quarta-feira, maio 07, 2014

Retocando o passado - ANDRÉ PETRY

REVISTA VEJA

Para um país desmemoriado, nada pior que dois ex-presidentes empenhados em manipular a história de modo a jogar uma sombra sobre suas traficâncias


Atribui-se a Napoleão Bonaparte a afirmação segundo a qual a história é particularmente movimentada: "Nada muda mais do que o passado". Na última semana, dois ex-presidentes do Brasil comprovaram a tese de que, se a história não muda tanto quanto Napoleão queria, pelo menos as tentativas de mudá-la são persistentes. Absolvido em definitivo no Supremo Tribunal Federal das traficâncias de que era acusado durante seu governo (1990-1992), Fernando Collor, hoje senador pelo PTB, disse que a decisão veio "me aliviar as angústias que tenho vivenciado nos últimos 23 anos" e fez uma indagação com aquele mesmo tom triunfal que usava antes de ser enxotado do Palácio do Planalto: "Quem poderá me devolver tudo aquilo que perdi, a começar pelo meu mandato presidencial?"

Em visita a Portugal, o ex-presidente Lula deu uma entrevista dizendo três enormidades. Afirmou que o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal "teve 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica". Disse que os petistas condenados e presos na penitenciária da Papuda, entre os quais se encontram José Dirceu e José Genoino, agora regressando à cela depois de ter sua prisão domiciliar cancelada, "não são gente da minha confiança". E encerrou com uma afirmação fabulosa, em que simula a um só tempo dúvida e distanciamento: "O que eu acho é que não houve mensalão".

O dado comum entre as manifestações de Collor e Lula é o que se chama de revisionismo histórico. No meio acadêmico, é uma prática legítima que reexamina a história à luz de fatos novos,documentos inéditos ou uma abordagem original. Na política, a revisão da história é, quase sempre, uma falsificação grosseira — à esquerda (vide a historiografia soviética) ou à direita (vide a negação do Holocausto). Embora seja um facciosismo inadequado para um ex-presidente falando no exterior, Lula tem o direito de criticar o julgamento do STF, mas é uma enganação torpe afirmar que os presos da Papuda não eram gente de sua confiança — José Dirceu era, nas suas palavras, o "capitão do time", lembra? — ou dizer que o mensalão não existiu. Na famosa entrevista de Paris, no auge do escândalo de 2005, Lula disse que a gente de sua confiança "não pensou direito", mas fez "o que é feito no Brasil sistematicamente". Queria reduzir o mensalão a caixa dois eleitoral. Sabia, portanto, que havia algo errado feito sem "pensar direito". Agora, faz de conta que nada havia. É grosseiro.

Collor, por sua vez, pega carona na absolvição do STF (que é jurídica, seja lá qual for a proporção matemática que queira encontrar aí) para tentar desqualificar seu impeachment pelo Congresso Nacional (que é uma decisão 100% política). Ou seja: ser inocentado no STF não significa que o Congresso errou ao destituí-lo do cargo. Como diz a Carta ao Leitor desta edição: "Collor não foi eleito nem cassado por decisão do STF. Foi eleito pelo povo e cassado por seus representantes legais em votação aberta do Congresso Nacional". Confundir as duas coisas é uma forma ilegítima de retocar a história. Ninguém há de censurar políticos pela tentativa de jogar uma luz mais favorável à sua história, limando a ferrugem da imagem. É do jogo político em qualquer democracia. O dado intolerável é fazê-lo à base de falsificações, deformações e, no limite, mentiras rudimentares. Com ex-presidentes assim, os cidadãos precisam estar ainda mais alertas para outra afirmação atribuída a Napoleão: "A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo".


Sem fio nem meada - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 07/05

Entra semana, sai semana, um novo ingrediente entra na discussão sobre a CPI da Petrobrás que há 40 dias continua sem solução. São sucessivos adiamentos, recursos, mudanças de posição num processo que, levado com lisura, não tem mistério: conseguidas as assinaturas, os partidos indicam seus representantes e os trabalhos começam.

Assim dizem a Constituição e o regimento, mas não é o que fazem suas excelências com a criação de embaraços e vaivéns que tornam esse cenário quase impossível de ser compreendido a olho nu. Primeiro era uma comissão do Senado para investigar a Petrobrás. Depois, era uma CPI para investigar denúncias que atingiriam também a oposição.

Instado a se manifestar, o Supremo Tribunal Federal na palavra da ministra Rosa Weber vetou essa possibilidade, mas o presidente do Senado que havia reclamado da ingerência indevida do STF no Poder Legislativo recorreu ao mesmo tribunal para pedir a opinião do plenário. Ou seja, uma ministra não pode se imiscuir indevidamente, mas o colegiado pode. Vá entender.

