manchester City - EI PLUS (Internet)

15h45 - Liga dos Campeões da UEFA: CSKA Moscou x PSV Eindhoven - EI PLUS (Internet)

15h45 - Liga dos Campeões da UEFA: Astana x Galatasaray - EI PLUS (Internet)

16h00 - Sul-Americano de Vôlei Masculino: Chile x Venezuela - SPORTV2

19h00 - Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino: Rio Preto x Flamengo - TV BRASIL

19h00 - Sul-Americano de Vôlei Masculino: Brasil x Peru - SPORTV

19h45 - Copa Sul-Americana: LDU x River Plate - SPORTV2

20h00 - Liga Sul-Americana de Basquete Masculino: Trouville x Mogi das Cruzes - SPORTV3

20h00 - MLB: Pittsburgh Pirates x Saint Louis Cardinals - ESPN+

22h00 - Futebol, Copa do Brasil: Palmeiras x Internacional - GLOBO (SP, RS, PR - menos Curitiba -, MG - Uberlândia e Ituiutaba -, GO, TO, BA, RN, PA - menos Santarém -, e MA), BAND (SP e parte da rede), SPORTV e ESPN BRASIL

22h00 - Copa do Brasil: Grêmio x Fluminense - GLOBO (RJ, SC, MG - menos Uberlândia e Ituiutaba , ES, MS, MT, SE, AL, PB, CE, PI, PA - Santarém -, AM, RO, AC, RR, AP e DF), BAND (RJ e parte da rede), SPORTV2 e ESPN

22h00 - Copa do Brasil: Vasco x São Paulo - FOX SPORTS

22h00 - Copa Sul-Americana: Brasília x Atlético/PR - RPC (Curitiba)

22h10 - Copa Sul-Americana: Huracán x Sport - GLOBO NORDESTE (PE), SPORTV3 e FOX SPORTS2

23h00 - MLB: San Francisco Giants x Los Angeles Dodgers - ESPN+

03h00 - Aberto Amador de Golfe do Pacífico/Asiático: primeira rodada - ESPN+

Raciocínios e contradições - SACHA CALMON

ESTADO DE MINAS - 30/09

Houve um tempo - enganoso, por sinal -, em que o PT fez três coisas de efeitos efêmeros, porém fatais para a economia: 
a) aumento do gasto público nos programas sociais, tipo Bolsa-Família e assentamentos do MST, financiamentos ao consumo de bens duráveis (crédito) e ao setor privado, inclusive no exterior, Minha casa, minha vida, PACs, transposições de rios, Copa do Mundo, Olimpíada et caterva, usando o Tesouro, o BNDES, o FGTS, o FAT e outros fundos além dos de pensão. O Postalis está falido por causa de aplicações na Venezuela, crime de lesa-pátria; 
b) aumentos ao funcionalismo e aos trabalhadores acima não apenas da inflação, mas da produtividade do trabalho, onerando as empresas e os preços dos bens finais; 
c) aumento descontrolado da dívida pública, duplicando-a a ponto de estarmos beirando o volume de 70% do PIB, rolada a juros nominais (14,25%) e reais bem maiores, tipo bola de neve, ou melhor, bomba mesmo, mas sem efeitos retardados. É para 2016.

Pois bem, agora no meio da recessão, esse governo faz um ajuste que não diminui o tamanho do Estado nem o seu custo, nem sequer muda a fórmula inflacionária do salário mínimo nem as participações do governo e suas instrumentalidades em concessões. Resume-se a contingenciar despesas, aumentar impostos e negar reajustes a pensionistas, aposentados e carreiras de Estado fundamentais: auditores da Receita, Polícia Federal, Advocacia-Geral da União e procuradores da Fazenda Nacional, cujos ganhos já foram corroídos pela inflação dos últimos 24 meses.

Quem te viu e quem te vê, diria o crítico lusitano. Qualquer movimento do Congresso é tachado de impatriótico e logo se faz a conta. Vai custar mundos e fundos (terrorismo político cínico). Para o PT e a base aliada, não faltou dinheiro. Saquearam e sucatearam o Estado, a Petrobras e a infraestrutura do país. Deviam estar presos em vez de nos governar.

Nelson Barbosa, ministro do Planejamento, reforçou a defesa do ajuste fiscal: "A PEC 443 é incompatível com a situação econômica do país. Somos contra", disse ao Valor. Ele considerou uma distorção tratar de política de reajuste de salários para um segmento do funcionalismo na Constituição, condenou a vinculação de salários e ressaltou que as questões salariais da União, responsabilidade de sua pasta, estão sendo negociadas. Cálculos do Planejamento indicam que apenas a PEC 443 produz um gasto adicional de R$ 2,45 bilhões por ano. Considerando as outras PECs em tramitação, que tratam de salários do funcionalismo, o impacto sobe para R$ 9,85 bilhões por ano.

Agora vejam só! Somente com os swaps cambiais para "segurar" o dólar, uma estupidez, o governo gasta à vontade e nada se diz. O Valor esquadrinhou o assunto. Se contarmos o que se paga de juros, a conta não vai fechar nunca. Foi nisso que deu eleger o lulopetismo, os Kirchner e os Maduros, ou seja, a "esquerda": "As perdas acumuladas pelo Banco Central (BC) com intervenções no mercado de câmbio já alcançam R$ 57,04 bilhões em junho, muito mais do que os aumentos votados no Congresso. O prejuízo foi provocado pelos contratos de swap cambial, instrumento derivativo oferecido pelo BC ao mercado. Nesses contratos, a autoridade monetária assume o risco da variação da taxa de câmbio e o comprador do contrato no mercado fica com o risco da variação da taxa de juros em um mesmo período. Apenas em julho, esses contratos deram prejuízo contábil de R$ 23,906 bilhões por causa da valorização do dólar em relação ao real. Como essa tendência se acentuou nos últimos dias, as perdas devem aumentar. Até outubro, orçam 100 bilhões".

O BC adotou a política de swaps cambiais em agosto de 2013. O objetivo era oferecer proteção ao mercado (hedge) diante da valorização mundial do dólar. Desde maio, o BC vem reduzindo a rolagem dos contratos, mas ainda existe um estoque de US$ 102 bilhões no mercado. Nas contas do governo central, a perda contábil do BC com swaps é registrada como despesa com juros, o que aumenta o desafio na área fiscal.

Durma-se com um ajuste desse. Sacrifica as pessoas e faz mimos aos rentistas internacionais. A alta do dólar é até salutar a médio e longo prazo. Acaba com os convescotes de brasileiros das classes A e B, compradores compulsivos de coisas úteis e inúteis no exterior, estimula a compra de ativos nacionais, o investimento da poupança externa e o turismo internacional. Além disso, fortalece as exportações e a substituição das importações. É ruim para quem se endividou em dólar (bancos e empresas grandes), geralmente protegido por hedge. Os especuladores que se danem.

Além do mais, a proposta de ajuste fiscal é restrita a 2016. E depois? O Brasil quer uma macroeconomia de longo prazo com metas definidas, mormente a redução do tamanho do Estado e de suas despesas (50%), além de privatizações.

*Advogado, coordenador da especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e da UFRJ

O modelo errado - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30/09

O Brasil vive uma crise profunda, desnecessária e evitável. Não deveria estar agora em pleno retrocesso, vivendo com medo da inflação de dois dígitos, da disparada do dólar, do desemprego que chegou em agosto a 8,6% e corre o risco de continuar subindo. O pântano em que estamos foi provocado por barbeiragem do governo. Não é um modelo que se esgotou, é uma proposta errada que cobra seu preço.

O governo atacou o edifício que o Brasil construiu por anos de ajustes e reordenações monetárias e fiscais. O país perdeu parte do terreno conquistado e desperdiçou o excelente - e finito - momento de alta das commodities. Tudo jogava a favor do PT quando ele assumiu: a herança recebida da estabilização da moeda e o salto nos preços dos produtos que o Brasil exporta. O governo perdeu esse patrimônio por incompetência.

A presidente Dilma diz hoje que o modelo instalado após a crise internacional de 2008, para evitar que o Brasil fosse atingido, esgotou- se. Isso não corresponde aos fatos. Em 2005, ela fulminou a proposta de permanecer ajustando os gastos públicos para chegar ao déficit nominal zero. Disse à equipe que fez a proposta que era preciso "combinar com os russos" e que aquela ideia era "rudimentar".

Portanto, a opção pelo gasto descontrolado, sem buscar a âncora fiscal, foi tomada por Dilma Rousseff no governo de Lula da Silva, quando ela se instalou na Casa Civil. Esse modelo Dilma- Lula faz 10 anos. Foi ele que quebrou o Brasil, fez o país perder o grau de investimento e provoca hoje uma disparada do dólar.

O que aconteceu no Brasil nos últimos 13 anos tem que ser entendido em duas fases. Na primeira, o PT se cercou de bons economistas e seguiu a lógica da política econômica que recebeu. Não o fez por crença, mas por medo do descontrole que se prenunciava nos tremores com que o mercado recebia a notícia da vitória de um candidato que dizia que mudaria tudo quando assumisse. Ele não mudou inicialmente, e o Brasil avançou.

A partir de 2005, o governo começou a mudar paulatinamente a política econômica. Mesmo assim, os efeitos positivos de 10 anos de ajuste nas contas públicas e austeridade monetária levaram o país a atingir o grau de investimento. O governo petista foi ajudado enormemente pela China, com a forte demanda por commodities. Nesse boom, o Banco Central fez a opção certa de acumular reservas. Apesar do custo de carregamento dessas reservas, foi importante tê- las em vários momentos, como agora.

Mas, naquele momento de prosperidade, em que o Brasil estava atraindo investimento, era hora de dar um salto. O "modelo", como Dilma define agora, foi o de aumentar os gastos, elevar a dívida, criar barreiras ilegais ao comércio externo, transferir R$ 500 bilhões para que o BNDES pudesse presentear os empresários com dinheiro público. A cartilha é esta mesmo. O PT acredita nisso, tanto que agora economistas do partido defendem a volta do que vigorou até a última eleição. Mesmo depois de quebrarem o país, não se dão conta do que fizeram. Culpam o magro e hesitante ajuste fiscal, que está sendo tentado pelos problemas que o Brasil vive; confundem o antibiótico com a infecção que sua política provocou.

O ambiente está tenso no Brasil. As empresas e as famílias temem os desdobramentos da conjuntura. A cada dia surgem novos dados ruins, como o déficit primário de agosto e o desemprego, que saíram ontem. A presidente está focada em como se manter no cargo, da mesma forma que na campanha sua preocupação era ganhar e não em como governar.

