segunda-feira, março 26, 2012

Voz no deserto - LYA LUFT

REVISTA VEJA


Nunca fui muito ligada em futebol, mas sempre me agradou o entusiasmo masculino por ele na minha casa, desde quando meu pai ouvia jogos e torcia nas tardes de domingo, no rádio (não, não havia televisão na minha infância, para espanto de um de meus netos quando bem pequeno, provocando-lhe a deliciosa pergunta: "Mas não tinha dinossauro, né, vovó?"). Com o tempo e o convívio, acabei apreciando, mesmo sem entender aquele jogo com termos e regras enigmáticos.

Essa introdução é para dizer que me causaram admiração e tristeza os comentários do agora deputado Romário sobre o Congresso, a Copa e outros temas. Porque ele, político estreante, teve a coragem, e porque tudo me pareceu tão evidente, e tão corajoso neste nosso teatro de invenções e negação da realidade. Animou-me um deputado comentar que ali no Parlamento poucos de verdade trabalham; que muito do que se anuncia sobre a Copa é bastante improvável; e que há perigo de também nela acontecerem propina, desvio de dinheiro, o circo habitual. Entristeceu-me que tão poucas pessoas reagissem, e que coubesse a ele, jogador de futebol, e deputado novato, botar em palavras, publicamente, o que muitos de nós percebemos, com maior ou menor entendimento e lucidez, mas não fazemos nada. Por que não formamos um grande coro? Porque temos receio de críticas ou preferimos desviar o rosto e os olhos e fechar a boca? As recentíssimas denúncias sobre propina em entidades públicas ligadas a hospitais e licitações são de estarrecer. A naturalidade com que, entre nós, se cometem tais atos ilegais é espantosa. Ou eu estou fora do esquadro, faço parte do pequeno bando anônimo que ainda se assombra?

Sei que os governantes que querem o bem deste povo, deste país, dos estados, municípios, podem ainda nos salvar. Sem a pretensão de ensinarmos ao mundo, de sermos melhores que americanos ou europeus, mas tentando ser o melhor que nós aqui podemos ser. E certamente é bem mais do que estamos sendo, com péssimos transportes, educação insuficiente e confusa, ideias mirabolantes, saúde um susto, primeiros consumidores começando a ficar inadimplentes porque o estímulo ao consumo pode agradar de um lado mas prejudicar de outro.

Não digam que sou pessimista: seria simples demais. Nem digam que sou contra governos ou partidos: seria preconceituoso. Na verdade não tenho partido, acho mesmo que existem raros partidos no velho sentido da palavra, siglas permanentes, seguidores fiéis, ideologia coerente, sensata e firme. Eu apenas observo. Leio. Escuto. Assisto a noticiosos. Interpreto voz, entonação, semblante dos que por nós falam: não sou nem otimista nem negativa, quero apenas que tudo finalmente tome um rumo, firme, coerente, realista e eficiente. Sem tanta gente ainda morrendo em hospitais ou emburrecendo nas escolas por falta de bons profissionais e ótimos projetos. Projetos realizáveis, não impossíveis, não tentativas aleatórias com nossas crianças, jovens, velhos, operários, intelectuais, estudantes, garis, domésticas, agricultores, médicos, engenheiros, trabalhadores de qualquer ramo.

Que a gente não fique na utopia de que vamos ensinar os países mais adiantados, porque, repito, ainda não conseguimos encaminhar nossos próprios projetos, resolver alguns dos mais graves problemas deste povo que precisa tanto e muitas vezes nem sabe disso. Imagino a dificuldade dos bons governantes para mudar os rumos do que nos deixou fragilizados. E acho que nós, os cidadãos comuns, poderemos ajudar, se não aceitarmos fatos ruins como coisa natural, não acreditarmos em promessas nem em exigências absurdas, se cumprirmos com excelência nosso dever de cada dia, que inclui trabalho, cuidado com a família, honradez e patriotismo – cada um dentro de suas possibilidades. O que realmente estou querendo dizer é que, num deserto de ideias lúcidas e opiniões honradas, a gente precisa tentar, com amor e coragem, abrir caminhos, portas, janelas, e ajudar a mudar as coisas que podem ser mudadas.

Em busca do nada - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA


A palavra provavelmente mais correta para descrever a maior parte das atividades do governo brasileiro hoje em dia, em português comum, seria "farsa". Mas é melhor, por prudência e pela cortesia com que se devem tratar nossas altas autoridades em geral, utilizar alguma coisa mais leve - "ficção", talvez, é o termo que se aconselha, já que não pode ser entendido como ofensa (Deus nos livre de uma coisa dessas), e ao mesmo tempo serve para resumir com bastante clareza a atual conduta do superior comando da nação. Entre as paredes do caixote de concreto e vidro em que funciona o Palácio do Planalto, é fabricada todos os dias a impressão de que ali se vive numa colmeia de trabalho sem descanso e de operosidade sem precedentes; segundo essa visão, apresentada como fato praticamente indiscutível na propaganda oficial, ainda não foi criado no Brasil o problema que as prodigiosas qualidades de gerência atribuídas à presidente Dilma Rousseff tenham deixado sem solução. Mas um metro para fora do Palácio, na vida real que começa na rua, o mundo dos fatos, indiferente ao que se diz do lado de dentro, mostra o contrário: nada do que o governo manda resolver, ou quase nada, consegue ser resolvido.

Falta de tempo para mostrar serviço de verdade, do tipo que pode ser visto e comprovado, com certeza não é. Já faz mais de nove anos que a presidente Dilma está dentro do governo, no qual dá expediente desde o primeiro dia de mandato de seu antecessor – com a função, justamente, de ser a tocadora de obras número 1 da República. Alguma coisa de porte, a esta altura, já tinha de ter aparecido. Mas não aparece. Tão inúteis quanto a passagem do tempo ou os oceanos de dinheiro que o poder público tem para gastar vêm sendo as demissões em série na equipe ministerial. Em pouco mais de um ano de governo Dilma, já foram para a rua doze ministros, mais os lideres no Senado e na Câmara – todos nomeados por ela mesma, é verdade, incluindo-se aí alguns dos mais notórios candidatos a morte súbita que já passaram por um ministério na história deste país. Os resultados disso, pelo que se viu até agora, foram nulos. As demissões, sem dúvida, mostram que a presidente está disposta a valer-se de sua posição no topo da cadeia alimentar de Brasília – pode mandar qualquer um embora, e não pode ser mandada embora por ninguém. O problema, tristemente, é que o exercício repetido de toda essa autoridade não tem sido capaz de gerar nenhum efeito útil para a vida prática do país e do cidadão. Seja porque Dilma está substituindo tão mal quanto nomeou, seja porque os novos ministros vivem paralisados pelo medo de perder o seu emprego, o fato é que nenhuma de todas as trocas feitas até agora resultou num único metro a mais de estrada asfaltada, ou num poste de luz, ou em qualquer coisa que preste.

O que certamente não falta, nesse deserto de resultados, é a construção de miragens. Empreiteiras de obras públicas, por exemplo, fazem aparecer na imprensa fotos da presidente em cima de um carrinho de trem, cercada por um alarmante cordão de puxadores de palmas, numa visita de inspeção à Ferrovia Norte-Sul. Uns tantos minutos depois, todos voltam a seu carro oficial ou helicóptero e deixam para trás a realidade. A Ferrovia Transnordestina, por exemplo, com 1700 quilômetros de extensão, foi iniciada em 2006 e deveria ter sido entregue em 2010; já estamos em 2012, o custo de 4,5 bilhões de reais pulou para quase 7 bilhões e tudo o que se conseguiu construir, até agora, foram 10% do percurso. O petroleiro João Cândido, que começou a ser construído quatro anos atrás para a Petrobras em Pernambuco, e foi lançado ao mar em 2010 pelo ex-presidente Lula como um prodígio da nova indústria naval brasileira, voltou a terra firme logo após a cerimônia; continua lá até hoje. Entre as mais espetaculares obras do PAC, com todos os seus bilhões em investimentos, inclui-se o "trem-bala" – mas a única coisa que se pode dizer com certeza sobre o "trem-bala", até agora, é que ele não existe.

A presidente Dilma, que sabe muito bem o que é inépcia, tenta há nove anos achar o caminho de saída desse vale de lágrimas; pode continuar tentando pelos próximos cinquenta e não vai encontrar nada. Não vai encontrar porque procura no lugar errado; imagina que a solução está em criar mais repartições públicas, mais regras, mais controles, mais programas e mais tudo o que faça um "estado forte". É o tipo de ideia que encanta a presidente. Nunca deu certo até hoje. Mas ela continua convencida de que um dia ainda vai dar.

A sagração das "bibas", segundo Crô - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA

Se você quer entender as linhas de força que movem a política no Brasil, assista à novela das 9. Programas de auditório também são bons: revelam as tensões do presente, as apreensões da audiência, as simpatias e as impaciências da nação. Os humorísticos são melhores: expõem um painel da popularidade dos governantes. Por meio deles, a gente fica sabendo quais autoridades ainda impõem respeito e quais já foram para o vinagre. Os comediantes não fazem piada de quem eles bem entendem, como se imagina. Quando debocham escancaradamente de alguém, sabem muito bem que esse personagem já não é levado assim tão a sério pela audiência. Os quadros de humor na TV servem de termômetro para a popularidade dos políticos na exata medida em que as piadas nos oferecem uma radiografia dos humores do país. O modo como os telespectadores riem de um presidente da República revela se gostam dele, se têm carinho por ele, se querem vê-lo pelas costas ou se querem jogá-lo no esquecimento.

Ah, sim, existe o noticiário político. Este, porém, não oferece muito mais que o relatório dos fatos do dia, às vezes com enfoque positivo, às vezes com um ângulo mais ácido, dependendo da predileção do freguês. Os sentimentos mais profundos, as resistências emocionais, os temores do povo – tudo isso, que parece ser inacessível ao discurso jornalístico, é bem mais visível no grande faz de conta da novela. Você quer ter contato com o Brasil real? Fique de olho nos romances cor-de-rosa da novela das 9. Não que lá esteja, como se diz, "a vida como ela é", mas lá você verá as emanações da vida que o jornalismo não tem conseguido enxergar. Por motivos históricos interessantíssimos, nosso novelão conquistou essa intrigante habilidade de traduzir, por seu conto de fadas, as linhas de força do imaginário nacional – e de nosso teatro político. Mentindo todos os dias, os novelistas dizem verdades tectônicas, assim como o jornalismo pode nos contar mentiras imensas registrando apenas e criteriosamente suas pequenas verdades factuais.

Aí é que entra Fina estampa, a novela das 9 que acaba de acabar. Que novidade política ela nos trouxe? Que as "bibas" passam a ser aceitas como protagonistas no Brasil. Goste-se ou não se goste, é o que é.

