quarta-feira, outubro 30, 2013

Meus favoritos - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 30/10

Estarei fora de Porto Alegre durante todo o período da Feira do Livro, mas para não me sentir totalmente afastada do evento, deixo aqui minha seleção de favoritos do ano, advertindo que nunca li tão pouco como em 2013, portanto, muita coisa boa ficou de fora. Um toque: antes de adquirir algum livro citado, dê uma folheada e leia a orelha – você sabe, gosto é gosto.

Melhor livro que daria um ótimo filme: Barba Ensopada de Sangue, de Daniel Galera. Foi lançado no verão passado e ainda não saiu da minha cabeça.

Melhor livro que virou filme: Eu e Você, de Niccolò Ammaniti. Estreará em novembro, com direção de Bernardo Bertolucci.

Melhor livro de crônicas: Um Operário em Férias, de Cristóvão Tezza, um autor que circula com desenvoltura por todos os gêneros e merece o título de um dos maiores escritores em atividade.

Melhor livro que encerra a discussão sobre a diferença entre literatura masculina e feminina: o excelente Partir, da carioca Paula Parisot. É um road book: um homem vive uma série de experiências na estrada, ao deixar São Paulo rumo ao Alasca – pois é, logo ali, o Alasca. Escrevendo na primeira pessoa, Paula dá vida a um cara convincente, que em nenhum momento é traído pela feminilidade da mulher que o inventou.

Melhor livro de esposa de autor consagrado: O Verão sem Homens, de Siri Hustvedt, que vem a ser a senhora Paul Auster.

Melhor romance: Philip Roth, sempre ele, com seu magnífico O Professor do Desejo.

Melhor livro de bolso: Carta ao meu Juiz, de George Simenon.

Melhor livro que reli: O Apanhador no Campo de Centeio, que virou musical em cartaz atualmente em Porto Alegre. Mais um exemplo do amadurecimento do nosso teatro. Direção, coreografia, elenco, adaptação – a turma arrasa, e ainda tem as canções especialmente compostas para a peça pelo Thedy Corrêa. Assista logo, a temporada está quase acabando. É imperdível.

Melhor livro experimental, o que for que isso signifique: Miranda July com seu interessante O Escolhido foi Você.

Melhor livro divertido e com ótimos diálogos: O Substituto, de David Nicholls.

Melhor livro lançado em 1923, mas que só fui ler agora: A Consciência de Zeno, de Italo Svevo.

Melhor livro gaúcho: bom, em terra de Fabrício Carpinejar, Cíntia Moscovich, Leticia Wierzchovski, Paula Taitelbaum, dos veteranos Armindo Trevisan, Verissimo, Lya Luft, Assis Brasil, do patrono Luis Augusto Fischer, dos jornalistas David Coimbra, Mariana Kalil, Cláudia Laitano, do médico e colunista J.J. Camargo e de tantos outros talentos com livro na praça, não me atreverei a escolher um só. Mas o prêmio de mais hilariante relato sobre a praga que é telefonar para os serviços de atendimento ao consumidor vai para o conto “Hormônio do Demônio II”, que está em Sangue Quente, de Claudia Tajes.

Como se vê, tem para todos os gostos, inclusive (espero) para o seu.

Boa Feira!

Ao sabor de uns poucos - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 30/10

RIO DE JANEIRO - Longe do Brasil há um mês, e sem celular, internet, Facebook, Twitter ou telepatia, dependi de amigos para saber a quantas íamos. A imprensa europeia não nos acusa em seu radar, e o total de notícias que li sobre o país foi perto de zero --sinal, pelo menos, de que estávamos livres de tufões, tsunamis, terrorismo e tráfico de criancinhas louras.

Já a Alemanha, por onde andei nesse período, completou sua ocupação do noticiário internacional com o estrilo de sua primeira-ministra, Angela Merkel, ao saber-se espionada pelos americanos --a mesma denúncia que a presidente Dilma fizera há pouco, sem repercussão. Mas não é só nos diferentes pesos de Merkel e Dilma que os dois países podem ser comparados.

Berlim, por exemplo, continua esmagadora em sua oferta de museus, teatros, bibliotecas, centros culturais e salas de concerto --que outra cidade tem três óperas? Sem falar na presença da história em suas ruas, na forma de mausoléus, monumentos, placas e exposições ao ar livre, por toda parte. A ninguém é permitido ignorar os 12 anos de ocupação pelo nazismo e mais de 40 pelo comunismo, e tudo que de horrível aconteceu neles. É uma expiação cruel, mas, enquanto durar, Berlim será um bastião da liberdade.

A história reina também na Dussmann, uma livraria de fazer cair o queixo, em que as biografias, prós, contras ou neutras, autorizadas ou não, tomam paredes inteiras --de políticos, militares, escritores, atletas, cientistas, artistas, vivos ou mortos. Lá é assim: se a vida de alguém vale minimamente a pena, os alemães têm o direito de aprender sobre e com ela.

De volta ao Brasil, o sentimento é de vergonha e frustração ao ver que, aqui, esse direito continua ao sabor de uns poucos que, ciosos de uma vaga privacidade, não se importam de obstruir a história e consolidar nosso atraso.

Fumando escondido - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 30/10

Um presidente americano disse que o negócio dos Estados Unidos era fazer negócio. Hoje, dir-se-ia que é lutar a todo custo e risco contra o terrorismo



Eles ainda eram cinco quando a tia solteirona e magra viu a fumaça saindo da cabana que os sobrinhos tinham construído no terreno baldio ao lado da casa onde moravam. Viviam na Belo Horizonte dos anos 40 e mesmo um bairro nobre da cidade, em torno do Minas Tênis Clube, muitos lotes cheios de "mato", esperavam as construções que hoje sombreiam a cidade. A turma de doze meninos que os cinco irmãos naturalmente atraiam havia construído as paredes de restos de caixote e caixas de papelão, o telhado de folhas de bananeira e de galhos arrancados dos arbustos.

Um muro servia como fundo e arrimo da tal cabana que saltava aos olhos no meio daquele lote vazio. E foi essa construção torta que Tia Amália viu pegando fogo — afinal onde há fumaça, há fogo! — mas que aos olhos dos meninos era uma confortável (porque possível) sala de fumar. Com cigarros na mão e tragadas elegantes, eles brincavam de ser "homem" e, entre os adultos, figurar os haveres da paternidade que um dia ia sair dos seus sonhos e tornar-se tão dolorosamente real para alguns deles.

"Pois é, dizia Romero, você pode comprar aquele meu terreno na Pampulha..." Ao que Fernando respondia, pondo fumaça pela boca e sério como um corretor, "Vou considerar!". Enquanto Ricardo e Renato ficavam enjoados com o tabaco e Roberto, o cabeça, o mais velho e o sempre responsável por tudo, preocupava-se com a fumaceira e em pagar ao Lelinho — o único menino com coragem de ir comprar um maço de cigarros Beverly Extra, em nome do pai.

Quando a tia arrombou a porta da cabana e, escoltada por Dedé, a cozinheira, descobriu o que chamou de "vasta patifaria", nós todos voltamos à meninice e sentimos como o mundo da meninice é um universo toldado pelos olhos do mundo, um mundo de adultos. A cabana não estava em chamas. Ela apenas produzia a fumaça que denunciava o nosso "fumar escondido" como fazíamos as escondidas um monte de outras coisas que iam nos tornando o que seriamos como adultos.

O cronista de Cuzco, Garcilaso de la Vega, conta no seu livro, "Comentários Reais dos Incas", publicado na Espanha em 1606, um “conto gracioso”.

Um conquistador chamado Solar, residente em Los Reys (Lima), tinha uma propriedade em Pachacamac. O capataz desta propriedade enviou ao patrão, por meio de dois índios, dez melões — frutos das primeiras sementes plantadas no Peru — e uma carta. Quando entregou a encomenda aos índios, ele os advertiu que não comessem nenhum melão porque, se o fizessem, a carta descobriria e os denunciaria. No meio da viajem, um dos índios sentiu o aroma sedutor dos melões. quis saber o seu gosto o teve o desejo de provar a fruta do amo. Seu companheiro, temeroso, disse que não deveriam fazer isso porque a carta iria contar. O cabeça resolveu o problema colocando a carta atrás de uma mureta — pois assim ela não poderia ver o que eles estavam dispostos a fazer e, sem vê-los, ela não denunciaria o que estavam para fazer às escondidas.

A estas alturas, devo lembrar que esses índios do Peru não conheciam a imensa tecnologia que chegou com a escrita, a qual inventou os mandamentos, as leis, os contra-mandamentos, os embargos, as exegeses, as receitas, os jornais, a literatura, a criptografia e a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.

Eles imaginavam que as cartas que os espanhóis escreviam uns aos outros eram mensageiros ou espiãs capazes de revelar o que encontravam pelo caminho. As cartas eram concebidas como seres animados.

Comido o primeiro melão, os índios decidiram que era conveniente emparelhar as cargas. E assim, para ocultar o delito, comeram — com gosto — outro melão. Chegados a Lima, apresentaram oito melões ao capataz. Este, logo depois de ler a carta, os confrontou: "A carta fala em dez! Vocês comeram dois melões na viajem. Vão levar uma sova por essa malandrice!". Depois de muito apanhar, os pobres mensageiros sentaram-se tristes na beira do caminho e um deles disse: "Viu irmão? Carta canta!" Ambos ficaram muitos impressionados com o poder dos Conquistadores, os quais possuam essas "cartas" falantes, capazes de descobrir o escondido.

Matamos Deus e somos escravos da técnica. Passei o sábado tentando fazer funcionar uma impressora e, mesmo com uma ajuda decidida e dedicada, não consegui. Nem sempre o que está no papel e nos planos do usuário, concretiza-se na sua relação com a coisa adquirida sem a figura do intermediário. Um presidente americano disse que o negócio dos Estados Unidos era fazer negócio. Hoje, dir-se-ia que é lutar a todo custo e risco contra o terrorismo — coisa complexa porque a guerra se faz entre países.

Como disse o escritor Philip Roth, com o gosto pelo desvelar que passa longe de nós, em 1998, quando do escândalo Lewinski-Clinton, o terrorismo substituiu o comunismo como a prevalecente ameaça a segurança nacional somente para ser sucedido por um escândalo erótico. A vida em toda a sua desavergonhada impureza, confunde mais uma vez a América, finaliza Roth.

Como meninos pegos fumando e peruanos ágrafos e loucos por melões, mas denunciados por uma carta, a América da liberdade e do equilíbrio entre o íntimo e o coletivo, entre o se deve aos aliados e a si mesma, é pega espionando o mundo. A tocha da Estátua da Liberdade foi substituída por um iphone.

Momento perigoso - FRANCISCO DAUDT

FOLHA DE SP - 30/10

O investimento da paixão é tamanho que sua perda precisa ser negada a qualquer custo


"O inferno não contém fúria igual à de uma mulher rejeitada." A citação de William Congreve, erradamente atribuída a Shakespeare, fala de um dos momentos mais perigosos da convivência humana: a separação, o desprezo dos apaixonados pelo objeto de sua devoção.