Enquanto não se resolve esse impasse, os parlamentares decidem criar outra CPI sobre o mesmo assunto, desta vez conjunta da Câmara e do Senado, mas, ao mesmo tempo, discutem que não há necessidade de duas comissões de inquérito para investigar a Petrobrás. A oposição, que queria a do Senado, retira as indicações e passa a preferir a comissão mista.

O PT que não queria a do Senado agora quer (ou melhor, prefere), mas aceita como inevitável a mista. O presidente do Senado promete instalar a comissão mista num dia, adia para o seguinte (hoje) e paralelamente a isso promete cobrar dos líderes partidários a indicação dos integrantes para a CPI exclusiva de senadores. A mesma contra a qual apresentou recurso no Supremo.

O senhor entendeu? A senhora compreendeu? Pois é. Dá a impressão de que a ideia é deixar o tempo passar. A Copa chegar, as eleições se aproximarem, os partidos e os políticos se afastarem para cuidar dos afazeres de campanha e investigação séria mesmo que é bom sobre o que ocorre na Petrobrás tenha cada vez menos chance de acontecer.

Origem da espécie. O governo entregou ao tesoureiro do PTB uma vice-presidência da Caixa Econômica Federal em troca da manutenção do partido na coligação que apoiará a candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff.

Nada que fira ao padrão vigente, embora destoe da imagem de austeridade que o marketing do Planalto vende da presidente.

Afinal, como bem lembrou o ex-presidente Lula dia desses, o mensalão começou com uma exibição do vídeo de um funcionário dos Correios indicado pelo PTB recebendo propina.

Deixa estar. A julgar pela posição do próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral e de outros integrantes do colegiado, não deve prosperar o pedido da oposição para que o pronunciamento da presidente Dilma Rousseff no 1.º de Maio seja considerado propaganda eleitoral antecipada passível de multa.

José Dias Toffoli e alguns de seus pares já se pronunciaram em favor da mínima interferência da Justiça em questões eleitorais.

Peça de museu. Com tanta coisa séria para se preocupar o PSB, ou parte dele, resolveu se assustar com críticas feitas na internet ao manifesto de criação do partido datado de 1947 e que defende a socialização dos meios de produção e limites à propriedade privada.

Como se a alteração do documento, cujo conteúdo a História já tratou de arquivar, fosse acrescentar ou subtrair votos à candidatura ou mesmo orientar ações do ex-governador Eduardo Campos.

A vitória do IBGE - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 07/05
É antigo o equívoco de quem quebra o termômetro para baixar a febre. Pior do que não resolver, a atitude apenas contribui para que o doente desconheça a gravidade da doença, impedindo a aplicação de remédio adequado para curá-la. O Brasil acaba de escapar de semelhante equívoco, graças à determinação de funcionários públicos, que demonstraram ainda haver profissionalismo, dedicação e seriedade. Gente que coloca a honestidade profissional acima de interesses partidários e não cede diante da tentação de agradar aos poderosos de plantão.
Depois de conquistar o respeito da população e de estudiosos das questões sociais e econômicas do país, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vem fundando sua reputação na inabalável convicção de que seu produto mais nobre tem nome: credibilidade. Não foi, portanto, sem motivo que causou constrangedora repercussão, em todo o país, a determinação da diretoria do órgão de suspender a publicação dos resultados trimestrais da mais nova produção da casa, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. A decisão veio depois que os senadores Gleisi Hoffman (PT-PR), ex-ministra da Casa Civil, e Armando Monteiro (PTB-PE), da base do governo, questionaram a precisão de dados divulgados.

Com esse trabalho, o IBGE pretende substituir a tradicional Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que colhe dados em apenas seis regiões metropolitanas, envolvendo cerca de 40 mil domicílios. A Pnad Contínua cobre 3,5 mil municípios em todo o país, ouvindo moradores de 211,3 mil domicílios, para produzir um retrato sem dúvida mais completo e próximo da realidade.

É possível que o mundo não desabasse sobre o IBGE se o resultado da nova pesquisa não tivesse apontado realidade diferente da que vem alimentando um dos trunfos do marketing oficial. Enquanto a PME mostrou uma taxa média de desemprego de 5,4% em 2013, a Pnad Contínua cravou 7,1%. Os senadores governistas argumentaram que poderia haver margens de erro entre os dados dos estados, com potencial para gerar contestações na Justiça, tendo em vista a nova lei que regula a repartição de verbas federais pelo Fundo de Participação dos Estados (FPE).

