segunda-feira, maio 06, 2019

Macaquinhos livres e responsáveis - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 06/05

Veganos sexuais recusam fazer sexo oral em quem coloca um bife na boca. Que nojo!


O mundo contemporâneo é ridículo. No futuro, nossos descendentes olharão para nós e rirão de nosso ridículo. Querem alguns exemplos, para começar a semana bem?

Existem pessoas que sonham com um mundo em que a alimentação seria tão pura que as frutas disponíveis para venda seriam colhidas por macaquinhos —disse certa feita um amigo meu filósofo amador e corintiano. Imaginem que coisa mais linda: toda uma indústria de alimentação cuja fonte fossem colônias de macaquinhos livres colhendo livremente frutas livres!

Aliás, essa ideia surgiu numa conversa em que o tópico era uma manifestação de veganos em frente a uma grande catedral numa cidade europeia muito chique. Um telão mostrava imagens de animais sendo mortos em matadouros. Ao lado, barraquinhas trabalhavam pela causa dos macaquinhos livres colhendo frutas livres e acima um banner de uma importante marca de tecnologia. As pessoas, todas europeias chiques, do tipo que salva o mundo plantando uma horta orgânica na sua varanda, pareciam não saber que o veganismo é uma indústria gigantesca cujo objetivo é ter lucro com essa gente riquinha. Veganismo é big business.

Uma derivação desse grupo são os veganos sexuais. Estes, enojados com pessoas que são cruéis o bastante para chacinar vaquinhas inocentes, recusam fazer sexo oral em quem coloca um bife na boca.
Olhe lá o que você anda colocando na boca, tá?!

Outro exemplo do mundo contemporâneo ridículo: campanha contra mulheres fazerem sexo de quatro. Sim, você leu certo. Já tivemos a chance, noutro momento, de prever esse movimento contra mulheres fazerem sexo de quatro. Como sempre digo, basta imaginar coisas ridículas e você tem uma enorme chance de virar profeta hoje. A ideia é que ficar de quatro no sexo é submissão. No pé que as coisas vão, o desejo sexual será colocado na lista de coisas ruins como o tabaco e o bife. Pedir pra puxar o cabelo, então, nem pensar. Seria transar de quatro uma violência de gênero?

Nossa lista avança. Coaching de gratidão financeira. Se já não bastasse o povo que fala “gratidão”, ou pior, “gratiluz”, e que afirma que aprendendo a ser grato você dormirá melhor à noite, agora surge no mercado de coaching o pessoal que ensina a gratidão financeira. Segundo nossos profissionais que ensinam a você ser uma pessoa bem-sucedida berrando fórmulas, dizendo “obrigado” ao dinheiro (será mesmo? Custo a crer...), você ganhará mais dinheiro.

Veja: devemos sim ser gratos a quem nos dá a chance de trabalhar e ganhar dinheiro. Devemos sim saber que, mesmo sendo competentes, existe uma dimensão de contingência que depende da sorte, do azar e de pessoas com boa vontade para nos ajudar.

Devemos ser gratos. Mas, se alguém te cobra pra te ensinar a ser grato e diz que sendo grato você ganhará mais dinheiro, cuidado! Você deve estar diante de alguém que fará você perder dinheiro. Ele deverá sim agradecer a sua ingenuidade. E o “tricoaching”? Coaching com tricô...

Semelhante ao absurdo acima é você gastar dinheiro para aprender a se despedir de camisas, calcinhas, cuecas e sapatos. E não se esqueça dos cintos, coitados! Se você não consegue jogar fora coisas velhas que não servem mais para nada, contrate um coach que ensinará a agradecer tudo o que sua calcinha fez por você. Reconheça, antes de jogá-la fora, o quanto ela foi essencial para você descobrir que gostava, antes de proibirem, de fazer sexo de quatro. Seja sincero com sua cueca ao reconhecer que você brochou tantas vezes na vida, mas que nada disso foi culpa dela, coitada. Chore sinceramente diante do saco de lixo em que você está a ponto de jogá-la.

E, para completar nossa seleção de coisas ridículas desta segunda-feira, vamos refletir um pouco sobre um novo conceito fundamental para a vida afetiva: responsabilidade afetiva. Conhece? Se não conhece, você deve praticar com frequência irresponsabilidade afetiva.

Ser responsável afetivamente é não fazer ninguém sofrer por amor. Sei. Sendo você uma pessoa inteligente, e com experiência de vida, já sacou que ninguém ama sem sofrer. Desde o alto paleolítico, naquela época em que as pessoas de 15 anos não achavam que entendiam mais das coisas do que as de 50, já se sabia que amar é sofrer. Responsabilidade afetiva é você ter uma desculpa chique pra projetar sobre o outro suas neuras afirmando que, se ele não faz o que você quer, ele é um irresponsável afetivo. Uma forma de covardia afetiva gourmet. Ridículo.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Nossa vontade nem sempre prevalece - MARCIA DESSEN

FOLHA DE SP - 06/05

Cônjuge é herdeiro necessário no regime da separação convencional (total) de bens



Foi-se o tempo em que os casais eram necessariamente hétero e viviam um único casamento, tradicional, que durava a vida inteira. Atualmente, relacionamentos modernos desafiam os legisladores a contemplar novos modelos de união.

Também é fato que uma vida mais longeva nos permite casar de novo, e de novo, quando a primeira tentativa falha. E, nesse caso, como fica nosso patrimônio? A quem pertencem os bens adquiri-
dos durante relacionamentos anteriores?

O regime de bens escolhido pelo casal deixa clara a vontade de ambos. Entretanto, escolhido o regime de separação convencional de bens, é importante saber que o pacto antenupcial dispõe somente acerca da incomunicabilidade de bens (e o seu modo de administração) no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte.

João, 55 anos, e Maria, 50 anos, ambos divorciados, resolveram se casar. Maria tem dois filhos do casamento anterior, e João não tem filhos. Após enfrentarem divórcios conturbados, com dificuldades na partilha dos bens, tinham a certeza de que a melhor forma de tratar as questões patrimoniais no novo casamento se daria pela escolha do regime da separação de bens, mediante pacto antenupcial regrando que cada um deles permaneceria com os bens que já possuíam, administrando-os sem nenhuma interferência.

Maria morreu. Como o legislador incluiu o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (artigo 1.845 do Código Civil), no curso do inventário João foi incluso como herdeiro, estabelecendo-se a concorrência sucessória entre ele e os filhos de Maria.

Estes, indignados, alegaram que eles foram casados sob o regime da separação total de bens e que a inclusão dele como herdeiro era inadmissível, lembrando não ser essa a vontade da mãe e de João quando se casaram.

Ainda que existam entendimentos similares aos dos filhos de Maria, no sentido de que o cônjuge acaba sendo presenteado com parte dos bens do morto, mesmo que este jamais tenha sido o desejo do casal, a advogada Andrea Angélico Massa lembra que tal regime não foi arrolado como exceção à regra de concorrência no artigo do Código Civil que trata do assunto. João é herdeiro de Maria e concorre com os filhos dela na sucessão patrimonial, ponto final.