Esta palavra, "biba", talvez prescinda de explicações. Em todo o caso, não custa registrar que foi por meio dela, ao longo de toda a trama, que o autor Aguinaldo Silva nomeou o mordomo Crodoaldo Valério, o Crô, interpretado por Marcelo Serrado. Homossexual de extração clovisbornaica, Crô foi um pouco além da própria origem e abusou do hábito de falar de si mesmo no feminino, como se fosse mulher. Esta palavra, "biba", tem indiscutivelmente uma carga ofensiva – como quando era pronunciada pela patroa criminosa do rapaz, a vilã Tereza Cristina –, mas foi de posse desse qualificativo, foi como "biba desvairada", que Crô soube afirmar-se. Graças ao brilhantismo do ator que o representa, esse personagem conquistou o posto de atração maior, um dos mais fortes motores narrativos do enredo. Crô virou assunto nacional. O que Crô deseja virou uma questão nuclear de Fina estampa. A emancipação de Crô, antes oprimido pela madame, ganhou os contornos de uma saga heroica, embora cômica.

Crô não quis parecer um "homem normal", como se quisesse dizer que um homossexual é um ser humano como outro qualquer. Ele é a "biba" afetada, estridente, vaporosa. Ela se ajoelha para rezar diante de um ícone pop. Veste camisolas. Grita que é "diferente", "especial", "única", "esquisitérrima" e, não obstante, um sujeito político.

Esse personagem histórico, ou essa personagem histérica, esse tal de Crodoaldo Valério, ou essa tal de Crô, vem sublinhar um amadurecimento da tolerância brasileira, no melhor sentido da expressão. Depois de Crô, estamos um pouco melhor nesse quesito.

Há quem reclame do efeito "bicha caricata" que há em Crô. Quando olhamos assim diretamente para a figura da "biba", temos a sensação de que ela foi atirada numa poltrona ejetável diretamente do estúdio do Zorra total e despencou na novela sem nem retocar a maquiagem. Zorra total é sabidamente um zoológico de estereótipos selvagens, uma reserva ecológica dos preconceitos mais ancestrais, um programa em que o tempo ficou meio congelado, como numa xangri-lá decadente, onde se ri para não chorar. Mas até isso fez bem à saga heroica de Crô. Ao humanizar a caricatura de que ficou prisioneiro, ele, ou ela, além de emancipar-se, deixa o Brasil um pouco menos hipócrita. E mais bem-humorado.

Uma zona cinzenta entre o legal e o ilegal - ROBERTO DaMATTA

REVISTA ÉPOCA

Vivemos tempos de Hurricane, Escambo e Monte Carlo. Tais são as operações da Polícia Federal que prenderam contraventores ou "bicheiros" – como Carlinhos Cachoeira, Aniz Abrahão David, Ailton Guimarães, Turcão, Luiz Pacheco Drumond e Piruinha. Alguns são celebridades, patrocinadores do Carnaval carioca e amigos de senadores. Todos são acusados de praticar atividades ilegais – entre elas, figura o brasileiríssimo jogo do bicho.

A caçada aos banqueiros do bicho, um jogo que só existe no Brasil, levanta problemas curiosos. O primeiro é o jogo como uma atividade problemática no mundo capitalista e pós-industrial. O capitalismo é um sistema produtivo (e existencial) que tem como base a liberdade individual, e como núcleo o capital financeiro – e não mais fábricas infectas, os moinhos satânicos de que falava o poeta inglês William Blake. Realmente, o capitalismo atual chama a atenção principalmente pelos computadores superpoderosos, nos quais podemos nos tornar atores num teatro chamado de "Bolsa de Valores". No capitalismo, arriscamos, apostamos e investimos. Mas, nesse caso, trata-se de um risco legitimado pelo sistema, já que seu fundamento é a alavancagem de recursos que, até a famosa bolha americana, permite avaliar as empresas que estão no mercado. Um cínico diria que o mercado é a mesa do cassino, e a Bolsa sua roleta. Um sujeito razoável afirmaria que jogar na Bolsa é uma consequência da expansão do mundo financeiro e do triunfo do capital – que reinventa, a seu modo, nossas identidades locais, nacionais e globais.

Não é muito fácil distinguir esses tipos de "jogo" – o que é ilegal, como o bicho, e o que é institucionalizado, como a Bolsa – da mesma forma como não é tranquilo aceitar o álcool e o fumo, proibindo outras drogas. Sobretudo quando se sabe que tudo – literalmente tudo (computadores, jogos, livros, sexualidade, futebol, comércio, sorvete, automóveis, regimes alimentares, remédios, chocolate, comida etc.) – "vicia". Ou seja: pode causar dependência.

Deixando de lado nossas vãs filosofias e reiterando que não se trata de defender contraventores, sabemos que se joga na Bolsa como se pode jogar nos cassinos. A diferença crucial é que o jogo é proibido no Brasil. Ele foi colocado na ilegalidade em 1946 pelo Decreto no 6.259, assinado pelo então presidente e general, Eurico Gaspar Dutra. Uma lei que, pelo número, os aficionados do jogo do bicho sabiam pertencer ao grupo do jacaré. Ora, o jacaré é um bicho traiçoeiro, de modo que o decreto confirmou o caráter da lei dentro de uma cosmologia popular, que o próprio jogo do bicho estabeleceu.

Quando, com Elena Soárez, escrevi um livro sobre o jogo do bicho, escolhemos o título Águias, burros e borboletas, porque esses "bichos" remetiam à dimensão poética de toda instituição verdadeiramente popular. Eram da ordem daqueles "brasileirismos", como dizia Gilberto Freyre, que ajudam a construir a identidade de um povo. Essa identidade permite uma comunicação entre todos. Por exemplo: todos sabem – mesmo que não conheçam o jogo – que 24 é (data venia aos gays) o algarismo do veado. De tal modo que ser chamado pelo número é como ser igualado ao próprio bicho e a suas características.

Um jogo culturalmente aprovado e economicamente exitoso é considerado ilegal, mas continua até os nossos dias, numa flagrante contradição entre as leis e a capacidade de o governo honrar essa ilegalidade. Hoje temos mais um surto para detê-lo, mas o jogo continua. Não é a primeira vez que os bicheiros são presos. Isso sucedeu há exatamente 19 anos, quando a juíza Denise Frossard realizou o mesmo movimento – mas o jogo (com tudo o que ele conduz de malsão) retornou à cena.

Nesse grave contexto de prisões e intenções de proteger a sociedade contra pretensos meliantes, cabe discutir um ponto central: a produção da ilegalidade no Brasil. Em nosso país, tudo o que é legal ou ilegal tem uma zona cinzenta, onde as coisas vazam e o ilegal vira legal (e vice-versa). É o caso das questões do Enem, dos concursos públicos e – eis o assunto do momento – das concorrências públicas. Se assim é, cabe a pergunta que não quer calar: seria o jogo um crime relativo (porque o governo banca outros tipos de jogo, como as loterias) ou o que temos de fato é um traço nacional a ser discutido com mais clareza? Refiro-me, é claro, ao fato de que somos rápidos em legislar, resolvendo a realidade com uma proibição, mas muito ineficazes em vigiar e punir.

Não seria melhor tornar legal o inevitável, controlando com rigor seus excessos, em vez de continuar nessa nossa modernidade por decretos que não operam na prática? O que seria dos ingleses se eles proibissem as apostas nos cavalos, que, por sinal, são um jogo permitido no Brasil? O que ocorreu com os americanos na Lei Seca? O que aconteceria se os concursos de beleza fossem proibidos como ocorreu no governo de Jânio Quadros? Com a palavra, você, caro leitor.

O Brasil aos olhos de Dilma - ENTREVISTA COM DILMA - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA


Em uma entrevista de duas horas a VEJA em Brasília, a presidente Dilma Rousseff diz que o poder não é desfrutável, mas que também não perde o sono com os problemas com os quais se defronta


Aos olhos de muita gente, a presidente Dilma Rousseff deveria estar uma pilha de nervos na semana passada. Ela vinha de uma viagem à Alemanha, onde pareceu, inadequadamente, dar lições de governança à chanceler Angela Merkel. Na reunião que teria com os maiores empresários brasileiros, ela lhes daria “um puxão de orelha”, e, para completar o quadro recente de tensão, a base aliada do seu governo no Congresso estava em franca rebelião, contrariando seguidas iniciativas do Palácio do Planalto nas votações. Como pano de fundo da semana caótica, havia o fato de Dilma ainda não ter convencido a opinião pública de ser a grande gestora que o eleitorado escolheu para governar o Brasil em 2010. Como escreve nesta edição J.R. Guzzo, colunista de VEJA, capturando uma sensação mais ampla, “a maior parte das atividades do governo brasileiro hoje em dia poderia ser descrita como ficção”. Mas Dilma não estava nem um pouco tensa quando recebeu a equipe de VEJA (Eurípedes Alcântara, diretor de redação, e os redatores-chefes Lauro Jardim, Policarpo Junior e Thaís Oyama) na tarde de quinta-feira passada para uma conversa de duas horas em uma sala contígua a seu gabinete de trabalho no Palácio do Planalto, em Brasília.

Dilma vinha de encerrar a reunião com os empresários, em que, disciplinadamente, cada um dos 28 presentes teve cinco minutos para falar, e não pareceu ter dado – ou levado – metafóricos puxões de orelha. “Tivemos uma conversa séria. Coisa de país que sabe onde está no mundo e aonde quer chegar”, disse ela. “Ficamos todos de acordo que os impostos têm de cair, os investimentos privados e estatais têm de aumentar e o que precisar ser feito para elevar a produtividade da economia brasileira e sua competitividade externa será feito”. Para quem vinha tendo os ouvidos atacados pelo buzinaço estéril da “guerra cambial” contra o Brasil – expressão que, como se verá na entrevista a seguir, ela não acha própria –, a frase de Dilma, mesmo sem a sonoridade do português castiço, soa como música.

É saudável quando o governante não põe em inimigos externos toda a culpa por coisas que não funcionam. Melhor ainda quando reconhece que seu próprio campo, além de não ter soluções para tudo, é também parte do problema. “Não dá para consertar a máquina administrativa federal de uma vez, sem correr o risco de um colapso. Nem na iniciativa privada isso é possível. No tempo que terei na Presidência vou fazer a minha parte, que é dotar o estado de processos transparentes em que as melhores práticas sejam identificadas, premiadas e adoradas mais amplamente. Esse será meu legado. Nosso compromisso é com a eficiência, a meritocracia e o profissionalismo”.

“Eu disse aos empresários que seremos aliados nas iniciativas para aumentar a taxa de investimento da economia – e não mais apenas o crédito para o consumo”, contou ela. Suas propostas lembram o gato do chinês Deng Xiaoping. Não importa a cor. O que interessa é que ele cace ratos. Dilma Rousseff, porém, continua sendo a Dilma da lenda da mulher durona, de cotação nacionalista. Confrontada com as críticas de que a Petrobras não pode ser um braço de política industrial do governo, ela reagiu: “A Petrobras tem de saber que o petróleo é do Brasil e não dela”. Felizmente, Dilma admite que a extração do petróleo do pré-sal tem prioridade até sobre a sacrossanta exigência de 65% na taxa de nacionalização dos equipamentos – o que inviabiliza ou encarece muitas operações. Ela não verbaliza que a taxa pode ser reduzida, mas diz que, entre a manutenção do patamar de nacionalização e a garantia de produção dos campos do pré-sal, fica com a produção.