A diretoria do IBGE aceitou a argumentação de que não haveria tempo para adequar a pesquisa às exigências dessa lei e adiou a divulgação trimestral dos dados para 2015, depois, portanto, das eleições presidenciais. Inconformadas, duas diretoras do IBGE se demitiram, com a solidariedade de colegas, que ameaçaram segui-las.

Por fim, os técnicos se ofereceram para trabalhar mais horas por dia, para executar a adequação da pesquisa à lei no tempo exigido. Derrubaram, assim, qualquer motivo para interromper a divulgação dos dados de desemprego medidos com a profundidade da Pnad Contínua. A direção do órgão recuou e, em 3 de junho, o país vai saber como ficou o desemprego no primeiro trimestre. Venceu o bom senso e o Brasil ganhou a preservação de um trabalho sério e indispensável, mantendo-o imune ao calendário eleitoral.

Quem ficou rico com os prejuízos da Petrobrás? - JOSÉ NÊUMANNE

O Estado de S.Paulo - 07/05

A 36 dias da abertura da Copa do Mundo, o futebol vai se tornando o assunto predominante no Brasil, embora as pesquisas de opinião pública sobre a disputa da Presidência continuem em voga. Então, talvez não seja de mau alvitre recorrer a lúcidos ensinamentos do futebol para aplicar na campanha eleitoral. Este é o caso da máxima dos treinadores que mais ganham campeonatos seguindo uma lição simples: "Em time que está ganhando não se mexe". Mas, com a importância cada vez maior dada ao marketing político nas democracias ocidentais, convém não esquecer o lema que está por trás de toda publicidade, seja comercial, seja religiosa, seja política, atribuído a Joseph Goebbels, o mago da propaganda do nazismo: "Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade".

Candidata obstinada à própria reeleição, a presidente Dilma Rousseff pode até não ter pensado nas duas sentenças, mas, na certa, as aplicou quando repetiu o mantra com que seu antecessor, padrinho e agora pedra no sapato Luiz Inácio Lula da Silva derrotou Geraldo Alckmin, em 2006, e ela própria adotou para manter José Serra à distância, em 2010. Há oito anos, aparentemente debilitado pela denúncia do mensalão, o ex-presidente foi ajudado por uma campanha subliminar insinuando que os tucanos privatizariam a Petrobrás. O efeito deletério da patranha em seu desempenho fez o oponente vestir uma jaqueta com logomarcas de estatais, entre elas a Petrobrás. Em vão: teve menos votos no segundo do que no primeiro turno e deu-se a reeleição. Há quatro anos, a falácia levou Serra às cordas e o poste de Lula venceu.

A decisão do eleitor diante da urna depende de muitas motivações e as vitórias petistas não podem ser atribuídas apenas à mentira que, de tão repetida, passou a ser dada como verdadeira. Mas, por via das dúvidas, em Minas, berço dela mesma e de seu maior empecilho à permanência no poder, Aécio Neves, a presidente assumiu como sua a profecia de que a oposição privatizará a Petrobrás ou trocará seu nome.

O problema dela e do Partido dos Trabalhadores (PT) é que o contexto mudou significativamente nesta eleição. Nas duas disputas anteriores, o salário-família para os mais pobres e a bonança econômica para os abonados amplificavam bastante a fé popular na pregação governista. E a Petrobrás propagava ótimas notícias e, consequentemente, excelentes razões para o eleitor não permitir alterações profundas na gestão da maior empresa do Brasil. A fantasia dos Emirados Árabes do Brasil tinha prefixo, hífen e nome: pré-sal - o sonho de mil e uma noites, que Sheherazade não tinha tido a ideia de contar ao rei persa Shariar, de um país disposto a gastar petrodólares em educação e saúde para o povo.

Sete anos após a revelação do sonho, o petróleo extraído da camada do pré-sal no fundo do Atlântico brasileiro continua sendo uma miragem. E, 60 anos depois do delírio de "o petróleo é nosso", a pérola mais preciosa do colar da rainha das estatais, com sua fortuna enterrada em subsolo brasileiro, chafurda na lama de chiqueiros ocupados por figurões do PT e seus aliados, suspeitos de terem dilapidado um patrimônio bilionário em "nebulosas transações". E pior: a pérola jogada aos porcos se desvalorizou vertiginosamente. No palanque em que tenta recuperar o prestígio perdido nas pesquisas de intenção de votos, a "gerentona" de Lula se apega ao truísmo de que a empresa vale hoje mais do que valia no tempo de Fernando Henrique. Este desocupou o trono há mais de 11 anos e continua sendo o parâmetro universal do PT.