Exploramos as hipóteses possíveis de escapar dessa situação e fazer prevalecer a vontade do casal, manifestada em vida e formalizada na escolha do regime de bens.

Testamento, doação em vida, VGBL são instrumentos que permitem organizar a partilha de bens. Entretanto, todos os instrumentos devem respeitar a legítima dos herdeiros, segundo o legislador.

Maria poderia ter disposto livremente, em testamento, de 50% do patrimônio. Os outros 50% devem respeitar a legítima: 16,666% para cada filho e 16,666% para João.

Se ela tivesse testamentado que 50% da parte disponível é dos dois filhos, cada filho ficaria com 25% + 16,66%, e João, apenas com 16,66%. Se nada for manifestado em vida, João receberá exatamente o mesmo quinhão dos filhos de Maria: 33,33% para cada um.

Depois de analisar todas as hipóteses, e procurando dar um pouco de humor e leveza ao texto, encontrei as seguintes saídas para que o cônjuge sobrevivente seja excluído da partilha de bens: casar depois dos 70 anos quando o regime de separação obrigatória de bens será adotado, afastando o cônjuge da concorrência com os descendentes; ou contar com a generosidade da renúncia do cônjuge sobrevivente da parte que lhe cabe.

Marcia Dessen
Planejadora financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro”.

Cinco anos do Marco Civil da Internet - RONALDO LEMOS

FOLHA DE SP - 06/05

O país mergulhou em crise, mas o modelo brasileiro de internet permanece respeitado

O Marco Civil da Internet acaba de completar cinco anos. É a primeira lei brasileira a tratar de forma abrangente a rede, protegendo direitos e criando deveres.

Para ter uma ideia da sua importância, ele protegeu no país a chamada “neutralidade da rede”. Esse princípio impede que haja discriminações na raiz da conexão. Entre seus impactos, está a possibilidade de desenvolvimento sem discriminação de serviços intensivos em tráfego de vídeo, como a Netflix.

Uma das características do Marco Civil foi sua construção colaborativa. Ele surgiu a partir da sociedade (e não do Estado) e daí foi ganhando força. Diferentemente das leis tradicionais, sua redação aconteceu online, a olhos vistos e aberta para quem quisesse participar.

Houve contribuições da comunidade científica, dos setores público e privado, de bibliotecários e até mesmo da associação das LAN houses (principal forma de acesso à rede à época). Foi, assim, uma das primeiras leis construídas de forma colaborativa usando a própria rede.

Essa história é contada em forma de thriller pela jornalista Ana Carolina Papp no livro “Em Nome da Internet: Os bastidores da Construção Coletiva do Marco Civil”, disponível online.

O Marco Civil logo ganhou reconhecimento internacional. Por exemplo, o criador da World Wide Web (WWW), Sir Tim Berners-Lees, disse que o Marco Civil “é um bom exemplo de como governos podem desempenhar um papel positivo no avanço de direitos na web e na manutenção da rede aberta”.

Um dos pontos mais importantes do Marco Civil é que ele continuou uma boa prática que o país adota desde 1988: tratar a internet a partir do chamado multissetorialismo. Em outras palavras, reconhecer que a internet não é um fenômeno nem público nem privado, mas sim multissetorial.

Faz sentido. A internet surgiu no Brasil em razão de um esforço coletivo que envolveu tanto sociedade quanto Estado. 

Em 1989, o país já tinha o primeiro serviço de provimento de rede, oferecido pelo Ibase, a organização fundada por Carlos Afonso e Betinho quando retornou do exílio. Nesse ano foi criada também a RNP (Rede Nacional de Pesquisa) com a missão de consolidar a ligação do país à internet. Esses esforços paralelos convergiram no início dos anos 1990 para garantir que a Rio-92 tivesse acesso à rede (o que surpreendeu os participantes do evento!).

A cooperação entre Estado e sociedade é a essência da governança da rede no Brasil. Foi esse princípio que impediu que o acesso à internet fosse monopolizado pela Telebras, permitindo que fosse prestado livremente por empreendedores privados. Foi também esse princípio que levou à criação do Comitê Gestor da Internet.

O multissetorialismo projetou o país até 2014 como um dos líderes nas negociações mundiais sobre governança da rede. Desde então o país mergulhou em crise, e essa influência se diluiu. Mas na área de internet o modelo brasileiro permanece respeitado.

O aniversário do Marco Civil será um dos temas do evento que acontece nesta terça (7) no Congresso Nacional (Conet 2019), com abertura do presidente da Câmara.

O mundo mudou desde sua aprovação, mas os princípios que levaram ao Marco Civil permanecem importantes como sempre.

READER

Já era Apenas um único sistema de GPS

Já é Vários países criando seus próprios sistemas de GPS

Já vem Sistemas de GPS criados em modelo “open source”, com satélites independentes

Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Ideias feitas - RUY CASTRO

Folha de S. Paulo - 06/05

A jabuticaba não é exclusiva do Brasil. Mas a arrogância, a pretensão e a ignorância querem ser



As ideias feitas são um perigo. Elas nos dispensam de pensar. Como circulam sem contestação, tendemos a ouvi-las, aceitá-las e usá-las como se sobre elas não restasse a menor dúvida. Mas e se estiverem erradas? Eu próprio escorreguei em uma, outro dia (17/4). Referi-me à impressionante afirmação do presidente Jair Bolsonaro, de que onazismo era uma ideologia de esquerda, como uma ideia que, “como a jabuticaba”, só existia no Brasil. Ninguém discutiu a exclusividade brasileira da frase de Bolsonaro —onde mais alguém teria tal ideia? Mas, a da jabuticaba, sim.

Um leitor escreveu para alertar que a ideia de que a jabuticaba só existe no Brasil, que todos repetem, não é verdadeira. Segundo ele, encontram-se pés de jabuticaba também no México, Bolívia, Peru, Paraguai e nordeste da Argentina. Apanhado no contrapé, fui investigar. Consultei amigos com notório saber em jabuticabas —um já produziu um “paper” acadêmico sobre elas— e fui informado de que, de fato, nativa do Brasil, a jabuticaba saiu flanando por aí e pode ser encontrada nos países citados. Donde a famosa frase sobre ela é, no máximo, meia verdade.

A ideia feita, dependendo do assunto, resulta da arrogância, da pretensão ou da ignorância. Mas contará, quase sempre, com o aval da unanimidade —aquela que Nelson Rodrigues chamava de burra porque, quando pensamos com a unanimidade, não precisamos pensar.

No século 19, Gustave Flaubert começou a escrever um “Dicionário das Idéias Feitas”, que antevia como uma “enciclopédia da estupidez humana”. O livro saiu, mas incompleto, porque ele morreu antes. Tudo bem. Mesmo que tivesse vivido mil anos, Flaubert também não o concluiria, porque a estupidez não tem fim.

A jabuticaba fez bem em expandir seus domínios fora do Brasil. O Brasil é que está se esforçando para concentrar toda a arrogância, pretensão e ignorância mundiais.

Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Colômbia: tão perto e tão longe da Venezuela - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 06/05

País que recebe mais refugiados do chavismo marcha para a prosperidade

A Colômbia é o país que mais recebe refugiados da diáspora venezuelana. Segundo as Nações Unidas, mais de 1 milhão, do total de 3 milhões que preferem ver o ditador Nicolás Maduro pelas costas, acabou em terras colombianas.

A julgar pelo contraste entre as trajetórias das duas nações nas últimas décadas, a fronteira entre elas parece um daqueles portais de filmes de ficção conectando dois universos distintos. Ao cruzá-la, deixa-se uma sociedade em colapso para outra que marcha para a prosperidade.

No último decênio, a economia da Colômbia cresceu à taxa anual de 3,5%, ritmo que tende a no mínimo manter nos próximos anos. É quase o triplo da velocidade brasileira (1,2%), que periga declinar ainda mais conforme se aproxima o fecho da segunda década do século 21.
Falta pouco para a renda por habitante colombiana se igualar à brasileira. Em 1980, cada morador da nação vizinha ganhava menos de 60% do que se obtinha no Brasil. A desigualdade aqui parou de cair. Lá não.

Enquanto uma erupção de violência urbana assolava a Venezuela chavista —e um fenômeno de menor intensidade fazia piorar as taxas brasileiras—, os assassinatos declinavam na Colômbia. As marcas de 70 mortes por 100 mil habitantes, atingidas no final da década de 1990, deram lugar a cifras em torno de 25. Ainda ruins, mas menores que as do Brasil e bem distantes das venezuelanas.
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O desempenho de estudantes colombianos na prova internacional Pisamelhora seguidamente e supera o dos brasileiros, embora aqui se gaste mais com ensino. Em outra avaliação mundial, sobre facilidade para fazer negócios em 190 países, a Colômbia fica na 64ª posição, a melhor da América do Sul. O Brasil aparece no 109º lugar, e a Venezuela, no 188º.

Hipóteses para explicar o sucesso relativo da Colômbia? Adesão a valores como estabilidade, abertura, racionalidade econômica, pacificação nacional, segurança pública e alternância no poder sem que isso signifique aniquilação de adversários.

Vinicius Mota
Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP

Gastando por mágica - SAMY DANA

O GLOBO - 06/05

Justificativas místicas são usadas para justificar o consumo, como gastar com uma roupa por estar sob estresse


Muitas pessoas consomem de maneira irracional. Não estamos falando de uma irracionalidade que aparece bastante neste espaço — agir contra os próprios interesses —, mas de outro tipo de falta de razão. Elas compram um imóvel porque acham que tem uma “boa energia”. Tratam objetos como amuletos e consomem avidamente produtos que prometem a cura para a calvície ou emagrecer sem esforço, apesar das evidências científicas em contrário.

Ter esse comportamento não significa que essas pessoas são menos inteligentes ou ingênuas. Diante da alguma incerteza, apelar ao sobrenatural é um ritual comum no dia a dia de grande parcela da humanidade, e isso vale para as decisões de consumo. E, como resultado, muitas vezes gastamos mais do que devíamos, demonstram Yannik St-James, Jay Handelman e Shirley Taylor, todos professores de marketing, em um artigo de 2011.

Quando se trata de consumo — explica o trabalho, publicado no Journal of Consumer Research —, essas justificativas místicas assumem um traço particular. É normal gastar em algo como uma bela taça de sorvete ou aquela roupa cobiçada só porque estamos estressados. O consumo tem um lado terapêutico, mas também pode ser fonte de estresse, principalmente se queremos gastar e não podemos. É aí que muitos recorrem a uma solução mágica.

Para demonstrar, os pesquisadores montaram um estudo com pessoas que tentavam emagrecer. Primeiro eles entrevistaram seis mulheres, entre 37 e 76 anos, sobre seu esforço para perder peso e os produtos que costumam usar. Numa segunda fase, o estudo acompanhou quatro blogs, nos quais as autoras narravam as tentativas de emagrecer. A pesquisa também acompanhou alguns fóruns na internet sobre emagrecimento.

Estar acima do peso ou obeso pode ser bastante estressante, seja pela pressão social, as preocupações com a saúde e os danos à autoestima. Um estudo de 2012, feito pela Nestlé, mostrou que seis em cada dez brasileiras querem emagrecer. Já nos EUA, se gasta US$ 30 bilhões todos os anos com dietas, livros e produtos para emagrecer. Muitos prometem resultados milagrosos que quase nunca se comprovam.

A pesquisa envolveu apenas mulheres por considerar que vivem, segundo os pesquisadores, muito mais do que os homens, sob pressão da “ditadura da magreza”. A ideia era entender como elas manipulam a realidade para lidar com o objetivo, muitas vezes de uma vida inteira, de emagrecer. Todas faziam dieta e se exercitavam, mas a maioria também encontrava outros significados no esforço.

Suponha que você está tentando emagrecer ou prestes a começar uma dieta e, depois do almoço, precisa decidir se come ou não a sobremesa, uma bela e calórica fatia de torta. A decisão lógica é recusar, mas é quando o pensamento mágico entra em ação. O estudo coletou três argumentos que damos a nós mesmos para descumprir o combinado: “Se fiz dieta, mereço esse doce” (retribuição), “Vou comer esse doce porque depois posso me esforçar” (a última ceia) e “Vou comer o doce e tomar remédios para emagrecer” (eficiência).

O mesmo vale para quem está tentando economizar e se vê diante de um celular que vinha querendo comprar. O lógico é não gastar, mas a pessoa pode já ter economizado um pouco e achar que merece o aparelho ou pensar que pode gastar agora, pois é capaz de poupar depois. E outros podem preferir alegar que depois vão ganhar mais dinheiro e nem precisarão poupar.

O lado bom é que o pensamento mágico também funciona para atingir objetivos. Uma participante do estudo, por exemplo, mantinha-se fiel à dieta por achar que merecia emagrecer. E para muitos consumidores, uma solução mágica, como achar que uma compra dará sorte ou um docinho é merecido, pode ajudar a manter a esperança de se controlar depois. Mesmo que custe caro agora.

STF curva-se perante Erdogan - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 06/05

Ato de Fachin converte o sistema judicial brasileiro em tentáculo da repressão do regime autoritário turco


Ali Sipahi era, até um mês atrás, um homem comum. De lá para cá, por um ato do STF, tornou-se o único preso político do Brasil. No 6 de abril, cumpriu-se sua prisão preventiva para fins de extradição, determinada pelo ministro Edson Fachin, sob a acusação de terrorismo. Kafka passeia entre nós: a prova do “crime” de Sipahi, brasileiro naturalizado de origem turca, foi depositar, em 2014, uma ínfima quantia no Banco Asya, então um banco legal na Turquia. Caímos baixo: o ato de Fachin converte o sistema judicial brasileiro em tentáculo da repressão do regime autoritário turco de Recep Erdogan.