Dilma continua criando ficções para explicar seu péssimo desempenho. Diz que teve que fazer correções de preço, e não admite que foi ela, para seu proveito eleitoral, que manteve, com medidas artificiais, a tarifa de energia. Logo depois de fechadas as urnas, o país passou a viver um tarifaço. Diz que o modelo adotado para fugir da crise externa se esgotou e por isso está fazendo um ajuste para depois crescer. O país sabe que não foi isso. Ela adotou a política na qual ela e seu partido acreditam, quebrou o país, mas escondeu o resultado com truques eleitoreiros. A presidente não sabe ainda como corrigir o estrago que suas decisões provocaram. Quis tanto o poder e a reeleição e não tem rumo a dar ao seu governo. O Brasil não merecia estar passando por esta crise.


GOSTOSA


Trapaças e violações éticas - TOSTÃO

O TEMPO - 30/09/15

No sábado, li duas ótimas colunas na “Folha de S.Paulo”, que tinham relação uma com a outra. Uma, no caderno de esportes, escrita por Mariliz Pereira Jorge, com o título “Jogo perdido”. Ela contou que os sites esportivos pareciam páginas policiais, com notícias de inquéritos, investigações, bloqueios de bens, pedidos de falência. E terminou: “Fica a impressão de que qualquer tentativa de moralização do futebol seja um jogo proibido”.

Na outra coluna, no caderno Ilustrada, com o título “Licença esportiva”, o escritor cubano Leonardo Padura deu exemplos atuais, um com a participação de Cristiano Ronaldo, sobre como atletas usam de trapaças para levar vantagem. E completou: “Será que os esportistas, profissionais ou amadores, multimilionários ou pobres, têm licença especial para violar as regras éticas mais elementares?”

As trapaças durante as partidas sempre existiram. As simulações denegriram a imagem do jogador brasileiro. No passado, eram mais aceitas, como se fossem uma esperteza, uma qualidade técnica. Mas é preciso separar as deslealdades de jogo dos crimes planejados, como doping e outros.

Os atletas em campo poderiam argumentar que, no impulso, na emoção do jogo, no instante do lance, na ambição do sucesso, sem pensar nem racionalizar, muitas vezes, colocam à frente dos valores éticos seus diabólicos desejos, presentes nas profundezas da alma. Seria humano, mas não é motivo para não serem criticados ou punidos. Somos responsáveis por nossas condutas na vida.

Evolução. Na coluna anterior, escrevi que, entre tantos fatores, a colocação dos times na tabela, neste momento do Brasileirão, reflete, principalmente, a qualidade dos jogadores. Evidentemente, eles atuam melhor quando jogam em times com bom conjunto, mas o coletivo, com pouco talento, não basta. Por isso, equipes como Sport e Atlético-PR, mesmo muito bem dirigidas, não conseguiram se manter entre os primeiros colocados no torneio.

O Palmeiras, no gol do São Paulo, repetiu o erro do Santos, contra o Corinthians, de avançar a marcação e de deixar enormes espaços no meio-campo, já que os zagueiros continuavam muito atrás. Dunga, no programa “Bem Amigos”, do SporTV, falou sobre isso, ao comparar a maneira de jogar, em pequenos espaços, dos europeus com os enormes espaços de vários times brasileiros. Não citou nomes.

Os treinadores brasileiros, durante um longo tempo, adoravam jogar com os zagueiros encostados à grande área, fazer marcação individual, como o Inter fez em Lucas Lima, do Santos, priorizar os chutões e as bolas longas, como se trocar passes fosse sinônimo de lentidão, escalar três volantes (um para proteger os zagueiros e mais um de cada lado, para fazer a proteção dos laterais) e dezenas de outras mediocridades dentro de campo.

Isso tem mudado. Os volantes melhoraram o passe e têm sido elogiados. Mas ainda falta, mesmo nos volantes da seleção brasileira, o passe mais rápido (dominou e passou), para a frente (quando for possível), de uma intermediária à outra, para a bola chegar aos companheiros antes da antecipação dos defensores. Isso pode ser treinado e aprendido.

Gols perdidos

Apesar de ser um jogador comum, sem brilho, com pouca mobilidade, o argentino Ariel Cabral mostra uma qualidade, que deveria ser óbvia, obrigatória, em um jogador que tem a função de atuar no meio-campo, que é ter bom passe, mesmo que não seja especial. Isso é importante, pois mantém a posse de bola da sua equipe contra os adversários. Além disso, ele compreendeu as orientações de Mano Menezes, de que precisa marcar como um volante, pela esquerda, e avançar como um meia. Quanto a Allano, por mais que eu tenha boa vontade em observá-lo no campo, ainda não consegui ver nele condições para jogar no Cruzeiro. Apenas corre.

O Atlético, com vários gols perdidos contra o Joinville, lanterna do Campeonato Brasileiro, facilitou o caminho do título do Corinthians, a não ser que tenha uma série grande de seguidas vitórias de agora em diante na competição.

Relações verticalizadas - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 30/09

PODER E STATUS
Três anos atrás, fui a Brasília receber a Ordem do Mérito Cultural. Eram entre 30 e 40 agraciados de diversas regiões do país. Chegando ao hotel, soube da programação: a entrega da comenda seria na manhã seguinte, no Palácio do Planalto, e à tardinha haveria um coquetel no Palácio da Alvorada. Fomos avisados de que cada um de nós teria um carro com motorista à disposição enquanto estivéssemos na cidade.

O dia amanheceu. Enquanto me arrumava para a cerimônia, fui até a sacada do quarto e vi uma fila de sedans pretos enfileirados na porta do hotel. Desci até o lobby para juntar-me ao grupo. Então, em fila, fomos conduzidos cada um para um carro, e saímos em comitiva, todos ao mesmo tempo, para o mesmo local. Patético, pra dizer o mínimo.

Não estou depreciando a honraria concedida, da qual me orgulho muito, mas óbvio que tinha algo errado ali, como sempre teve.

Na Suécia, deputados moram de segunda a sexta em apartamentos funcionais de 40m2 com lavanderia comunitária. Não têm empregados. Seus gabinetes de trabalho possuem 18m2, sem secretária, assessor ou carro com motorista. O dinheiro do contribuinte não é usado para privilégios de qualquer espécie. Além do bom uso do dinheiro público, essa postura é um seletor natural: quem quer mordomia, que bata em outra vizinhança. Entra para a política apenas aquele que deseja servir ao país, e não ser servido por ele.

O papa Francisco, dias atrás, circulou por Washington a bordo de um automóvel compacto e popular, um gesto simples que ajudou a redefinir o que é poder. Todos nós merecemos eficiência e conforto. Buscar mais que isso não é crime, mas é uma necessidade supérflua. Moramos em apartamentos mais espaçosos do que de fato precisamos, contratamos funcionários para fazer o que poderíamos fazer nós mesmos e dirigimos veículos cuja potência a lei nem permite testar (qual a vantagem de um carro ir de 0 a 100 km/h em cinco segundos, a não ser que estejamos fugindo da polícia?).

Em nossa sociedade, a aparência reina. O bairro em que você mora, a marca do seu jeans, o hotel em que você se hospeda: além do benefício real (a qualidade) há o benefício agregado – o status. Tudo bem. Só que status e poder não são a mesma coisa.

Status é ranking. Costuma ser valorizado por quem verticaliza as relações. Não vejo problema em se proporcionar coisas belas, saborosas, requintadas. Se são pagas com o próprio suor, é um direito adquirido, mas não confere poder algum, apenas bem-estar privado.

O poder é horizontal. Poderoso é aquele que distribui, compartilha, multiplica. Que produz ideias, arte, soluções, e as torna úteis e benéficas para os outros. Que não passa a vida tentando preencher o próprio vazio.

Não precisamos que nossas coisas falem por nós, a não ser que nossos atos já não digam nada.


FILME DO DIA


O fatiamento da Lava-Jato - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 30/09

No rastro da decisão do Supremo de remeter para a Justiça Federal de São Paulo parte da investigação relacionada a supostos desvios no Ministério do Planejamento, tirando do juiz Sérgio Moro a competência sobre apurações iniciadas a partir de depoimentos dos delatores da Operação Lava-Jato, outros réus já pleiteiam medidas semelhantes. O objetivo claro dos advogados de defesa é retirar da alçada de Moro o julgamento de seus clientes, na expectativa de receber tratamento mais brando em outros segmentos do Judiciário. É um processo que merece o acompanhamento atento da nação para que a sensatez e a constitucionalidade sejam preservadas.

O chamado fatiamento de processos, como ocorreu na recente decisão do Supremo, não é incomum na Justiça. A reação da oposição, pelo fato de envolver investigações sobre a ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann, apenas reprisa comportamento semelhante, de políticos governistas, quando o personagem era um adversário. Mesmo que as circunstâncias fossem outras, causou igual estranhamento a decisão do mesmo STF, no ano passado, que remeteu da mais alta Corte do país para a Justiça Comum o processo sobre o mensalão mineiro, envolvendo o ex-governador Eduardo Azeredo.

Por mais sede de Justiça que a população brasileira tenha em relação a corruptos e corruptores, não é admissível que um juiz se transforme em justiceiro. Mas também não se pode aceitar que manobras jurídicas ressuscitem a impunidade no momento em que o juiz federal paranaense interrompe um dos maiores esquemas de desvios de dinheiro público já descobertos no país. Cabe à sociedade manter-se vigilante, porque é também desse acompanhamento que depende a confiança na magistratura.

Fantasias na ONU - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 30/09

É preocupante ouvir a presidente da República expor ao plenário da Organização das Nações Unidas (ONU) um diagnóstico sobre a situação da economia brasileira, desconhecendo a velocidade das informações no mundo e a capacidade de análise de que é dotada a maioria dos chefes e ministros de Estado presentes à abertura da Assembleia Geral da entidade, na segunda-feira em Nova York. "O Brasil não tem problemas estruturais graves, nossos problemas são conjunturais e, diante dessa situação, estamos reequilibrando o Orçamento e assumimos uma forte redução de nossas despesas, gastos de custeio e parte do investimento", disse Dilma Rousseff.