Essa comparação sem lógica feita pela candidata não elimina, porém, duas constatações assustadoras de fiasco: em seu mandato, a empresa teve o patrimônio reduzido à metade e desabou do 12.º para o 120.º lugar no ranking do Financial Times. Ou seja: a contabilidade da petroleira foi ao fundo do mar, até o pré-sal, mas não extraiu petróleo para vir à tona.

A princípio, pensava-se que a gigante estatal seria vítima apenas da ingerência política que sangrou seus cofres mantendo o preço de derivados abaixo do custo para evitar a má influência da inflação na medição da preferência eleitoral pela chefe do governo em outubro que vem. Essa má gestão causou, segundo O Globo, um rombo de R$ 13 bilhões em outra estatal, a Eletrobrás, para permitir que a candidata à reeleição baixasse demagogicamente o preço da tarifa de luz.

Mas este não foi o único "malfeito", para usar o termo favorito da beneficiária número um do aparelhamento das empresas públicas pelo PT. A Polícia Federal (PF), que, pelo visto, não foi totalmente submetida ao aparelhamento amplo, geral e irrestrito dos companheiros, constatou na Operação Lava Jato que houve bandalheira. Ao que se saiba até hoje, a desventura em Pasadena, Texas, custou ao cidadão brasileiro, proprietário da Petrobrás, um prejuízo de US$ 2 bilhões. Dez vezes este "troco de pinga" sumiram na obra faraônica da Refinaria Abreu e Lima, bancada pelo público para agradar ao tirânico compadre venezuelano Hugo Chávez.

Governo e oposição acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para resolver o impasse que adia a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o tema: esta exige uma comissão mista e aquele não abre mão de circunscrevê-la ao Senado para controlá-la. A presidente da petroleira, Graça Foster, oscila entre o "mau negócio", pondo o mico nas costas do antecessor, José Sérgio Gabrielli, e o "bom negócio à época", quando lembrada que a empresa é gerida por petistas e aliados há 12 anos. Investigar será o único jeito de saber quem embolsou o lucro, além do barão belga Frère, da Astra Oil. As compras de altíssimo risco das refinarias de Pasadena e Okinawa, os custos estratosféricos da de Abreu e Lima e as suspeitas associações na operação de três termoelétricas são a parte exposta do iceberg. Quem ficou podre de rico com o rombo dos prejuízos que a Petrobrás teve - eis a questão submersa.

A lição da doutora Wasmália - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 07/05

A presidente do IBGE deu uma aula ao comissariado e à oposição: a vida é arte, errar faz parte


Com uma simples frase, a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, resgatou o prestígio da instituição e ofereceu uma aula aos doutores que se apresentam como salvadores da pátria. Três semanas depois da eclosão de uma crise provocada pelo adiamento de uma pesquisa, voltou atrás e, perguntada pelo repórter Pedro Soares se as críticas influíram na decisão, disse o seguinte:

“Eu não vou dizer para você que não teve nenhuma influência, seria bobagem.”

A canção diz que “a vida é arte, errar faz parte”, mas tanto o comissariado petista como seus adversários cultivam a soberba da infalibilidade. Quanto mais erram, mais persistem na dissimulação ou mesmo no erro.

Descobre-se que o programa do PSB do doutor Eduardo Campos defende a “socialização dos meios de produção”, e ele se justifica dizendo que esse texto é um eco do programa de 1947. Nesse ano, o candidato a presidente não havia nascido. Nada custava dizer que “seria bobagem” manter a proposta. Afinal, programa de partido ninguém lê e, se lê, perde tempo. Se lê e acredita, cretiniza-se.

O último texto programático dos candidatos Eduardo Campos e Marina Silva é um cartapácio indigesto de 14.500 palavras. Ganha uma viagem a Londres, onde está o túmulo de Karl Marx, ou a São Francisco, onde foram jogadas as cinzas do economista conservador Milton Friedman, quem for capaz de decifrá-lo.

O PT e o PSDB ainda não digeriram as denúncias de seus mensalões. Num caso, os acusados já estão na Papuda. No outro, o deputado Eduardo Azeredo renunciou ao mandato para fugir da lâmina do Supremo Tribunal Federal. Os notáveis tucanos mantiveram-no por algum tempo na presidência do partido. Admitir o erro e voltar atrás nas práticas, nem pensar.

Cartel da Alstom, Pasadena, Refinaria Abreu e Lima e Alberto Youssef, para ficar em poucos nomes, são todos casos em que os hierarcas da política defendem suas criações até o último momento. Admitir o erro, só às vezes, quando já foram apanhados pelo Ministério Público ou pelas algemas da Polícia Federal. Até lá, a culpa é da imprensa.