Narro uma história que, a essa altura, Fachin teria o dever de conhecer. A cisão entre Erdogan e o clérigo Fethullah Gulen, seu antigo aliado, em 2013, provocou o declínio do experimento democrático na Turquia. A perseguição ao Hizmet, movimento dirigido por Gulen com centenas de milhares de aderentes, ganhou as dimensões de um expurgo colossal desde a tentativa de golpe militar de julho de 2016, atribuída sem provas a seu inimigo político. Sipahi está preso por pertencer à Câmara de Comércio Turco-Brasileira e ao Centro Cultural Turco-Brasileiro, instituições inspiradas pelo Hizmet. Ele é um prisioneiro de consciência feito pela nossa precária democracia, que presta vassalagem judicial a um tirano.

Fachin não está só no pátio da vergonha. Tem a companhia do vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, que assina um parecer do MPF contrário à revogação da prisão preventiva. Conto o que os dois doutores fingem não saber.

Erdogan qualificou o frustrado golpe de 2016 como um “presente de Deus” que propiciaria a “limpeza social” da Turquia. O Hizmet, uma rede de sociedades filantrópicas, escolas, centros culturais e instituições financeiras (como o Banco Asya), prega a economia de mercado, o empreendedorismo e a conciliação do Islã com os valores democráticos. Diante da onda repressiva de Erdogan, cerca de 250 turcos ligados ao Hizmet encontraram no Brasil um pátria alternativa. Eles imaginaram emigrar para uma nação que respeita os tratados internacionais de direitos humanos e sua própria Constituição. O “novo” Fachin, um desmemoriado que se esqueceu de suas decisões recentes, não podia fazer parte do cálculo deles.

Faz só três anos que o STF revogou, por unanimidade, a prisão preventiva de um extraditando solicitado pelo regime chavista de Maduro. O relatório, escrito por Fachin, apontava as violações de direitos humanos, a perseguição de opositores e a submissão do Judiciário ao Executivo na Venezuela. O cenário turco assemelha-se, sob os três aspectos, ao venezuelano. Qual é a conveniência oculta, extra-judicial, que explica o contraste entre as duas decisões?

Sipahi não se chama Cesare Battisti. Jamais matou alguém. Nunca foi condenado por nenhum tribunal independente. Cidadão brasileiro, com filho brasileiro, residência fixa e 16 funcionários em São Paulo, ele não é uma “causa célebre”, da esquerda ou da direita. O descaso conjunto do STF e do MPF com os princípios dos direitos humanos o transformou em vítima de um regime que se nutre dos serviços de um cortejo de juízes vergados diante do poder de turno.

Stalin instaurou sua ditadura totalitária a pretexto de limpar a URSS dos “trotskistas”. Na sua cruzada autoritária, Erdogan substituiu “trotskistas” por “gulenistas”. Os expurgos turcos produziram a prisão de 50 mil opositores, inclusive cerca de 300 jornalistas e 600 advogados, a exoneração de 150 mil funcionários públicos e de 4,2 mil juízes e procuradores, a demissão em massa de professores universitários e o fechamento de 166 veículos de comunicação.

As garras persecutórias do regime turco estendem-se pelo mundo todo, por meio das embaixadas. Nas democracias, os magistrados protegem os exilados turcos da fúria do tirano. Na Rússia, juízes que não merecem esse título mandam prendê-los. Fachin, que permanece sentado sobre a sua decisão insensata, empurra o Brasil à vala de Putin. Até quando aguardarão os demais ministros do STF para dar um basta à marcha do arbítrio?

Expectativas limitam recuperação - GUSTAVO LOYOLA

Valor Econômico - 06/05

Em qualquer cenário de recuperação econômica a reforma da previdência tem uma centralidade absoluta


Os primeiros quatro meses da administração Bolsonaro trouxeram sinais conflitantes para os agentes econômicos que de uma maneira geral iniciaram o ano com expectativas positivas sobre o desempenho do novo governo no campo da política econômica. Essa frustração das expectativas tem sido uma das causas, embora não a única, das dificuldades para uma recuperação mais vigorosa da economia brasileira neste início de ano.

A eleição de Bolsonaro e sua opção por uma equipe econômica de viés indubitavelmente liberal sinalizavam para uma oportunidade ímpar para o Brasil realizar finalmente uma reforma previdenciária que tirasse do horizonte os riscos fiscais e também desse início a um programa de reformas destinadas a aumentar a produtividade da economia e a melhorar o ambiente de negócios vigente no país.

É certo que sempre houve dúvidas sobre a conversão de Jair Bolsonaro às ideias liberais em economia, ele que ao longo de sua carreira política jamais tivera posições alinhadas a esse credo. Porém, a fala do "posto Ipiranga" e sua admissão pública de ignorância em economia bastaram para levar a maioria a crer que Paulo Guedes fosse ditar os rumos da política econômica, sem muita interferência do novo presidente da República.

Ocorre que a indigente capacidade de articulação política no Congresso, a insistência do governo em posturas ideológicas polêmicas e divisivas e a evidente incompetência de alguns dos auxiliares diretos do presidente da República estão contribuindo para minar a confiança inicialmente depositada pela maioria dos agentes econômicos na capacidade de Bolsonaro conseguir com relativa rapidez, e aproveitando o capital político advindo das urnas, obter as vitórias legislativas indispensáveis ao sucesso de uma agenda reformista, nomeadamente na questão da previdência social.

Para piorar a situação, o desempenho da economia no último trimestre do ano passado e nos meses iniciais de 2019 foi decepcionante, em razão não apenas das próprias incertezas na esfera política, mas também fruto de outros fatores relevantes, tais como a fraqueza da economia global e os efeitos defasados dos choques a que economia brasileira esteve submetida no ano passado. Tudo isso acabou por contribuir para uma reversão parcial das expectativas positivas sobre o desempenho da economia, como atestam as sucessivas revisões para baixo das projeções de crescimento do PIB em 2019 e 2020 coletadas pela pesquisa Focus do Banco Central.

Em qualquer cenário de recuperação sustentável da economia brasileira, a reforma da previdência tem uma centralidade absoluta, pois somente ela pode remover os riscos de um crescimento descontrolado da dívida pública, além de abrir espaço para uma gestão mais eficiente do gasto do governo nos anos vindouros. É evidente até para os mais míopes em economia o estado indigente das contas públicas no Brasil em todas as três esferas de governo, situação para a qual contribuem principalmente os crescentes gastos com o pagamento de benefícios a aposentados.

Por causa disso, todas as atenções se voltam para a tramitação da proposta de reforma da previdência social submetida pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional. Se de um lado o teor da proposta não decepcionou, sua tramitação no Legislativo tem preocupado a ponto de afetar as próprias projeções de cenários para a economia brasileira no quadriênio 2019-2022.

O rol das dificuldades e trapalhadas que o governo Bolsonaro em suas relações com o Congresso Nacional é extenso, mas a síntese é que sua pobre articulação com o Congresso e a inexperiência evidente de alguns dos atores políticos relevantes estão colocando em risco a aprovação de uma reforma substanciosa da previdência ainda neste ano. Preocupa especialmente o risco de diluição excessiva pelo Congresso da proposta inicial da reforma, trazendo as economias esperadas nos próximos dez anos do patamar inicial esperado de R$ 1,3 trilhão para menos de R$ 500 bilhões o que representaria uma reforma bem aquém das necessidades impostas pelo sombrio cenário fiscal já instalado no país.