É curioso que a história tenha guardado ícones femininos dessa fúria (quem viu "Atração fatal", 1987, Glenn Close e Michael Douglas, nunca mais se esqueceu, homens têm calafrios só de lembrar).

O mesmo vale para o homem rejeitado (as óperas "Carmen", de Bizet, e "Os Palhaços", de Leoncavallo, terminam com homens rejeitados assassinando suas mulheres, enquanto cantam seu amor por elas).

A vingança que se segue à rejeição é tamanha, que dá uma ideia do monumental terremoto psíquico que ela envolve. Homens costumam ser mais diretos, assassinam pessoalmente. Mulheres, mais elaboradas (veneno; contratação de um assassino de aluguel; sequestro de filhos dele; perseguição implacável --"Vou dedicar minha vida a tornar a sua um inferno").

Mas mulheres atiram, e homens perseguem também.

O "stalking" ("perseguição implacável") de outros tempos --telefonemas desligados no meio da noite; lixo revirado; aparições de surpresa; barraco armado na frente do prédio; cartas anônimas; difamação --vai sendo substituído pelo instrumento de perseguição mais diabólico já inventado: a internet.

Ela permite fuçar, não mais o lixo, mas todo o conteúdo de e-mails. Possibilita difamar, não com palavras, mas com filmagens e fotos íntimas postadas na rede. Nas mãos de um bom hacker, a devassa completa da vida do outro. O inferno tornou-se muito pior na era da informática.

Mas, afinal, o que move tamanho investimento maligno? Chico Buarque cantou: "Dei pra maldizer o nosso lar, pra xingar teu nome, te humilhar e me vingar a qualquer preço, te adorando pelo avesso, pra mostrar que ainda sou sua".

Aí mora a chave: o investimento da paixão é tamanho que sua perda precisa ser negada a qualquer custo. Eis porque o "amor" precisa ser afirmado mesmo com seu objeto morto: o cadáver é a posse definitiva.

"Se ela já estava separada dele havia tempos, por que ele foi matá-la quando ela arranjou um namorado novo?" São truques da paixão: imaginar a mulher com outro homem é capaz de reacendê-la, pois dá um enorme tesão (vide "swings", "ménages").

Há duas espécies de ciúme: o sexual (dos homens, que sempre correram o risco de criar o filho de outro) e o de prestígio (das mulheres, que detectam desinvestimento nelas, mesmo que seja em favor do futebol, do computador ou dos amigos do marido). Isso fala só do mais frequente. O de praxe é haver sempre uma mistura dos dois.

Mas como o momento perigoso é o do crime passional, precisamos entender que a paixão (do latim "passio", cuja única tradução é "sofrimento") é um programa de loucura transitória, um investimento de toda nossa vida, não numa pessoa, mas na idealização de alguém. Por isso, ela pode prosseguir depois da perda, mesmo depois da morte.

Quem ama, não mata. Quem está apaixonado, sim.

O cavaleiro azul - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 30/10

Edição brasileira reproduz, em todas as suas cores, um clássico do expressionismo alemão


A "Sagração da Primavera", de Stravinsky, comemorou cem anos de sua estreia há poucos meses, e escrevi a respeito aqui na "Ilustrada". Na pintura, o equivalente daquela revolução foi sem dúvida o quadro "Les Demoiselles d'Avignon", que Picasso pintou em 1907.

O potencial de escândalo era tamanho que mesmo alguns contemporâneos e amigos de Picasso, como Henri Matisse, se recuperaram mal daquele quadro. Não eram apenas os ângulos cortantes, o susto daquelas mulheres nuas como que iluminadas por um flash fotográfico, a violência de cacos de vidro da composição.

Máscaras indígenas ou africanas apareciam como que coladas ao pescoço de duas daquelas mulheres nuas, fazendo com que as outras parecessem até realistas pela comparação.

Com isso, "Les Demoiselles d'Avignon" dava um grande passo além das pinturas sonhadoras, musicais, a que Matisse se dedicava na mesma época. Por meio da "arte primitiva", entravam em cena --como na "Sagração da Primavera"-- o medo, a violência, o poder paralisante, o olhar de Medusa do mundo moderno.

Aí por volta de 1912, 1913, cubismo e futurismo já estavam em vias de superação. Na Alemanha, pelo menos, já surgiam críticas às visões de Picasso e Marinetti.

Foi em 1912, com efeito, que Franz Marc (1880-1916) e Wassily Kandinsky (1866-1944) publicaram o "Almanaque do Cavaleiro Azul", álbum de ensaios, reproduções artísticas e partituras em defesa do expressionismo e da arte abstrata.

Essa publicação acaba de sair traduzida no Brasil, com organização de Jorge Schwartz, num volume lindíssimo (Edusp-Museu Lasar Segall).

Pela primeira vez no mundo, a quase totalidade dos quadros, gravuras, desenhos e esculturas que faziam parte da edição original aparece reproduzida em cores.

Na época, o livro publicado por Reinhard Piper tinha apenas quatro imagens coloridas. Em inglês, uma edição modesta, feita pela Da Capo Press, é uma tristeza de fotos esmaecidas em preto e branco.

Marc e Kandinsky colocam, lado a lado, quadros de Cézanne e esculturas da Oceania; bordados do Alasca e desenhos de crianças; xilogravuras medievais e alto-relevos do Benin; um Cristo de El Greco e quadrinhos populares alemães.

Pode-se ver e rever essa festa de imagens sem atinar muito o que há, afinal, de parecido entre tantas coisas. Mas o elogio do popular, do primitivo, do "informe", do "malfeito", do "naif", se quisermos, ganha nessas páginas uma força revolucionária, uma generosidade, uma verdade que saltam aos olhos.

Tratava-se, diz Franz Marc, de buscar "símbolos que pertencem aos altares da futura religião espiritual e atrás dos quais desaparece o produtor técnico".

Os textos de Kandinsky e de August Macke (1887-1914) são ainda mais místicos. A forma artística, escreve Macke, "é a expressão de forças misteriosas".

"Ouvir o trovão", prossegue, "é sentir o seu mistério". O relâmpago "se expressa, a flor também".

Não fazia mais sentido, assim, buscar o desenho "certo", a forma "perfeita". Para o pintor expressionista, a diferença não será entre o bonito e o feio, mas entre o vivo e o morto. Mortas serão as imitações da arte acadêmica; vivo, o desenho imperfeito de uma criança, ou a máscara de um feiticeiro africano.

Não fica muito claro por que motivo esses artistas escolheram o nome de "Cavaleiro Azul" para título daquele livro. Inspirado na teosofia, Kandinsky achava que a cor azul canalizava o máximo da espiritualidade. Franz Marc era notável ao fazer quadros de corças, tigres, cavalos.

Muitas das ilustrações que escolheram para o "Almanaque" representam São Jorge e outros heróis medievais enfrentando dragões ou decapitando inimigos. Menos do que um intuito "belicoso", no estilo do elogio à guerra dos futuristas italianos, havia ali a tentativa de se ligar ao passado: o passado medieval, o passado primitivo, o passado das crenças camponesas.

Em todos esses momentos, estaria presente a dissolução do mundo clássico, do mundo civilizado, das imagens da perfeição greco-romana.

O edifício da civilização europeia estava desabando, pensavam os expressionistas. Pelas rachaduras daquele edifício, eles julgavam ver uma luz nova, como numa revelação, num apocalipse.

As formas da arte moderna poderiam ser esquisitas, distorcidas, mas é assim que a realidade se apresenta na madrugada, pouco antes do amanhecer. São "fantasmagorias antes da aurora", diz o "Cavaleiro Azul".

A aurora, entretanto, seria de outro tipo. Um ano depois, começaria a Primeira Guerra Mundial; August Macke e Franz Marc morreram no front.


O país explicado pelo papel higiênico - FERNANDO MARTINS

GAZETA DO POVO - PR - 30/10

Já se tentou explicar o Brasil e o brasileiro de muitas formas. Mas dificilmente alguém entraria num banheiro público para encontrar respostas. Ainda assim, algumas delas podem estar lá dentro. Mais especificamente, num objeto banal: o rolo de papel higiênico (ou na falta dele).

Reportagem publicada na última sexta-feira pela Gazeta do Povo mostrou que a Universidade Estadual de Maringá (UEM) coloca cadeados no suporte do rolo de papel higiênico de seus sanitários. O objetivo é evitar furtos, que de tão corriqueiros causavam constrangimentos a alunos, professores e funcionários que necessitavam usar o banheiro. A universidade, porém, ainda não conseguiu resolver o problema do “desaparecimento” de sabonete líquido e álcool em gel.

Embora não se possa afirmar que sejam estudantes que furtem os rolos, pois pessoas de fora da instituição circulam pela UEM, o caso é sintomático. Trata-se de uma universidade – centro do conhecimento, responsável por formar a intelectualidade do país. É possível supor que alguns universitários tenham tal comportamento. E isso conduz à especulação inevitável de que não necessariamente há relação direta entre ensino formal e educação cívica.

Vários autores já identificaram um perfil psicossocial que perpassa todos os segmentos sociais do país e os leva a ver com descaso os bens públicos. O caso da UEM, ainda que não seja obra de estudantes, é sintoma disso. Quem leva embora o papel higiênico não respeita a coletividade. Pensa apenas em si próprio.

O antropólogo Roberto DaMatta sintetiza esse comportamento nacional em duas imagens: a casa e a rua. A casa é o mundo privado, dos “nossos”, que são merecedores de afeto e proteção. É o espaço que se deve cuidar. Em contrapartida, como a rua é de todos, não é de ninguém na visão de muitos brasileiros – o que os “autoriza” a tomar para si os bens coletivos (como um simples rolo de papel higiênico).

E por que surgiu esse imaginário que retrata o ambiente público como a arena do vale-tudo? Uma resposta possível é que o próprio Estado brasileiro o criou. Constituído como um ente superior à sociedade, o aparato estatal brasileiro caracteriza-se por distribuir benesses aos amigos e a dureza da lei aos demais. Isso, infelizmente, leva ao comportamento de descaso com a rua. Afinal, se aquele que deveria ser o guardião do bem coletivo não cuida de todos, por que cada um deve se preocupar com os outros?

Esse é um pensamento equivocado, mas ao qual o país está preso. A nação saberá que se libertou dele quando não houver mais necessidade de cadeados nos banheiros.

PS: no link http://bit.ly/HckIrd é possível ler a íntegra da reportagem sobre os rolos de papel higiênico da UEM.

Resultado satisfatório - MARCIO CORIOLANO

FOLHA DE SP - 30/10

Apesar do coro contrário aos planos de saúde privados, mais de 70% dos usuários disseram-se satisfeitos com o serviço, segundo a ANS


Nos últimos tempos, parece que havia se instalado nas mídias um novo esporte com apenas um time --o de algumas ONGs que afirmavam falar em nome do conjunto de consumidores de planos e seguros de saúde privada.

E falavam muito mal, com o coro de sua torcida, formada por simpatizantes afoitos, que professam ideologia contra a iniciativa privada no provimento da assistência à saúde da população.

Pois bem, agora deixaram que uma amostra de 17 milhões de beneficiários de planos de saúde, de um universo de 50 milhões de clientes de planos médicos, fosse ouvida, sem intermediários, sobre sua avaliação, sua experiência e suas expectativas a respeito de serviço tão fundamental para a vida e o cotidiano do cidadão brasileiro.