Pôr a culpa das reais distorções do Brasil em pressões produzidas no exterior não é uma maneira de fugir dos problemas? 

Primeiro, não é verdade que estejamos agindo dessa maneira. É uma simplificação grosseira supor que o governo brasileiro considere as pressões externas a única causa de nossos problemas. Segundo, ignorar que existem fortes externalidades agindo sobre a economia brasileira é um erro que não podemos cometer, sob pena de arriscar a prosperidade nacional, a saúde de nossa base industrial e os empregos de milhões de brasileiros. Terceiro, os fatores exógenos são reais e não podem ser subestimados.

A senhora se refere ao que chegou a ser chamado de “guerra cambial”?

Não acho adequado ver o fenômeno do tsunami de liquidez que foi criado pelos países ricos em crise como uma agressão proposital às demais nações. Mas a saída que eles encontraram para enfrentar seus problemas é uma maneira clássica, conhecida, de exportar a crise. Quando o companheiro Mario Draghi (economista italiano presidente do Banco Central Europeu) diz “vamos botar a maquininha que faz dinheiro para rodar”, ele está inundando os mercados com dinheiro. E o que fazem os investidores? Ora, eles tomam empréstimos a juros baixíssimos, em alguns casos até negativos, nos países europeus e correm para o Brasil para aproveitar o que os especialistas chamam de arbitragem, que, grosso modo, é a diferença entre as taxas de juros praticadas lá e aqui. Eles ganham à nossa custa. Então, o Brasil não pode ficar paralisado diante disso. Temos de agir. Temos de agir nos defendendo – o que é algo bastante diferente de protecionismo.

Quais as diferenças entre se defender e recorrer ao protecionismo?

O protecionismo é uma maneira permanente de ver o mundo exterior como hostil, o que leva ao fechamento da economia. Isso não faremos. Já foi tentado no passado no Brasil com consequências desastrosas para o nosso desenvolvimento. Cito aqui o caso da reserva de mercado para computadores, que, nos anos 80, arrasou a modernização do parque industrial brasileiro e nos privou de tecnologias essenciais. Não vamos repetir esse erro. Não vamos fechar o país. Ao contrário, queremos investimentos estrangeiros produtivos. Mas vamos, sim, defender as nossas empresas, os nossos empregos. O que estamos fazendo, e vamos continuar fazendo, é contrabalançar com medidas defensivas as pressões desestabilizadoras externas que estão carreando para o Brasil quantidades excessivas de capital especulativo. Quando o panorama externo mudar para melhor, nós saberemos que chegou a hora de revogar as barreiras momentâneas que foram criadas.

Mas atrair dinheiro de fora não é bom em qualquer circunstância?

Não. O Brasil está em uma situação agora em que podemos dizer aos países ricos que não queremos o dinheiro deles. Não queremos pagar os juros de 13% por empréstimos que eles nos oferecem. Obrigada, mas não queremos pagar as exorbitantes taxas de permanência desses empréstimos, quantia que eles cobram mesmo quando não usamos o dinheiro, apenas para que os recursos estejam disponíveis a qualquer momento. Eu disse isso com toda a clareza à chanceler Angela Merkel durante minha visita à Alemanha. Aqui se noticiou que eu estava querendo dar lições à Alemanha. Não foi nada disso. Eu quis deixar claro que o Brasil não quer mais ser visto como destinação de capital especulativo ou apenas como mercado consumidor dos produtos que eles exportam. Também deixei bem claro que, quando o Banco Central Europeu joga de repente 1 trilhão de euros no mercado, ele não pode esperar que os países fiquem de braços cruzados enquanto parte desses recursos vem somente passear no Brasil e voltar mais gorda para a Europa sem ter deixado aqui nenhum benefício.

Como Angela Merkel reagiu?

Ela disse que entendia meu ponto de vista perfeitamente, mas que os países emergentes não podiam esquecer que nós temos responsabilidades globais como consumidores ávidos e, portanto, como parte da solução das economias estagnadas da Europa. Eu, então, respondi que nós devemos ser parceiros no ataque aos problemas globais, mas que nossa colaboração não podia ser mais apenas como mercados consumidores e foco de atração de capitais especulativos. Disse a ela que o Brasil quer muito atrair empresas alemãs de tecnologia de ponta. Disse que essas empresas são bem-vindas ao Brasil e, uma vez instaladas aqui, com transferência de tecnologia e criação de empregos, serão tratadas como empresas nacionais, com acesso ao crédito e outras facilidades concedidas às empresas nacionais. As pessoas precisam entender que o Brasil não está recorrendo ao protecionismo, nem arreganhando os dentes para quem quer que seja. Não é disso que se trata.

Ainda assim, tem muita coisa errada no Brasil que precisa ser consertada e independe do que vem de fora...

Sem dúvida. Hoje mesmo (quinta-feira passada, 22) eu me reuni com alguns dos maiores empresários brasileiros e tivemos uma troca franca de ideias sobre como atacar nossas distorções mais paralisantes. Eu disse a eles que nossa maior defesa é aumentar a taxa de investimento privado. Eles reclamaram que os impostos cobrados no Brasil inviabilizam as melhores iniciativas e impedem que eles possam competir em igualdade de condições no mundo. Eu concordo. Temos de baixar nossa carga de impostos. E vamos baixá-la. Vamos nos defender atacando – ou seja, exportando e ganhando mercados. Para isso, temos de aumentar nossa taxa de investimento real para pelo menos 24%. O governo vai investir e gerar o ambiente de negócios para que isso ocorra. Os empresários terão de fazer a parte deles, aproveitar as oportunidades, assumir riscos e deixar aflorar aquilo que o Keynes chama de “instinto animal” da livre-iniciativa.

Como diria o Garrincha, é preciso combinar com os russos – e os indianos, e os chineses. Eles já estão atacando os mercados bem antes do que o Brasil, a senhora concorda?
Sim. Mas a China está dando sinais evidentes de fadiga do modelo-focado fortemente na exportação. Tenho acompanhado os debates sobre a China, e seus lideres não escondem que não podem mais negligenciar o mercado consumidor interno. Eles estão mudando seu foco aceleradamente para atender às demandas do mercado interno chinês. Isso significa que a China em breve vai importar mais do que commodities. Os chineses vão importar bens de consumo – geladeiras, fogões, forno de micro-ondas –, e a parte da indústria brasileira que via a China como ameaça poderá passar a vê-la como oportunidade de mercado também para nossas exportações de manufaturados.

A senhora consumiu boa parte do primeiro ano de seu governo resolvendo crises provocadas por denúncias de corrupção. Agiu com presteza e demitiu quem estava comprometido. É difícil encontrar auxiliares honestos?

A questão não deve ser colocada dessa forma. Os processos no governo é que precisam ser de tal forma claros e os resultados de avaliação tão lógicos que não sobre espaço para as fraquezas dos indivíduos. Montesquieu ensinou que as instituições é que devem ser virtuosas. Nenhuma pessoa que é chamada para o governo pode achar que haverá algum tipo de complacência. Nós temos de ser o mais avesso possível aos malfeitos. Não vou transigir. É bom ficar claro que isso não quer dizer que todos os ministros que deixaram o governo estivessem envolvidos com alguma irregularidade. Alguns pediram para sair para evitar a superexposição ou para se defender das acusações que sofreram.

Por que a senhora não gostou da expressão “faxina ética”?

Parece preconceituoso. Se o presidente fosse um homem, vocês falariam em faxina? Isso é bobagem. A questão não é essa palavra, a questão é que o governo tem uma obrigação de oferecer serviço público de qualidade à população. E para isso é necessário que os processos no governo sejam eficientes, meritocráticos e transparentes. Eu sempre mudei para tentar melhorar.

Essas mudanças, porém, agora estão gerando uma crise no Congresso...

Não há crise nenhuma. Perder ou ganhar votações faz parte do processo democrático e deve ser respeitado. Crise existe quando se perde a legitimidade. Você não tem de ganhar todas. O Parlamento não pode ser visto assim. Em alguma circunstância sempre vai emergir uma posição de consenso do Congresso que não necessariamente será a do Executivo. Isso faz parte do processo. A tensão é inerente ao presidencialismo de coalizão com base partidária. No governo passado perdemos a votação da CPMF, e o céu não caiu sobre a nossa cabeça.

O que a senhora achou do discurso do ex-presidente Fernando Collor alertando-a de que ele perdeu o cargo por falta de sustentação no Congresso?

Não li o discurso. Mas vocês souberam do discurso do Miro? (Miro Teixeira, no dia seguinte ao discurso de Collor, recolocou a questão nos eixos lembrando que não existe comparação possível entre os governos Collor e Dilma.) O que é preciso ter em mente é que as grandes crises institucionais no Brasil ocorreram não por questiúnculas, pequenas discordâncias entre o Executivo e o Legislativo. As grandes crises institucionais se originaram da perda de legitimidade do governante.

Mas essas derrotas, coincidentemente, começam quando o governo decide trocar suas lideranças no Congresso e rever sua relação com alguns aliados.

Não gosto desse negócio de toma lá dá cá. Não gosto e não vou deixar que isso aconteça no meu governo. Mas isso nada tem a ver com a troca dos líderes. Eles não saíram por essa razão. Devemos considerar que os parlamentares vivem um momento tenso, natural em um ano de eleições municipais. Mas repito: não há crise nenhuma.

É difícil suceder na Presidência a um político popular e amado como Lula?

Não. É facílimo. Para começo de conversa, eu fui ministra da Casa Civil do governo Lula durante cinco anos e despachava com ele dezenas de vezes por dia. Aprendi muito. Alguns setores menosprezam o Lula por causa de suas origens, mas eu sou testemunha de que ele tem momentos de gênio na política e um carisma que nunca vi em outra pessoa. Esse metalúrgico que muita gente menospreza mudou o Brasil e ajudou a criar uma nova ordem mundial com o G20, por exemplo, do qual ele foi o grande incentivador.

A senhora tem dificuldade em discordar do ex-presidente Lula?

Nem um pouco. Nós já divergimos muito no passado e continuamos não concordando em algumas coisas. Eu tenho uma profunda admiração por ele, uma profunda amizade nos une, ele é uma pessoa divertidíssima com uma capacidade de afeto descomunal. Mas discordamos, sim. Isso é normal. Mas, no que é essencial, nós sempre concordamos.

Em que momentos a senhora percebe que faz diferença ser uma mulher na Presidência?

Quando eu acordo de manhã e me vejo no espelho. Estou brincando. Eu acho que a diferença mesmo eu vejo quando as mulheres simples desse Brasil param para conversar comigo, acenam para mim, em quem enxergam um símbolo de emergência e de ascensão. A cada dia eu me convenço de que o século XXI é o século das mulheres.

