segunda-feira, maio 14, 2018

Inevitáveis reformas - PAULO GUEDES

O Globo - 14/05

Por despreparo ou covardia, vamos empurrar a falta crônica de empregos e o caos previdenciário para as futuras gerações?


Os regimes trabalhista e previdenciário brasileiros são politicamente anacrônicos, economicamente desastrosos e socialmente perversos. São armas de destruição em massa de nossos empregos, em meio à competição global. Reduzem a competitividade das empresas, fabricam desigualdades sociais, dissipam em consumo corrente a poupança compulsória dos encargos recolhidos, derrubam o crescimento da economia e o valor futuro das aposentadorias. Os excessivos encargos sociais e trabalhistas aumentam o custo de mão de obra para empresas, reduzem as oportunidades de emprego e os salários dos trabalhadores. Condenam à informalidade dezenas de milhões de brasileiros, que deixam por sua vez de contribuir para a Previdência. Com um novo regime, poderíamos baixar encargos, ampliar a base de contribuintes, criar milhões de empregos formais, aumentar a produtividade e os salários dos trabalhadores, aumentar a taxa de poupança, democratizar os lucros e a acumulação de riqueza, melhorar a eficiência dos investimentos e acelerar o crescimento econômico.

O atual regime previdenciário está estruturalmente condenado. Há bombas-relógios a serem pois desarmadas. a Previdência A quebrou primeira antes é demográfica, mesmo do envelhecimento da população. A segunda são os privilégios da classe política e do funcionalismo público em relação aos trabalhadores do setor privado. A terceira é a explosiva mistura de assistência social com benefícios previdenciários. A quarta são os proibitivos encargos sociais e trabalhistas, excluindo pelo menos 30 milhões de trabalhadores do mercado formal e impedindo suas contribuições. A quinta bomba é a dissipação de recursos num ineficiente e corrupto sistema público de repartição, em vez de acumular investimentos em sistema de capitalização da nova indústria previdenciária gerida por agentes privados, sob supervisão pública. A sexta é a dupla indexação dos privilégios previdenciários de uma casta superior, por múltiplos do salário mínimo.

Vamos condenar nossos filhos e netos a cair na mesma armadilha? Por despreparo ou covardia, vamos empurrar a falta crônica de empregos e o caos previdenciário para as futuras gerações? É tempo de escapar da insolvência, do desemprego em massa e do baixo crescimento com as reformas.


Pelo ajuste fiscal e pela infraestrutura - RAUL VELLOSO

O Globo - 14/05

Há só uma saída: equacionar a previdência dos servidores, uma sequência natural do esforço de ajuste iniciado na era FH e afinal consolidado na fase Lula


Difícil entender por que a sociedade — governo, imprensa, entidades de classe etc. — não se mobiliza o suficiente para solucionar dois problemas fundamentais do país. Um é a velha questão fiscal, que, em vez de melhorar de forma sustentável, piora a cada ano e impõe tamanha incerteza, a ponto de, por último — e puxada pela queda da taxa de investimento —, estarmos vivendo a pior recessão de nossa história. O outro é a nossa superprecária infraestrutura — particularmente de transportes — em piores condições do que a da grande maioria dos países, em que nossa falta de cuidado impede que o Brasil saia da armadilha do baixo crescimento.

Poucos talvez saibam, mas, além de expandir a capacidade de prestar tais serviços, investir em infraestrutura aumenta mais a produtividade do que no caso de o investimento se dirigir a vários outros setores. É só imaginar a ampliação da fronteira agrícola no oeste brasileiro resultante de um maior investimento em rodovias, ferrovias e portos naquela região, e o quanto isso representaria em termos de maior produção e emprego. Nada contra eles, mas obviamente, muito mais do que numa fábrica de badulaques no Centro-Sul. É incrível que um país com as oportunidades do nosso não aproveite a abundância de recursos financeiros que há muito prevalece nos mercados mundiais e está aí para captarmos. É só se organizar para isso.