E o resultado confirma o que as operadoras privadas já consolidadas do setor de saúde suplementar tentam esclarecer à sociedade com o restrito espaço de que dispõem, face à receptividade que o esporte monopolista vinha ganhando.

O resultado é, no mínimo, satisfatório. Sim, porque o atributo "satisfação", para um serviço que custa caro no mundo todo e tem tamanha sensibilidade emocional, social, política e econômica, ganha expressão de aprovação.

A fonte é insuspeita. A pesquisa, em amostra formada por 89 empresas que se voluntariaram, representando 25% dos beneficiários, vem da agência reguladora, a ANS, que submeteu e ainda vem submetendo, há 14 anos, o setor privado de planos de saúde a uma dura prova de esforço de adaptação, à qual vêm sucumbindo muitas operadoras.

Os resultados da pesquisa apontaram que 89% dos entrevistados haviam utilizado serviços do plano no último ano (os dados foram coletados entre agosto e novembro de 2012). E 85% recomendariam seu plano de saúde para outras pessoas.

Cerca de 72% disseram-se "satisfeitos" ou "muito satisfeitos" com o plano contratado e 73% avaliaram a qualidade dos serviços prestados pela rede (dos hospitais, laboratórios, consultórios e clínicas credenciados pelo plano de saúde) como "satisfatório" ou "muito satisfatório". Do total de entrevistados, 65% manifestaram que os serviços oferecidos pelo plano superaram as suas expectativas.

É evidente que ainda há muito o que ser aperfeiçoado. É assim em qualquer setor de atividade, mormente neste, que tem como missão, e dever, lidar com o bem e a expectativa mais preciosos para o ser humano: sua saúde e o sentimento de proteção contra doenças. As próximas pesquisas dirão sobre o progresso do segmento.

Espera-se que o jogo fique agora equilibrado. É salutar para o consumidor que ele possa livremente professar sua avaliação e escolhas. Enquanto continuar podendo falar e fazer comparações, sem generalizações, ideologias e intermediários, o beneficiário dos planos e seguros poderá ser protagonista de sua própria história. Já se sabe que ele não torce por um só time.

Protestos! São João fora de época! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 30/10

E eu tenho uma sugestão pra essa autobiografia do Roberto Carlos: 'Jesus Cristo, eu AINDA estou aqui'


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E eu tenho a foto de uma van com o adesivo: "Foi Deus Que Mim Deu". E aí um cara pichou embaixo: "Não use o nome de Deus em van". Rarará. E esse adesivo: "Esse carro foi Deus que me deu. Vendo!". E Deus: "Não dou mais porra nenhuma pra esse cara". Rarará.

E os protestos? Não existe mais protesto sem fumaça. Todo protesto agora acaba em fumaça e fogo. São João fora de época!

E o Roberto Carlos? O Roberto Carlos continua a favor de biografia não autorizada. Desde que não seja a dele. E eu tenho uma sugestão pra essa autobiografia do Roberto Carlos: "Jesus Cristo, eu AINDA estou aqui". Rarará.

E ele disse: "Ninguém melhor que eu pra saber da minha vida". Mas ele não tem vizinhos? Se ele morasse no meu prédio, ele não ia dizer isso. Rarará!

E o Obama? Novidades! O Obama descobriu a idade da Glória Maria. Ela nasceu há dez mil anos atrás, junto com o Raul Seixas. Rarará!

E o Obama descobriu que a Angela Merkel não dorme, ronca. A Merkel tem cara daquelas que dormem de barriga pra cima com as duas mãozinhas cruzadas em cima da pança!

E o Obama espiona todo mundo, mas não sabe onde está Wally! E uma pergunta pro Obama: "O Lula sabia?". Rarará!

E acho que vou escrever a palpitante biografia do Alckmin: "As Aventuras do Picolé de Chuchu": aos quatro, ele já era coroinha, aos 12, recebeu a eucaristia e, aos 18, virou prefeito de Pindamonhangaba. E aos 50, formou uma dupla sertaneja com o Serra: Alcksiemens e Serralstom. Só cantam no metrô! Rarará!

E sabe como faz pro dólar baixar? Atrela o dólar ao Vasco! Novidades na série B: sai o Palmeiras e entra o Vasco! O Vasco da Granja ou Fiasco da Gama!

Mas os otimistas dizem: "Mas o Vasco ainda não caiu". Otimista é um pessimista mal informado. O otimista é aquele que abre a porta de casa, vê um monte de estrume e grita: "Oba, ganhei um cavalo!". Rarará.

É mole? É mole, mas sobe!

Os Predestinados! Sabe como se chama a advogada da Marcha em Defesa dos Animais? Nelma LOBO. Lobo não, beagle. Devia mudar o nome pra Nelma Beagle. Rarará! Ficaria mais fofo!

E essa aqui: Clínica Respirar, dr. Eduardo Cançado! Rarará.

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

A noite dos mascarados - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 30/10

A mesma rotina: quebra-quebra, incêndios, saques, bombas. O resultado é que a população da capital de São Paulo parece cansada de tanta violência urbana


Primeiro foi um coronel da Polícia Militar sendo covardemente espancado por mascarados. Depois foi um jovem sendo morto estupidamente por um soldado da mesma PM. Com poucas noites de diferença, a mesma rotina: quebra-quebra, incêndios, saques, bombas. O resultado é que a população da capital de São Paulo parece cansada de tanta violência urbana. Pesquisa do Datafolha publicada esta semana revela significativa queda no índice de aprovação das manifestações de rua. Em junho, quando começaram, 89% dos entrevistados eram favoráveis a elas. Agora, são 66%. Quanto aos black blocs, 95% dos paulistanos desaprovam seus métodos, por usarem como forma de protesto a destruição de lojas, agências bancárias e prédios e equipamentos públicos. Participam dessa rejeição até mesmo os jovens. Os que têm entre 16 e 24 anos são 87%; os de 25 a 34 anos, 92%.

Comandante da região central da cidade, o militar Reynaldo Simões Lopes foi agredido na noite de sexta-feira com socos, pontapés e golpes com uma chapa de ferro. Foi salvo por seu motorista, que sacou uma arma e ameaçou os agressores. Quando era levado para o hospital com fratura das omoplatas, cortes na cabeça e escoriações no corpo, demonstrou uma admirável presença de espírito pacifista, dando uma surpreendente ordem: “Segura a tropa, não deixa a tropa perder a cabeça.” Depois de medicado, ele reiterou sua pregação de sensatez.

Na véspera de mais esse tumulto, haviam me contado o que acontecera numa sessão da Mostra Internacional de Cinema, da qual sou membro do júri de documentários. Grupos dos mesmos black blocs se postaram diante do vão livre do Museu de Arte de São Paulo prontos para invadi-lo, quando a diretora do evento, Renata de Almeida, ultrapassou a barreira de policiais e, sozinha, se dirigiu aos manifestantes com um desconcertante discurso. Explicou o que era o festival e fez-lhes um convite: “Vocês podem entrar, são meus convidados, é de graça. Vale a pena!”

Uns receberam a proposta com desconfiança, outros hesitaram, mas alguns se mostraram interessados, querendo saber detalhes do documentário que ia ser exibido, “São Silvestre”, de Lina Chamie. É possível que estes mais curiosos tenham retirado as máscaras e entrado. O fato é que, preparados para o confronto, os iracundos jovens não sabiam como reagir à gentileza.

Esperava-se que o tolerante gesto do coronel surtisse algum efeito apaziguador entre os vândalos. Também o segundo episódio era animador, porque encerrava a moral de que naquela noite de celebração da cultura, a tentação do escurinho do cinema e o convencimento pela persuasão venceriam a compulsão pela agressividade. As duas reações, a do coronel e a da Renata, eram uma exemplar contribuição para a tão desejada paz urbana.

A esperança durou pouco, e anteontem a rotina foi retomada. Na Zona Norte da cidade, manifestantes protestaram contra a morte do jovem, incendiando seis ônibus e três caminhões, saqueando uma loja e ferirndo à bala um pedestre.

Alguém escreve ao coronel - CELSO GUTFREIND

ZERO HORA - 30/10

Porque também não posso deixar de fazer o meu trabalho, escrevo ao coronel para cumprimentá-lo



Não sou fã de coronéis. Nem de outros militares. Até hoje, só pude gostar deles na ficção. Tive empatia pelo coronel a quem ninguém escrevia, do García Márquez. E mais aquele do lobisomem, do Cândido de Carvalho. Pelos de verdade, nunca alimentei simpatia. Pelo contrário…
Sei que defendem a soberania de um país, que podem ser imprescindíveis para a segurança. E que são fortes, embora desconhecidos, nos países escandinavos. Mas nada do que sei prevalece quando sinto que estão inseridos numa hierarquia abusiva ou quando penso em uso excessivo da força. Pior ainda, nos regimes militares e seus atentados contra as liberdades individuais.
O coronel Reynaldo Simões Rossi estava trabalhando no recente protesto em São Paulo. Tratava-se de mais uma manifestação a favor do passe livre. Como de hábito, chegaram os vândalos, membros do black bloc. O coronel foi cercado e agredido covardemente pelo grupo. Ele teve a clavícula quebrada, sofreu vários cortes no rosto, tomou pauladas na cabeça e nas costas com uma barra de ferro. Levantou-se a custo e só não foi linchado até a morte porque o acudiu um companheiro que sacou a arma.
A arma não foi disparada. E o coronel, ao ser socorrido, cambaleante, não abandonou o posto. Pelo contrário; ordenou calma a seus subordinados. A cena foi mesmo impressionante. O coronel vinha de ver a morte. Sangrava, tinha as duas omoplatas fraturadas. Não lhe faltavam motivos para reagir com a mesma violência com que seus agressores haviam danificado orelhões, caixas eletrônicos, terminais de ônibus e, pior, o próprio coronel.
No entanto, alheio à própria dor e humilhação, não arredou um centímetro de seu trabalho. E não sossegava enquanto não via os ânimos apaziguados. Adiou a ida ao hospital e o alívio da dor intensa a fim de evitar a deflagração de um caos maior. Lembrava o equilibrista, morto em plena queda, que inspirou um poema sublime do Quintana, louvando a força e a honestidade de uma profissão que não se encolhia para nada, nem mesmo para morrer, se fosse o caso.
Já sem a farda, o coronel Reynaldo ainda mantinha o olhar um palmo acima da tristeza que o mesmo olhar expressava. Atento, persistente, acima do medo. E comandava, porque era este o seu trabalho. Evitar a proliferação da violência de que acabava de ser uma vítima quase fatal. E seguir batalhando pela calma.
Aprendi muito com ele. E, porque também não posso deixar de fazer o meu trabalho, escrevo ao coronel para cumprimentá-lo. Sem que nada possa deter-me, nem vândalos nem violência externa nem preconceitos dentro de mim.

Futebol é complexo - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 30/10

Tentamos simplificar o futebol com nossas teorias, racionalidades e explicações técnicas


Sou a favor das biografias não autorizadas, com responsabilidade, mas penso que todas, consentidas ou não, principalmente as autobiografias, são misturas de suposições com fatos, de racionalidades com autoenganos, de realidade com ficção, mesmo quando feitas por profissionais sérios e competentes.