A doutora Dilma, Eduardo Campos e Aécio Neves poderiam olhar para a biografia de Angela Merkel. Ela era um quadro inexpressivo do seu partido, protegida pelo primeiro-ministro Helmut Kohl, um gigante da política europeia do século passado, unificador da Alemanha contra a vontade da Rússia e dos Estados Unidos. Ele a chamava de “minha menina”. Kohl foi apanhado num lance de caixa dois e a doutora Merkel escreveu um artigo pedindo sua renúncia. Deu no que deu. Limpo, seu partido já venceu três eleições.

A doutora Wasmália atravessou a crise do IBGE sem que seus críticos atacassem sua honorabilidade profissional ou a integridade da instituição. O mesmo não se pode dizer da conduta do mesmo IBGE e da Fundação Getulio Vargas nos anos 70, quando se deixaram fazer de bobos no cálculo do índice da inflação, e um dos conselheiros da FGV (Eugênio Gudin) confidenciava que o ministro Delfim Netto era “diabólico”.

O embuste da inflação de 1973 só foi desmascarado anos depois, num documento do Banco Mundial, desencavado por Paulo Francis, graças ao barulho que a imprensa fez com ele. Antes, como hoje, a culpa foi da imprensa.

Virada portuguesa - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 07/05

Portugal está vencendo a batalha contra a crise. O governo anunciou no domingo o fim do programa de ajuda do FMI e da União Europeia e voltará a tomar empréstimos diretamente no mercado. Ainda carrega sequelas: a dívida bruta dobrou em cinco anos e o desemprego teve apenas ligeira queda. Mas Portugal se esforçou e o custo cobrado dos seus títulos voltou aos níveis anteriores.

Antes de a crise europeia bater em seus costados, Portugal usufruiu de um período de forte prosperidade, iniciado com a adesão à zona do euro. O PIB per capita cresceu 40% em menos de 10 anos, subindo de € 11,6 mil, no ano 2000, para € 16,1 mil, em 2008. Com o abalo financeiro na região, o país entrou em recessão. As fragilidades da economia vieram à tona, e o déficit público explodiu. O PIB per capita caiu 3,6% entre 2008 e 2013.

Em junho de 2011, os portugueses pediram socorro e firmaram um compromisso com a troika, formada pelo FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia. Receberam € 78 bilhões para pagar suas dívidas e evitar as altas taxas de juros que vinham sendo cobradas pelo mercado. Os bancos haviam se assustado com o salto do déficit público português, que chegou a 10% do PIB em 2010, e passaram a cobrar juros altíssimos para emprestar ao governo. Os títulos de 10 anos chegaram a pagar 17% de juros em 2012. Antes da crise, a taxa era de 4%. Esta semana, voltou ao mesmo valor cobrado anteriormente.

As garantias para o socorro foram as mesmas nessa situação: corte de gastos, aumento de impostos, recessão, alta da taxa de desemprego e interferência de técnicos dos órgãos credores nas decisões internas. O Brasil viveu isso no pior momento da dívida, nos anos 1980. Com Portugal, não foi diferente. O resultado da política de aperto foi o encolhimento do produto. Desde 2008, o PIB sofreu retração em cinco anos, tendo apenas um pequeno crescimento em 2010. A taxa de investimento despencou de 23% do PIB para 15% nesse período.

Dois indicadores de Portugal ainda assustam muito. A dívida bruta do governo praticamente dobrou, apesar dos esforços para reduzir o déficit. De acordo com o FMI, a dívida portuguesa saltou de 68% do PIB, em 2007, para 128% em 2013. Os números mostram que mesmo antes da crise internacional Portugal já descumpria o limite estabelecido pelo Tratado de Maastricht, que impõe um teto de 60% para o endividamento dos governos. Ou seja, ocorreu descontrole dos gastos no período de prosperidade.

Outro número tem impacto direto no dia a dia dos portugueses. A taxa de desemprego foi de 15,2% em março, acima de média de 11,2% da zona do euro. No pior momento, em abril de 2013, chegou a 17,8%. O índice subiu muito, e rápido, e tem caído devagar.

O que serve de consolo é que o período de sacrifício trouxe resultados, o país voltou a ter a confiança dos mercados e há expectativa de crescimento do PIB este ano. O déficit público caiu a 4,8% em 2013 e o balanço de pagamentos voltou a ficar positivo.

Portugal é o terceiro país da zona do euro a se declarar pronto a voltar a financiar sua dívida através de venda de títulos diretamente ao mercado. Irlanda e Espanha já dispensaram ajuda dos mecanismos financeiros de resgate.