Antes, ela repetiu a surrada versão oficial das razões da crise pela qual passa o país, como se não soubesse que praticamente todos os bancos do mundo e assessorias dos governos mais importantes têm acesso aos relatórios do Fundo Monetário Internacional e das grandes agências de risco de crédito. "A lenta recuperação da economia mundial e o fim do superciclo das commodities incidiram negativamente sobre nosso crescimento. A desvalorização cambial e as pressões recessivas produziram inflação e forte queda da arrecadação, levando a restrições nas contas públicas", insistiu a presidente.

Ao público interno, ou seja, nós, os brasileiros, que estamos pagando caro pelos erros de política econômica e das trapalhadas na gestão fiscal de seu primeiro mandato, a repetição dessa ladainha descolada da realidade já não causa espécie. Mas nos deixam mal pelo menos duas inevitáveis interpretações. Uma é a má impressão que o discurso - ditado pelo marketing político e não pela verdade dos fatos - pode causar naquelas autoridades e, principalmente, nos gestores de carteiras de investimentos internacionais de que tanto precisamos. A outra é a certeza de que o essencial não será enfrentado e, com ou sem cortes e aumento de impostos, os problemas vão reaparecer logo ali na frente.

Não é possível ter certeza se a presidente e a equipe palaciana ainda não entenderam que temos, sim, problemas estruturais, ou se, simplesmente, não estão interessados em enfrentá-los. É certo que a atual fase aguda da crise foi provocada por conjuntural excesso de gastos nos últimos anos, principalmente no ano eleitoral de 2014. Mas também é certo que a enorme dificuldade de reequilibrar o Orçamento (missão ainda longe de ser cumprida) se deve a grave problema estrutural no campo fiscal.

Especialistas em contas públicas desvinculados do governo informam que os gastos obrigatórios com a Previdência Social e com a folha dos funcionários consomem nada menos do que 75% das despesas da União. E a distorção tem crescimento vegetativo que, dentro de alguns anos, tornará totalmente inviável a realização de investimentos, a não ser pela via do endividamento. Estão aí duas reformas estruturais urgentes. A reforma consequente e madura da Previdência e a revisão sem viés partidário ou eleitoral do tamanho (e do custo) do Estado brasileiro. Pelo visto e pelo dito, não será sob o atual governo que o Brasil vai se orgulhar de ter dado esse passo rumo ao futuro.

Estaca zero para os gastos públicos - NILSON TEIXEIRA

VALOR ECONÔMICO - 30/09

A perspectiva de que o País cresceria de forma substancial por muitos anos contribuiu para a avaliação, por parte dos governantes, de que a receita fiscal continuaria a aumentar expressivamente nesse período, diminuindo a urgência no avanço das reformas estruturais. Mais do que isso, permitiu que a distribuição de privilégios e vantagens permanecesse exagerada para vários grupos, dentre os quais profissionais liberais, funcionários públicos e empresas de diversos setores. Segundo o governo federal, as renúncias tributárias alcançarão cerca de R$ 300 bilhões em 2016.

A realidade não confirmou os sonhos de anos atrás. O país não cresceu em 2014 e estará em recessão em 2015, 2016 e, possivelmente, 2017. A probabilidade de a atual década ser mais uma década perdida em termos de expansão econômica é cada vez maior. Surpreende que, mesmo nesse ambiente, diversas camadas da elite continuem conseguindo ainda mais privilégios, mesmo com a expectativa de forte alta do desemprego.

A crise fiscal que o país enfrenta exige a reversão de muitos dos privilégios concedidos nas últimas décadas. É importante que o governo demonstre à sociedade que esses benefícios não podem ser mantidos apenas sob o pretexto de que são direitos adquiridos pela atual geração. Do mesmo modo, é necessário mostrar à população que os direitos concedidos ultrapassam em muito as condições do país mantê-los.

É crucial redesenhar a estrutura tributária e dar transparência no orçamento a todos os subsídios concedidos

Ao contrário de propor soluções apenas paliativas, o governo precisa debelar a crise fiscal de forma definitiva. Essa atuação tem que ocorrer em duas frentes.

A primeira é apresentar ao Congresso uma ampla reforma tributária. Perseverar com a atual estratégia de elevar impostos é muito desfavorável para o país. As recentes manifestações de diversos segmentos estão corretas ao defender que não há mais espaço para a elevação da carga tributária e que é necessário encontrar um rumo para evitar que a crise se torne mais generalizada. É crucial redesenhar a estrutura tributária e dar transparência no orçamento federal a todos os subsídios concedidos, de forma direta ou indireta.

O segundo eixo é propor ao Congresso uma reavaliação ampla da utilização das receitas fiscais. Talvez essa seja a principal missão do governo nos próximos anos. O argumento de que não há como cortar mais despesas é equivocado. A abordagem mais correta seria partir da estaca zero nos gastos públicos, analisando seus impactos sociais e econômicos. Isso tornaria a utilização dos recursos mais justa e transparente. Seria um trabalho muito difícil, pois as alterações na Constituição nas últimas décadas tornaram obrigatória parte substancial das despesas. Essa dificuldade também está associada à necessidade de aprovar legislação pertinente para reduzir ou eliminar vários desses gastos. Porém, isso não pode impedir a ação do governo.

Os primeiros gastos a serem avaliados, que correspondem a cerca de 50% das despesas do governo federal, teriam que ser os da Previdência Social e os dos salários e benefícios do funcionalismo público. A necessidade de estipular a idade mínima de aposentadoria em ao menos 65 anos, tanto no setor público como no privado, tanto para mulheres quanto para homens, incorporando uma regra de transição para a atual geração, é premente. Já há no Congresso o entendimento de que esse ajuste é fundamental. Porém, o governo ainda precisa encampar essa proposta.

Em outra frente, apesar de não ser possível reduzir salários imediatamente, o governo poderia, ao menos, impor limites rígidos para o teto salarial e limitar o aumento dos gastos com o funcionalismo público à inflação do ano anterior. Isso estimularia a busca de maior eficiência na máquina pública.

No entanto, isso é insuficiente. É necessário revisitar uma boa parte dos benefícios existentes. Em um primeiro momento, o Executivo e o Legislativo analisariam os custos e benefícios de todas as dotações orçamentárias, inclusive as transferências para fundos e programas governamentais. Muitos desses benefícios não contribuem para a melhoria do bem-estar social e tampouco aumentam a produtividade da economia.

Como forma de respaldo à tomada de decisão, o governo poderia definir que a Secretaria de Orçamento Federal, com o apoio de órgãos do governo, do Congresso e da sociedade, apresentasse, no prazo de 60 dias, uma avaliação dos custos e benefícios de todos os gastos e subsídios do governo presentes no Orçamento ou nos inúmeros fundos públicos. Esse seria um trabalho inestimável para a tomada de decisão sobre quais as prioridades.

A pressão sobre os congressistas seria enorme, em particular por parte dos grupos de interesse mais poderosos. Todavia, essa é uma das razões que tornam nobre o trabalho do Congresso: definir as prioridades na utilização de recursos públicos, que são ainda mais escassos na atual conjuntura. A decisão precisa focar no aumento da competitividade da economia e na redução das imensas distorções, que tornam o Brasil um dos países mais desiguais em termos de renda e riqueza.

Meus candidatos para as primeiras posições na lista das despesas discricionárias prioritárias são o Bolsa Família e os recursos que seriam utilizados para incentivar os professores do ensino básico a perseguirem melhores resultados nas provas de verificação. Entre as posições no fim da fila, os subsídios disseminados do BNDES, o abono salarial, entre muitos outros.

Apesar dos obstáculos, sou otimista. Caso encaminhadas ao Congresso e aprovadas com a devida celeridade, as propostas mencionadas aqui seriam capazes de reverter o sentimento desfavorável sobre as contas públicas. Tenho convicção de que reduzir ou mesmo eliminar programas, subsídios e renúncias tributárias que pouco ou nada contribuem para a melhoria da distribuição de renda ou da competitividade da economia é o melhor caminho para que o País possa sair mais forte desta crise.

Nilson Teixeira é economista-chefe do Credit Suisse, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia

GOSTOSA


O modelo esgotado - CELSO MING

O ESTADO DE S.PAULO - 30/09

Dilma passou um recado para a principal facção do seu partido, o PT, que, embora base do governo, inicia ampla manobra de oposição à sua atual política econômica


Quando reconheceu nessa segunda-feira, em pronunciamento na Assembleia-Geral da ONU, que o modelo de crescimento econômico do Brasil, adotado após a crise de 2008, “chegou no limite”, a presidente Dilma pretendeu avisar os investidores internacionais que este é um momento de transição “para um novo ciclo de expansão”. No fundo, pediu paciência com o País, até que reencontre seu rumo.

Sem querer, Dilma também passou um recado para a principal facção do seu partido, o PT, que, embora base do governo, inicia ampla manobra de oposição à sua atual política econômica. O recado subjacente é o de que não cabe o retorno da orientação conhecida como Nova Matriz Macroeconômica, que pretendeu ser uma resposta contracíclica do seu primeiro período de governo e que deu miseravelmente errado.

É improvável que seja ouvida, porque ela própria emite sinais de vacilação. Reluta em se entregar de corpo e alma à nova estratégia de ajuste fiscal em curso.

Um documento de 144 páginas, denominado “Por um Brasil justo e democrático”, lançado nessa segunda-feira pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, elaborado por mais de cem especialistas, refuga veementemente a atual opção de resposta à crise, comandada pelo ministro Joaquim Levy, “porque não funciona” e “porque defende os interesses dos bancos”.

Pede mudança radical de orientação e exige a volta à política econômica anterior, baseada em mais despesas públicas, aumento dos impostos e derrubada dos juros. São propostas que, na sua essência, pedem a volta do modelo anterior praticado ao longo do primeiro período deste governo e que, no entanto, “chegou no limite”.

O empenho com que essa corrente majoritária do PT se atira à oposição ao ajuste reflete a aflição com a perda crescente de apoio popular do atual governo e com a perspectiva de desastres eleitorais em 2016 e em 2018.

O erro principal desse diagnóstico é atribuir os atuais estragos da economia ao ajuste fiscal, que nem foi votado no Congresso e que, portanto, ainda não pode ter produzido seus efeitos.

A derrubada do PIB, a inflação de quase 10% ao ano, o desemprego que ultrapassa os 8% ao ano, o definhamento da indústria, a asfixia da Petrobrás, a prostração do setor do etanol e a desorganização do sistema elétrico – tudo isso e tanta coisa mais foram produzidos pela política econômica anterior.