Por outro lado, a crença na agenda de liberalização econômica e de criação de um ambiente mais favorável ao crescimento foi de certo modo abalada por episódios de interferências desastradas do próprio presidente Bolsonaro, como nos casos da suspensão do aumento do diesel programado pela Petrobras e da retirada da publicidade do Banco do Brasil por, digamos assim, "excesso" de diversidade. Muito embora as piores consequências tenham sido evitadas, em ambos os casos ficou evidente que o núcleo familiar-palaciano do governo tem um DNA populista e intervencionista que pode interferir negativamente sobre a direção liberal de política econômica empreendida pelo ministro Guedes e sua equipe.

Em suma, o desempenho da atividade econômica nos próximos meses é altamente dependente da agenda política, tanto no que diz respeito à tramitação da reforma previdenciária e de outras medidas no Congresso, quanto da capacidade do Executivo de fazer avançar agenda de reformas microeconômicas, incluindo privatizações e concessões. Por enquanto, felizmente, as expectativas ainda estão no terreno positivo, em que pese as frustrações trazidas nos primeiros quatro meses da administração de Jair Bolsonaro.

Procuradora de esquerda quer barrar colega conservador em Comissão que investiga ditadura - RENAN BARBOSA

GAZETA DO POVO - PR - 06/05
Os grupos de aplicativos do Ministério Público Federal (MPF) estão pegando fogo novamente. No centro da polêmica, expoentes dos setores à esquerda e à direita na instituição, em mais um trailer do que será a disputa renhida que se avizinha pelo cargo de procurador-geral da República (PGR). O mandato da atual PGR, Raquel Dodge, termina em setembro – e o meio de campo está mais que embolado.

A subprocuradora-geral Deborah Duprat, que comanda a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), enviou ao Conselho Superior do Ministério Público (CSMPF) uma manifestação contrária à indicação do colega Ailton Benedito Souza, do MPF em Goiás, para a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). A questão será debatida no CSMPF nesta terça-feira (7).

Duprat é uma das líderes do bloco “progressista” do MPF. No curto período em que exerceu interinamente a PGR em 2009, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) as ações que acabaram liberando a marcha da maconha, o aborto de fetos anencéfalos e a possibilidade de mudança de nome e sexo no registro civil de pessoas trans sem necessidade de cirurgia ou laudo médico. Já Benedito ganhou fama nos últimos anos por sua atuação forte e abertamente conservadora nas redes sociais e por sua atuação contra a “censura branca” de Facebook e Twitter contra perfis de usuários.

Benedito foi convidado para compor a CEMDP do MMDFH no último dia 15 de abril, mas sua designação por decreto presidencial depende da prévia indicação formal da PGR. Diz a lei que é função da PGR “designar membro do Ministério Público Federal para funcionar nos órgãos em que a participação da instituição seja legalmente prevista, ouvido o Conselho Superior”. Foi nessa fase que a procuradora Deborah Duprat – que não faz parte do CSMPF – resolveu usar seu cargo como chefe da PFDC, que é um dos três grandes braços do MPF, para se manifestar contrariamente ao nome de Benedito.

Fora a disputa política, há uma questão jurídica importante: pode uma instituição MPF barrar uma nomeação que compete ao presidente da República? Se a PGR não assinar a designação de membro do MPF, o presidente não poderá nomeá-lo por decreto? Até o ponto que consegui perguntar a membros do MPF, a situação seria inédita e poderia gerar um impasse.

“A manifestação da PFDC é pela incompatibilidade do Procurador da República Ailton Benedito de Souza para integrar uma comissão cujo propósito principal é, a partir do reconhecimento da culpa do Estado brasileiro por atos cometidos por seus agentes no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, acolher os familiares dos desaparecidos políticos e empreender esforços que lhes permitam chegar aos seus corpos ou, ao menos, à verdade dos fatos”, escreveu Duprat em manifestação do dia 26 de abril.

Benedito manifestou-se neste sábado (4). “Destarte, no âmbito do MPF, não se pode pretender punir, ainda que dissimuladamente, membros que veiculam pontos de vista dissonantes no espaço público, a pretexto de se praticar uma ‘censura do bem’ contra o ‘herético’; fenômeno que esconde o medo de que o outro possa provocar ‘dissonância cognitiva’ nos imunizados”, escreveu o procurador. “Em nenhuma disposição relativa à matéria se enuncia que a PFDC deve opinar sobre a indicação de membro do MPF para integrar a CEMDP. Talvez, no afã de opinar, expedir notas técnicas, recomendações etc., sobre tudo, independentemente de suas atribuições, a PFDC acabe se esquecendo de que o ordenamento jurídico serve para regular inclusive a sua atuação”, afirmou ainda.

Duprat elenca as seguintes razões para defender sua tese:

O convite partiu do secretário de Proteção Global do MMFDH, Sérgio Queiroz, e não do presidente Jair Bolsonaro (PSL) – o que, é preciso dizer, é rotineiro e regra na administração pública;

Benedito não faz parte do grupo de trabalho “Direito à Memória e à Verdade” e do “Grupo de Trabalho Justiça de Transição” da instituição;

Benedito atuaria muitas vezes contra “providências da PFDC e de seu GT DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE”;

Benedito divulgou em seu perfil do Twitter uma nota do portal O Antagonista repercutindo que o MMFDH ignorou outra recomendação de Duprat, desta vez contra a portaria que instituiu os novos membros da Comissão de Anistia;

A presença de postagens com “opiniões sempre críticas às providências que são ou devem ser tomadas na perspectiva de uma justiça de transição” no twitter do procurador.

Benedito contesta que não tenha experiência na área da Comissão, citando um inquérito que presidiu em 2009 para investigar mortos e desaparecidos em Goiás, mas pontua que sua “atuação na matéria em questão não está vinculada obrigatoriamente a entendimentos dos mencionados Grupos de Trabalho, para os quais, inclusive, não costumam ser designados membros do MPF que, de antemão, possam ter opiniões que se vislumbram divergentes das predefinidas”.

“Com efeito, não pode a PFDC arvorar-se detentora de competências e prerrogativas do Conselho Superior do Ministério Público Federal nem do Procurador-Geral da República, muito menos do Congresso Nacional e do Presidente da República, e inovar a ordem jurídica, criando requisitos ideológicos e, consequentemente, ilegais para integrantes da CEMDP”, conclui Benedito.

Não é a primeira vez que a PFDC tenta garantir para si uma reserva de mercado. Quando a atual PGR teve de recuar na sua intenção de criar os Ofícios Especializados indicados diretamente pela cúpula do MPF – apelidados de “procuradores biônicos” e que atraíram a repulsa de mais da metade dos membros ativos do MPF –, veio à tona a tentativa da PFDC de criar, no seu ramo do MPF, a mesma iniciativa, em que os procuradores dos ofícios seriam indicados diretamente pela chefe da PFDC. No caso, a mesma Deborah Duprat, que fica no mandato até maio de 2020.

Com os sinais cada vez mais claros de que o presidente da República pretende indicar um PGR alinhado a suas convicções – e sem a clareza sobre se respeitará ou não a lista tríplice que a categoria vai votar em junho, observada desde 2003 por todos os presidentes – a disputa por espaço no MPF não vai acabar tão cedo.