Houve muita dúvida se Portugal conseguiria, dada a baixa competitividade de sua economia. Mas o país fez um forte ajuste e recuperou credibilidade. Mostra que é ociosa a discussão sobre se para sair da crise é preciso aumentar o gasto ou ajustá-lo. Um país sem crédito não pode ampliar despesas. Portugal volta agora a ter crédito. Pode terminar sua reorganização de forma mais suave.

O enigma de Dilma - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 07/05
BRASÍLIA - Dilma Rousseff ficou encantada com a exposição do novo ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri, sobre o crescimento contínuo da renda dos brasileiros, mesmo em momentos de economia morna.
Ontem cedo, ao falar a um grupo de jornalistas, a presidente explicou de maneira minuciosa que o aumento da renda foi sempre muito superior ao crescimento do PIB desde a chegada do PT ao poder, em 2003. Só que não ocorreu a correspondente elevação de qualidade nos serviços gerais --deu-se em um ritmo menor.

Os brasileiros compraram TV, computador, micro-ondas e até milhões de imóveis com a ajuda do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas o transporte público continua ruim, a saúde de qualidade é inacessível, a insegurança nos grandes centros é motivo de medo. Por causa desse descompasso, cresce o mau humor de grande parte dos cidadãos.

"É o caso da pessoa que compra um liquidificador e percebe que não tem luz em casa?", perguntei à presidente. Bem-humorada pela manhã, ela não comprou a provocação. Preferiu responder que os investimentos em infraestrutura e na melhoria de serviços serão sentidos só mais na frente, daqui a dois ou três anos.

Como a conversa de ontem era a respeito do relatório anual do CPJ (a respeitada ONG "Committee to Protect Journalists", com sede em Nova York), Dilma evitou temas eleitorais. Mas o substrato de sua explicação sobre o avanço da renda média do brasileiro e o crescimento insuficiente dos serviços parece ser o enigma a ser decifrado pela campanha de reeleição da presidente.

Para vencer, Dilma terá de descobrir uma fórmula que convença os eleitores de que ela está habilitada para continuar a aumentar a renda das pessoas com a promessa de melhorar serviços lá para 2016 ou 2017. Não é uma tarefa fácil. Só que a interpretação do problema parece estar bem clara na cabeça da presidente.

A verdade dos fatos - MIRIAN TERESA PASCON

BRASIL ECONÔMICO - 07/05


No Brasil, o controle da legalidade e constitucionalidade das normas é feito pelo Poder Judiciário, dentre elas as normas do sistema tributário. Embora o direito à defesa na via administrativa esteja assegurado, a decisão final proferida nos tribunais administrativos é somente vinculativa para a administração pública, podendo os contribuintes pleitear sua desconstituição na via judicial. Esse controle é exercido, em decisão final, pelos tribunais superiores – Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).

No entanto, a Constituição de 1988 adota dois sistemas. Um é o controle concentrado, cujas decisões vinculam a todos os jurisdicionados, incluindo-se os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e que é exercido por meio das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade e de Constitucionalidade (Adins e Adecons), que somente podem ser apresentadas por determinadas pessoas políticas, a exemplo da Presidência e de partidos políticos com representação no Congresso.

O outro é o controle difuso, cujas decisões afetam apenas as partes envolvidas no processo, e que pode ser exercido por qualquer jurisdicionado. No sistema de controle difuso, principalmente em matéria tributária, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma sempre gerou grande instabilidade, posto que, embora a tributação para os litigantes do processo em julgamento fosse anulada, a matéria permanecia válida e eficaz para os demais, não vinculando a administração pública, que remanescia obrigada à exigência tributária, assim como os contribuintes, que continuavam obrigados aos recolhimentos, até que obtivessem, individualmente, decisão do Poder Judiciário.

Por outro lado, como as referidas decisões não vinculavam o Poder Judiciário, era possível a prolação de decisões contrárias sobre a mesma tributação, afetando a segurança jurídica de toda a sociedade. E esse longo caminho, de anos de tramitação individual de processos pelos contribuintes e pela administração pública, é um dos responsáveis pela lentidão do Poder Judiciário, um dos mais ineficazes do mundo.

Pesquisas dão conta de que 40% de todos os processos em andamento no País são de matéria tributária. No Estado de São Paulo, o contingente chega a 60%. Essa ineficácia atinge a todos indiretamente. Dados apontam que somente 1% do estoque de créditos da União é recuperado anualmente. Outro grande problema decorria da possibilidade de inúmeros recursos processuais, pelo que, tanto contribuintes quanto a Fazenda prolongavam, indefinidamente, o término do processo, de modo a não pagar, no caso de contribuintes, ou de não efetivar a devolução do indébito, no caso Fazenda.