É impossível saber o que se passa nas entranhas de nossa natureza, de nosso DNA e nas profundezas de nossa alma, de nossos desejos e de nossas atitudes.

Os grandes talentos, em todas as áreas, são especiais por suas obras. Os leitores não deveriam ficar surpresos nem decepcionados com suas biografias. Eles são humanos. Acertam e erram como todas as pessoas. Uns mais que outros.

Várias biografias contariam, de maneiras diferentes, o ridículo pênalti batido por Pato contra o Grêmio. Ele cobrou daquele jeito muito mais por soberba, por se achar um craque, que ele não é nem nunca foi, do que por displicência ou por irresponsabilidade.

Em 16 de janeiro de 2008, escrevi, após sua estreia no Milan: "Pato é um bom exemplo da sociedade do espetáculo, à procura de celebridades. Já é tratado como uma estrela, um grande craque antes de ser, antes de fazer 30 partidas, antes de marcar 30 gols, antes de ser convocado para a seleção principal, antes de ser vaiado e chamado de pipoqueiro, como foi Kaká no São Paulo, e antes de perder o sorriso de menino". Pior, Pato acreditou em tudo o que diziam dele. Nunca mais saiu do lugar.

Mudo de assunto. Vimos no fim de semana, mais uma vez, muitos gols por jogadas aéreas. É uma qualidade importante, desde que não seja a principal estratégia de uma equipe. O Bayern, comandado por Guardiola, um técnico que gosta de jogo bonito e bola no chão, fez três gols, no sábado, em lances pelo alto. Uma deficiência do Barcelona são as jogadas aéreas, na defesa e no ataque.

Nesses lances, a função dos técnicos é posicionar bem os jogadores na área. Os treinadores brasileiros fazem isso bem. Treinam bastante. Só pensam nisso. Mesmo assim, seus times sofrem muitos gols de bolas paradas. Se os dois zagueiros ficam muito próximos, a bola pode chegar atrás deles para o atacante fazer o gol. Se ficam muito distantes, a bola pode chegar entre eles. Não dá para prever.

A culpa não é do técnico, do goleiro nem dos defensores. Ninguém sabe aonde a bola vai chegar. O acaso é que comanda.

Nas bolas cruzadas, nem os grandes goleiros têm a segurança se é melhor sair ou ficar no gol. Se vários jogadores cruzam à sua frente, não dá para o goleiro segurar a bola, como no gol do Inter contra o São Paulo. No máximo, dava para o Rogério Ceni, no reflexo, no susto, jogar a bola longe do gol.

O futebol é muito complexo. Nós é que tentamos simplificá-lo com nossas teorias, racionalidades e explicações técnicas.

Dominado - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 30/10

A pressão dos 11 deputados do Nordeste para apoiar Eduardo Campos não deve mudar a posição do Solidariedade a favor de Aécio Neves. Seu presidente, o deputado Paulo Pereira da Silva (SP), garante que os cerca de 37 segundos que o partido tem na TV ficarão com o tucano. O Paulinho sentencia: "Vamos apoiar o Aécio. Quem decide isso não são os deputados. É a Executiva Nacional."

Uma no cravo, outra na ferradura
Os elogios aos governos dos ex-presidentes Fernando Henrique e Lula feitos pelo candidato do PSB ao Planalto, Eduardo Campos, integram uma rede para pescar dois tipos de eleitores. Os que estão cansados do PT e que não querem a volta do PSDB. E os que não creem no êxito dos tucanos, mas querem os petistas fora do governo. Os estrategistas do socialista consideram que a presidente Dilma tem um núcleo duro de 25%, enquanto os tucanos tem 10%. Por isso, ele trata de adular esse setor da sociedade, porque não seria inteligente atacar os seus gurus. Uma postura agressiva provocaria reação imediata do núcleo duro dos adeptos de Lula e FH.


"Só os incompetentes e os amadores não sabem que em política até a raiva é combinada"

Nelson Jobim
Ex-presidente do STF e relator da Constituinte, ontem, na sessão alusiva aos 25 anos da Constituição de 1988

Vento a favor
As respostas a duas perguntas na pesquisa Sensus para o PSDB animaram os tucanos. Os que querem um governo diferente são 52,9%. E 55% dos entrevistados disseram que seu poder de compra se reduziu este ano em relação a 2012.

Língua solta
A Associação dos Delegados da Polícia Federal fez um pedido de explicações ao senador Pedro Taques (PDT-MT).
Num vídeo de uma palestra, Taques diz que 'a Constituição determina que todo o poder emana do povo. Se fosse de Deus, seria uma teocracia, e não uma democracia. Se emanasse dos delegados da PF seria uma merda'.

Quebra-cabeças
Na Paraíba, como no Ceará, o principal problema do PMDB não é o PT. A unidade dos partidos que apoiam o governo Dilma passa por um acordo entre o ministro Aguinaldo Ribeiro (Cidades), do PP, e o senador Vital do Rego (PMDB).

Lula, o 'showman'
Um séquito de funcionários e visitantes cercou o ex-presidente Lula ontem, em sua passagem pelo Congresso. Os dirigentes petistas contam com esse magnetismo para alavancar seus candidatos em 2014. Lula já determinou a redução de sua agenda internacional. Na cúpula, o que se diz é que será a primeira vez que um líder carismático fará campanha fora do cargo e sem ser candidato.

A recomposição
Pressionado pelo PT e pelos aliados locais, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), começou a sinalizar que vai concorrer ao governo de Alagoas. Com Renan Filho de candidato, o senador começou a ver sua aliança desidratar.

Água mole em pedra dura
O ex-presidente Lula aproveitou o almoço com senadores, ontem, para tentar convencer Blairo Maggi (PR-MT) a concorrer ao governo. Disse que seria ótimo se ele voltasse e que teria seu apoio. Blairo tem dito que nem de graça se candidata.

A CÚPULA DO PMDB não acredita que os descontentes consigam realizar uma pré-convenção neste ano. Avalia que o movimento é um jogo de pressão.

Carta ao mercado - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 30/10

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva articula nos bastidores para que o Senado vote o projeto de Francisco Dornelles (PP-RJ) de autonomia do Banco Central. Lula conversou sobre isso ontem com o senador. O petista também falou com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) --que, na semana passada, surpreendeu o governo ao defender a proposta. Lula acha que a votação seria uma forma de debelar a desconfiança do mercado em relação ao governo Dilma Rousseff.

Fome zero Depois da megafesta para celebrar os dez anos do Bolsa Família, hoje em Brasília, Dilma deve receber Lula para almoçar.

Timing Assessores do Planalto lembram que, dias atrás, Guido Mantega (Fazenda) criticou a proposta, e que a decisão de Renan de pautar o assunto coincide com a falta de sinais de que Vital do Rêgo será efetivado ministro.

Big Bang PSB e Rede vão iniciar ainda este ano encontros temáticos para discutir o programa da coligação. No de Campinas, membros da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência serão convidados a apresentar propostas para ciência e tecnologia.

Mapa Outros eventos serão organizados para debater cultura (no Rio), educação (em Belo Horizonte), biodiversidade (na região Norte) e agronegócio (em Rondonópolis ou Campo Grande).

Óleo... No seminário de segunda-feira, partidários de Marina Silva reclamaram que as propostas do ex-ministro Fernando Bezerra, aliado de Eduardo Campos, para energia e saneamento não tinham uma visão sustentável.

... e água "Ele ainda está apegado ao cargo", diz um membro da Rede. Bezerra rebateu que uma proposta concreta para a infraestrutura é essencial para não provocar a desconfiança de investidores.

Ideia fixa Quem acompanhou o discurso de Dilma em solenidade em São Paulo na segunda-feira à noite registrou: ela explicou por quase dez minutos as regras do leilão de Libra e os motivos que levaram o governo a escolher o sistema de partilha.

Olhar 43 A todo tempo a petista encarava Aécio Neves, seu provável rival em 2014.

À mineira O presidente do PSDB de Minas, Marcus Pestana, promoveu almoço com a bancada do PSD no Estado ontem, em Brasília. Gilberto Kassab opera para que o partido se alie ao PT em 2014, mas a maioria dos deputados estaduais e federais prefere apoiar o projeto nacional e local de Aécio Neves.

Escalado Lula incentivou ontem Blairo Maggi (PR) a disputar o governo de Mato Grosso em 2014. Para o ex-presidente, o senador é daqueles políticos que "nasceram para o Executivo".

Palanque O governador Beto Richa (PSDB) grava amanhã uma participação no "Programa do Ratinho", do SBT. O apresentador é o preferido de políticos em pré-campanha. Já recebeu Dilma, Aécio Neves, Eduardo Campos e Alexandre Padilha.

Shalom Padilha, pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, participou de jantar com cerca de 60 membros da comunidade judaica no domingo, na casa do médico Cláudio Lottenberg, do Hospital Albert Einstein.

Visitas à Folha Edevaldo Alves da Silva, advogado e presidente do Complexo Educacional FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), visitou ontem a Folha. Estava acompanhado de Edson Alves da Silva, advogado.

Elena Landau, economista e presidente no Rio do Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, visitou ontem a Folha.

com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN

tiroteio
"Esse assunto de querer armazenar dados no Brasil para proteger a privacidade é igual a achar que Obama só espiona nos EUA."

DO DEPUTADO EDUARDO CUNHA (RJ), líder do PMDB na Câmara, sobre a proposta que o governo pretende incluir na votação do Marco Civil da Internet.

contraponto


Caixa postal
No almoço de ontem com senadores do bloco formado por PTB, PR e PSC, o ex-presidente Lula resolveu dar uma folga para Ideli Salvatti (Relações Institucionais), que não desgrudava do telefone celular.

--Ideli, você tá ligando para o papa? --perguntou o petista, brincando.

--Não, presidente --respondeu Ideli, sorrindo.

--Tá ligando para a Dilma? --devolveu Lula.

--Não --disse a ministra.

--Então desliga esse telefone! --encerrou o ex-presidente, provocando gargalhadas dos convidados.

Cães de guarda - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 30/10

Até agora, o Banco Central do Brasil só teve autonomia para executar sua política de juros se o presidente da República assim o quisesse.

Durante o governo de Fernando Henrique essa autonomia teve mais baixos do que altos. Quando, em 1999, assumiu pessoalmente o comando da mesa de câmbio e destituiu o presidente do Banco Central Francisco Lopes, o então ministro da Fazenda, Pedro Malan, evocou a lógica do organograma vigente (até agora), em que o Banco Central está subordinado à Fazenda.

Na administração seguinte, o Banco Central funcionou com relativa independência, não porque seu presidente, Henrique Meirelles, tivesse mandato para isso, mas porque o presidente Lula achou melhor assim.

No atual governo, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, só faz o que a presidente Dilma quer. Em julho ela não gostou do que no Relatório de Inflação e nas Atas do Copom constava sobre as consequências inflacionárias da política de despesas públicas do governo. Bastou isso para que, de uma hora para outra, sem que nada tivesse mudado, essas referências sumissem dos documentos seguintes e os dirigentes do Banco Central passassem a propagar que "criam-se condições para que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade".