Desde dezembro, o ministro Joaquim Levy vem pregando a estratégia de crescimento econômico baseada na recuperação dos fundamentos da economia e da confiança. Como ainda ontem esclareceu no evento “Empresas Mais”, promovido pelo Estadão, a execução desse programa se compõe de três fases: ajuste das contas públicas (sem o que nada acontece), retomada da confiança e do crédito e reformas de base, especialmente a da Previdência.

Não basta reconhecer que o modelo anterior esteja esgotado. A presidente Dilma precisa escolher – e defender com todas as forças – o que de fato pretende. A divulgação da proposta do PT tem o mérito de apontar o atalho alternativo. Se corresponde a um modelo esgotado, é preciso também rejeitá-lo sem ambiguidades.

Quando reconheceu nessa segunda-feira, em pronunciamento na Assembleia-Geral da ONU, que o modelo de crescimento econômico do Brasil, adotado após a crise de 2008, “chegou no limite”, a presidente Dilma pretendeu avisar os investidores internacionais que este é um momento de transição “para um novo ciclo de expansão”. No fundo, pediu paciência com o País, até que reencontre seu rumo.

Sem querer, Dilma também passou um recado para a principal facção do seu partido, o PT, que, embora base do governo, inicia ampla manobra de oposição à sua atual política econômica. O recado subjacente é o de que não cabe o retorno da orientação conhecida como Nova Matriz Macroeconômica, que pretendeu ser uma resposta contracíclica do seu primeiro período de governo e que deu miseravelmente errado.

É improvável que seja ouvida, porque ela própria emite sinais de vacilação. Reluta em se entregar de corpo e alma à nova estratégia de ajuste fiscal em curso.

Um documento de 144 páginas, denominado “Por um Brasil justo e democrático”, lançado nessa segunda-feira pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, elaborado por mais de cem especialistas, refuga veementemente a atual opção de resposta à crise, comandada pelo ministro Joaquim Levy, “porque não funciona” e “porque defende os interesses dos bancos”.

Pede mudança radical de orientação e exige a volta à política econômica anterior, baseada em mais despesas públicas, aumento dos impostos e derrubada dos juros. São propostas que, na sua essência, pedem a volta do modelo anterior praticado ao longo do primeiro período deste governo e que, no entanto, “chegou no limite”.

O empenho com que essa corrente majoritária do PT se atira à oposição ao ajuste reflete a aflição com a perda crescente de apoio popular do atual governo e com a perspectiva de desastres eleitorais em 2016 e em 2018.

O erro principal desse diagnóstico é atribuir os atuais estragos da economia ao ajuste fiscal, que nem foi votado no Congresso e que, portanto, ainda não pode ter produzido seus efeitos.

A derrubada do PIB, a inflação de quase 10% ao ano, o desemprego que ultrapassa os 8% ao ano, o definhamento da indústria, a asfixia da Petrobrás, a prostração do setor do etanol e a desorganização do sistema elétrico – tudo isso e tanta coisa mais foram produzidos pela política econômica anterior.

Desde dezembro, o ministro Joaquim Levy vem pregando a estratégia de crescimento econômico baseada na recuperação dos fundamentos da economia e da confiança. Como ainda ontem esclareceu no evento “Empresas Mais”, promovido pelo Estadão, a execução desse programa se compõe de três fases: ajuste das contas públicas (sem o que nada acontece), retomada da confiança e do crédito e reformas de base, especialmente a da Previdência.

Não basta reconhecer que o modelo anterior esteja esgotado. A presidente Dilma precisa escolher – e defender com todas as forças – o que de fato pretende. A divulgação da proposta do PT tem o mérito de apontar o atalho alternativo. Se corresponde a um modelo esgotado, é preciso também rejeitá-lo sem ambiguidades.

CONFIRA:


Receitas e despesas da Previdência Social


Contas públicas e juros

“Enquanto não acertarmos a área fiscal, será muito difícil os juros caírem”, disse nesta terça-feira o ministro Joaquim Levy. Isso já mostra a trombada de pontos de vista: os da orientação atual e os do PT. Para o ministro, os juros são o resultado do nível de confiança que, por sua vez, tem a ver com o equilíbrio fiscal. Para os economistas do PT, é preciso derrubar os juros, porque os juros altos aumentam as despesas da dívida, portanto, concorrem para aumento do rombo. Não há meio-termo.

Dilma 1, o zumbi - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 30/09

Só milagre tira governo do deficit em 2015; conta de Dilma 1 ainda assombra o país


APENAS MILAGRES vão impedir que as contas do governo terminem no vermelho outra vez. Fora do governo, os interessados já sabiam disso. Pelo menos desde agosto, a previsão é de deficit primário (despesa maior que receita, mesmo desconsiderados gastos com juros).

É o que se depreende do balanço das contas federais, divulgado ontem. Lá se confirma que o rombo não se deve apenas a queda de receita e despesas "estruturais" crescentes (previdenciárias em particular).

Esse outro motivo do rombo deriva do fato de: 1) Dilma Rousseff ter arruinado empresas estatais; 2) Dilma 1 ter maquiado gastos, escondendo despesas que reaparecem agora, muitas delas devidas ao dinheiro gasto para baratear empréstimos a grandes empresas e oligopólios, via BNDES.

Pergunta-se agora se o deficit vai piorar o bastante para degradar ainda mais as expectativas econômicas e a esperança de conter o rombo previsto para 2016 (mesmo se aprovada a CPMF). Isto é, suficiente para provocar nova rodada de tumulto financeiro.

Até agosto, o deficit federal foi de 0,62% do PIB (acumulados os resultados dos últimos 12 meses). A meta oficial para 2015 é de 0,1% do PIB. Mesmo para cumprir a minimeta, serão necessários resultados extraordinários até dezembro.

A receita não pode cair. Mas, nos 12 meses contados até agosto, caiu 6,85%, já descontada a inflação; de janeiro a agosto, caiu 4,76% ante mesmo período do ano anterior.

A despesa tem de cair mais de 2%, mas cresceu 0,7% em 12 meses.

Está difícil.

Muita gente, assim como o governo, ainda conta com receitas extraordinárias previstas, vendas de patrimônio e concessões, que estão por ora penduradas no bico do corvo. Isto é, dada a turumbamba no mercado, será difícil vender parte da Caixa, hidrelétricas e fazer algum outro leilão de concessão.

Deve ser por ainda contar com essa receita extraordinária, que economistas de alguns grandes bancos estimavam ainda na semana passada que o governo federal teria déficit de 0,1% ou 0,2% do PIB, por aí. Como se escreveu mais acima, a conta está por ora em 0,62% do PIB.

Seria um chutão dizer grande coisa sobre 2016 além do fato de que a principal previsão de receita nova para o ano que vem, a CPMF, está com o pé na cova. Confirmado também um deficit grande em 2015, logo teremos ainda mais problemas. Quer dizer, descrédito ainda maior do governo, altas de taxas de juros e dólar, seguidos de rebaixamento formal do crédito.

Quanto ao rombo deste ano, considere-se uma das contas do despautério de Dilma 1. As despesas com subsídios foram de R$ 6,8 bilhões de janeiro a agosto de 2014. Neste mesmo período de 2015, de R$ 20 bilhões. Mesmo na pindaíba, o governo deu mais subsídio?

Não. O governo agora desembolsa dinheiro para "restos a pagar", papagaios indevidos e maquiagens de 2014, cerca de R$ 13,4 bilhões, até agosto. Legal ou ilegal, é uma fraude da opinião pública.

Para terminar, a presidente que tanto amava estatais as arruinou a ponto de o governo ficar sem um naco pedaçudo de seus dividendos. Em relação a 2014, esta receita caiu R$ 12 bilhões, até agosto.

O vexame é infinito. Para dizê-lo de modo gentil.

Chame o ladrão - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 30/09

Flagrado, o larápio esperto apela para o tradicional berro de "Pega ladrão!", na esperança de se safar no meio da confusão, deixando que outro pague pelo seu crime.

A mesma ética exemplar pode ser encontrada na tentativa recente de economistas vinculados ao PT de atribuir as atuais dificuldades enfrentadas pelo país à suposta austeridade fiscal, deixando de lado sua responsabilidade pelas políticas que, ao final das contas, jogaram o país na crise.

Segundo esse pessoal, nada justificaria a reversão da política econômica adotada a partir deste ano. A que eles propõem, portanto, é essencialmente a mesma que guiou o país no primeiro governo Dilma: expansão do gasto, redução na marra da taxa de juros e intervenção pesada do governo no domínio econômico.

Não por acaso, muitos dos autores da atual proposta são os mesmos que manifestaram apoio à reeleição da presidente no ano passado, embora tenham tentado se passar por críticos da política econômica quando a coisa ficou feia.

Aparentemente, inflação superior a 6% ao ano, mesmo com preços reprimidos, não seria motivo de preocupação. Nem, é claro, um deficit externo que superou US$ 100 bilhões no ano passado, e muito menos o virtual desparecimento do superavit primário do setor público, que por muitos anos havia se mantido na casa de 3% do PIB, mas que em 2014 se transformou num deficit (oficial) de 0,6% do PIB —enquanto estimativas de especialistas sugerem que, descontadas as "pedaladas", o número verdadeiro teria se aproximado de 1,5% do PIB.

Da mesma forma o crescimento da dívida pública de quase 10 pontos percentuais entre 2010 e 2014 não mereceria qualquer reparo.

Deixa-se convenientemente de lado o fracasso do crescimento no período, quando o PIB se expandiu a pouco mais de 2% ao ano, atribuído à "crise internacional", muito embora o crescimento mundial tenha se mantido praticamente inalterado (3,6% ao ano) e a relação entre os preços das exportações e importações brasileiras tenha sido simplesmente o mais favorável desde 1978, pelo menos.

A verdade que os punguistas econômicos querem esquecer é que as políticas que defenderam então, e que agora pedem de volta, colocaram o país numa situação insustentável.

Sua manutenção poderia até adiar o encontro com a realidade por mais um ano ou dois, mas apenas à custa do aprofundamento das distorções que se acumularam nos últimos anos: inflação mais alta, dívida em crescimento e déficits externos ainda maiores.

Note-se que isso provavelmente não conseguiria impedir a recessão. De fato, como notado pelos economistas que fazem parte do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, a recessão se iniciou em meados do ano passado, muito antes de qualquer discussão sobre a possibilidade de alteração da tal Nova Matriz Macroeconômica.

Em particular, o investimento, variável-chave para o crescimento sustentável, vem em queda desde 2013, e acumulava retração de quase 8,5% quando os punguistas louvavam a política em vigor.