A Emenda Constitucional nº 45/04 introduziu uma solução, em princípio, contemporizadora dessa fragilidade do controle difuso, estabelecendo o regime dos recursos com repercussão geral (STF) e os recursos repetitivos (STJ), pelos quais os julgamentos de casos de idêntica tributação passaram a ter efeito vinculante, de maneira que o STF e o STJ não mais podem decidir de maneira diferente em casos idênticos.

Contudo, a vinculação se dá apenas no Poder Judiciário. Para compatibilizar os efeitos dessas decisões também para a Administração Pública, foram editadas normas para que esta também se submeta às decisões proferidas em recursos com repercussão geral ou repetitivos. Nesse sentido, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já dispõe em seu regimento que, nas causas em tramitação, também deverão ser aplicados os julgamentos do STJ e STF.

O mesmo já vinha acontecendo com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável pela cobrança dos créditos tributários federais, desde a Lei 10.522/02. A novidade veio com a Lei 12.844, de outubro de 2013, que determinou que também a Receita Federal cumpra decisões favoráveis aos contribuintes proferidas em recursos repetitivos e com repercussão geral. Com isso, também os auditores fiscais e as delegacias regionais de julgamento estariam vinculados, não mais podendo haver autos de infração em sentido contrário ao que já fora apreciado pelo STJ e STF.

Contudo, na prática, não é o que ocorre. A vinculação para os órgãos da Receita não é automática e depende de expressa expedição de nota explicativa pela Procuradoria Geral. A determinação faz sentido, pois cabe à PGFN interpretar o conteúdo e alcance das decisões proferidas pelo STJ e STF. Essa prerrogativa, porém, tem se revelado um instrumento de manipulação.

A PGFN seleciona os casos de seu interesse deixando de editar instruções internas necessárias à afetação das decisões, tanto para os procuradores, como para a Receita Federal e as delegacias regionais de julgamento. É o interesse arrecadatório sobrepondo-se à segurança jurídica, o que pode representar até casos de litigância de má-fé da PGFN nos processos em andamento. Mas o alerta vai para os contribuintes que ainda não estejam litigando, quer administrativa, quer judicialmente. Ante a notícia da vinculação da Receita às decisões favoráveis aos contribuintes, vários passaram a aplicá-las diretamente, expondo-se à contingências passivas, uma vez que, como visto, a Receita continuará com as cobranças já julgadas favoravelmente aos contribuintes nos casos de inexistência de norma interna da PGFN.

Um exemplo se dá com a exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS-Cofins Importação. O STF julgou inconstitucional a inclusão do ICMS nesse caso, em março de 2013. Em outubro, a União reconheceu o julgamento e adequou a tributação futura, pela Lei 12.865/13. Mas, até hoje, a PGFN não editou norma dispensando a constituição dos créditos pela Receita nem seus procuradores de atuação nas ações em andamento, passado mais de um ano do julgamento. Na prática, a PGFN vem escolhendo onde aplicar os julgamentos dos tribunais superiores, o que representa uma sensível inversão das atribuições dos três poderes democráticos.

O STF foi 100% com Lula - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA

Lula disse que o julgamento do mensalão foi 80% político. É bom mesmo deixar esses percentuais bem claros. Com número não se brinca. É por isso que o governo popular está numa fase especialmente zelosa com as estatísticas. O IBGE está levando um banho de loja do PT. Logo antes da Copa, divulgará um novo cálculo do PIB, esse índice neoliberal de direita que vive contrariando os companheiros. O novo PIB se juntará aos novos indicadores de emprego e renda - após a intervenção do governo nas pesquisas nacionais contínuas, que revoltou e paralisou os técnicos do IBGE. São uns burgueses alienados. Não percebem que, de roupa nova (e estrelinha no peito), o IBGE ficará 80% mais bonito.

É importante o esclarecimento de Lula aos brasileiros sobre o que se passou no Supremo Tribunal Federal (STF), com os percentuais exatos.

Até então, só se sabia que os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli eram 100% petistas. E que o ministro Luís Roberto Barroso tinha usado 110% de seus poderes mágicos para fazer sumir a quadrilha que roubou o Brasil.

O esquema conduzido pela santíssima trindade Dirceu-Delúbio-Valério, alinhando de dentro do Palácio do Planalto os cofres de estatais e bancos privados à bocarra do partido do presidente da República, não foi obra de uma quadrilha. Os manifestantes da Primavera Brasileira que engoliram essa decisão sentadinhos no sofá de casa são cerca de 98% trouxas (com margem de erro de 2 pontos para mais ou para menos, dependendo de quantos deles tenham sido gratificados pelo comitê central).