Ou seja, na infraestrutura, dinheiro não falta, exceto no setor público. (E aí voltamos à crise fiscal). Em geral, o que falta é planejamento, bons projetos, entendimento de como o setor privado funciona, combate ao populismo exacerbado que impera no país, e coragem para enfrentar os problemas que surgem. Sobre isso, sugiro a leitura dos textos que acabam de ser apresentados ao Fórum Nacional a respeito desses temas, disponíveis em www.inae.org.br, onde há inclusive o link para o vídeo das discussões do encontro.

Com a vantagem de ter insônia com esses assuntos por tantos anos, volto à crise fiscal para dizer que, neste momento, há só uma saída: equacionar a previdência dos servidores, uma sequência natural do esforço de ajuste iniciado na era FH e afinal consolidado na fase Lula. Com menos sofrimento do que se pensa, isso permite apartar um pedaço grande de gasto obrigatório dos orçamentos, e depois dar-lhe o devido tratamento em fundos de pensão, como os que já existem por aí.

Aqui, apesar das vitórias parciais de reduzir a Selic e a inflação, o atual governo passou (e passa) batido. Na verdade, ajustar regras previdenciárias, como tentou e deu com os burros n’água até há pouco, é algo que pode esperar um momento menos explosivo politicamente para ser enfrentado. Mas assistir impassível ao enorme crescimento desse tipo de gasto em todas as esferas, e não fazer nada para dar um basta a essa situação, não dá mais. E fico tremendo só de pensar que, na campanha eleitoral que se inicia, ninguém vai querer tocar nesse tipo de assunto pelo temor de desgaste junto aos eleitores. E virá o velho refrão de pedir a quem sai que 
aprove alguma coisa penosa antes de ir embora, a fim de poupar o inevitável desgaste político ao próximo governante.

As mudanças introduzidas por FH e Lula são perfeitas, exceto porque só farão efeito daqui a 20-30 anos. Até lá o forte crescimento do gasto previdenciário que vem prevalecendo desde muito, e alcança fatias privilegiadas da sociedade, vai continuar acontecendo. Só que algo terá de ser feito, pois os orçamentos já estão completamente estrangulados, uns mais, outros um pouco menos. Quem teve força suficiente já avançou, e hoje abocanha uma fatia relevante. São os que chamo de “donos do Orçamento”.

Vejam que de 2002 a 2017, o gasto com os aposentados/pensionistas do conjunto dos estados, setor onde se situam os maiores problemas, subiu nada menos que 111% acima da inflação, enquanto o PIB real, açoitado pela recessão, subia apenas 28%. O que obviamente não se sustenta. O fatores básicos são que o percentual de idosos da população brasileira aumenta cada vez mais, combinado com as vergonhosas regras de dar aos aposentados os mesmos reajustes obtidos pelos ativos, em cima de benefícios que foram calculados pelos últimos salários da fase ativa (“paridade” e “integralidade”). Esses “direitos”, pelas regras atuais, só vão diminuir daqui a 20-30 anos.

A criação de fundos de pensão para “saldar” a dívida previdenciária está prevista na Carta Magna, e essa tarefa é bastante conhecida dos brasileiros, que tantos fundos desse tipo já montaram com sucesso nos últimos 50-100 anos. É só arregaçar as mangas e trabalhar.

Uma resposta deslavada - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 14/05

Sacrificar 140 crianças, comer seus corações e sacrificar 200 baby llhamas tá OK?

Vou propor hoje uma questão para sua segunda-feira. Dedico-a aos inteligentinhos do Brasil. Sabe-se que a filosofia, desde a Grécia, indaga-se acerca do chamado “relativismo”. Os sofistas eram os filósofos gregos que o defendiam: “o homem é a medida de todas as coisas” é uma máxima atribuída a Protágoras (481 a.C.–411 a.C.).

Grosso modo, relativista é quem entende que não existe verdade absoluta, nem moral absoluta, nem crença absoluta. Tudo depende do ponto de vista, da cultura, do momento histórico, enfim, “cada um é cada um”, como dizem os mais jovens. Claro que você já percebeu que ser relativista é bem contemporâneo.