O que eles hoje recomendam é exatamente o que nos trouxe à situação lastimável em que estamos. Confesso que, apesar disso, meu lado cruel adoraria tê-los de volta no comando da política econômica. Seria péssimo para o país, mas divertidíssimo vê-los chamando o ladrão quando o caos se instalasse de vez.

Levy: PT, tenha juízo - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 30/09

O ministro Joaquim Levy nunca foi tão político nesses nove meses à frente da pasta da Fazenda quanto ontem, quando apelou para o fim das “ambiguidades políticas”. Avisou que é preciso unidade e alertou que tentativas de criar “cizânia” em torno do ajuste fiscal só contribuem para o aprofundamento da crise.

Ou melhor, das crises. De acordo com a fala de Levy, a conturbação política está entrelaçada à desorganização da economia e nenhuma das duas se resolve sem se encontrar uma solução para ambas. Quanto a isso, o ministro foi didático ao discursar ontem na cerimônia de entrega dos prêmios às empresas mais eficientes do País, segundo o ranking Empresas Mais, Estadão/FIA.

Manifesto. Levy provavelmente não escolheu as palavras e a ocasião ao acaso. Um dia antes, a Fundação Perseu Abramo, extensão acadêmica do PT, divulgara um documento de pesadas críticas à política econômica, atribuindo ao ajuste fiscal o risco da perda de todos os avanços sociais conquistados nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva. O manifesto estava assinado por intelectuais ligados ao partido e vocalizava as posições reiteradamente defendidas pela direção e parlamentares petistas.

Sem citar o documento ou fazer referência ao partido, o ministro da Fazenda foi claríssimo em sua exposição: “Estou pondo a casa em ordem”, afirmou, condicionando o sucesso da empreitada à execução de uma estratégica cujo ponto-chave é o “acerto fiscal” com cortes onde for necessário cortar, “sem espuma” ou “soluções fáceis” que, segundo ele, não são aceitáveis nem dignas de crédito.

Joaquim Levy expôs o que chamou de estratégia do governo para sair da crise: ajuste agora para criar um ambiente propício ao “relaxamento” da economia e, mais adiante, reformas estruturais para impedir a volta da inflação e assegurar o crescimento mediante investimentos e ampliação do mercado de trabalho. Discorreu sobre a receita que executa porque nela acredita e para executá-la foi nomeado.

A julgar pelo pronunciamento de Dilma Rousseff na Assembleia-Geral da ONU, reconhecendo a falência do modelo defendido pelo PT, Levy falou com respaldo da presidente. Resta saber se ela vai seguir a cartilha com a qual ideologicamente não concorda ou se fará o que é preciso ser feito.

Seu mentor, Lula, diante da necessidade, mudou. Hoje está por trás daqueles que resistem a seguir aquela mudança contida na “Carta aos Brasileiros”, que viabilizou o governo dele. Ao renegá-la, suscita dúvida sobre suas intenções em relação ao governo pelo qual é responsável, mas do qual busca de maneira oportunista se distanciar.

Ensaio geral. “O PMDB finalmente chegou à aristocracia”, comentou um dirigente com o colega de partido que o acompanhava à entrada do imponente prédio de apartamentos nos Jardins, onde Marta Suplicy oferecia, sábado passado, almoço aos novos correligionários e a amigos como o casal Ivo e Eleonora Rosset.

Pouco antes, a senadora selara o fim de sua trajetória no PT com o ato de filiação ao PMDB em que reuniu centenas de lideranças e militantes oriundos de bairros da periferia. As “bases” haviam sido arregimentadas no público fiel a ela desde quando foi prefeita, gente que já vestiu a camisa do PT e no ato de sábado trajava camisetas com a sigla do PMDB entrelaçada por um desenho em forma de chama ao nome de Marta.

Juntando aristocracia e periferia, a ex-petista apresentou à cúpula de seu novo partido o capital inicial para concorrer à Prefeitura de São Paulo em 2016.

Sinais da decadência - MURILLO DE ARAGÃO

O GLOBO - 30/09

Temos capacidade para reverter o processo iniciado em 2012? Perto de nós existem exemplos patéticos de insucesso. Venezuela e Argentina destruíram o que conquistaram


Muitas civilizações e muitos países entraram em processo de decadência irreversível. Foram capturados por uma espiral descendente e não tiveram condições de sair dela. O Egito Antigo e a Grécia são exemplos clássicos. A Espanha de hoje é uma sombra da potência mundial que já foi. O Reino Unido, onde o sol nunca se punha, deixou de ser o que era. Todos foram e deixaram de ser, ainda que com graus variados de fracasso e decadência. Alguns, como o Reino Unido, se adaptaram aos novos tempos. Outros nem tanto, como a Espanha. A Grécia vive do passado.

Esse processo de decadência estaria acontecendo aqui no Brasil? Será que estamos entrando em processo de decadência antes mesmo de termos tido os benefícios do sucesso absoluto? Sem dúvida, sim. O Brasil vive um processo de decadência econômica e social, iniciado em 2012, que pode durar anos e se transformar em tendência irresistível. Os focos de alarme estão na gestão da questão fiscal, na demora em promover ajustes essenciais no arcabouço institucional do país e na completa rendição aos interesses corporativistas de burocratas e de grandes corporações. Há muito digo que o Estado foi sequestrado por interesses específicos e que não consegue resistir a eles.

A outra dúvida que se apresenta: temos ou não capacidade para reverter o processo iniciado em 2012? Perto de nós existem exemplos patéticos de insucesso. Venezuela e Argentina destruíram o que conquistaram de bom. São sociedades em processo acelerado de decadência. O caso argentino é mais grave, quando se pensa no sucesso social e econômico do país no século passado. Foi tudo destruído pelo populismo irresponsável. O pior é que não há reflexão profunda sobre as raízes do fracasso e da decadência. Culpa-se o mundo, culpam-se os fundos abutres e os vizinhos. Nunca a si próprio.

No Brasil, a era Lula entrou na antessala do sucesso, e chegamos a achar que nosso lugar por lá era cativo. Que, finalmente, fazíamos o mundo se curvar à nossa grandeza. A capa da “The Economist” com o Cristo Redentor decolando nos dava a certeza do “agora vai!”. Promovemos uma Copa do Mundo e vamos para as Olimpíadas, responsabilidade que o mundo nos deu acreditando em nossa capacidade. No delírio, chegamos a dar lições de moral à Alemanha de Merkel em 2012, quando Dilma criticou o receituário de austeridade preconizado pela líder alemã.

Agora, para evitar a decadência, temos de ser austeros, pragmáticos e humildes. Não é o que parece que acontecerá. O governo trata da crise fiscal com incompetência. Incapaz de se decidir pelos cortes e de enfrentar a questão de frente junto com a população, busca o déficit primário como disfarce para uma covardia institucional imensa. Pior, tratou da perda do investment grade como se isso não tivesse grande importância. O mundo já está complicado o bastante para que deixemos de fazer o dever de casa da recuperação.

Nossa grave incompetência e nossa covardia institucional podem estar dando início a um longo processo de decadência. A presidente Dilma Rousseff, por conta das indefinições em torno de um possível impeachment, ainda tem tempo para tomar as medidas corajosas de que o país precisa. Ela poderia fazer uma autocrítica séria dos erros de sua gestão e iniciar um processo de recuperação do país e, quem sabe, de seu mandato. Porém, ainda não chegamos ao ponto de deixarmos de ser covardes e mostrar coragem cívica.

Futuro incerto do governo Dilma - MURILLO DE ARAGÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 30/09

Cinco variáveis poderão decidir o futuro da presidente Dilma Rousseff nos próximos meses: 1) reforma ministerial e administrativa; 2) corte de gastos e aumento de impostos; 3) decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as contas do governo no ano passado; 4) desdobramentos da Operação Lava Jato; e 5) convenção do PMDB para decidir a relação do partido com o governo.

As duas primeiras são decisões que dependem da presidente. Nunca, em quatro anos e meio no comando do País, Dilma precisou ser tão competente e pragmática como agora. As duas medidas poderão ser capazes de restabelecer o diálogo com o Congresso Nacional e a confiança do mercado em que o governo está realmente comprometido com o ajuste fiscal.

Infelizmente, os sinais vindos de Brasília são os piores possíveis. A tardia fase 2 do ajuste está pendurada num Congresso hostil e sem lideranças comprometidas com o equilíbrio fiscal do País. As dúvidas não se referem apenas à criação ou não de uma nova CPMF. Incluem também a aprovação ou não da essencial Desvinculação das Receitas da União (DRU), que foi o pilar do Plano Real e ainda não se moveu no Congresso, onde deve ser apreciada. Sem ela a capacidade do governo de abater a dívida pública cai dramaticamente.

O pacote fiscal foi mal empacotado, mal explicado e está cheio de arestas. Apesar do avanço em propor cortes, o Poder Executivo não coordenou adequadamente a proposta, além de ter posto no lombo do contribuinte o maior peso do ajuste. Ficou claro que para o governo “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

Para avançar com uma complexa e incompleta agenda fiscal o governo depende de uma coordenação política que não existe. Ao contrário, os movimentos políticos do governo são sempre erráticos e não coordenados. Quando não trágicos. Para piorar, a base política está dividida, desconfiada e em conflito. Não confia nos parceiros nem no time palaciano de Dilma, que faz a equipe de João Goulart, o presidente deposto pelos militares em 1964, parecer uma academia de gênios políticos.

O julgamento pelo TCU das contas de 2014 do governo, marcado para meados de outubro, é outro evento importante. Além de o Planalto já enfrentar evidente má vontade no TCU, a existência de um processo judicial da Caixa Econômica contra o governo federal por causa das “pedaladas” fiscais só consolida a tendência de reprovação das contas.

Outro flanco aberto é a eventual poluição da campanha de Dilma com dinheiro investigado pela Operação Lava Jato. O tema está em aberto e pode trazer dores de cabeça, já que o empresário da UTC Ricardo Pessoa, que faz delação premiada, foi autorizado a depor no âmbito do processo na Justiça Eleitoral. O fato importa mais pelo efeito do que por uma improvável decisão de condenação das contas. Dilma até agora se safou da Lava Jato. Não ficaria bem ter sua campanha tisnada pelo esgoto da corrupção.