A senhora se dá o direito de ter uma opinião como mulher sobre determinado assunto, o aborto, por exemplo, e outra como presidente?

De maneira alguma. Ser presidente não me dá o direito de expressar opinião pessoal, particular ou subjetiva sobre qualquer tema. Aos 64 anos, tenho de ter a sabedoria de guardar essas opiniões para mim mesma.

O que a senhora descobriu como presidente que não sabia como ministra?

O povo se identifica com você, vê em você uma igual na Presidência. E, por isso, o brasileiro se entrega, mostra como é caloroso. Ele te identifica na rua, grita seu nome, te abraça, te pega. Você sente que está fazendo aquilo de que ele precisa. Isso é maravilhoso!

Duas horas com Dilma - CARTA AO LEITOR

REVISTA VEJA

"E uma boa coisa que o presidente da República fale à imprensa - ponto", dizia a Carta ao Leitor de VEJA de 1° de agosto de 1979 ao anunciar que, pela primeira vez desde 1964, um presidente da República dava uma entrevista formal e exclusiva à imprensa, tendo escolhido os profissionais da revista para conversar. O presidente era João Baptista Figueiredo, o general que encerrou o regime militar. Figueiredo falou apenas meia hora, mas abriu o coração sobre os problemas que enfrentava no cargo, deu detalhes inéditos sobre a Lei da Anistia aos que cometeram crimes durante o ciclo dos generais e adiantou que o Brasil dificilmente escaparia do racionamento de gasolina. Desde então, VEJA entrevistou todos os presidentes que se seguiram a Figueiredo com a redemocratização - José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula.

No mesmo mês e ano em que Figueiredo falava a VEJA, assinava sua ficha de inscrição no PDT uma ex-militante que cumprira pena acusada de integrar um grupo que executara ações armadas durante o regime militar. Seu nome, Dilma Rousseff. Pouco mais de trinta anos depois, ela se elegeria presidente da República pelo PT. Na semana passada, durante duas horas, Dilma conversou com Eurípedes Alcântara, diretor de redação de VEJA, e com os redatores-chefes Lauro Jardim, Policarpo Junior e Thaís Oyama. Foi sua primeira entrevista formal e exclusiva a VEJA como presidente. Como dizia a Carta ao Leitor de 1° de agosto de 1979, foi "uma boa coisa - ponto". Em uma das semanas mais conturbadas para ela no tenso cabo de guerra com a base de sustentação no Congresso – problema, aliás, que foi tema das conversas de VEJA com todos os presidentes que a antecederam –, Dilma estava surpreendentemente tranquila e confiante. Ela não deixou pergunta sem resposta, como mostra a reportagem

Controlar gastos e promover reformas - PAULO GUEDES

O GLOBO - 26/03/12

A capa da revista "Veja" desta semana anuncia matéria exclusiva com a presidente Dilma Rousseff. Em destaque suas opiniões sobre o protecionismo, os impostos e a corrupção: "O protecionismo é um erro. Não vamos fechar o país. A carga de impostos é alta. Vamos baixá-la. Não vamos transigir com a corrupção." Alguém discordaria?

Mas a pergunta que não foi feita à presidente é se ela percebe que a escalada dos gastos públicos como percentual do PIB teve importância decisiva nos problemas que abordou. O combate à inflação apenas pelo Banco Central, sem o controle dos gastos públicos, empurrou para cima as taxas de juros, atraiu capitais financeiros e derrubou a taxa de câmbio, trazendo a ameaça de desindustrialização e as reações protecionistas.

A expansão ininterrupta dos gastos públicos forçou também uma disparada dos impostos e contribuições, impedindo as reformas fiscal e tributária necessárias tanto à eficiência operacional do Estado brasileiro quanto ao desempenho competitivo de nossas empresas.

E, para fechar o circuito, Karl Marx: "Enormes somas passando pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero."

Sem reformas, as boas intenções da presidente são uma tarefa de Sísifo. Nossos escândalos políticos refletem uma transição inacabada do Antigo Regime para a Grande Sociedade Aberta. As crises sucessivas e a desmoralização da classe política têm sólidos fundamentos na hipertrofia do Estado, nas deficientes estruturas partidárias, no vácuo do Judiciário e na inadequada legislação eleitoral.

É inaceitável que a única forma de conduzir as atividades políticas, desde o financiamento de campanhas até a obtenção de maiorias parlamentares, seja uma prática sistemática de escândalos a céu aberto. A classe política nos deve a iniciativa de uma proposta de reforma para o exercício adequado de suas atividades. À luz de evidência empírica exposta por uma mídia atuante, com tantos partidos políticos enlameados e tão nobres ideais degenerando-se em corrupção sistêmica, podemos concluir que a hipótese de associação entre o grau de corrupção e o tamanho do Estado não é rejeitada pelos fatos.

Se a presidente deseja "que os processos no governo sejam eficientes, meritocráticos e transparentes", terá de controlar gastos e promover reformas.

Desindustrialização - PAULO BROSSARD


ZERO HORA - 26/03/12
Não é de hoje que se fala no excessivo peso da carga fiscal e extrafiscal que a ela se agrega. O próprio governo fala em aliviá-la, mas os dias passam e o gravame permanece com a solidez do Pão de Açúcar. Enfim, o setor industrial, ou importantes segmentos dele, aproximou-se da estagnação até entrar em declínio, caminhando para a paralisia; o resultado, visível a olho nu, é a desindustrialização, cuja gravidade é evidente. Ao lado desse fator, a invasão de produtos importados, principalmente chineses, agrava de tal maneira o quadro, que a situação se tornou alarmante. Mas só agora o governo admitiu o fenômeno e a necessidade de enfrentá-lo. Para certificá-lo, basta recordar que grandes empresas nacionais, grandes no porte e grandes em sua notável qualificação técnica e operacional, faz algum tempo, vêm deslocando seu potencial para a Ásia. In extremis, o governo deu sinal de vida. Foi preciso que o sucesso levasse a indústria nacional aos estertores para que o governo acordasse.

Os fatos falam por si. Entidade ligada ao setor noticiava que, nos últimos cinco anos, o trabalho na indústria nacional, em dólar, encarecera 46%, enquanto apenas 3,6% para os americanos, os preços da energia elétrica aqui subiriam 245% entre 2003 e 2011 e apenas 35,3% para os americanos; saliente-se que 34% do preço da energia corre por conta de impostos; para encerrar, a balança comercial, em 2005, acusava um superávit de R$ 9,1 bilhões em favor do Brasil e no ano passado o superávit se converteu em déficit de US$ 8 bilhões e, no momento em que escrevo, leio esta manchete em grande jornal paulista: "Brasil cresce menos que todos os países vizinhos".

A indicar que o problema não se restringe a um setor da atividade econômica, para o aumento do consumo das famílias em 2,1% no ano passado, a produção industrial cresceu 1,6%, e considerando tão só a manufatureira, excluído o minério de ferro, o crescimento se reduz a 0,1%.

É sabido que se os custos industriais no Brasil também são pesados pelos encargos que o oneram, sem excluir os de natureza trabalhista, na China, o regime laboral é geralmente considerado de mão escrava, no entanto, foi o ex-presidente Luiz Inácio que outorgou à China o diploma de economia aberta. Não estranha, por tudo isso, que a indústria nacional tenha perdido a competitividade, assim no mercado externo, como no interno, e mesmo aqui não tem como concorrer com a estrangeira.

Não desejo falar a respeito das medidas sumariamente arroladas pelo governo. Almejo sejam excelentes. Mas, as boas medidas podem tornar-se ineficazes quando extempestivas. A oportunidade é tão importante quanto a sabedoria da providência. À margem, longe de menosprezar o efeito da concorrência externa e sem falar em outros fatores, observo que ninguém se lembra de que a alta no tocante ao petróleo, por si só, bastaria para agravar o quadro, e ela não é improvável.

Volto a insistir que de todo o exposto resulta uma evidência, o descalabro finalmente reconhecido pelo governo não surgiu de súbito, resultado de um ciclone ou de uma enchente. Ele começou no governo passado, "o maior e melhor de todos os tempos"; sua sucessora declarou que quando da crise de 1998 o Brasil não tremeu e que agora não haveria de tremer. Pode ser que sim, pode ser que não. Ficando no fato de que o país tenha chegado ao atual grau de desindustrialização, desnecessário dizer que ele é aliado do desemprego, pois não há emprego sem empresa e empresa sem competitividade é entidade moribunda.

História em crise - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 26/03/12

O professor Luciano Figueiredo, que foi demitido do cargo de editor da “Revista de História da Biblioteca Nacional”, recebeu o apoio unânime do Conselho Editorial da publicação, que reúne alguns dos maiores historiadores do país, como Alberto da Costa e Silva, Lilia Schwarcz e José Murilo de Carvalho. — O risco é que a revista se perca ou se descaracterize. Foram anos de esforços para fazer dela a melhor revista de divulgação de história da América Latina e que faz boa figura entre publicações europeias — diz Zé Murilo.

Segue...

Luciano foi demitido por Jean- Louis de Lacerda Soares, que vem a ser presidente da Sociedade de Amigos da Biblioteca Nacional, que edita a revista.

Viva a vida!

Reynaldo Gianecchini, o ator que fez um autotransplante de medula óssea, está passeando com sua mãe, Heloísa Helena. Estão na pousada Maravilha, em Fernando de Noronha.

A volta de Zélia

Zélia Cardoso, a ex-ministra da Fazenda e mentora intelectual do natimorto Plano Collor, ontem, almoçava na churrascaria Oásis, em São Conrado, com os filhos que teve da união com o grande mestre Chico Anysio, Vitória e Rodrigo. Ela foi parada algumas vezes para receber os pêsames.

BBB

Thiaguinho, ex-Exaltasamba, vai fazer o show da final do Big Brother Brasil.

Meu xará
No meio do show, com a plateia gritando em coro seu nome, Chico Buarque sexta passada, no HSBC, em São Paulo, pediu licença para dividir os aplausos dirigidos a ele com “meu amigo e xará Chico Anysio”. Os dois merecem!

ALPINISTAS ESCALARAM 
o centenário Castelo da Fiocruz, conhecido por Pavilhão Mourisco, sexta passada, para fazer o serviço de manutenção na iluminação das torres. Nas próximas semanas, veja que legal, será iniciada a restauração das duas torres. O objetivo é recuperar alguns de seus principais elementos, que sofreram desgaste ao longo do tempo. Em estilo neoclássico, o belo castelo, que começou a ser construído em 1904, é tombado pelo Iphan desde 1980.

Passado condena

É dura a vida de Bento XVI nesta visita ao México e a Cuba. E não é só porque tem que pisar em ovos em solo cubano. Ontem, em plena visita do Papa, foi lançado no México o livro “La voluntad de no saber”, de Alberto Athie, José Barba e Fernando Gonzalez. O tema são os abusos sexuais do falecido padre mexicano Marcial Maciel.