Por essas e outras, a atual diretoria do Banco Central não consegue comandar as expectativas. Ninguém acredita, por exemplo, que a inflação esteja convergindo para a meta de 4,5% ao ano, porque a frouxidão da política fiscal do governo está prejudicando o combate à inflação.

Políticos adoram gastar e essa é uma das principais razões pelas quais é preciso mantê-los afastados das impressoras de moeda. Para executar adequadamente a função de cães de guarda da moeda, os dirigentes de um banco central precisam de autonomia. Entre as condições para isso estão garantir-lhes mandato fixo e a prerrogativa de só ser demitidos em casos extraordinários.

A autonomia deve ser entendida como condição necessária, mas não suficiente. Na prática, sempre acontecem interferências dos políticos em qualquer banco central, mesmo nos reconhecidamente independentes.

Autonomia institucional para defender a moeda não assegura infalibilidade pontifícia. Qualquer banco central está sujeito a erros. Mas, quando tem autonomia, fica mais fácil corrigi-los.

Esses e outros temas voltaram à pauta das discussões porque o presidente do Senado, Renan Calheiros, parece determinado a colocar em votação o projeto de lei complementar que regulamenta o Sistema Financeiro Nacional e a autonomia do Banco Central do Brasil. O relator do projeto é o ex-ministro da Fazenda e senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

Pergunta inocente: por que, de repente, o presidente do Senado resolveu colocar em discussão esse projeto de lei complementar, previsto pela Constituição de 1988 e na fila de espera desde 2007? O senador Calheiros é conhecido como aquele que não dá ponto sem nó. A presidente Dilma parece ter reprovado essa iniciativa. Mas, afinal, qual seria o objetivo desse nó, logo agora, em período pré-eleitoral?

Libra, um equívoco do tamanho do campo - PAULO RABELLO DE CASTRO

O ESTADO DE S. PAULO - 30/10

Os minoritários do consórcio vencedor do megacampo devem ter tomado riscos bem controlados em relação a seus futuros compromissos como sócios não operadores na exploração daquela que nos foi apresentada como a "joia da coroa" do setor petrolífero nacional. Discussões acaloradas devem ter rolado nos Conselhos de Administração da anglo-holandesa Shell, da francesa Total e mesmo no comando das chinesas CNPC e CNOOC, recém-chegadas ao Brasil. O mesmo não se pode dizer da nossa Petrobrás, que até ampliou de 30% para 40% sua participação societária num negócio marcado por riscos de muito difícil avaliação, além de arcar com as obrigações decorrentes da Lei n.° 12.351/2010, ao ficar diretamente responsável pela condução e execução de tudo o que se fizer no campo de Libra.

Mas o público desconhece uma parte essencial do negócio, que é o acordo das consorciadas, assinado entre as estrangeiras e a Petrobrás. O acordo possivelmente inclui cláusulas benignas de saída para qualquer consorciada desistente. Caso contrário, os riscos de crédito, operacionais, jurídicos e políticos seriam insuportáveis perante as matrizes das consorciadas. Basta lembrar outro detalhe crucial desse negócio: como atuará a Pré-Sal Petróleo SA (PPSA), estatal criada exclusivamente para representar os interesses difusos do governo no negócio, podendo nomear metade do Comitê Operacional de Libra, incluído o seu presidente, e que administrará o consórcio.

A rigor, o risco econômico do negócio em Libra é um ponto de interrogação do tamanho do mega campo, impedindo qualquer medida séria de comparação entre riscos e retornos por uma ótica do setor privado. O governo, portanto, está corretíssimo numa única afirmação sobre Libra: essa transação é tudo menos privatização. Isso também explica por que o "lance" foi único e saiu pelo valor mínimo. Foi uma cessão de direito certo de fazer, contra direito absolutamente incerto de recuperar o que terá sido investido.

O leilão de Libra já começa a jorrar conseqüências, não petróleo. O desembolso imediato da Petrobrás, da ordem de R$ 6 bilhões apenas como tíquete de entrada, será mais um teste a ser vencido por um balanço já estressado por ineficiências diversas e pelo torniquete da manipulação do preço final do combustível, que, só este ano, já tomou mais de RS 10 bilhões da empresa.

Os requerimentos seguintes, operacionais, muito se parecem com o esforço titânico a que se propôs o empresário Batista, só que com um fator multiplicativo de, pelo menos, cinco vezes. Portanto, os atrasos na exploração são mais do que previsíveis. As apostas giram em torno de um preço do barril O leilão da chamada "joia da coroa"já começa a jorrar conseqüências, não petróleo

na faixa atual. Caso as cotações do petróleo venham a ser afetadas por outros fatores, ora ignorados, como o óleo de xisto e os juros externos, as projeções mirabolantes do governo virarão um pesadelo.

Enquanto isso, gerir as agendas das consorciadas no projeto será outra tarefa espinhosa, pelo enorme fluxo de informações privilegiadas a que buscarão ter acesso sobre o programa brasileiro. Isso gerará muitas tensões e possível quebra de confiança entre sócios.

Outro é o risco regulatório, antes mitigado pela presença da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), agência pública com experiência no setor. Mas como agirão os senhores da neonatal PPSA no dissonante Comitê Operacional de Libra? Mais perguntas sem resposta plausível.

Os chineses, por seu turno, apesar de nem terem tido tempo de desfazer suas malas, ainda sem o CNPJ de suas empresas, serão os mais bem preparados na arte da espera, treinados como são, culturalmente, para aguardar por desenlaces inesperados que os beneficiem no estranho negócio.

Quanto a nós, o distinto público do lado de fora do certame, também acompanhamos tudo, meio anestesiados, como sempre o fizemos. O governo, na sua apostasia da verdade, pensa ser o legítimo representante do povo brasileiro nos negócios em que se mete como executor e juiz de si mesmo. Brasília não é Brasil e, no campo dos interesses financeiros populares, menos ainda.

Uma abordagem completamente distinta ao atual modelo financeiro do pré- sal, excludente como é, seria a de testar a maturidade do nosso setor financeiro e de mercado de capitais, este, sim, mais do que preparado para lidar com avaliações complexas de risco. E aproveitar para envolver o grande público numa capitalização coletiva de seus direitos sociais perante a União, por meio de fundos públicos de natureza previdenciária, que hoje estão a demandar o lastro previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 68) que comanda a formação de um "Fundo do Regime Geral da Previdência Social". Em países que lidaram com prudência na formação da riqueza coletiva futura, como a Noruega, só para citar um, a formação do pecúlio previdenciário sempre esteve em primeiro lugar, sendo também possível alocar fluxos futuros desse lastro em investimentos rentáveis em educação e saúde.

Haveria recursos ainda, mais do que suficientes, no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos trabalhadores, para participarem do leilão de Libra, se assim tivessem o direito de optar por realizar tal investimento. Isso daria a oportunidade de se provar que o petróleo é uma área aberta, de fato, a todos os potenciais investidores brasileiros, inclusive trabalhadores, e não apenas a instituições prepostas dos interesses desse mesmo público.

Entretanto, o governo brasileiro nunca cogitou de permitir tal intromissão em seus negócios. Os brasileiros, não obstante, terão sua chance de participar no fúturo: pela carga tributária mais elevada quando, eventualmente, faltarem recursos para cobrir os esforços de exploração.

Beijo da morte - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 30/10

Deficit externo em cenário de menor fluxo de capital será o beijo da morte da 'nova matriz macroeconômica'


Embora o deficit externo de setembro, US$ 2,6 bilhões, tenha sido o mais baixo registrado no ano, as contas do país acumulam nos últimos 12 meses deficit pouco superior a US$ 80 bilhões (3,6% do PIB), aumento expressivo em relação aos US$ 50 bilhões (2,2% do PIB) registrados nos 12 meses anteriores.

Números ainda mais altos não podem ser descartados no ano que vem, pois os fatores determinantes da sua expansão ainda estão em pleno funcionamento e nada indica uma interrupção desse processo.

A começar pela discrepância entre o desempenho da demanda interna (consumo, investimento e, é claro, os gastos do governo) e o PIB. Aquela cresce à frente deste há nada menos do que 32 trimestres (sem contar o terceiro deste ano), tendo ultrapassado o valor absoluto da produção doméstica desde meados de 2010.

Como venho apontando há algum tempo, a capacidade de produção enfrenta gargalos dos mais variados, seja em razão do mercado de trabalho apertado, seja pela insuficiência da infraestrutura, seja ainda por outros fatores que se expressam no baixo crescimento do produto por trabalhador.

Nesse contexto, adotar --como tem feito o governo-- políticas de expansão da demanda interna, impulsionadas pelo gasto público e pelo crédito oficial, pouco adiciona ao crescimento do produto.

Pelo contrário, nos setores em que a concorrência externa é escassa (tipicamente serviços), os estímulos têm se transformado em combustível para a inflação, que já se aproxima de 9% nesse segmento nos últimos 12 meses.

Já nos setores mais sujeitos à competição internacional (tipicamente manufaturados) o que se observa é o aumento das importações à frente das exportações, de modo a adequar a oferta total (produção interna mais importações líquidas) ao consumo doméstico.

Não por acaso a quantidade física de importações aumentou pouco menos de 11% até agosto (ante crescimento de apenas 1% das exportações), o que não pode ser explicado apenas pela conta- bilização em 2013 de importações de petróleo realizadas no ano passado.

Incapaz, portanto, de atender simultaneamente o consumo crescente de manufaturas e serviços, a produção se volta para os últimos, diante da impossibilidade da sua importação, enquanto a redução do saldo comercial cuida de aumentar a disponibilidade doméstica de manufaturas. Nesse sentido, o aumento do deficit externo não é uma anomalia: é o resultado natural de uma política de estímulo à demanda quando a oferta enfrenta restrições variadas.

O problema só não apareceu antes porque o mundo jogou a nosso favor (na verdade, continua jogando, apenas não tanto quanto há dois anos). Os preços dos produtos que exportamos (commodities) ainda permanecem 25% acima de seu nível histórico relativa- mente aos preços das importações (manufaturas).

Trata-se uma perda considerável em comparação ao observado em meados de 2011, quando essa relação encontrava-se 40% acima da média histórica, colaborando para a redução recente do saldo comercial.

Mesmo assim é bom notar que a contribuição ainda é positiva, correspondendo a algo como 2,7% do PIB nos 12 meses até agosto, ante 3,1% do PIB em 2011.

Posto de outra forma, embora a contribuição menos favorável dos preços externos possa explicar uma parte da queda do saldo comercial, a maior parcela resulta mesmo da evolução díspar da produção e da demanda internas.

Considerando ainda que o atual arranjo de política não deve se alterar (pelo contrário, a recente mudança retroativa do indexador da dívida de Estados e municípios deve induzir a um forte aumento do gasto público à frente), é apenas lógico esperar deficit externos crescentes no curto e médio prazos.

Reconciliar esse desenvolvimento com fluxos mais escassos de capitais será o grande desafio em breve e o provável beijo de morte para nossa mal formulada "nova matriz macroeconômica".