Em outros campos, a Lava Jato continua agregando tensão ao mundo político e ao governo. Há enorme expectativa a respeito das delações premiadas do lobista Fernando Baiano, que tem fortes ligações com o PMDB, do citado empresário Ricardo Pessoa e de ex-diretores da Petrobrás que ainda negociam suas delações. Considerando que as investigações não atingiram 50% do que pode ser apurado, o potencial de encrenca para o governo e para o mundo político é considerável.

Tanto a questão do TCU quanto a da Justiça Eleitoral podem ser decisivas para impulsionar o processo de impeachment da presidente. Alguns parlamentares contabilizam mais de 280 votos a favor de seu afastamento, mesmo sem a “bala de prata” que muitos esperam para justificar o processo. Apesar do anúncio de que a Casa Civil trabalha para conter o crescente apoio à tese do impeachment, o governo tem uma coordenação política fragilizada e recheada de contradições e desconfianças. No limite, não sei se a iniciativa da atual Casa Civil ajuda mais do que atrapalha.

A quinta variável reside no PMDB. Principal pilar político da presidente, o partido marcou para novembro a convenção em que vai avaliar e decidir como fica seu relacionamento com o Palácio do Planalto. Vários fatores dificultam a união do partido em torno de uma agenda. A começar pelo fato de que o vice-presidente, Michel Temer, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, têm visões e projetos distintos.

E a incerteza das repercussões da Operação Lava Jato só dificulta a situação do PMDB e sua relação com o governo. A ambiguidade do partido resulta no apoio de quase metade de sua bancada na Câmara à tese do impeachment. A questão é tão relevante que o ex-presidente Lula chegou a dizer que ou Dilma “se reconcilia com Michel ou o PMDB vai para o impeachment”.

As cinco variáveis aqui expostas desafiam um governo politicamente frágil, operacionalmente incompetente e emocionalmente dividido sobre o que fazer para conter a crise fiscal. Os cenários que se apresentam são complexos. Na melhor das hipóteses, o governo continuará a sangrar em público por algum tempo antes de conseguir se estabilizar ou perecer. Na pior das hipóteses, poderá entrar em rápida falência múltipla de órgãos e terminar sendo defenestrado pela via constitucional do impeachment.

Não foi por falta de aviso. Nunca um governo foi tão alertado sobre as graves distorções que começou a apresentar, desde 2012. Ainda este ano teve a chance de fazer o dever de casa. Mas hesitou entre fazer o que tem de ser feito rapidamente e adotar medidas paliativas. Preferiu sabotar aliados e ser fiscalmente complacente. Errou no diagnóstico, errou no tratamento. Está jogando o barco nas pedras. Tudo poderia ter sido diferente se o governo fosse minimamente competente do ponto de vista político e menos irresponsável do ponto de vista fiscal.


Crítica desmemoriada à política econômica - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 30/09

Fundação Perseu Abramo, braço do PT, culpa ajuste por uma recessão que já havia sido contratada, e propõe mudanças suicidas na condução da economia


Em matéria de política econômica, o PT costuma criticar o segundo governo Dilma pelos seus méritos, sem qualquer referência aos equívocos. A mais recente prova deste cacoete é o primeiro volume do documento “Por um Brasil justo e democrático”, divulgado segunda-feira pela Fundação Perseu Abramo, braço do partido, com declarações no mínimo polêmicas do presidente da fundação, Márcio Pochmann, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Luiz Gonzaga Belluzzo, interlocutor constante de Dilma — pelo menos foi.

O documento tem como alvo óbvio a política “neoliberal” de ajuste da economia. Quanto ao erro de Dilma querer insistir na ressurreição da CPMF, nenhuma palavra. O texto-manifesto da Perseu Abramo reproduz a ideia de que a política monetária (juros) apertada e a intenção de se fazer cortes em gastos são uma “irresponsabilidade”, porque desconstroem o modelo “socialmente inclusivo implantado nos últimos anos” (leia-se, Lula), ao aprofundar a queda do nível de atividade econômica.

Em sentido diametralmente oposto ao da política de ajuste, o texto prega o corte dos juros na base da canetada e a desmontagem da meta de superávit primário — pela retirada dos investimentos do seu cálculo. O resultado seria infalível: descontrole da inflação, explosão do dólar, o que realimentará a inflação numa espiral rumo ao descontrole. E mais recessão. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o inimigo a ser abatido, não se referiu diretamente ao documento. Apenas repetiu o que tem dito: o ajuste fiscal é imprescindível porque abre espaço para a queda natural dos juros. O que ele chama de “plano do 1, 2, 3”.

Mas como as críticas lulopetistas estão embebidas em ideologia, ramo religioso da política, o argumento mais bem fundamentado é incapaz de convencer os sacerdotes do “desenvolvimentismo”. Não importa sequer que a recessão em andamento tenha sido plantada no primeiro governo Dilma, quando políticas heterodoxas ao gosto da Perseu Abramo foram executadas. É falso culpar o ajuste pela recessão. Ela já estava contratada pelos equívocos cometidos em Dilma 1. Eis a evolução do PIB em cada um dos quatro trimestres do ano passado: - 0,7%, -1,9%, 0,1% e zero.

Os redatores do texto de crítica ao governo não se recordam desses números. Eles mostram a economia já em desaceleração, apesar de toda a expansão de despesas — maquiadas pela contabilidade criativa —, incentivos creditícios a empresas escolhidas pelo Planalto etc. Foi assim que as contas públicas explodiram — 8% do PIB de déficit, disparada da dívida pública rumo a 70% do PIB —, e daí a necessidade do ajuste. Sem ele, não se restaura a confiança na estabilidade, os investimentos não voltam, tampouco o crescimento.

O sentido da proposta de se retomar a política do novo “marco macroeconômico", que levou à crise, é resumido na imagem surrada: apagar a fogueira com gasolina.

O desmonte da CGU - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30/09

O "fatiamento" da Controladoria-Geral da União (CGU), anunciado na reforma ministerial que o governo pretende fazer para tentar garantir sua base no Congresso em troca de cargos, pode ter uma consequência mais grave para a Operação Lava-Jato do que o "fatiamento" dos processos decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Um dos efeitos imediatos mais deletérios da decisão seria a extinção de todos os processos administrativos de responsabilização, que hoje se encontram em adiantado estágio de instrução, instaurados contra as empreiteiras envolvidas no maior caso de corrupção da História brasileira.

Faltaria competência legal ao que sobrar da CGU para aplicar as sanções previstas na Lei Anticorrupção e na Lei de Licitações, a exemplo da declaração de inidoneidade. Como hoje a competência para instaurar e julgar processos administrativos é do ministro da CGU, a extinção do órgão, cujas funções seriam redistribuídas por outras pastas, especialmente a Casa Civil, faria com que tais procedimentos fossem extintos, ou encaminhados à própria Petrobras para prosseguimento.

Nesses grandes casos de corrupção, a CGU perderia a competência para avocar processos em curso em outros ministérios, muitos deles sujeitos a interferências de ordem política. A alteração proposta pelo governo federal impediria esse tipo de atuação da CGU, que ocorreu em várias ocasiões, levando à decretação de inidoneidade da empreiteira Delta, por exemplo. Cada ministério passaria a ser responsável pela apuração das respectivas irregularidades, o que seria um retrocesso.

Outros efeitos danosos também seriam verificados em algumas das legislações que permitiram profundas alterações na cultura da administração pública brasileira, como a Lei de Acesso à Informação. Hoje, por exemplo, a CGU fiscaliza o cumprimento de prazos dos pedidos de informações feitos a qualquer órgão ou entidade do Executivo federal, funcionando, inclusive, como instância recursal quando os demais ministérios não fornecem devidamente as informações ao cidadão ou órgão solicitante.

Com a extinção da estatura ministerial, não seria mais possível esse controle e essa supervisão. O fim da CGU contraria tudo o que Dilma disse recentemente na ONU, e durante sua campanha, a respeito do combate à corrupção no país, pois sempre citou o ministério como exemplo de como os governos petistas melhoraram uma estrutura que receberam dos governos do PSDB, quando foi criada a Corregedoria-Geral da União, sem status de ministério e sem a abrangência da Controladoria-Geral.

O advento da Lei Anticorrupção é exemplo emblemático da importância da CGU - que pressionou por sua promulgação - e, ao mesmo tempo, do pouco caso que Dilma dá ao tema na prática. No seu 1º mandato, o projeto da Lei Anticorrupção ficou engavetado, inexplicavelmente. Foi aprovado por força das manifestações populares em junho de 2013, e não por conta dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil muitos anos antes.

Mesmo assim, Dilma demorou mais de um ano após a promulgação da lei para regulamentá-la, o que fez apenas em março de 2015. O anterior ministro da CGU, Jorge Hage, saiu em dezembro de 2014 reclamando da falta de iniciativa do governo quanto à regulamentação da Lei Anticorrupção. Mas, sobretudo, criticou a falta de verbas: "Representamos um peso ínfimo no Orçamento federal, sobretudo se comparado com o que se evita em desperdício e desvios. Então, o que sustento é que é preciso, numa nova fase, no futuro, elevar o nível de investimento nos órgãos de controle e ampliar o sistema de controle"," afirmou, para irritação do Planalto.

O jurista Fábio Medina Osório defende, ao contrário dos cortes e fatiamentos que o governo pretende, que a CGU se transforme em uma agência reguladora independente, com titular detentor de mandato fixo, nomeado com consenso político, valorizando-se as carreiras dos técnicos.

"É necessário fortalecer a cultura das autoridades administrativas independentes, tal como ocorre nos países de cultura anglo-saxã, pois o segmento da probidade empresarial deve ser regulado com viés técnico e autônomo relativamente às instâncias políticas. A CGU já conta com uma cultura técnica e de independência, mas poderia se consolidar como agência reguladora a partir de normatização específica"," sugere o jurista, para quem eventual proposta de politização da CGU seria um retrocesso histórico e institucional muito forte.

terça-feira, setembro 29, 2015

Quem teme o novo? - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 29.09

Se a Petrobras fosse privada, por exemplo, não teríamos o petrolão, e o PT não teria quebrado a maior empresa do país


O Brasil vive uma daquelas crises severas, que pune de forma desproporcional os mais pobres, que ameaça os trabalhadores com o fantasma do desemprego, que assusta com a inflação fora de controle. O brasileiro fica mais pobre a cada dia, principalmente em relação ao resto do mundo. Medido em dólar, o salário médio já despencou quase 40% nos últimos meses. A quem culpar por mais essa desgraça?