Uma das formas mais importantes de relativismo é aquele “científico”, abraçado pela antropologia moderna. Segundo esta, é o conjunto de crenças, práticas e hábitos que determina o universo do que é verdade e do que é mentira, do que é bem e do que é mal, do que é certo e do que é errado. Logo, não havendo um conjunto único de crenças, práticas e hábitos na história humana, podemos afirmar que não há uma compreensão única do que é verdade ou mentira, bem ou mal, certo ou errado.

Lamento, mas a moçada dos direitos humanos é etnocêntrica, eurocêntrica e, portanto, “opressora”. Seria uma espécie de cristãos sem Jesus. Mas, não precisamos ir tão longe e estragar de forma tão radical a semana dos inteligentinhos. Nem temos esse poder. Mas, podemos, pelo menos, colocar uma questão para a moçada que defende o relativismo antropológico assim como quem toma chá natural. E para quem não defende também vale a reflexão.

Será que o que eu vou relatar é fake news? Ou verdade? Vamos aos fatos. Arqueólogos descobriram na costa norte do Peru, a cerca de 300 km do oceano Pacífico, região outrora habitada por uma civilização “pré-colombiana” (termo etnocêntrico, claro), conhecida como Chimú, 140 restos de crianças que, pelos sinais que os corpos apresentam, foram oferecidas em sacrifício.

A tinta encontrada nas cabeças das 140 crianças mortas parece ser a mesma tinta conhecida como a utilizada em seus rituais religiosos. Aliás, 200 baby lhamas também foram mortas no mesmo “evento”. Coitadinhas das baby llhamas. Que diriam os veganos disso? Coitadinhas das crianças também, claro.

O peito aberto das crianças parece indicar que o coração delas foi retirado (não há traços dos corações) durante o processo. Talvez para rituais canibais religiosos. Esse fato parece ter ocorrido 550 anos atrás, antes de os terríveis espanhóis chegarem. Vale salientar que achados semelhantes foram encontrados na região da atual capital do México: 42 crianças mortas em rituais. Estas, fruto da civilização asteca, também destruída pelos terríveis espanhóis.

Agora voltemos ao tema do relativismo. A questão que proponho nesta segunda-feira é: o que dizer desses achados? Vou responder de modo relativista, tá? Não quero incorrer no pecado capital do etnocentrismo.

Sacrificar 140 crianças, comer seus corações e sacrificar 200 baby llhamas (não vamos ser humanocêntricos e esquecer dos baby llhamas mortos também!) não é errado. E por que não? Se levarmos em conta o conjunto de crenças, práticas e hábitos desses povos, sacrificar 140 crianças, comer seus corações e sacrificar 200 baby llhamas está justificado por esse mesmo conjunto de crenças, práticas e hábitos. Questão resolvida. Vamos trabalhar.

Mas, antes, peço um momento de reflexão. É fato evidente que, se não levarmos em conta esse conjunto de crenças, práticas e hábitos, nunca seremos capazes de entender esse mesmo conjunto de crenças, práticas e hábitos. E, por consequência, jamais entenderemos o “Outro”. Como esse problema é uma questão de método, não podemos fugir da posição relativista se quisermos compreender o mundo dos diferentes conjuntos de crenças, práticas e hábitos culturais.

Imagino como reagiria o “novo mundo dos comentários”, esse pequeno inferno de bolso criado pelas mídias sociais, a achados como esse. E também à minha “deslavada” resposta relativista. Como fica a tal ética do “Outro” nessa? Como alguém em sã consciência pode não se revoltar com tamanho ato de violência contra crianças e baby llhamas (não esqueçamos delas!)? Desafio a qualquer inteligentinho dar a mesma resposta “deslavada” que dei.

Difícil de engolir? Vou te ajudar. Entenda que sua absurda revolta é, apenas, um brutal ato de etnocentrismo, portanto cale-se e vá trabalhar.


Luiz Felipe Pondé

Pernambucano, é escritor, filósofo e ensaísta. Doutor em filosofia pela USP, é professor da PUC e da Faap.