Retranca lucrativa na banca - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 30/10

Mesmo com competição dos estatais, juro menor e aperto de crédito, bancos privados têm grande resultado


A QUANTIDADE DE dinheiro emprestado pelos bancos privados quase não cresceu nos últimos 12 meses, embora a retranca tenha sido menor nos bancos maiores. O aumento real do estoque de crédito na economia ficou na conta dos bancos públicos.

Pelo que se escuta nas conversas de divulgação dos balanços do terceiro trimestre, a carruagem privada não vai andar muito mais rápido daqui até a metade do ano que vem. E o governo diz que vai induzir seus bancos a pisar no freio.

Os bancos privados estão na defensiva desde meados de 2011, quando começou a campanha da presidente contra os juros altos e os "spreads" (diferença entre o custo do dinheiro para bancos e clientes).

Juros e "spreads" médios até que diminuíram, dada a concorrência pesada dos bancos estatais, que baixaram suas taxas e comeram fatias do mercado, vitaminados de resto por dinheiro do governo.

Os bancos privados não recuaram apenas devido à pressão da concorrência estatal. A inadimplência e o nível de endividamento cresceram e ficaram altos nos últimos três anos. Convém notar que a inadimplência aumentou mesmo com a renda das famílias em alta e com a menor taxa de desemprego em décadas. Era uma atitude razoável imaginar que, em caso de desemprego crescente, o nível de calote pudesse ficar alarmante.

O mar, de fato, não estava para o peixe do crédito, ao menos para os bancos privados, que em tese não podem contar com dinheiro do governo caso façam besteira com empréstimos e não vejam a cor do dinheiro de volta. Ou melhor, em caso de catástrofes financeiras, o governo, nós, acaba por pagar a conta, mas bancos não operam no crédito do dia a dia com a perspectiva de emprestar à matroca, de qualquer jeito, e levar calotes.

Dada a pressão dilmiana, a situação no mercado bancário ficou parecida com a de um controle de preços indireto (a concorrência dos juros mais baixos da banca estatal). Diante disso, a reação dos bancos privados foi similar à de empresas submetidas a controle de preços.

Isto é: 1) Reduziram a oferta: caiu o ritmo de concessão de empréstimos; 2) Enxugaram custos: os administrativos e os relativos ao crédito, ao risco. Os bancos ficaram mais seletivos nos empréstimos e reduziram perdas com calotes; 3) Ganharam mais com serviços.

O espetacular lucro do Itaú Unibanco, por exemplo, não veio do aumento da margem financeira.

Os maiores bancos brasileiros, pois, concentraram-se em financiamento imobiliário, empréstimos consignados e crédito para empresas grandes, pela ordem. Reduziram violentamente o financiamento de veículos, por exemplo.

De um modo um tanto sarcástico, a gente pode dizer que um dos efeitos importantes da campanha presidencial contra juros e "spreads" bancários foi um aumento de eficiência nos bancos privados, pelo menos nos maiores.

A participação relativa a bancos públicos no bolo do crédito praticamente dobrou desde 2007. Mais da metade do estoque de crédito, do total do dinheiro atualmente emprestado, é da conta dos bancos públicos, vitaminados pelo governo, em especial o de Dilma. Mas esse esquema deu o que tinha que dar, como tantos outros do governo Dilma.

História da derrocada - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30/10

A maior hecatombe empresarial do país não é uma boa notícia para ninguém, mas seria bom aprender com o desastre. O empresário Eike Batista conduziu mal seus negócios por ter se alavancado demais e fomentado especulação que inflou de forma artificial o valor de mercado de projetos que não haviam maturado. O governo e o mercado erraram por terem acreditado no delírio.

Em 2010, o valor de mercado da OGX era R$ 74 bilhões. Três anos depois, está em situação pré-falimentar. Desde 2005, o BNDES aprovou R$ 9,1 bilhões em operações com as empresas do grupo EBX e em abril deste ano — quando elas já estavam em apuros e o valor da OGX havia caído para R$ 4 bi — foram aprovadas novas operações no valor de R$ 935 milhões para a MMX. Outros bancos estatais, como a Caixa, também emprestaram para o grupo quando já se sabia das dificuldades.

O BNDES usa como escudo o sigilo bancário para não prestar informações. Ofende a lógica quando diz que não perdeu nenhum tostão com o grupo. Ora, se o valor das ações desmoronou, se os empréstimos não foram pagos a tempo, é impossível o banco não ter perdido. O truque é, na época do vencimento, rolar o empréstimo. Uma das rolagens foi no último dia 15: R$ 518 milhões para a OSX. E assim que um credor não registra a perda com um grupo que desmorona: dá mais prazo.

Houve um tempo em que o governo dizia que queria mais "eikes" no país, e Eike dizia que o BNDES era o melhor banco do mundo. Em abril de 2012, em solenidade de início da extração de petróleo pela OGX, a presidente Dilma afirmou: "Eike é o nosso padrão, a nossa expectativa e sobretudo o orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado."

Hoje, é fácil ver os erros do empresário. Mas antes também era. Ele sempre exagerou sobre as potencialidades das empresas e, assim, valorizava as ações. Antes que o empreendimento maturasse, criava outra, dependente do sucesso da primeira. Foi construindo um castelo de cartas, Ele se alavancou com dinheiro dos bancos públicos, privados, de investidores. Sempre com dinheiro alheio. Alguns tubarões fugiram a tempo, investidores menores micaram e o governo tenta encobrir as perdas. Mesmo quando os sinais da falta de consistência dos seus negócios eram visíveis, o governo incentivou a Petrobras a fazer parceria com o grupo X. No ano passado, a presidente Dilma declarou, ao lado

do empresário, que "ambas podem ganhar muito com uma parceria entre elas" A ideia de Eike era de que Petrobras e OGX juntas criassem uma terceira empresa.

Quando as câmeras foram desligadas, ao fim de uma tensa entrevista que fiz com ele em 2008, em que perguntei sobre várias contradições dos seus negócios, inclusive ambientais, Eike reclamou de eu ter sido muito dura. Eu disse que não tinha perguntado tudo, por falta de tempo, e falei da proposta que ele havia feito de vender energia para o governo por um preço e recomprar por um terço do valor. A proposta fora recusada pela Aneel. Ele me disse: "todos fazem, por que não posso fazer?" Respondi que ele, supostamente, era para ser a renovação do capitalismo brasileiro.

Ele nunca foi o novo, sempre se cercou do Estado para se alavancar através de empréstimos ou tratamento diferenciado. As áreas nas quais entrou eram preponderantemente da velha economia. Mas tudo isso seria mais do mesmo. O principal erro foi declarar ter o que não tinha, para assim iludir o investidor.

Em maio de 2012, fez declaração de comercialidade de Tubarão Azul. Previu produção de 50 mil/dia e disse que poderia extrair até 150 milhões de barris. Depois, disse: "meus projetos são à prova de idiotas" Em julho passado, Eike admitiu não haver "tecnologia capaz" de extrair petróleo desse campo. Depois, fechou Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão Areia. Ao garantir que tinha o que não poderia entregar, Eike enganou credores e investidores. Essa é a história da derrocada. 

Triste milonga protecionista - MARCELO DE PAIVA ABREU

O Estado de S.Paulo - 30/10

Desde 1992 o Brasil tem sido objeto, em Genebra, de exame periódico de suas políticas para avaliar em que medida elas são consistentes com as regras, disciplinas e compromissos multilaterais. O Trade Policy Review Mechanism (TPRM) foi inicialmente estabelecido em 1989, como resultado antecipado da Rodada Uruguai, e sacramentado no anexo 3 do Acordo de Marrakesh, que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994.

No final de junho, o secretariado da OMC apresentou o sexto relatório sobre o Brasil, no quadro do TPRM, acompanhado pelo relatório do governo brasileiro. Esses relatórios, encabeçados pelas observações do embaixador Joakim Reiter, da Suécia, que presidiu a sessão, já foram publicados pela OMC. Os documentos complementares tornaram-se disponíveis no site da OMC apenas na quinzena passada. De um lado, as minutas do encontro, que incluem a intervenção inicial do Brasil e a intervenção do debatedor, seguidas das intervenções dos demais membros e da réplica final brasileira. De outro lado, as perguntas feitas pelos demais membros da OMC e as respostas brasileiras.

Houve, como seria de esperar, muito rasgar de seda, grande número de perguntas semirretóricas - como as menções à não participação do Brasil em acordos plurilaterais, como o Information Technology Agreement e o Government Procurement Agreement - e umas poucas só para irritar.

Os tópicos mais relevantes abordados nas perguntas e nas intervenções subsequentes se referiram à tendência ao aumento de proteção que vem caracterizando a política comercial brasileira com o aumento da tarifa de cem produtos e a promessa de futura elevação das tarifas sobre cem produtos adicionais, bem como ao papel crescente de critérios de conteúdo local para definir regimes tributários, concessão de empréstimos e compras públicas.

O pronunciamento final brasileiro não respondeu de forma aceitável o questionamento relativo a assuntos essenciais. As decisões sobre aumento tarifário foram recentemente revertidas pelo governo, mas o mau retrospecto do Brasil ficou registrado. O Brasil teve de ouvir o representante dos EUA mencionar estudo da International Chamber of Commerce que classificou o Brasil na rabeira do G-20 quanto ao protecionismo. Sempre é possível considerar isso como mais uma artimanha do imperialismo ianque, mas, de fato, é avaliação séria do que o governo brasileiro anda perpetrando na política comercial e não sofreu contestação.

O principal programa brasileiro baseado em índices de conteúdo local é o Inovar-Auto, aplicado à indústria automotiva, que permite o abatimento de IPI em função de, entre outras condições, gastos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. A resposta brasileira aos questionamentos foi simplesmente negar, sem pestanejar, que isso seja condicionado a metas de conteúdo local. Alternativamente, o governo brasileiro optou pela repetição burocrática da fórmula: "Não há nada nos acordos da OMC que impeça um país de perseguir seus objetivos de desenvolvimento de forma consistente com seus compromissos internacionais".

É difícil de defender que a política brasileira não conflita com as regras da OMC, em particular do Gatt 1994 e do acordo Trims. O caminho racional, e perfeitamente legal, para subsidiar inovação seria por meio da parte IV do Acordo de Subsídios, e não por meio de descontos de impostos indiretos. É verdade que o governo brasileiro alegou, com grande sangue-frio, que "as suspensões de IPI não resultam em alíquotas menores, as alíquotas são iguais"!

Patética, também, foi a alegação do governo de que o novo regime fiscal que se aplica ao setor automotivo permitirá que o setor recupere a sua competitividade e que "os consumidores (...) se beneficiarão (pois) disporão de um mercado com veículos melhores, mais seguros e mais adaptados a exigências ambientais". A pergunta que falta responder é: A que preço?

Dívida/PIB - ANTONIO DELFIM NETTO

FOLHA DE SP - 30/10

Pesquisas empíricas recentes mostram que os efeitos das "incertezas" sobre o comportamento da economia são mais graves do que se supunha. Alteram, inclusive, a natureza e a qualidade da resposta dos agentes às políticas fiscal e monetária.

Os fatos sugerem que a reação aos desequilíbrios fiscal e monetário tem que ser muito mais pronta, energética e agressiva quanto maior forem as incertezas que os cercam.