A resposta imediata é Dilma. Foram, afinal, sua incompetência como gestora, sua arrogância e sua visão ideológica equivocada que jogaram o país nesse caos. Mas, afastando-se um pouco mais, fica claro que ela não é a única responsável. O PT também tem tudo a ver com isso, e os abusos e as “pedaladas fiscais” começaram no governo Lula, que é, ainda por cima, o criador da criatura. Logo, temos o grande vilão do país: o Partido dos Trabalhadores.

Mas podemos nos afastar ainda mais. Afinal, o PT não chegou ao poder do nada. Ele foi colocado lá, pelos votos. Ou seja, boa parte da população tem culpa no cartório, acreditou nas mentiras, no estelionato eleitoral, cedeu aos encantos do populismo, endossou a “nova matriz macroeconômica”, filhote de um arcaico “desenvolvimentismo” inflacionista. Não parece correto, portanto, eximir de responsabilidade aqueles que foram cúmplices do PT por meio das urnas.

E eis o ponto central aqui: os brasileiros insistem em modelos equivocados que delegam sempre ao Estado um poder desmesurado para ser a locomotiva do progresso e da “justiça social”. O resultado é, invariavelmente, decepcionante. Vimos isso inúmeras vezes se repetindo. O governo cresce, aumenta gastos e crédito, adota postura intervencionista na economia, e, após a fase inicial de prosperidade ilusória, vem a enorme crise produzida por um modelo irresponsável e ineficiente.

Boa parte disso pode ser explicada pelo fator cultural: o Brasil e o capitalismo liberal nunca se deram muito bem. Há grande tensão nesse relacionamento, a população desconfia do mercado, do lucro, e acaba depositando uma esperança ingênua no Estado, esquecendo que ele é formado pelos mesmos políticos detestados pelo povo. Os artistas e “intelectuais” ajudam a jogar mais lenha na fogueira, sempre cuspindo no sistema capitalista como se fosse o próprio capeta.

Esse preconceito ideológico anticapitalista tem sido o grande responsável por nossa incapacidade de migrar para o time dos países desenvolvidos. Não resta dúvida de que os tucanos são melhores do que os petistas, de que o PSDB é uma esquerda mais civilizada e que respeita em parte o mercado. Mas, ainda assim, a agenda do PSDB está muito distante do liberalismo que funcionou como alavanca para o progresso ocidental. Ainda concentra poder e recursos demais no Estado.

O Brasil testou vários “ismos”: somos mestres no corporativismo, no sindicalismo, no patrimonialismo, no clientelismo e até flertamos com o socialismo. O que realmente ainda não experimentamos foi mesmo o capitalismo liberal. O liberalismo — novo ou velho — passou mais distante do Brasil do que Plutão da Terra. Apesar disso, a esquerda insiste em jogar nos ombros do “neoliberalismo” a culpa pelos males que assolam o país, produzidos justamente pelo excesso de Estado.

Quem tem consciência disso sempre se sentiu órfão na política nacional, dominada pelos 30 tons de vermelho. Todos os partidos falam em mais Estado, no governo como uma espécie de “Messias salvador”. Os liberais, então, eram obrigados a votar no “menos pior”, no que mais perto do centro ficava. Mas nunca puderam votar com convicção, em um partido que efetivamente abraçasse o capitalismo liberal, com uma agenda que colocasse o indivíduo no foco, não o Estado.

Isso agora mudou. Foi homologado pelo TSE o Partido Novo, com o número 30, que clama por mais sociedade e menos Estado, que defende mais liberdade econômica e menos intervencionismo, que não teme enfrentar o vespeiro corporativista e prega privatizações. Se a Petrobras fosse privada, por exemplo, não teríamos o petrolão, e o PT não teria quebrado a maior empresa do país, depois de transformá-la numa fonte de recursos ilícitos para seu projeto de perpetuação no poder.

O Novo reconhece no empreendedor o grande criador de riquezas, e deseja reduzir os obstáculos estatais que dificultam esse processo dinâmico que leva à prosperidade. Quem pode ser contra isso? A quem interessa manter um sistema de privilégios estatais que beneficia apenas os “amigos do rei”? Vamos dar uma chance à liberdade! Vamos valorizar mais o indivíduo! Quem teme o Novo?

Rodrigo Constantino é economista e presidente do Instituto Liberal

O pior ainda piora: inflação - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de SP - 29/09

A pretensão de chegar à inflação de 4,5% em 2016 foi praticamente para as cucuias, como quase tudo mais na economia. Não bastassem todas as incertezas, caos, na verdade, abriu-se de vez outra frente de desarranjos sérios.

Em termos simples, a conversa na nova trincheira de desastres diz respeito ao que vai piorar mais: juros, dólar ou inflação? A pergunta é se o Banco Central vai: a) Elevar a taxa de juros (o que aprofunda ou prolonga a recessão e, agora, pode não fazer efeito); b) Intervir no câmbio (segurar o preço ora inflacionário do dólar:

improvável); c) Jogar a toalha, esperar que pelo menos meia boca do pacote fiscal meia boca passe (improvável, diz o PMDB) e que seja o que Deus quiser.

Há duas opções restantes, claro. Primeira, o espírito de todos os santos baixa no governo, que apresenta milagrosamente um plano amplo e crível de arrumação de suas contas e de renúncia a bobagens econômicas de outra espécie, tirando o gás de dólar, juros etc. Segunda, credores incrédulos ligam o botão do colapso, com a disparada fatal de câmbio e juros.

Levar a inflação à meta de 4,5% no fim de 2016 sem elevar a taxa básica de juros além do nível atual, 14,25%, era o plano do BC até ao menos a quinta-feira passada, passado remoto, nas novas condições brasileiras.

Na semana passada, o próprio Banco Central previa inflação de 5,3% em 2016, mantida a taxa de juros atual, dólar ali por R$ 3,90 no final do ano etc. Ontem, os economistas que mais costumam acertar previsões, de acordo com o BC, estimavam inflação de 6,4% para 2016.

Previsões costumam estar erradas; não são destino. Mas é o que se tem à mão a fim de calibrar a taxa de juros a fim de evitar alta extra da inflação.

Pode ser que a recessão de 2015-16 seja grande o bastante para evitar altas adicionais de preços. Quer dizer, em termos "pop", só vai ser bom se for ruim.
Só que não.

As expectativas de inflação em alta, como agora, tendem a elevar a inflação. De resto, ainda não há perspectiva de contenção do preço ora inflacionário do dólar.

A economia indexada deve carregar pelo menos parte da inflação de agora para o ano que vem. Isto é, por meio de regras formais ou não, reajustar 2016 pelas altas de 2015. Por exemplo, haverá em 2016 um reajuste de 10% no salário mínimo, aliás letal para prefeituras. Mesmo que não esteja em contrato, as pessoas passam a fazer contas reajustando tudo por "10%".

Pode haver ainda reajustes de preços controlados pelo governo. Não está certo se a conta de luz já pagou todos os efeitos da seca e dos erros de Dilma Rousseff: pode haver mais reajustes extras. Dado o risco de desastre na Petrobras e a falta de dinheiro do governo para socorrê-la, não é absurdo imaginar que virão reajustes de combustíveis.

Note-se que o aumento das estimativas de inflação para 2016 não se deveu à previsão de inflação maior nos preços administrados. O pior pode piorar.

Em um governo crível, seria possível ter uma meta "extraordinária", intermediária, de inflação para 2016, com um plano estrito de redução da meta nos anos seguintes, o que permitiria segurar os juros sem rolo maior. Um governo crível teria plano fiscal para os próximos anos.

Não é o que temos.

Rouba, mas faz obra social - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA


O bordão "rouba, mas faz" entrou para o folclore político brasileiro na década de 50 do século passado. Os cabos eleitorais do político paulista Adhemar de Barros (1901 -1969) o repetiam para neutralizar os adversários, que o acusavam de ser ladrão. Em vez de negar as acusações, os adhemaristas afirmavam que Adhemar eram um fazedor, que construía isso e mais aquilo. Se roubava? Ora, isso era o de menos. O argumento era esdrúxulo, mas funcionava com uma boa parte do eleitorado, que também não ligava para aquele "detalhe" de roubar.

Mas não era detalhe. Naquele tempo, a corrupção não era mixaria. Ainda bem que, hoje, o adhemarismo é um capítulo encerrado.

Ou será que foi ressuscitado? De uns tempos para cá, um argumento muito semelhante começa a fazer escola em debates sobre a situação nacional. Aqui e ali, os defensores de certos governos ligados a certos atos ilícitos se especializaram em listar as chamadas "conquistas sociais" supostamente promovidas por seus ídolos, como se cada uma delas servisse de atenuante para o tal "problema" de corrupção. Eles até reconhecem que a bandeira da ética está em frangalhos em suas fileiras, mas acham que as "conquistas sociais" compensam o vexame. Argumentam com tanta convicção que fazem lembrar os velhos adhemaristas. Reeditam o velho bordão, agora com novo formato: "rouba, mas faz obra social". Eles efetivamente pensam isso, mas não têm coragem de admitir.

Nos anos 1950, o "rouba, mas faz" era combatido pelos udenistas com uma pregação moralista, histérica e metida a redentora. Era patético, mas dava resultados eleitorais. Fora isso, a pregação moralista era inócua, pois a distorção do "rouba, mas faz" não era de natureza moral. Claro que a corrupção sempre foi imoral, ultrajante e indecorosa, mas sua natureza era política - e é por aí que ela devia ser compreendida e combatida. Politicamente. Hoje também é assim. Quando alguém aceita o bordão neoadhemarista "rouba, mas faz obra social", aceita junto a premissa sobre a qual ele se apoia. Essa premissa é a crença de que, na política, a ética é um departamento separado dos outros campos, mais ou menos como, numa empreiteira, o setor de contabilidade é separado do setor de engenharia. Esse engano gravíssimo, embora bastante comum, estava na base do adhemarismo ontem e está na base do neoadhemarismo hoje.

Por que um engano gravíssimo? Muito simples. Nas democracias, a política tece um pacto de confiança entre governantes e governados, sem o qual não há estabilidade institucional. Ao trair a confiança do eleitor, o político assume o risco de romper os laços que dão coesão a essa estabilidade. Às vezes, os laços rompidos são poucos, e as coisas seguem sua rotina sem maiores abalos. Outras vezes, são laços mais profundos, mais estruturantes, e, aí, vêm as crises. Podem ser crises de governabilidade, uma das que o Brasil enfrenta hoje, e podem ser crises mais sérias.