Glamourização ideológica das drogas - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O Estado de S. Paulo - 06/05


Não se pode sucumbir à síndrome de avestruz quando a vida das pessoas está em jogo


Ruy Castro, o brilhante autor de O Anjo Pornográfico e Chega de Saudade, livros obrigatórios para quem gosta de um belo texto, costuma acertar no alvo. Em sua coluna na Folha de S.Paulo, mais uma vez foi preciso, corajoso e politicamente incorreto. Ao comentar a Política Nacional de Drogas do governo, que investirá na abstinência do usuário, em vez de na redução de danos, Castro fechou com a proposta. Armado de uma sinceridade afiada, fruto da experiência vivida e sofrida, não faz concessões.

Considera um equívoco, marca registrada da política de redução de danos, a referência aos usuários cujo grau de dependência seja mais baixo. “Na condição de dependente químico que se tratou há 31 anos e tem se mantido à distância dos produtos, aprendi, comigo mesmo e com usuários e dependentes com quem convivi, que as duas categorias não formam uma mesma pessoa. Um usuário pode passar a vida usando sua droga em quantidade razoável para seu organismo – e apenas para este – sem se tornar dependente. Mas se a dependência se instalar – ou seja, se o organismo passar a exigir a droga para se manter estável –, não haverá mais possibilidade de autocontrole”. E conclui, carregado de realismo e com uma chispa de ironia: “Bater papo com o terapeuta no consultório e continuar bebendo ou cheirando só fará bem ao terapeuta”. É isso aí. Rigorosamente.

As drogas avançam. Devastam. Matam. No mercado da cocaína o Brasil exerce triste liderança. O País é hoje o maior espaço consumidor da droga na América do Sul e, provavelmente, o segundo maior nas Américas. Cresce em progressão geométrica a demanda doméstica. Ademais, somos hoje um importante corredor de distribuição mundial. As consequências dessa assustadora escalada podem ser comprovadas nos boletins de ocorrência de qualquer delegacia de polícia. O tráfico e o consumo de drogas estão na raiz dos roubos, das rebeliões nos presídios e da imensa maioria dos homicídios.

Multiplicam-se, paradoxalmente, declarações otimistas a respeito das estratégias de redução de danos. O essencial, imaginam os defensores dessa corrente, não é a interrupção imediata do uso de drogas pelo dependente, mas que ele tenha uma melhora em suas condições gerais. A opção pela redução de danos pode ser justificada em determinadas situações, mas não deve ser guindada à condição de política pública. Afinal, todos sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. Embora alguns usuários possam imaginar que sejam capazes de controlar o consumo, cedo ou tarde descobrem que, de fato, já não são senhores de si próprios. Não existe consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante que, frequentemente, engrossa as fileiras dos dependentes crônicos. Afinal, a compulsão é a marca do usuário de drogas. Um cigarro de maconha pode ser o começo de um itinerário rumo ao desespero.

Mas os “vanguardistas” não desistem. Defendem, irresponsavelmente, a criação de locais especiais de “uso seguro” das drogas para dependentes graves. Nesses espaços não haveria repressão ao consumo. Os viciados seriam estimulados a substituir drogas pesadas por outras supostamente leves, como a maconha. A pretensa inocuidade da maconha termina, com frequência, no sequestro da esperança e do futuro.

Transcrevo o depoimento de um adicto recuperado. Ele fala com a força e a sinceridade de quem esteve no fundo do poço: “Sou filho único. Talvez porque meus pais não puderam ter outros filhos, me cercavam de mimos e realizavam todas as minhas vontades. Aos 12 anos comecei a fumar maconha, aos 17 comecei a cheirar cocaína. E perdi o controle. Fiz um tratamento psiquiátrico, fiquei nove meses tomando medicamentos e voltei a fumar maconha. Nessa época já cursava Medicina e convenci meus pais de que a maconha fazia menos mal que o cigarro comum. Meus argumentos estavam alicerçados em literatura e publicações científicas. Eles mal sabiam que estavam sendo enganados, pois, além de cheirar, também passei a injetar cocaína e dolantina, que é um opiáceo. Sofri uma overdose e só não morri porque estava dentro de um hospital, que é o meu local de trabalho”.

“Após essa fatalidade”, continua, “decidi me internar numa comunidade terapêutica e hoje, graças a Deus, estou sóbrio. O uso moderado de maconha sempre acabava em drogas injetáveis. Somente a sobriedade total, inclusive do álcool, me devolveu a qualidade de vida que não pretendo trocar nem por uma simples cerveja ou uma dose de uísque” ( A. S. N., médico, ex-interno da Comunidade Terapêutica Horto de Deus, em Taquaritinga, SP).

Observa-se, na contramão da realidade, um crescente movimento a favor da descriminalização das drogas, sobretudo da maconha. Bandeira frequentemente agitada em certos setores do entretenimento e em alguns redutos de profissionais da saúde pública, a descriminalização não ajudará em nada. Ao contrário.

Alerta o respeitado psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp): “Artigos recentes mostram de uma forma inquestionável que o consumo de maconha aumenta em muito o risco de os jovens desenvolverem doenças mentais. Do meu ponto de vista, essa geração que consome maiores quantidades de maconha do que a geração anterior pagará um alto preço em termo de aumento de quadros psiquiátricos”.

A verdade precisa ser dita. Não se pode sucumbir à síndrome da avestruz quando o que está em jogo é a vida das pessoas. O hediondo mercado das drogas está dizimando a juventude. Ele avança e vai ceifando vidas nos barracos da periferia abandonada e no auê dos bares e boates frequentados pela juventude bem-nascida. Movimenta muito dinheiro. Seu poder corruptor anula, na prática, estratégias meramente repressivas. A prevenção e a recuperação, guindadas à condição de prioridade da Política Nacional de Drogas, merecem o apoio de todos nós.

Liberdade para empreender - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 06/05

Com a edição da MP 881, o governo procura melhorar a imagem do País junto aos investidores, especialmente os internacionais.


Até agora, a atividade de costureira, mesmo desenvolvida em casa, seria considerada ilegal se não dispusesse de alvará prévio. A autorização prévia de autoridade pública não será mais exigida. Esta é uma das medidas de desburocratização incluídas na Medida Provisória (MP) n.º 881, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira passada. A MP 881 institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, com normas que buscam proteger e estimular a iniciativa privada e o livre exercício de atividade econômica, por meio da redução da atuação do Estado, reduzindo ou eliminando exigências prévias para o início de um negócio, controle sobre as atividades e punição em caso de irregularidades apontadas pela fiscalização, entre outros atos que inibem a atividade econômica privada.

Com a edição da MP 881, o governo procura melhorar a imagem do País junto aos investidores, especialmente os internacionais. Essa imagem tem sido caracterizada por pouca liberdade econômica em decorrência do excesso de controle estatal e de exigências burocráticas para a atividade empresarial. Medidas para facilitar a abertura e o encerramento de um negócio, reduzir os controles administrativos e estimular investimentos e inovação vêm sendo prometidas e algumas anunciadas e implementadas nos últimos anos. Mas o quadro geral sobre competitividade da economia brasileira e ambiente para a atividade empresarial continua ruim.