Por um lado, em condições normais de pressão e temperatura, elas são parte inerente da economia de mercado, uma vez que as flutuações são ínsitas ao seu funcionamento e, frequentemente, são acentuadas pela ciclotimia dos próprios agentes econômicos, que tendem a um comportamento imitativo: a um eventual excesso de "otimismo" segue-se, sempre, um excesso de pessimismo. Por outro, as "incertezas" são maiores ou menores na justa medida em que há uma "confiança" recíproca maior ou menor entre o poder incumbente e os agentes econômicos.

Estamos terminando 2013 com um importante grau de incerteza, mas com os seguintes resultados (que, se não são brilhantes, não são desastrosos diante das dificuldades da economia mundial): 1) crescimento do PIB em torno de 2,7%; 2) taxa de inflação ligeiramente abaixo de 6%; 3) robusto deficit em conta-corrente da ordem de 3,6% e uma relação dívida bruta/PIB parecida com 60% do PIB. Há, entretanto, desconforto com alguns controles de preços (inflação reprimida) e com a relação dívida/PIB, não só pelo seu tamanho, mas pelas perspectivas de seu crescimento, apesar de ela ser, basicamente, em reais.

Num prazo mais curto, dois eventos preocupantes a ameaçam: 1) a aprovação, por expressiva maioria na Câmara dos Deputados, da negociação das dívidas de Estados e municípios, que, além de violar seguramente o "espírito" (e talvez a letra) da Lei de Responsabilidade Fiscal --o instrumento fundamental da nossa estabilidade--, estimula o aumento do endividamento dos entes federados; 2) a aprovação, no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, de dispositivo que, implicitamente, dá início à concretização do "Orçamento impositivo". Sem uma regulamentação adequada de como se fará a estimativa da receita do Orçamento, ele terminará em tragédia.

São fatos como esses, contra os quais não se vê um sério engajamento do Executivo para mostrar à sociedade suas consequências no longo prazo, que têm chamado a atenção das desastradas agências de rating, do FMI, da OCDE e do Banco Internacional de Compensações (BIS), e podem levar a um rebaixamento da nossa classificação soberana. Isso poderá ter consequências dramáticas, sobretudo se coincidir com a redução dos estímulos monetários nos EUA.

De ratos e cães - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 30/10

SÃO PAULO - "O coração tem suas razões que a razão desconhece", escreveu Pascal. O pensamento do filósofo se aplica bem aos paulistanos e seu amor pelos animais.

Segundo o Datafolha, 66% dos entrevistados se opõem ao uso de cães em pesquisas científicas. O índice baixa para 59% quando as cobaias são macacos, 57% caso sejam coelhos e apenas 29% se forem ratos.

Esses resultados, embora não surpreendentes, contrastam com o discurso dos ativistas, para os quais infligir sofrimento a bichos constitui um caso de especismo, delito moral que os militantes mais radicais equiparam ao racismo e ao escravagismo.

Em termos puramente filosóficos, esse é um raciocínio consistente, se aceitarmos as premissas consequencialistas de pensadores como Peter Singer, para o qual todos os seres sencientes são dignos de igual consideração. Se há uma hierarquia entre eles, ela é dada pela capacidade de sentir dor e prazer de cada espécie e indivíduo. Um ser humano vale mais que uma lesma; o problema é que os mamíferos, em geral, estão todos mais ou menos no mesmo plano.

Sob essa chave interpretativa, proteger cães em detrimento dos ratos constituiria especismo. Seria o equivalente de, na escravidão, defender a libertação dos nagôs e jejes, mas não dos hauçás e axantis, para citar alguns dos grupos étnicos entre os quais o Brasil fez mais vítimas.

O que a pesquisa Datafolha mostra, no fim das contas, é que as pessoas definitivamente não pensam por meio de categorias filosóficas.

Ao rejeitar a lógica consequencialista com base em emoções, o paulistano revela a principal dificuldade dessa matriz ética, que é exigir um igualitarismo tão forte que se torna desumano. Um consequencialista consequente, afinal, precisaria atribuir ao próprio filho o mesmo valor que dá ao filho de um desconhecido.

Não importa o que digam Singer e a filosofia, nos corações dos paulistanos um cão vale mais do que um rato.

Novamente os precatórios: até onde pode ir o STF? - EGON BOCKMANN MOREIRA

GAZETA DO POVO - PR - 30/10

Ao contrário das pessoas privadas, cujos débitos são imediatamente executáveis e garantidos pelo respectivo patrimônio, o Estado brasileiro submete seus credores a rito mais custoso. Trata-se dos precatórios, forma de pagamento em vigor desde a Constituição de 1934. É a técnica por meio da qual a Fazenda Pública deve lançar os débitos judiciais transitados em julgado no orçamento do ano seguinte e, assim, pagá-los pela ordem cronológica.

O artigo 100 da Constituição dispõe que tal rito se aplica aos “pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas” da União, estados, Distrito Federal e municípios. Em tese, os precatórios lançados no orçamento deveriam ser pagos no ano imediatamente seguinte. Mas isso só acontece em teoria: boa parte deles não são pagos e, ano após ano, os débitos crescem – a ponto de o volume tornar-se tão elevado que impede o desembolso. O recebimento dos precatórios é tornado impossível pelo próprio devedor, que se omite e lesa a todos os credores.

Assim, os precatórios são mais uma peculiaridade brasileira: feitos para permitir o pagamento ordenado dos débitos públicos, transformaram-se num modo de concretizar o inadimplemento. Esse desvio contumaz gerou a tentativa de solução por meio da edição de emendas constitucionais para alterar o art. 100 da Constituição (e o 97 das Disposições Constitucionais Transitórias). A mais recente foi a EC 62/2009, a chamada “Emenda do Calote”.

Esta emenda instalava solução injusta, porém factível. Os precatórios seriam submetidos a regimes diferenciados, com a possibilidade de o devedor parcelar seu débito em 15 anos, ou efetuar depósito mensal de 1% a 2% de sua receita corrente líquida (sem prazo para a quitação). Além disso, foi estabelecido o “leilão reverso” de precatórios (quem oferecesse maior desconto receberia mais rapidamente seu crédito). Sem dúvida, aqui a escolha foi política, realizada que foi pelo poder constituinte derivado. Contudo, em março deste ano o STF julgou inconstitucionais tais dispositivos da EC 62.

Sob a pura ótica jurídica, a decisão do STF é perfeita. Decide o caso por meio da aplicação dos princípios da república, da isonomia e de outros direitos fundamentais. Ocorre que, no mundo dos fatos, ela institucionalizou o caos: a partir de então, não mais se sabe como devem ser pagos os precatórios. Em outubro do corrente ano, o STF começou a tentar resolver o problema, por meio da “modulação” de sua decisão. A sugestão do relator foi a de repartir os modos de pagamento em três: os precatórios já existentes seriam pagos até 2018; os que surgirem até 2018, em cinco anos; e os de depois de 2018, no ano seguinte à respectiva inscrição orçamentária. Proposta essa que só agrava o caos, quando menos por dois motivos: em primeiro lugar, resta saber se ela é factível – o relator consultou a União, os estados e os municípios? Se não, qual seria o motivo para o número de anos? Por que 2018 e não 2017 ou 2019? Por que cinco e não sete? Em segundo lugar, porque instala forte inovação carregada de incerteza jurídica; afinal, pode o STF substituir-se ao legislador constituinte e, assim, definir positivamente como deverá ser aplicado o que não está escrito no art. 100 da Constituição?

Talvez essa proposta de decisão demande discussão um pouco mais profunda: onde a lei atribui ao STF a competência para modular os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, pode-se ler “exercício do poder constituinte”? É válido que o STF se autoatribua o poder de definir como todas as Fazendas Públicas, de todas as pessoas políticas, devam realizar o pagamento dos seus débitos? Ou seria o caso de apenas se obedecer à Constituição?

Os idos de março - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 30/10

Ao decidir que a definição oficial da candidatura à Presidência da República só acontecerá em março, o PSDB corre o risco de deixar que o tempo conspire em seu desfavor.

A campanha eleitoral antecipada pode não ter sido um bom negócio para ninguém a não ser para Eduardo Campos, que teve, assim, a chance de “sair” de Pernambuco para assumir papel de destaque no cenário nacional e na sucessão presidencial de 2014.

Mas não resta dúvida de que é uma realidade contra a qual não adianta muito se rebelar.

Se a população ainda não está sob o domínio do fato eleitoral, o mundo político só pensa nisso, só atua em função disso.

Enquanto os tucanos criaram uma dúvida sobre a candidatura de Aécio Neves onde antes havia a certeza, os adversários tocam a vida. A presidente Dilma Rousseff à vontade no uso (abuso?) das prerrogativas públicas do cargo em prol de projeto partidário.

Eduardo Campos e Marina Silva não têm a mesma vida boa, não dispõem da estrutura ao longo dos anos e de duas presidências de República construídas pelos tucanos. Em compensação, são muito menos pressionados pela necessidade da vitória e contam com a marca da novidade.

Seria um exagero dizer que estão “relax”, mas ao contrário dos outros — notadamente do PSDB — tudo o que lhes vier é lucro e, para aumentar o capital, a cada dia criam um fato.

Ainda que seja pelo viés nem sempre positivo do destaque às divergências e contradições entre os dois grupos, figuram diariamente no noticiário político.

Isso quer dizer o seguinte: quando março chegar e os tucanos finalmente anunciarem (se é que não haverá o adiamento de sempre) quem será o candidato, os adversários já estarão a léguas de distância. Segundo Eduardo Campos, a partir de janeiro a dupla já dará sinais concretos de que o titular da chapa será ele mesmo.

O senador Aécio Neves anuncia que lançará sua “agenda” em dezembro. Dilma faz a dela diariamente e a aliança PSB/Rede põe desde já em prática uma pauta de discussão homeopática do programa conjunto de maneira a deixar o assunto permanentemente em destaque.

Estão, portanto, governo e a assim chamada sua costela-de-adão azeitados. Os tucanos ficam emperrados. Culpa de José Serra que, a despeito da preferência do partido, insiste em deixar no horizonte a hipótese de candidatura?

Mais ou menos. Feita a proposta como uma das condições para ele permanecer no PSDB, foi aceita por Aécio, presidente do partido.

Sendo assim, aceitou dar margem à dúvida e à possibilidade de mudança, além de autorizar por vias transversas que se dissemine em público a divisão com Serra insinuando dia sim outro também que está no páreo e gente proeminente do partido afirmando que o tempo dele passou.

Se não determina o desfecho, tal cenário tampouco desenha um bom começo.

Passado condena - Ironias do destino marcaram presença ontem na sessão solene do Congresso em home­­nagem aos 25 anos da Constituinte de 1988. A mais eloquente: Lula da Silva, cujo partido hesitou em assinar a Constituição, exaltando o papel de José Sarney que, como presidente, na época dizia que a Carta tornaria o país ingovernável enquanto o governo dele tornava a inflação incontrolável.

Hoje, duas décadas e meia depois, ambos celebram — e melhor que seja assim — junto com o Brasil uma Constituição avançada na garantia dos direitos do cidadão sem, contudo, levar em conta as respectivas contribuições para a permanência do país numa situação política (não institucional, há diferença) absolutamente atrasada.