E o que é pior...

O Papa Bento XVI não sai bem na fita. As primeiras denúncias foram feitas em 1998 na Congregação para a Doutrina da Fé, dirigida por Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI. Mas a Igreja começou a investigar em 2004.

Xerife da Colômbia

Germán Vargas Lleras, ministro do Interior e da Justiça da Colômbia, aquele que comanda o combate às Farc, estará no Rio de 10 a 12 de abril. Vem conhecer as UPPs.

Nem tudo é mazela
Desde que o Banco Itaú instalou, em outubro do ano passado, o programa Bike Rio, dealuguel de bicicletas pela cidade, nenhuma foi roubada. Em Roma, este tipo de serviço fechou por causa dos furtos.

Portas abertas

Uma das principais bocas de fumo da Rocinha, numa das entradas na favela chamada Valão, voltou a funcionar.

Miaaaauuuu

Um camelô que vende roupinhas e acessórios para gatos e cachorros virou atração na Rua Dias da Rocha, em Copacabana. É que mantém um bichano de verdade sobre sua barraquinha, que serve de modelo. Ao gosto do freguês, o miau experimenta boné, macacão, blusinha... e atrai a atenção geral.

Coisa nossa

Veja que legal. O espetáculo de hip hop “Chapa quente”, da carioca Companhia Urbana de Dança, dirigida por Sônia Destri, que mistura música eletrônica com pandeiro, cuíca e tamborim, foi eleito pelo “New York Times” um dos dez melhores de 2011 na cidade. A turma das favelas do Rio se apresentou lá no Peak Festival. Agora, vai iniciar nova temporada aqui, no Espaço Sesc, com o show inédito “Na pista”.

Arte na praia

A Bienal Anual Búzios, feira de arte contemporânea no balneário fluminense, foi autorizada a captar R$ 343.850 pela Lei Rouanet. Já na minha terra, “bienal” diz respeito ao período de dois anos. 

Independência, a ordem do dia - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 26/03/12


Tudo indica que os Brics cansaram de esperar que Estados Unidos e Europa lhes deem assentos vips nos organismos multilaterais. Por isso, trabalham novas instituições da mesma forma que Dilma, por aqui, busca uma nova relação com o Congresso


A presidente Dilma Rousseff fez bem em deixar alguns recados por aqui antes de viajar para a Índia. Primeiro, ao dizer que não gosta do toma lá dá cá deu um alerta aos que ficam tomando conta de seu governo. Algo mais ou menos assim: "Meninos, comportem-se na minha ausência. Não abram a porta para ninguém". Ou seja, esta semana não tem nomeação de ministro ou liberação de verba para emendas individuais.
A segunda mensagem foi ao parlamento. Quando Dilma se refere aos problemas com o Congresso e acrescenta que "só há crise quando se perde a legitimidade", muitos entenderam assim: "Não adianta chorar nem fazer malcriação porque quem manda sou eu". E você sabe, leitor: reza a lenda que manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Em outras palavras, o resumo é cristalino: a presidente continua olhando com frieza e sobriedade para a choradeira dos congressistas. Está mais preocupada com o que considera o Brasil real e as formas de desvio da crise internacional para não prejudicar os parâmetros econômicos nacionais. Por isso a reunião com empresários na semana passada e as ordens à equipe econômica para novas medidas de promoção da indústria, a serem anunciadas após a viagem à Índia. Ou seja, teremos nestes sete dias de ausência da presidente intensas reuniões no Ministério da Fazenda.

Por falar em viagem...

Dilma vai a Nova Délhi reforçada por empresários ansiosos pela criação de desvios internos e externos para que o Brasil mantenha um ritmo de crescimento à margem da crise na Zona do Euro e das dificuldades dos Estados Unidos. E é isso que vão tratar Dilma e os presidentes Dmitri Medvedev (Rússia), Hu Jintao (China) e Jacob Zuma (África do Sul), e o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, os atuais chefes do Brics.
A pauta do encontro de cúpula é uma forte indicação de que os Brics cansaram de esperar que os Estados Unidos e a Europa abram espaço a novos assentos VIPs nas instituições econômicas e políticas. Há um ano, na terceira reunião de cúpula do Brics em Sanya, na Ilha de Hainan (China), esses mesmos personagens cobraram um rodízio na condução de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Queriam ainda uma cesta de moedas para os financiamentos, fora do dólar e do euro. Nada foi feito.
Diante dessa constatação, partiu do primeiro-ministro indiano a proposta de criação de um banco de desenvolvimento comum a esses cinco países. Virá ainda um acordo para uso de moeda local nas transações entre esses países de forma a fugir do dólar e do euro. Obviamente, o banco não será instituído da noite para o dia nem as propostas comerciais vão mudar de moeda na mesma velocidade. Mas é claro o sinal de que há um novo mecanismo em curso, num mundo cansado de ser tão dependente das decisões dos Estados Unidos e da Europa. E é nisso que todos se mostram mais inclinados a apostar.

Por falar em menos dependente...

Da mesma forma que os Brics tentam buscar uma certa independência das potências Estados Unidos e Zona do Euro, Dilma trabalha internamente para cravar uma distância de seu governo em relação à fogueira que arde na base parlamentar. Está clara a sua intenção de reformular as relações. O problema, entretanto, é que ninguém vive sozinho e as mudanças, ao mesmo tempo em demoram a surtir efeitos, provocam reações.
Atualmente, nem os Brics podem prescindir da Europa e dos Estados Unidos nem Dilma conseguirá mudar a relação de toma lá dá cá a que a sua base está viciada. Mas o mundo e o Brasil estão em transformação. E quem não perceber as mudanças vai perder o bonde. Por enquanto, ainda é cedo para elencar derrotados e vitoriosos desse processo. E, diante disso, fica cada vez mais importante auscultar o que pensa o povo. Daqui e de fora. Afinal, sem votos, ninguém faz nada. Essa é a única dependência da qual os políticos não podem prescindir e que
lhes dá a tal legitimidade referida por Dilma.

Por falar em votos...

A prévia tucana em São Paulo foi mais fraca do que se esperava... Sinal de que o Brasil ainda tem muito o que caminhar no sentido de fazer todos os filiados participarem da vida partidária. É mais um processo a passos lentos.

A volta da macroeconomia - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 26/03/12

SÃO PAULO - Inflação, juros, câmbio, arrecadação e gastos do governo, grau de liberdade no comércio e nas transações financeiras com outros países. A importância atribuída a essas grandes variáveis para a gestão da economia começou a declinar na década de 1990.

Cristalizou-se um consenso sobre o que os países deveriam fazer nesse campo: manter controladas as expectativas de inflação, com uma política previsível que calibraria os juros; desamarrar o câmbio, o comércio e a finança internacional; moderar gastos e arrecadação do governo.

Pacificada a macroeconomia, estaria inaugurada a era da microeconomia: como tornar mais eficientes empresas, governo e trabalhadores num ambiente de acentuada competição global.

A relativa calmaria que sustentava esse cenário desfez-se no final da década passada. De saída, cogitou-se que o receituário "keynesiano" -governos evitam a quebradeira bancária e suprem a falta de demanda e investimento do setor privado- recolocaria a coisa nos eixos.

Não rolou. Entupidos de dívida e deficit, e com os juros perto de zero, os governos estão impedidos de ampliar os estimulantes do PIB. Muitos, como os europeus, obrigam-se a reverter de chofre essa política, sob pena de serem engolfados.

No Brasil, o governo de Dilma Rousseff adota a agenda minimalista de distribuir esparadrapos pelas feridas abertas no transe global. A inflação, o gasto público e o câmbio transferem a renda extraordinária vinda do exterior (graças aos recordes nos preços do minério e da comida que vendemos) para a indústria de consumo e capital instalada também no exterior.

Isso não vai dar certo. A mina e a roça não serão capazes de sustentar indefinidamente um país urbano de 200 milhões de habitantes. É preciso aumentar a escala de nossas preocupações, pois a macroeconomia está de volta.

Futuro - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 26/03/12


A comunidade científica e lideranças empresariais se reuniram para divulgar, dias atrás, um alerta à nação. "Em Defesa da Ciência, da Tecnologia e da Inovação" é o título do manifesto. Trata-se de protesto público, clamoroso, contra os sistemáticos cortes que o governo federal vem impondo à área de pesquisa, no que diz respeito ao orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

O documento denuncia ainda que os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) vêm sofrendo contingenciamentos regulares. Em outras palavras: ou são congelados ou são dirigidos para outras áreas. "O desenvolvimento científico e tecnológico do país não pode ser comprometido", diz o documento.

Não pedem muito os signatários. Apelam à presidente Dilma que restabeleça a proposta original, de R$ 6,7 bilhões para o orçamento de 2012 do ministério (o corte decretado chega a R$ 1,5 bilhão) e que preserve os recursos do FNDCT. O que setores importantes da sociedade reivindicam é que o governo perceba a gravidade da ameaça que paira sobre o país.

Governos responsáveis precisam estar comprometidos com o amanhã. A responsabilidade de uma administração não se limita ao período para o qual um governo foi eleito.

Todo governante precisa considerar o futuro como parte dos seus compromissos. Ele não nasce do acaso. Bases seguras para o desenvolvimento não se restringem a investimentos em infraestrutura. É fundamental o investimento em capital humano. Inovação é o novo nome do nosso tempo.

Subscrevem a petição tanto a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), quanto a Confederação Nacional da Indústria (CNI), as federações estaduais de Bahia, Minas, Paraná, Rio e São Paulo, assim como a Academia Brasileira de Ciências, a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei) e a Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec).

Está claro, portanto, que não se trata da defesa de vantagens corporativas, mas, sim, de uma questão de amplo interesse nacional. A indústria assumiu essa posição porque entende a importância da pesquisa científica e da criatividade no ambiente altamente competitivo de uma economia globalizada. Pesquisadores se mobilizam em torno dessa cobrança porque sabem que a tecnologia e o conhecimento são a porta de entrada no novo mundo que se organiza.

Ao cortar verbas do setor, o governo Dilma ignora a dimensão do desafio que se apresenta para o país e o esforço heroico de brasileiros e instituições em que a inteligência e a imaginação teimam em resistir. Resistem em nome do Brasil que somos e do Brasil que ousamos querer ser.

Ousadia com cautela e diálogo - ZEINA ABDEL LATIF

O Estado de S.Paulo - 26/03/12


Qual a taxa de juros que permite ao País crescer, no longo prazo, com todo o seu potencial sem gerar pressões inflacionárias? Qual a taxa neutra, no jargão dos economistas? A pergunta, inerente à gestão da política monetária, é ainda mais relevante no Brasil, tendo em vista nossas altas taxas de juros, apesar do processo de queda decorrente da estabilidade econômica e de diversos avanços institucionais desde o Plano Real. A taxa de juros real, que chegou a 25% em meados dos anos 90, hoje é de cerca de 5% ao ano - ainda distante da taxa hoje observada nos países desenvolvidos, próxima de zero, ou mesmo nos nossos pares na América Latina, em torno de 1%.