A equipe do Ministério da Economia citou, entre as pesquisas internacionais nas quais o Brasil é mal classificado, os relatórios de liberdade econômica da Heritage Foundation (150.º lugar), da facilidade de realização de negócios aferida pelo Doing Business do Banco Mundial (109.º lugar) e o relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial (72.º).

As medidas, que entram em vigor imediatamente, serão especialmente favoráveis para pequenos negócios e startups, empresas iniciantes com grande potencial de crescimento e que necessitam de ampla liberdade de iniciativa. As startups não mais necessitarão de alvará de funcionamento para testar novos produtos e serviços, desde que obedeçam a determinados critérios de saúde e segurança pública.

Estão isentas de licenças, alvarás e outras exigências prévias as atividades consideradas de baixo risco, de acordo com a definição legal para essas atividades a ser feita pelos Estados ou pelas prefeituras, conforme o caso. Essas atividades não serão, porém, dispensadas de registros e cadastros tributários e previdenciários.

Outras exigências para atividade econômica são eliminadas ou fortemente reduzidas pela MP 881, como o horário de trabalho, desde que não haja danos ao meio ambiente ou desrespeito a normas de direito de vizinhança.

A MP procura impor maior eficiência e presteza ao setor público, sempre que sua ação for necessária no que se refere à atividade empresarial. A administração federal, por exemplo, terá prazos para responder a pedidos de autorização; se não se manifestar no prazo, o pedido será considerado aprovado. A interpretação de fiscais e de outros agentes públicos em casos de autorização de atividade econômica será padronizada, de modo que a decisão em determinada situação se estenderá a outras similares. Como diz a nota do Ministério de Economia, a medida “impede que fiscais tratem dois cidadãos em situações similares de forma diferente, estabelecendo efeito vinculante e isonômico”.

Nos casos em que a norma permitir interpretação dúbia ou não seja clara, o agente público deve “sempre recorrer à interpretação que mais respeita a autonomia do cidadão”. Assim, segundo o Ministério da Economia, haverá “maior segurança e previsibilidade”.

A MP assegura a liberdade de fixar e flutuar preços de acordo com a oferta e a demanda, o que já está previsto em outras normas legais e mesmo na Constituição. Curiosamente, o governo que reafirma o respeito à liberdade de preços é o mesmo que defende o tabelamento do frete rodoviário – para tentar agradar aos caminhoneiros que tanto o assustam –, que nada mais é do que um preço.


Bolsonaro, rápido no gatilho - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 06/05

Ele diz tantas coisas polêmicas que, ao cabo de sete dias, ninguém se lembra das que abriram a série


Bolsonaro deu um passeio no lado íntimo, falando de sexo, definindo o que pode ou não pode, sobre o número de pênis amputados.

Pensei em comentar o assunto, mas Bolsonaro é tão rápido no gatilho que desatualiza um cronista semanal. Diz tantas coisas polêmicas que, ao cabo de sete dias, ninguém se lembra das que abriram a série.

Bolsonaro disse que o turismo gay deveria ser proibido, por causa das famílias. Os gays lembraram a ele que não nasceram de chocadeiras, mas são filhos de família.

Os jornais enfatizaram que o turismo gay cresceu mais que os outros e ele acaba ajudando lugares arruinados como o Rio.

Bolsonaro disse que vir transar com a mulher brasileira pode. Recebeu críticas. Afinal, um presidente não deveria se meter em relações sexuais de adultos, nem para proibir nem para elogiar.

O que mais me surpreendeu em Bolsonaro é o fato de ter escolhido o tema e deixado de lado algo que realmente tem nos preocupado ao longo dos últimos anos: a prostituição infantil.

Com muitas campanhas, conseguimos reduzi-la. Já estive documentando isto em Fortaleza. Mas ainda assim um presidente deveria estar em sintonia com aquilo que realmente interessa e é fruto de trabalho conjugado de várias instituições.

Sobre o número de pênis amputados, Bolsonaro afirmou que se perdem por falta de água e sabão. É um tema que o preocupa pela sua experiência militar, vendo o drama de soldados pobres.

Mas Bolsonaro perdeu o ponto, embora água e sabão realmente sejam importantes. Não falou do saneamento básico, cujo marco legal deveria ser votado ainda neste semestre.

Reacendida a crise da Venezuela, tudo isso foi esquecido. Bolsonaro disse que a decisão de intervir militarmente ali seria, em última instância, sua.

Deve ter havido um ruído na comunicação. Ele mesmo sabe que a última palavra é do Congresso. Até para enviar tropas ao Haiti, em missão de paz, o Congresso foi consultado. É a lei.

Essa questão da Venezuela é muito complicada. Seria interessante um amplo debate. Bolsonaro destinou mais R$ 240 milhões para atender os refugiados. Creio que a esta altura já gastamos mais de meio bilhão com o tema.

O quanto não custaria uma intervenção militar? E quem garante sua eficácia? É grande a possibilidade de perdemos fortunas com ações militares e, simultaneamente, gastar mais ainda com os refugiados.

Maduro precisa cair. Tem de cair. Entre essa certeza e a prática, há uma longa reflexão tática e estratégica. Bolsonaro talvez não se lembre da invasão da Baía dos Porcos, no tempo em que Kennedy dirigia os EUA.

O fracasso da invasão acabou consolidando o poder dos Castro. Maduro anda mal das pernas, mas quase todas as tentativas precipitadas de derrubá-lo acabam renovando seu fôlego.

Faz tempo que não entro na Venezuela porque certamente vão confiscar minha câmera, prender ou expulsar. Mas creio que uma intervenção armada encontrará vários obstáculos.

A força aérea da Venezuela tem sido equipada pelos russos. Parte das missões militares russas pode ser até um gesto político. Mas existe uma base material para afirmar que, apesar da penúria econômica, seriam um duro adversário.

Milhares de venezuelanos foram armados pelo governo. Milícias motorizadas, treinadas pelos cubanos, atuam reprimindo manifestantes. E todo o sistema de inteligência também foi estruturado pelos castristas.

Essas condições não tornam impossível uma derrota militar dos bolivarianos. Mas, certamente, eles podem prolongar a guerra, torná-la mais cara não só em dinheiro, mas em vidas dos invasores estrangeiros. Estamos preparados para segurar essa onda? Os próprios americanos que viveram tantas experiências traumáticas topariam uma aventura desse tipo no começo de um período eleitoral?

Essa tese de que todas as opções estão sobre a mesa pode ter algum significado psicológico. Mas uma visão sensata do quadro afasta uma intervenção armada. O que não significa que a sensatez não possa ser vencida.

Ainda estou para dar um balanço. Mas creio que o fator crise da Venezuela é isoladamente o que mais atrasou o Brasil em termos externos nos últimos anos. Não só pelo custo do fluxo de refugiados, mas pela instabilidade e desconfiança que gera nos investidores interessados na América do Sul.

Não somos os atores principais nesse drama. Precisamos apenas reduzir os danos.