Aí você pergunta: mas a crise de governabilidade do Brasil é resultante da corrupção? Em grande parte é, sim. É resultante da percepção generalizada de que houve muito desvio de conduta e muita mentira para acobertá- lo. O preço que pagamos pela corrupção não se resume a um caixa de bilhões de reais afanados por uns e outros. Se fosse só isso, seria fácil. O preço inclui a respeitabilidade das autoridades, o esvaziamento da capacidade de liderança dos governantes. Se um governo perde o respeito da sociedade, perde a condição de ser governo.

Não é só. Ao drenar os recursos do Estado - recursos humanos, principalmente -, a corrupção sabota a implementação das políticas públicas e, em especial, daquelas concebidas para combater a pobreza e a desigualdade social, que ficam especialmente desmoralizadas. Quem deixa roubar não combate a desigualdade coisa nenhuma, apenas contribui para perpetuá-la, pois vira serviçal do dinheiro sujo, o pior capital que existe, e vira refém das forças mais retrógradas que hoje atuam no Brasil.

Não é com moralismo vulgar que o Brasil vai superar esse mal. A propósito, fuja dos novos moralistas (neoudenistas), que dizem que todos os ladrões de dinheiro público são filiados ao PT. Isso é mentira, é cinismo. Ao mesmo tempo, cuidado com os que tentam posar de vítimas e se esconder atrás de velha mentalidade adaptada aos novos tempos: "Rouba, mas faz obra social". Outra mentira. Quem rouba faz uma coisa só, e essa coisa é roubar. Cuidado com uns e cuidado com outros.

No mais, façamos figa. A corrupção derrubou o valor de mercado e a credibilidade da Petrobras. Que ela não derrube agora o ânimo do país inteiro.

Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP

Procura-se estratégia - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 29/09

O noticiário de 2015 apagou qualquer sombra de dúvida porventura existente sobre o risco de não traçar o futuro. Avesso a planejamento, o Brasil reage mais do que age. Fica sujeito aos caprichos de ventos que sopram interna ou externamente. Soluções erráticas, apresentadas hoje e retiradas amanhã, dão provas da falta de rumo cujo resultado o Gato, personagem de Alice no país das maravilhas, tão bem sintetizou: "Para quem não sabe aonde vai, qualquer caminho serve".

Eis a principal razão por que o país afunda numa das mais dramáticas crises da história recente. De improvisação em improvisação, de erro em erro, chegou-se ao inimaginável. Mesmo consciente do perigo que o ato representava, a presidente Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso Nacional o projeto da Lei Orçamentária com deficit de R$ 30,5 bilhões. Foi a senha. A Standard & Poor"s cassou o grau de investimento do país.

À crise econômica alia-se a política. A falta de credibilidade do governo contagia os setores produtivos, que adiam investimentos à espera de ambiente menos tormentoso. Some-se a isso o lamaçal de corrupção desvendado pela Operação Lava-Jato, que respinga no Executivo, no Legislativo, em empresas públicas e privadas. Daí o sentimento de decepção, desesperança e revolta que impera na sociedade e se reflete nas pesquisas de opinião.

Nesse cenário, as palavras do comandante do Exército ganham força e dão alento. Mostram que o país conta com setores organizados que têm visão estratégica indispensável para o avanço nacional. Em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense de domingo, Eduardo Villas Bôas analisou segurança, educação, manifestações populares, redes sociais e, sobretudo, as consequências do corte orçamentário que atingiu a instituição.

Chama a atenção não só para a repercussão nos rendimentos das tropas, mas, principalmente, para retrocesso em projetos estratégicos para o Brasil. Entre eles, a vigilância das fronteiras. São 17 mil quilômetros que, desguarnecidos, dão passagem a drogas e armas. Trata-se de problema sério cujos efeitos nenhuma autoridade pode ignorar.

Segundo consumidor de entorpecentes do mundo, o Brasil, de acordo com Villas Bôas, está na iminência de dar um passo à frente - tornar-se produtor de coca. Não só. Além das fronteiras, a defesa cibernética acendeu a luz vermelha. Na Copa do Mundo, sofremos mais de 700 ataques diretos. O Exército espera volume bem maior nas Olimpíadas.

Se houver interrupção no processo de aperfeiçoamento da área que se moderniza à velocidade da luz, ninguém pode assegurar o sucesso da proteção. É preocupante. Embora escasso, há tempo de evitar que a imagem do Brasil seja manchada mundo afora. É hora de agir.


Disputa de espaço - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/09

A disputa entre a Polícia Federal e o Ministério Público pelas investigações da Operação Lava-Jato voltou à tona com o episódio da inclusão do ex-presidente Lula na lista dos que devem ser ouvidos no inquérito instaurado no Supremo Tribunal Federal, iniciado naquela Corte em razão de sua competência originária.

Noticiado inicialmente como tendo partido do delegado Josélio Souza o pedido de autorização feito ao STF para que Lula e outros fossem ouvidos, o que estranhei em coluna do último domingo por nenhum dos citados ter fórum privilegiado, na verdade fontes da Polícia Federal esclarecem que o que houve foi um pedido de prorrogação do prazo da investigação por 80 dias.

Esse inquérito é presidido por um ministro do STF, o ministro Teori Zavascki, e segue as regras específicas do Regimento Interno do Supremo. Segundo a explicação oficial, a Polícia Federal atua nesses casos como "Tonga manus" do ministro-presidente do inquérito, realizando as diligências investigativas.

Mesmo que fosse o caso, e há discordâncias sobre essa função da Polícia Federal, não há nada que indique que o procurador-geral da República tenha autoridade para definir o status em que Lula será ouvido, segundo Rodrigo Janot como "testemunha" e não como "investigado"

A competência do STF está firmada nos artigos 101 a 103 - A, da Constituição Federal, e entre esses dispositivos não há um sequer que o autorize a investigar crimes. Qual a razão? Resguardar a imparcialidade do julgador. Se ele investiga, não terá isenção para julgar.

O ministro que preside o inquérito deveria funcionar como juiz das garantias, cabendo a ele tão somente decidir sobre matérias como reserva da jurisdição, ou que toquem nos direitos fundamentais, tais como prisão preventiva e temporária, quebra de sigilo bancário e fiscal, sequestro de bens, etc.

Nessa interpretação do papel da Polícia Federal nos inquéritos sob a presidência do Supremo, diferentemente do que ocorre em um inquérito policial, no qual o delegado de polícia possui ampla discricionariedade para realizar as diligências que entende necessárias, sem rito ou ordem cronológica previamente estabelecidas, esta discricionariedade é muito mitigada, já que a priori a investigação não é sua, mas ele colabora com as diligências e quem preside o feito é um ministro da Corte.

Como se trata de um inquérito do STF, presidido por um ministro, o regimento interno estipula, no seu artigo 230-C: "Instaurado o inquérito, a autoridade policial deverá em sessenta dias reunir os elementos necessários à conclusão das investigações, efetuando as inquirições e realizando as demais diligências necessárias à elucidação dos fatos, apresentando, ao final, peça informativa. § 15 O relator poderá deferir a prorrogação do prazo sob requerimento fundamentado da autoridade policial ou do procurador-geral da República, que deverão indicar as diligências que faltam ser concluídas"

O delegado de Polícia Federal Josélio Souza apresentou justamente o seu requerimento de prorrogação de prazo e, por força dessa norma, ficou obrigado a indicar as diligências faltantes - dentre elas, as audiências a serem marcadas com Lula e outros.

Esta norma não fala nada com relação à obrigatoriedade de opinião do procurador-geral da República sobre essas diligências complementares necessárias, indicadas pela autoridade policial. Nesses casos decorrentes da Lava-Iato, porém, tem sido interpretado que o PGR deve se manifestar sobre as diligências indicadas pelo delegado de Polícia Federal, e já houve conflitos anteriores entre as duas áreas.

Mesmo que o procurador-geral Rodrigo lanot tenha extrapolado suas prerrogativas - segundo alguns especialistas por excesso de zelo ou outras razões -, o fato de definir o papel de Lula no inquérito como de testemunha, e não investigado, não facilitará a vida do ex-presidente.

Ele terá que assumir o compromisso de dizer a verdade. Não poderá, por exemplo, ficar em silêncio, um direito do investigado. A mentira, se constatada pela autoridade policial, ou pelo Ministério Público, ou pelo juiz, seja no momento do depoimento ou após, implicará infração prevista no Código Penal.

* Esta coluna, assim como a de domingo, contou com a assessoria jurídica de Cosmo Ferreira, advogado criminal, ex-promotor de justiça do Rio e procurador regional da República.


As fatias e a pizza - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 29/09

SÃO PAULO - A decisão do STF de, vá lá, fatiar a operação Lava Jato me parece mais uma oportunidade do que um convite à pizza. É claro que a dispersão das investigações envolve riscos e quase certamente resultará em alguma perda de eficiência, mas não podemos perder de vista o "big picture", isto é, o quadro geral.

O único aspecto positivo da crise é que as instituições, em especial as engrenagens da Justiça, estão se mostrando à altura da tarefa. Caso me perguntassem, na virada do milênio, se eu achava que um dia veria ex-ministros e dirigentes do partido no poder sendo condenados por corrupção, minha resposta seria negativa. Também apostaria que jamais assistiria a grandes empreiteiros sendo presos. Teria perdido dinheiro.

Contar com uma Justiça que não se dobra em demasia ao poder político e econômico de suspeitos e réus é um dos traços que distingue países desenvolvidos de Estados mais bananeiros. É importante, porém, que os eventos como os que eu acabei de descrever sejam fruto de uma cultura institucional disseminada e não apenas de uma conjunção mais ou menos fortuita de policiais, promotores e magistrados acima da média.

É nesse contexto que o fatiamento pode revelar-se uma oportunidade. Operadores do direito que receberem agora algum braço da Lava Jato não terão muito como escapar a uma comparação com o juiz Sergio Moro e os procuradores de Curitiba. Imagino que farão tudo para não aparecer na foto como procrastinadores ou mesmo pizzaiolos. Se isso de fato ocorrer, uma pequena e benfazeja revolução cultural terá se espalhado pelo normalmente fossilizado Judiciário brasileiro.

Uma vez que os prejuízos à operação, embora potencialmente graves, não são incontornáveis, penso que vale a pena tentar. A medida, de resto, ajuda a afastar a narrativa paranoica segundo a qual tudo não passa de uma perseguição das elites contra o governo amigo dos pobres.