Existe um grande debate sobre as causas da alta taxa de juros neutra no Brasil. Os suspeitos usuais incluem alguns fatores estruturais que determinam as decisões de poupança e investimento, tais como os arranjos institucionais, as políticas públicas, o tamanho e o perfil da dívida pública e o grau de abertura do País. Debate-se o peso de cada fator, mas menos a relevância do conjunto para as nossas taxas de juros.

Esse debate é pertinente na medida em que taxa de juros mais baixa resulta em vários benefícios ao País: reduz o custo da dívida pública, atenua distorções que penalizam a poupança e o investimento e ameniza a apreciação cambial.

Conhecer a taxa neutra de juros é crucial para o trabalho do Banco Central (BC). A boa prática recomenda o uso de vários modelos de estimação. Modelos são aproximações estatísticas, o que significa que há uma incerteza inerente aos seus resultados. Porém mais informação é melhor do que menos; e deve-se ter na condução da política monetária o mesmo cuidado a ser adotado em qualquer política pública: utilizar o mais amplo conjunto disponível de fatos e dados, garantindo o melhor embasamento possível das decisões de modo a minimizar seus possíveis efeitos inesperados sobre toda a sociedade, que podem ser adversos e profundos.

Sobretudo, deve-se estar atento a possíveis alterações da taxa de juros neutra. Não se trata de resultado gravado em pedra. A experiência brasileira dos últimos 15 anos mostra o quanto ela pode variar ao longo do tempo. Assim, é compreensível que se procure testar níveis mais baixos para a taxa de juros. Há ainda aspectos conjunturais que podem gerar desvios temporários entre a taxa neutra, um termo reservado para dinâmicas estruturais ou de longo prazo, e a taxa de juros que garante o equilíbrio macroeconômico no curto prazo. Exemplos disso são as pressões sobre o câmbio, as políticas monetárias não convencionais pontuais, o impulso fiscal e o ciclo econômico mundial. Isso significa que levar a taxa de juros ao nível neutro pode, ainda assim, gerar algum aperto monetário, se o juro de equilíbrio de curto prazo for inferior ao neutro, e vice-versa. Hoje, com sobrevalorização cambial, políticas macroprudenciais e anticíclicas, melhoria da poupança pública e ambiente externo desinflacionário, é provável que a taxa de equilíbrio de curto prazo esteja abaixo da neutra.

A conjuntura atual aumenta os desafios do BC, destacando a necessidade de uma dose maior de arte em detrimento da técnica estabelecida em tempos de maior normalidade. Tempos extraordinários justificam certa dose de experimentalismo. O desafio é conciliá-lo com a convergência da inflação à meta em velocidade adequada. A inflação acima do centro da meta reduz a competitividade da indústria e ameaça uma trajetória sustentada de queda dos juros. Por isso mesmo, a cautela na condução da política monetária: limites testados com cuidado e calma e suas consequências avaliadas cuidadosa e rigorosamente.

A cautela é até mais pertinente tendo em vista fatores que podem afetar a eficácia da política monetária. Uma política menos eficaz significa menor expansão da demanda ante uma queda dos juros. A atual crise dos países desenvolvidos, por exemplo, pode levar a um maior conservadorismo de empresários e consumidores, aumentando sua propensão a poupar e reduzindo o impacto inflacionário de uma política que ouse por menores taxas de juros. No sentido oposto, os processos em curso de formalização da economia e de desenvolvimento do mercado de crédito imobiliário induzem à maior eficácia da política monetária, ou seja, cortes de juros podem se revelar mais importantes do que o esperado.

Além de cautelosa, a política monetária precisa ser crível. O atual desvio das expectativas de inflação em relação ao centro da meta e sua alta dispersão aumentam o desafio do BC. A redução da inflação esperada é crucial. Caso contrário, podemos reduzir lentamente a qualidade e os benefícios do regime de metas de inflação, o que significa maior insegurança sobre a trajetória da inflação, tornando-a refém ainda maior dos choques eventuais, inerentes ao funcionamento da economia. Ainda que reconhecendo haver limites para a transparência da autoridade monetária, o aprimoramento da comunicação e do diálogo do BC com os participantes do mercado pode ajudar muito nesse processo. Um exemplo seria a discussão dos modelos de projeção de inflação para a tomada de decisões. As consultas a analistas sobre as estimativas da taxa neutra de juros vão na direção certa.

O País vem passando por profundas mudanças em tempos extraordinários no mercado externo. Experimentalismo com cautela e diálogo; ousadia com análise rigorosa e cuidadosa dos seus impactos; desconfiança dos usos e costumes; serenidade na tomada de decisões e na correção da estratégia ante efeitos inesperados.

‘Não tem nada de mais’ - a série - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O ESTADÃO - 26/03/12

SÃO PAULO - E segue a nossa série "não tem nada de mais", feita com a colaboração das autoridades quando explicam algumas situações, digamos, embaraçosas. E vamos falar francamente: há boas mentiras, histórias bem contadas, que ficam de pé por muito tempo. Há também mentiras inocentes, daquelas que todo mundo sabe, mas deixa passar. Não é o caso das versões contadas pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi.

Reparem: não é que ele se esqueceu do nome e do jeitão de um eleitor qualquer, desses com os quais as autoridades vivem topando por aí, apesar dos seguranças. Ele não se lembrou de ter viajado num jatinho com o diretor de uma organização não governamental (ONG) que tem contratos com o seu ministério, nem se lembrou de ter jantado na casa do empresário.

Como não se lembrava, negou. Confrontado com fotos e vídeos, além das declarações do diretor da ONG dizendo que serviu a janta para o ministro pessoalmente, Lupi caiu em si. "É mesmo!" - deve ter comentado - "agora me lembro."

Então o ministro havia mentido na primeira versão?

De jeito nenhum, ele simplesmente não tem "memória absoluta", contestou, não num bate-papo de bar, mas numa reunião oficial no Senado.

Qual é o problema? Político se encontra com tanta gente, frequenta tantos almoços e jantares que é impossível lembrar tudo assim, de memória, explicou Lupi.

E o jatinho? Ora, ministro de Estado está toda hora viajando de jatinhos e jatões, como é que pode se lembrar em qual voou tanto tempo atrás? Mais impossível ainda é lembrar quem era o dono do jatinho ou quem pagou a viagem. Isso lá é atribuição de ministro? - argumentou Lupi.

Vamos supor, portanto, que tenha ocorrido uma enorme coincidência. O ministro precisou de um avião confortável e um assessor desavisado providenciou o aparelho logo com um empresário conhecido e que tem negócios com o ministério.

Não haveria aí um problema ético? Não gera a suspeita de troca de favores?

Só na cabeça da mídia e da oposição. Como se pode pensar nisso - segue a argumentação do ministro -, se ele nem sabia de quem era o avião ou quem estava pagando o aluguel do jatinho?
Reparem: se essa tese, digamos, faz algum sentido, então qualquer autoridade pode apanhar carona no avião de um traficante. Não teria nada de mais, se a autoridade não soubesse quem estava patrocinando sua viagem.

Fico imaginando: o assessor diz ao ministro "arrumei um avião, excelência, o problema é que pertence ao...". E o ministro adverte: "Não me diga nada, quer me comprometer?".

Resumindo, pois: o ministro agora sabe que viajou num jatinho providenciado pelo diretor da ONG que tinha interesse concreto em decisões tomadas por ele, ministro. Mas, como ele não sabia na ocasião, não tem nada de mais. Também não tem nada de mais ele ter apresentado duas versões, porque a primeira fora uma traição da memória.

O problema é que o Código de Conduta da Alta Administração Federal diz, em seu artigo 7.º: "A autoridade pública não poderá receber (...) transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre a sua probidade ou honorabilidade".

Ressalva e explica o parágrafo único desse artigo: "É permitida a participação em seminários, congressos e eventos semelhantes, desde que tornada pública eventual remuneração, bem como o pagamento das despesas de viagem pelo promotor do evento, o qual não poderá ter interesse em decisão a ser tomada pela autoridade".

Ou seja, não apenas a autoridade tem de saber quem patrocina sua viagem e sua boca-livre. Todo mundo precisa saber. E se a coisa toda puder gerar alguma suspeita de favorecimento, então não pode fazer.

Poderia uma autoridade alegar que não sabia dessa regra?

Claro que não, no entanto Lupi já deu um drible na Comissão de Ética da Presidência. Informado de que não poderia ser, ao mesmo tempo, ministro de Estado e presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT), depois de ter reclamado muito Lupi se licenciou do cargo no partido. De araque. Todo mundo sabe que ele continuou comandando o PDT. Aliás, na tal viagem, ele estava justamente num trabalho partidário. Tanto que já disse que vai devolver a diária de ministro.

Assim, viajou na condição de ministro de Estado no avião providenciado pelo diretor da ONG contratada pelo ministério, fez campanha partidária e ainda cobrou diária do bolso dos contribuintes. Não tem nada de mais. Devolve o dinheiro e o resto se esquece, certo?
O ministro ainda perguntou: estão me acusando de quê?

Presentinho? O Código de Conduta da Alta Administração ainda esclarece: "É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade". Agora, presentinhos pode, desde que "distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o valor de R$ 100 (cem reais)".

Quem sabe o aluguel do jatinho saiu por uns R$ 99,99?

Afogando em dados - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S.Paulo - 26/03/12


A partir de maio, os governos federal, estadual e municipal, além do Legislativo e do Judiciário, estarão sujeitos à nova Lei de Acesso à Informação Pública. Nada que não for classificado oficialmente como segredo de Estado poderá ser ocultado da população. Ao mesmo tempo, pululam sites oficiais com os chamados "dados abertos", em cópia a iniciativa semelhante do governo Obama. Nunca tanto foi tão público. Chegamos à transparência absoluta? Nem perto.

Vivemos o "Big Bang" da informação. O estoque de dados brutos que se produz no mundo dobra a cada ano. A progressão é geométrica, expandindo em quantidade e velocidades inumanas. Ocultos nesse universo em explosão estão padrões de comportamento, indícios de corrupção e tendências de mercado - entre outras milhares de informações relevantes. O desafio é descobrir o que importa em meio ao caos, ver através da espuma.

Em meio à inundação, é tentador agarrar-se a um dado aleatório e, sem possibilidade de encaixá-lo no contexto, atribuir-lhe importância exagerada. Quando se avalia o todo pela parte, tudo depende da qualidade da amostra. Se ela for defeituosa, parcial, não espelhará o universo, mas um cantinho dele. É o que aconteceu com os despachos diplomáticos do governo norte-americano vazados pelo WikiLeaks em 2010. E, em diferentes graus, com os vazamentos espetaculares que o antecederam e o seguiram.

À época, cada um dos vazamentos foi vendido como o maior evento de quebra do sigilo governamental da história. Comparou-se o último deles a uma biblioteca de 2 mil volumes.