Promessa de gás novo para a competitividade da indústria - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

Valor Econômico - 06/05

Desde que o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu um "choque de energia barata" para reindustrializar o país, reduzindo em até 50% o custo do gás natural como insumo, formou-se grande expectativa no setor produtivo em torno de eventuais medidas do governo para quebrar o "monopólio" da Petrobras. A simples iniciativa de colocar o assunto em pauta é muito bem vinda, pois realmente necessária, mas convém calibrar as expectativas.

Deve-se lembrar, antes de mais nada, o contexto das discussões. Com o pré-sal, a oferta de gás associado ao petróleo no Brasil deve saltar dos atuais 65 milhões para 150 milhões de metros cúbicos por dia, em um período de dez anos. Guedes está convencido de que surge, assim, uma chance de repetir-se por aqui o mesmo ganho de competitividade vivido pela indústria americana com o desenvolvimento do "shale gas". Para dar vazão à oferta, é preciso criar demanda - hoje inexistente por causa dos altos preços no país. A indústria brasileira paga mais de US$ 12 por milhão de BTU (unidade térmica britânica e referência no setor), excluindo impostos, na Ásia o custo fica em US$ 10 e US$ 7 na Europa. Nos Estados Unidos, com o gás de xisto, gira em torno de US$ 4.

Para criar demanda, é preciso rever o papel da Petrobras. Ela produz 75% do gás no país, mas é a única fornecedora relevante do mercado, já que gigantes como Shell e Repsol, sócias da brasileira na exploração do pré-sal, vendem suas parcelas à própria estatal por dificuldades de acesso à infraestrutura de dutos. A Petrobras detém ainda fatia de 100% do tratamento, 95% da comercialização e 60% no transporte de gás - além de participação acionária em 19 concessionárias estaduais de gás canalizado.

O ex-presidente do Banco Central, Carlos Langoni, professor da Fundação Getúlio Vargas e incumbido pelo ministro de confeccionar um plano para o gás, tratou de afastar o clima de triunfo que começava a instalar-se. "Não é um pacote", explicou. "É um processo de desregulamentação, que acompanha o aumento da oferta, sem canetadas e artificialismos. Eu acredito no mercado".

O roteiro traçado por Langoni, com a ajuda de especialistas como Marco Tavares e João Carlos de Luca, passa pela assinatura de termos de ajuste de conduta da Petrobras com a ANP e com o Cade. A estatal declinaria da exclusividade no uso de gasodutos de transporte, aceitaria um novo sistema tarifário que viabilize o acesso de terceiros e se comprometeria a vender 100% de sua participação nas distribuidoras estaduais.

Paralelamente, a renovação antecipada das concessões de distribuidoras e o socorro financeiro para Estados endividados dariam ao governo a possibilidade de exigir a harmonização de normas e o fomento à figura do consumidor livre.

São ações ousadas, com potencial para transformar o mercado e despertar projetos industriais adormecidos à espera de melhores condições, principalmente dos preços da energia. Onde o gás é matéria-prima, essa tração pode ser ainda maior setores como siderurgia, petroquímica, alumínio e fertilizantes são bons exemplos. Trata-se, em última instância, de não usar as riquezas do pré-sal como mera commodity de exportação, mas como motor para um processo de reindustrialização.

Os otimistas quanto à concretização do plano dirão que o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, um liberal alinhado com o ministro da Economia, aceitará enxugar a participação da estatal no mercado. Castello Branco acredita que é ineficiente deixar a empresa com o peso de um mamute e que ela deveria se concentrar em sua especialidade: exploração e produção. Nessa linha, um acordo com o Cade serviria como álibi para enfrentar resistências corporativas.

Em documento apresentado ao governo, a Petrobras mostrou que até aceita falar em abertura - mas para que mesmo trabalhar com senso de urgência? Ela sugeriu um cronograma de quatro anos e a criação de uma subsidiária integral, o Gestor Independente do Mercado de Gás (GIMG), uma espécie de ONS do setor. Ou seja, até 2022, quer ter acesso a todos os contratos e tarifas praticadas por seus concorrentes, contrariando o espírito de concorrência que se pretende imprimir.

Além disso, renunciar voluntariamente a posições contratuais que lhe são vantajosas - essência do compromisso no Cade pode ser uma conduta interpretada pelos acionistas minoritários como lesiva aos interesses financeiros da Petrobras. Como se vê, ainda sobram dúvidas e incertezas sobre os efeitos do plano para uma redução efetiva dos preços.

Trump agrava a crise, mas Cuba foi congelada na pobreza pela ditadura - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 06/05

Não se abriu um caminho próprio, trocou-se apenas a dependência soviética pela venezuelana


O pesadelo da escassez de energia e alimentos voltou ao imaginário de 11,5 milhões de cubanos. O avanço da crise é real, admitiu o governo. “Mas não vamos voltar à fase aguda do Período Especial”, atenuou o ex-presidente Raúl Castro em discurso.

Referia-se ao quadro crítico que marcou o início dos anos 90 do século passado, quando os blecautes ultrapassavam doze horas, as atividades econômicas caíram mais de 30%, e o poder de compra reduziu-se 60% em três anos. Castro só não explicou por que, agora, tudo seria diferente.

Uma das causas da nova crise tem nome: Donald Trump. Ele se empenha em liquidar os acordos diplomáticos do antecessor Barack Obama com a dinastia Castro, há seis décadas no poder na ilha, distante 150 quilômetros de Miami, na Flórida.

Trump intensifica pressões contra o regime de Cuba, apostando na asfixia do seu atual patrocinador, a cleptocracia de Nicolás Maduro.

A ilha está congelada na pobreza. A extinta União Soviética financiava 80% das necessidades em energia, alimentos e tecnologia. A ditadura da Venezuela supria com petróleo, até o ano passado, e era responsável por mais da metade da receita do país. Estima-se que ainda responda por 20% do PIB cubano.

Cuba trocou Moscou por Caracas. Desta vez, há uma diferença geopolítica fundamental. No regime chavista, a dinastia Castro chegou a ter mais de 20 mil militares infiltrados em áreas-chave do poder na Venezuela, como petróleo, defesa, inteligência e finanças.

É caso singular de país dependente que passou a controlar decisões do antigo protetor. O humor venezuelano até criou um neologismo para tal situação: “Cubazuela”.

Trump mira em Cuba e na Venezuela, assim como na Nicarágua, também dependente do petróleo chavista, com objetivos simultâneos: manter agitada sua base extremista republicana e seduzir a maioria conservadora do eleitorado latino na Flórida, estado que garantiu sua vitória em 2016 e continua decisivo ao projeto de reeleição.

Os cubanos amargam perdas nesse embate político, potencializadas pelos erros históricos da burocracia dirigente. Ela se provou incapaz de reverter a dependência externa e de aumentar a produtividade e a eficiência da economia doméstica.

Meio século de estagnação e os novos calotes na dívida externa — inclusive no Brasil, que financiou obras de infraestrutura — atestam que nem todas as agonias de Cuba têm origem na Casa Branca de Trump e de seus antecessores. O problema está mesmo no comitê central, em Havana.