O vale-tudo da violência urbana sob o biombo glamouroso de “protestos”, se não tem tudo a ver, deve muito à falta de limites e de preservação de valores caros à lei e à civilidade de determinados governantes e representantes parlamentares.

Falta carne na receita do PSB/Rede - ELIO GASPARI

O GLOBO - 30/10

Sonhando-se, metaboliza-se a completude que conseguirá os alinhamentos de um novo padrão civilizatório?


Marina Silva deu mais um passo na sua campanha para tirar o PT do Planalto, com o 1º Encontro Programático que discutiu um texto básico de sua aliança pragmática com o governador Eduardo Campos. Um grupo político que coloca sua reunião no ar, ao vivo, alguma coisa de bom pretende fazer. Se até a campanha do ano que vem o PSB e a Rede começarem a falar português claro, fará melhor.

A ex-ministra de Lula continua pedindo “metabolização” e “completude” para “democratizar a democracia”. Isso numa reunião em que se falou em “novo padrão civilizatório” e “inclusão cidadã”. Para quem não quer dizer nada, é tudo.

Discutiu-se um texto preliminar que dizia o seguinte:

“É necessária mudança profunda do sistema político para permitir a emergência de outro modelo de governabilidade, cujos alinhamentos se deem em torno de afinidades programáticas, e não em torno de distribuição de feudos dentro do próprio Estado, do desmantelamento da gestão pública, e do uso caótico, perdulário e dispersivo do orçamento nacional.”

Muita farinha para pouca carne. Felizmente um orador propôs a redução dos cargos em comissão (coisa que Eduardo Campos, que tem o apoio de 14 partidos, poderia começar a fazer hoje em Pernambuco) e denunciou as “portas giratórias” montadas nas agências reguladoras de serviços. Outro defendeu o fim da reeleição e as candidaturas avulsas. Alguma carne.

Isso acontece numa coligação onde o provável candidato a presidente diz que não quer “ganhar perdendo”, pretende “vencer o que está ultrapassado”, impondo “outro padrão de serviço público” a partir de “um salto de qualidade da política”, com uma “visão estratégica para as próximas décadas”. Pura farinha.

Célio Turino, porta-voz da Rede, disse que “para se mudar a realidade, primeiro é preciso sonhar”. Para ficar na retórica do sonho, Martin Luther King anunciou o seu há 50 anos, depois de ralar cadeias e passeatas, com uma agenda clara: o fim da segregação racial nos Estados Unidos. Como? Cumprindo-se uma sentença da Suprema Corte e aprovando-se a legislação de direitos civis que estava no Congresso. Quando ele discursou aos pés da estátua de Lincoln, não estava sonhando. A realidade americana já estava mudando.

Não se pode pedir a Marina Silva e Eduardo Campos que sejam específicos um ano antes da eleição. Pedir-lhes que ouçam os discursos da doutora Dilma seria um suplício. Se eles e seus militantes deixarem de proteger indecisões e dúvidas com frases que não querem dizer nada, uma reunião de cinco horas poderá acabar em 45 minutos, mas quem os ouve sairá no lucro.

A reunião de segunda-feira foi uma discussão em torno de um rascunho. Marina espera que as contribuições, reunidas em desafios, sejam levadas às bases para que voltem a um plenário representativo da coligação. A ideia é ótima e no percurso poderão botar carne no prato. Enquanto Marina esteve no PT, de 1983 a 2009, assistiu à decomposição dessa promessa.

Marina Silva e Eduardo não são obrigados a falar claro a respeito de tudo. Ela explicou que a Rede e o PSB devem escutar o que diz o outro. Ambos, contudo, precisam ser entendidos por quem os ouve.

Bolsa Família e eleição - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 30/10

BRASÍLIA - Até quando o Bolsa Família será vital nas eleições presidenciais no Brasil? Se depender do PT, para sempre. O partido deu grande ênfase ao tema em sua propaganda na TV na semana passada.

Hoje, haverá uma grande festa com a presença da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vão celebrar os dez anos do Bolsa Família, que atende a dezenas de milhões de brasileiros. Ministros farão palestras sobre o impacto do programa em suas áreas. A ideia é dar uma conotação épica ao evento.

Em 2014, tudo indica que Dilma não poderá contar com uma economia pujante. Sua reeleição terá de ser conquistada com base nos resultados de programas assistencialistas oficiais. É fundamental reforçar no eleitorado a percepção de que o Bolsa Família é essencial para o desenvolvimento do país.

Quando conquistou sua reeleição, Lula teve o melhor dos mundos. O Bolsa Família começava a ter resultados visíveis, com a ascensão social dos mais pobres. Além disso, a economia do Brasil estava aquecida.

Agora, os efeitos do Bolsa Família já estão incorporados ao dia a dia da população carente. E o crescimento da economia tem sido anêmico, para dizer o mínimo.

A atual presidente só tem uma vantagem comparativa em relação a seu padrinho político. Em outubro de 2005, um ano antes de sua reeleição e ainda abalado pelo mensalão, Lula era aprovado por apenas 28% dos eleitores. Dilma tem hoje 38%, dez pontos a mais.

Ou seja, a presidente começa a campanha pela reeleição a partir de um patamar mais elevado do que seu antecessor. O solavanco que tem pela frente é o baixo crescimento da economia.

É por essa razão que os dez anos do Bolsa Família serão tão festejados hoje. Interessa a Dilma e ao PT manter o programa bem vivo na mente dos eleitores mais pobres.

Fadas, duendes e agricultura - ZANDER NAVARRO

O ESTADO DE S. PAULO - 30/10

Poderia ser o dia da mentira, mas esse já consta no calendário. Melhor designá-lo como o dia do assombro. Ao lançar em 17 de outubro, com fanfarra, o Plano Nacional de Agroecologia e Agricultura Orgânica, o governo federal mergulha no ridículo e, de quebra, desmoraliza ainda mais o que restou da antiga autointitulada esquerda agrária. É mais uma criativa contribuição brasileira para o anedotário internacional, pois é histriônica a sugestão de a agroecologia ser o caminho tecnológico para assegurar tanto a produção como a sustentabilidade das atividades agropecuárias.

Na exiguidade deste espaço destaco, sobretudo, quatro aspectos. O primeiro é apontar incisivamente que agroecologia e expressões como "práticas agroecológicas", de fato, não existem. Para quem duvidar, fica o repto: aponte um caso concreto, um único que seja. Não se trata de um novo modelo tecnológico e organizativo factível na agricultura. Nem é uma ciência emergente e menos ainda um movimento social. Dessa forma, causa pasmo a pirotecnia operada a partir de algo que é ficcional.

Em alguns poucos países, agroecologia aponta apenas esforços científicos multidisciplinares destinados a ecologizar a agricultura. Mas não é ciência em si mesma.

Certamente a Presidência foi induzida a erro por assessores movidos por um só objetivo: combater a moderna agricultura brasileira e, por conseguinte, confrontar politicamente o capitalismo como ordem social. Mas por que não fazem esse combate à luz do dia, como seria natural numa ordem democrática? É provável que a presidente nem tenha percebido a manipulação de setores radicalizados, descomprometidos com a pobreza rural, o ambiente e a prosperidade do País. São movidos somente por objetivos políticos, mas sem nenhum verniz democrático, preferindo o jogo sujo das sombras.

O plano pontifica sobre algo que é falso e, por isso mesmo, o documento não define o que é agroecologia em nenhum momento. Nem poderia, pois não passa de uma palavra sem conteúdo que pretende englobar os modelos tecnológicos chamados "alternativos" - e seriam alternativos ao eficiente padrão moderno que organiza a agricultura em todo o mundo. Escassamente adotados, esses modelos são muito diferenciados entre si e nenhuma palavra poderá abranger todos eles, sendo logicamente impossível um termo que inclua todas as facetas dos formatos já propostos.

Em síntese, temos um plano oficial ancorado em palavra cujo significado ninguém sabe. E acreditem: até o CNPq já lançou edital, apoiado por cinco ministérios, para fomentar projetos, cursos e outras atividades centrados na misteriosa agroecologia. Mais ainda, recente chamada pública do Ministério do Desenvolvimento Agrário oferece espantosos R$ 98,3 milhões para "ampliar processos de agroecologia existentes". Impossível algo mais absurdo.

Outro aspecto importante é que os militantes que organizaram esse assalto à razão incluíram o termo de contrabando nas costas da "agricultura orgânica", como se fossem parentes próximos. Outra falsidade. A chamada agricultura orgânica ostenta uma longa história, normas próprias, desenvolve mecanismos de certificação, é até legalizada e lucrativa. Seus praticantes não são anticapitalistas, como o são os que defendem a agroecologia. É preciso separar o joio do trigo, mas o Planalto, estranhamente, preferiu deixar-se enquadrar por ideólogos.

Um terceiro aspecto a realçar é a incapacidade de nossos governantes desenvolverem uma honesta argumentação sobre tais iniciativas. Se o fizessem, seria possível iluminar esta noite escura criada e demonstrar, com números, fatos e estatísticas, que a moderna agricultura brasileira tem observado trajetória espetacular em termos de produção e produtividade e, como resultado, seu desempenho ao longo do tempo tem poupado recursos naturais em vastas proporções. Sucintamente, o desempenho produtivo da agricultura brasileira tem produzido continuamente a sustentabilidade, deixando assim a pergunta ainda sem resposta: por que não existe este debate?

Finalmente, há o aspecto mais relevante a ser citado, ignorado pela Presidência e pelos que fizeram a festa naquele dia. Modelos de ecologização da agricultura, qualquer um deles, exigem o desenvolvimento de sistemas de produção agrícola complexos, combinando diversas atividades de produção vegetal e animal na propriedade. Considerações econômicas à parte, sensatos fatores agronômicos e ecológicos sustentam a tendência, mas embutem duas consequências práticas: a gestão produtiva do estabelecimento rural torna-se extremamente desafiadora e requer maior uso da força de trabalho. Por essas razões, na prática não são modelos concretizáveis. As famílias rurais desejam o melhor da tecnologia, mas uma crescente complexidade de manejo é para raros agricultores. A lógica da produção moderna requer certa uniformidade, facilitando a administração. E quanto ao fator trabalho, os fatos são preocupantes, pois a oferta de mão de obra está caindo em todas as regiões rurais e seu preço, subindo. Por isso, modelos ide agricultura ecológica podem ter o seu lugar, mas jamais deixarão de ser nichos de mercado. Sua generalização não é viável.

Tudo isso é inacreditável e nos deixa diante de um dilema: podemos assumir que o País e seu povo são mesmo parte de uma comedia permanente e, assim, deveríamos "vestir" a alegria inconsequente dos adolescentes. Ou, contrariamente, somos tomados pela melancolia, pois seríamos um povo sujeito à condenação eterna e os genes da ignorância fariam parte de nossa estrutura de funcionamento desde sempre.

Mais detalhes em Agroecologia: as coisas em seu lugar. A Agronomia brasileira visita a terra dos duendes,publicado na revista Colóquio, volume 10, nº 1, 2013, Faeeat, Rio Grande do Sul.