Mesmo assim, o total de documentos sigilosos tornados públicos pelo WikiLeaks cabia num pen drive de 2 gigabytes de memória que se compra em qualquer camelô da esquina. Por comparação, ao final do governo W. Bush, a quantidade de documentos eletrônicos transferida dos computadores do governo federal para o US National Archives foi de 77 terabytes - quase 40 mil pen drives do WikiLeaks.

Não foi apenas um problema de quantidade, mas de qualidade dos dados. Os despachos eram menos de 10% da correspondência dos diplomatas dos EUA no período e não continham nenhum informe classificado como "top secret", o mais relevante na escala de sigilo. É como ir a uma churrascaria rodízio e, sem experimentar a picanha, julgar a qualidade da carne pelos espetinhos de coração de frango servidos de entrada.

Afora o fetiche tecnológico, nada de novo. Uma das maneiras clássicas de esconder a verdade é divulgar apenas parte dela. É do que os meios de comunicação são acusados desde sempre. O WikiLeaks juntou-se ao clube ao pedir ajuda aos sócios mais antigos. O grupo comandado por Julian Assange não foi capaz de lidar sozinho com todos os documentos e formou um consórcio com alguns dos mais tradicionais jornais do planeta.

Sem a experiência dos jornalistas, a força de trabalho conjunta não teria conseguido desbastar nem parte da já parcial floresta de documentos sigilosos. Mas, como contrapartida, o gargalo de informações divulgadas foi ainda mais estreitado, porque passou pelo crivo também dos departamentos jurídicos dos jornais. Como se vê, nada de transparência radical ou revolucionária.

Em artigo publicado na revista International Review of Administrative Sciences, o pesquisador Alasdair Roberts, da Universidade de Suffolk, questiona o conceito subjacente aos vazamentos bombásticos de que basta tornar pública uma quantidade de dados governamentais que parece gigantesca para provocar clamor na população e mudar o regime de poder. A ideia não é apenas pueril. É errada. Não existe tal relação de causa e efeito - ao menos não do dia para a noite.

A divulgação de milhares de relatórios de campo das ações militares dos EUA no Afeganistão não mudou a percepção da opinião pública norte-americana sobre a guerra -ao menos não como pretendiam os "vazadores". Aumentou o apoio à intervenção, a despeito da divulgação de barbaridades cometidas pelos soldados. Essa não é uma guerra de uma batalha só.

A regra vale para os dados do governo brasileiro que afluem cada vez em maior volume à luz.

Para descobrir o que é de interesse público serão essenciais a experiência e dedicação constantes da imprensa, de pesquisadores e de organizações não governamentais como Transparência Brasil e Contas Abertas - além de interfaces tecnológicas que ajudem a dar sentido à multidão de informações. Ou morreremos afogados em dados.

Apetite por juros altos - GUSTAVO CERBASI

FOLHA DE SP - 26/03/12

A taxa Selic, que serve de referência para os demais juros praticados na economia brasileira, está em nítido processo de queda.

Com ela, espera-se não só que os investimentos conservadores tenham seu desempenho prejudicado mas também que os juros praticados em empréstimos e financiamentos também sejam reduzidos.

Dados da Febraban indicam, porém, que tanto os juros praticados no crédito quanto o "spread" (margem de ganho) bancário não têm acompanhado a queda da Selic.

Em outras palavras, apesar de o dinheiro custar menos na economia, os bancos mantêm os preços cobrados de seus clientes. Porém, na atual conjuntura, os bancos estão longe de serem os vilões dessa história.

Há diversos sinais de enfraquecimento da capacidade de crescimento do Brasil. O grande boom de consumo e de uso do crédito observado nos últimos anos foi consequência da expansão nos empregos formais, o que abriu as portas dos bancos para a classe média.

Com educação financeira cada vez mais presente na mídia, o consumidor esteve atento e aproveitou o que havia de mais barato no crédito, como o financiamento de imóveis, automóveis e educação, além de empréstimos com desconto automático em folha de pagamento.

Há dois anos, a prestação da casa ou do carro novo cabia no orçamento familiar. Só que, com o tempo, surgiram contas que antes não faziam parte dos planos do consumidor, como IPVA, IPTU, multas e reparos emergenciais, entre outros.

Mesmo com aumentos no salário, a classe média não está conseguindo dar conta da manutenção de suas aquisições e o dinheiro está acabando antes do fim do mês.

Hoje essa classe média já está endividada, começando a perder o controle das contas e recorrendo a produtos de crédito mais caros, como o cheque especial e o crédito rotativo no cartão de crédito.

Na média, os juros ao consumidor se mantêm elevados não por força dos preços praticados pelos bancos, mas pela piora nas escolhas de crédito feitas pelos consumidores.

O elevado "spread" praticado no varejo se deve, na verdade, à facilidade com que os consumidores aceitam recorrer a empréstimos caros e convenientes, oferecidos tipicamente a quem erra no planejamento -ou seja, maus pagadores em potencial.

Isso mudaria se, ao escolher grandes itens de consumo, o consumidor percebesse a necessidade de contar com imprevistos no orçamento e assumisse um padrão um pouco mais modesto em suas escolhas.

Deveriam os bancos, de boa vontade, forçar a redução nos juros? De forma alguma, pois a atividade dos bancos, como de qualquer empresa, deve ser lucrativa.

O papel do bancário é trabalhar para que os lucros de seu empregador aumentem sempre.

Quem tem o papel de combater o aumento desproporcional dos lucros é o consumidor, pesquisando nas diversas instituições as alternativas mais baratas e contratando o serviço que melhor lhe atenda. É o livre mercado, a concorrência saudável, que mantém os preços em patamares saudáveis. A própria Febraban, em seu site (www.febraban.org.br), oferece um serviço de comparação de tarifas para facilitar a escolha dos consumidores.

Se o cliente resiste a pesquisar ou a mudar sua conta em busca de soluções melhores, o vilão não é o banco, mas sim a limitada educação financeira e um comportamento passivo diante dos custos altos.

Entretanto, o número reduzido de instituições financeiras no Brasil, fruto da forte regulação que traz segurança a esse mercado, pode ser um obstáculo ao livre mercado.

Mesmo assim, eventuais injustiças podem ser corrigidas pelas regras do capitalismo democrático. Se você acha que seu banco lucra demais, compre ações da instituição e divida com ela esse lucro.

Lucros são saudáveis a qualquer empresa, pois é deles que nascem os investimentos, que, por sua vez, garantem empregos e tributos.

Questionar os lucros de empresas de qualquer segmento da economia é pregar o retrocesso. Admirar e participar desses lucros como investidor, por outro lado, é sinal de amadurecimento da população -talvez os melhores frutos a serem colhidos da educação financeira.

Existe crise, sim - CAROLINA BAHIA


ZERO HORA - 26/03/12

Ao afirmar que não há crise política e que o governo não tem de ganhar todas no Congresso, a presidente Dilma nega a realidade, desenhando um cenário ideal. Diálogo de alto nível e respeito acerca da decisão da maioria deveriam, sim, nortear as relações entre os dois poderes. Na prática, porém, por trás de cada votação importante, a tradição é de barganha envolvendo emendas e cargos. O Congresso não qualifica o debate, e o governo tenta patrolar. Dilma tem razão em tentar romper com o toma lá dá cá, mas não tem o suporte de uma articulação política azeitada. O resultado é que hoje ela não aprova nem a indicação para uma agência reguladora. A crise não só existe, como se agrava, submetendo o país ao risco da paralisia. Não adianta negar.

No seu bolso
Enquanto Dilma promete redução de impostos, duas medidas provisórias elevam a carga tributária da agroindústria em 9,25%. É aumento de PIS Cofins para setores como leite, frango, soja e biodiesel. Relator da MP 556, o deputado Jerônimo Goergen espera que a equipe econômica, agora, se sensibilize e aceite revisar o índice. A MP já tranca a pauta da Câmara.

Correndo atrás
De olho na proximidade de Manuela D"Ávila (PC do B) com Ana Amélia Lemos (PP), o prefeito José Fortunati quer marcar uma reunião privada com a Senadora. A despeito da intenção do PP da Capital de apoiar o pedetista, Ana Amélia não esconde a preferência por Manuela. Na estratégia de aproximação, Fortunati telefonou para a Senadora para convidá-la para as comemorações do aniversário de Porto Alegre.

Apertem os cintos
Com Marco Maia (foto) na presidência da República, a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) presidirá a Câmara a partir de hoje. O temor do Planalto é que os parlamentares se aproveitem do clima de guerra para colocar em votação algum tema caro ao governo. Em tempo: Rose é da ala rebelde do PMDB e acalenta o sonho de chegar à presidência da Casa.

Crack, nem Pensar
A implantação do plano de combate ao crack no Estado deve ser assinada no próximo dia 20 de abril, em Porto Alegre. A ideia é aproveitar a presença de ministros que já estarão no Rio Grande do Sul para o debate acerca do pacto federativo e renegociação da dívida com a União. 

Segurando vela - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 26/03/12


A primeira vez em que fui ao cinema do meu bairro, aos 5 anos de idade, foi para "segurar vela" para minha prima. Ela e o jovem do açougue, onde comprava carne para minha mãe, estavam "tirando linha". "Tirar linha" era a etapa mais preliminar do interesse recíproco entre homem e mulher. Creio que era expressão dos agrimensores que, olhando pelo teodolito, de longe, tiravam a linha de retificação de ruas e medição de terrenos. Era olhar a distância, dando a entender interesse pela outra pessoa. Era o telégrafo sem fio das paixões que nasciam.

O relacionamento visual podia evoluir até o namoro na porta da casa da moça. Ou acabar antes de começar. Era um processo demorado e sofrido, até que a donzela obtivesse do pai consentimento para alguma proximidade. Depois de um tempo, o namoro passava para dentro de casa, na sala de visitas, com alguém "segurando vela", geralmente a mãe, que disfarçadamente fazia tricô ou bordava. "Segurar vela" queria dizer que, mesmo não havendo vela nenhuma, a acompanhante tinha a função da vela bem acesa para o namoro "às claras". Nada de escurinho e privacidade.

O namoro não podia evoluir nem muito depressa nem muito devagar. Muita pressa significava que, apesar da vigilância, o moço avançara o sinal. A pressa era jeito da moça ainda casar vestida de branco, sem "dar na vista". Mentia-se "pelas costas", fazendo de conta que não se notava o ventre crescido, que chamasse a atenção de vizinhos e linguarudos. Fingimentos em nome da honra. E se o rapaz tardasse em formalizar o casamento era namorado aproveitador, empatando o tempo da moça, tempo de "encontrar outro e melhor".

Intuí o básico dessas regras na mera tarde daquele domingo de minha primeira ida ao cinema. Quando o moço veio buscar minha prima, meu pai disse-lhe que mandasse o rapaz entrar. Ela morava conosco e meu pai cumpria as funções do pai falecido. Estava muito bravo, ou fingia estar. Interpelou o donzelo, ralhando. Ele saltara etapas do teatro da honra: fora diretamente do "tirar linha" para o "convidar a moça para o escurinho do cinema", sem respeitar as etapas intermediárias. Ansioso para resolver a coisa em tempo de ver o filme, o rapaz acabou numa promessa de namoro firme e até de casamento. Vestiram-me rapidamente o terninho de marinheiro, ridículo traje dos meninos da época.

E lá fomos nós de mãos dadas para o primeiro filme de minha vida. Na verdade, para segurar vela para a prima. Na entrada, o moço comprou ainda balas para a namorada. Chegamos quando a sessão já havia começado. Passava o trailer de um filme em preto e branco: um homem carregava um menino nos ombros e cantava: "Upa, upa, cavalinho alazão!" Depois, o filme, um desenho animado: Alô, amigos, de Walt Disney. Quando as balas acabaram, dormi. Sorte deles: a vela apagara.

Salve geral - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 26/03/12

O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos assumiu a defesa do empresário de jogos Carlinhos Cachoeira, preso na Operação Monte Carlo sob acusação de liderar organização que explorava caça-níqueis em Goiás. O criminalista montou equipe para estudar o processo e protocolou memorial em habeas corpus a ser apreciado hoje no Tribunal Regional Federal.

A entrada de Bastos no caso ocorre no momento em que crescia em Brasília o temor de que Cachoeira, pivô do escândalo Waldomiro Diniz, o primeiro do governo Lula, revelasse extensa lista de contatos com políticos, inclusive petistas, documentados em áudio.

Linha direta Por ora, as investigações da PF demonstraram conexões mais próximas de Cachoeira com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), de quem é amigo. Foram gravados 300 telefonemas entre os dois.

Solidariedade Na sessão do Senado em que foi organizado desagravo coletivo a Torres, quatro colegas do PT fizeram apartes solidários. À ocasião, houve 44 intervenções de apoio ao "demo".

Solução caseira Márcia Pelegrini é a favorita para assumir o segundo posto na hierarquia do Ministério da Justiça. Próxima de José Eduardo Cardozo, ela deverá substituir Luiz Paulo Barreto, que deixou a secretaria-executiva para ocupar cargo no governo Agnelo Queiroz (DF).

Ponte aérea Na reunião que terá com o colega indiano Shri Sultan Ahmed, o ministro Gastão Vieira (Turismo) tratará da ampliação dos voos entre os dois países. Hoje, todas as linhas Brasil-Índia têm escalas na Europa. Por recomendação de Dilma Rousseff, Vieira proporá uma cúpula de turismo dos Brics.

Muita calma... Governadores dos Estados atingidos pela resolução 72, que unifica a alíquota de ICMS para importações, estranharam a decisão do presidente da CCJ, Eunício Oliveira (PMDB-CE), de colocar a medida em pauta na comissão na quarta-feira.

...nessa hora Isso porque o Ministério da Fazenda aceitou reavaliar o texto. Raimundo Colombo (PSD) leva amanhã ao secretário-executivo Nelson Barbosa a proposta de Santa Catarina, um dos 14 Estados atingidos.

Intramuros Os 52% obtidos por José Serra nas prévias do PSDB decepcionaram o núcleo político de Geraldo Alckmin. No Bandeirantes, trabalhava-se com estimativa de 60% a 65% dos votos, sobretudo depois da declaração de voto do governador.

Extramuros Após a apertada vitória, Serra quer abafar questionamentos sobre seu respaldo entre os tucanos com ampla agenda de apoios institucionais. A ideia é anunciar rapidamente acordos com PSD, PP e PV.

Hierarquia Chamado a acompanhar a apuração ao lado dos pré-candidatos, ontem, o presidente do PSDB-SP, Pedro Tobias, que havia dito na véspera que Serra pediu "pelo amor de Deus" aos filiados para vencer, recusou: "Sou do baixo clero".

Timing A primeira pesquisa eleitoral em Vitória (ES) deve sair em 10 de abril. Só depois o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) definirá se será candidato. Caso não aceite, o grupo do governador Renato Casagrande (PSB) pode lançar o deputado Lello Coimbra (PMDB).

Intruso Em atrito com o Planalto por conta das pendências de royalties de petróleo e do ICMS sobre importações, a dupla Casagrande e Hartung não descarta nem mesmo apoiar o tucano Luiz Paulo Vellozo Lucas.

com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI

tiroteio

"É, no mínimo, curioso: para atingir as bases de trabalhadores do país, a CUT resolveu publicar anúncio contra a contribuição sindical até no 'Le Monde Diplomatique'."

DO SECRETÁRIO-GERAL DA FORÇA SINDICAL, JOÃO CARLOS GONÇALVES, sobre a campanha publicitária recém-deflagrada pela central rival incluir encarte especial na versão brasileira da publicação com sede na França.

contraponto

Lambe-lambe

Crítico da candidatura de Fernando Haddad, o líder do PSDB na Câmara paulistana, Floriano Pesaro, esbarrou no pré-candidato do PT ao entrar, semana passada, no estúdio de emissora de rádio. Sem jeito, retribuiu com um sorriso o aperto de mão do ex-ministro, que disse:

-Não misturo as relações pessoais com as políticas.

O tucano perguntou, então, a um assessor do petista se poderia fazer registro fotográfico do inusitado encontro. Ante a resposta negativa, Haddad interveio:

-Quem decide é o candidato. Façamos a foto! 

Liberdade e regulação - DENIS LERRER ROSENFIELD


O Estado de S.Paulo - 26/03/12


O debate sobre a regulação dos meios de comunicação torna-se cada vez mais necessário, tendo em vista que o Brasil convive com uma situação de fato dissociada da legislação vigente do setor. Para se ter uma ideia da defasagem basta constatar que leis atuais, que datam dos anos 70 do século passado, foram feitas para um mundo que desconhecia computador, internet e todas as novas mídias que depois se desenvolveram. As empresas de comunicação acompanharam essa evolução, criando novas realidades não contempladas na lei ou exigindo a sua modificação por um evidente descompasso do legal em relação ao real. Renovar é preciso.

No governo anterior, porém, esse debate foi indevidamente identificado com uma regulação de conteúdo, com interferência direta na liberdade de imprensa. Seu projeto era, nesse sentido, intervencionista, tendo o apoio de setores partidários e de movimentos sociais que clamavam - e clamam - por um "controle social da mídia" ou por uma "democratização dos meios de comunicação". Assim colocada, a questão terminou sendo confundida com um tipo de censura, tendo como mote controlar a livre-iniciativa e a liberdade do setor. O viés ideológico contra certos grupos econômicos foi muito manifesto, produzindo, de parte deles, uma legítima reação contra qualquer tipo de regulação.

A presidente Dilma Rousseff utilizou uma expressão muito apropriada para expressar sua posição. Disse que o único controle possível é o controle remoto, que o indivíduo, diante de seu aparelho de TV, utiliza para mudar de canal. Vale a liberdade de escolha. O ministro Paulo Bernardo está seguindo, muito seriamente, essa linha de ação, afastando-se, precisamente, de qualquer viés ideológico, abordando a questão de maneira eminentemente técnica. Isso significa uma orientação pela mudança, atenta à modernização regulatória necessária para o setor, e o abandono dos preconceitos ideológicos.

Para que tal reforma do marco regulatório se torne possível é, no entanto, preciso que se distinga a regulação formal - ou seja, a reforma do marco regulatório - da regulação de conteúdo, que seria uma forma de cerceamento da liberdade de imprensa. O novo governo está dando mostras de fazer essa distinção. Logo, os diferentes agentes econômicos e políticos envolvidos nesse processo deveriam partir desse reconhecimento, fortalecendo a mudança de posição em curso. O elogiável deve ser elogiado, o criticável deve ser criticado, sem nenhum tipo de parti-pris político.

Embora tenha sido pouco noticiado, o atual ministro das Comunicações fez importantes mudanças na legislação até então vigente sobre TV por assinatura, em função das profundas transformações do mundo digital. Observe-se que a legislação que rege a televisão aberta se distingue da fechada, que envolve a telecomunicação, enquanto a primeira se situa na radiodifusão. Tais alterações, apesar de sua pouca repercussão pública, foram fruto de intensas negociações, feitas num ambiente de diálogo. Há, contudo, ainda muito por fazer, sobretudo considerando a necessária mudança do marco regulatório em geral.

Segundo a legislação atual, por exemplo, a propriedade cruzada é proibida, não podendo uma mesma empresa manter jornais, rádios e televisão numa mesma cidade. Algumas empresas nãos seguem o que a lei estabelece. Pode-se, todavia, colocar a questão de se deve aplicar-se estritamente a lei ou modificá-la em razão da interconexão dos diferentes meios de comunicação. Não se trata, contudo, de uma questão simples, pois qualquer mudança no marco regulatório deveria seguir os princípios da concorrência e da pluralidade de opiniões e posições.

Outro aspecto que deveria ser posto em questão é o controle de meios de comunicação por políticos, que agiriam segundo seus interesses eleitorais. O tema das outorgas de emissoras ou retransmissoras de rádio e TV entra aqui em pauta e, aí, sim, dentro de um espírito de fortalecimento da cena democrática, independentemente de quaisquer apadrinhamentos. Nesse sentido, alguns princípios norteadores de tal discussão deveriam ser precisamente estabelecidos, tendo como condição evitar qualquer confusão com controle do conteúdo ou cerceamento da liberdade de imprensa.

O fortalecimento da pluralidade na comunicação é uma condição mesma de Estados democráticos, cuja regulação deveria ter em vista esse objetivo maior. Critérios e condições deveriam ter em vista esse "bem" estruturante da democracia. A concorrência entre distintas empresas é certamente imprescindível, pois quem ganha com isso é o cidadão consumidor, que pode escolher entre distintas alternativas que a ele se apresentam. Quanto maior for a concentração, menor a concorrência. Eis um debate que deveria ser levado em conta sem nenhum viés ideológico. Isso pressupõe que a livre-iniciativa reja o setor, com empresas concorrendo entre si e com empresas públicas e comunitárias, em espírito concorrencial, tendo como finalidade o interesse de todos os cidadãos.

Dever-se-ia, igualmente, tratar dos canais religiosos, sem preconceito algum, pois são legítimas suas formas de manifestação, independentemente das igrejas envolvidas, católica ou evangélicas. Na situação atual, há provavelmente equilíbrio entre elas.

Nada disso, porém, é possível se não for realizado um amplo debate público que leve em conta os diferentes atores e sensibilidades. A divulgação de propostas de modificação do marco regulatório é aqui central, cada um tendo direito de apresentar suas ideias. Se nada for feito, teremos, apenas, a conservação do status quo. O ministro Paulo Bernardo já deu mostras de ter distensionado o ambiente, num espírito de abertura e discussão.

Oportunidades desse tipo não podem ser desaproveitadas, em nome da democracia brasileira.