O guru brasileiro do socialismo privado fala do mensalão na hora certa. As eleições estão chegando, e ainda por cima com o crescimento - agora explícito - do "volta, Lula". É importante lembrar que, depois do mensalão, o PT ganhou duas eleições presidenciais nas barbas do STF, que passou sete anos sentado em cima do processo - mantendo o escândalo 80% abafado e 20% inofensivo. É o momento de desdentar a corte suprema de novo, até porque Lula disse a Dirceu "estamos juntos", no instante em que o parceiro foi preso. O eleitor precisa sublimar essa prisão. Do contrário, em vez de mandar Lula para o Planalto, pode querer mandá-lo para a Papuda.

A elite golpista está chateando com essa história de investigar telefonemas da Papuda para o Planalto. Por que isso? Para que investigar se há uma linha direta entre o presídio e o Palácio? Lula não disse que está junto com o prisioneiro Dirceu? A companheira presidenta não cerrou o punho para o alto num congresso do PT, em desagravo aos heróis encarcerados? O governador petista do Distrito Federal não virou frequentador da Papuda para despachar com Dirceu, dando beijinho no ombro para os privilégios dos mensaleiros? Se alguém ainda tem dúvida de quem manda em quem, e quem obedece a quem nessa história, não haverá grampo da Polícia Federal que resolva. Os companheiros dirão que as escutas foram 80% políticas, e tudo bem.

O interessante nessas horas é admirar a coesão do time. E entender para que serve um ministro da Justiça. Você pode achar que José Eduardo Cardozo é uma figura meio sumida na paisagem do faroeste brasileiro, mas é engano seu. Nas horas cruciais, ele sempre aparece. Quando foram proferidas as penas dos mensaleiros, declarou que preferia morrer a ficar preso no Brasil. De bate-pronto, foi citado no STF por Dias Toffoli, numa incrível jogada ensaiada para tentar atenuar as penas da quadrilha (depois extinta pelo Tribunal).

Agora, com a farra da Papuda, Cardozo emergiu novamente. Afirmou que não acha legítimo investigar as possíveis ligações telefônicas entre o Planalto e o gabinete de Dirceu na Papuda. Cardozo acha que os indícios não são suficientes para abrir uma investigação. A pergunta é: por que o ministro da Justiça tem de achar alguma coisa sobre esse assunto, se considera a matéria sem consistência? Como diria o rei Juan Carlos: por que não te calas?

Cardozo não se cala porque, como todo petista que ocupa um cargo público, tem de prestar 80% de serviço ao partido. Os outros 20%, é só pedir com jeitinho ao novo IBGE, que ele libera.


2015 sem ajuste - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 07/05
Sem canal de expectativas, juro provocará recessão

Em seus últimos pronunciamentos, especialmente o realizado no Dia do Trabalho, a presidente Dilma Rousseff deu indicações de que não vê 2015 como um ano de ajuste necessário da economia brasileira. A presidente sinaliza que, se reeleita, manterá as bases do modelo dos últimos anos, cujo motor é o consumo do governo e das famílias.

Não se trata de ressuscitar a "nova matriz econômica", cujo objetivo era fazer o país operar com juros baixos, câmbio depreciado, gastos públicos em permanente expansão e um regime de metas para inflação "flexível" (algo que na prática significou aceitar o IPCA sempre acima da meta, que já é alta, de 4,5%). A "nova matriz" fracassou, mas o governo, ao se recusar a ajustar a política fiscal, não a abandonou inteiramente, o que coloca o país num caminho bastante perigoso.

O modelo, como se sabe, resultou em um Produto Interno Bruto (PIB) que cresce pouco, uma inflação constantemente pressionada, um déficit em transações correntes crescente e uma situação fiscal que ameaça tirar do Brasil o grau de investimento. Nada disso parece preocupar a presidente Dilma, afinal, em suas declarações, ela tem demarcado o terreno, já pensando nas eleições: seu governo toma medidas populares, de "apoio aos mais pobres", enquanto a oposição, que a desafiará no pleito deste ano, planeja medidas impopulares, a "mão dura contra o trabalhador".

Um conselheiro que já esteve mais próximo da presidente não tem dúvidas: Dilma vai redobrar a aposta no segundo mandato. É difícil imaginar como isso possa se sustentar. A realidade sugere uma situação muito difícil nos próximos meses e em 2015.

Uma análise de três dos quatro canais de transmissão da política monetária mostra que a política de aumento da taxa básica de juros (Selic), iniciada em abril do ano passado, está tendo efeitos na economia, apesar da persistência inflacionária. No caso da atividade, a combinação de arrocho monetário com ausência de confiança na política econômica está produzindo resultados devastadores.

O índice de confiança da indústria, medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), está no menor nível desde junho de 2009, quando o país enfrentava uma recessão e ainda digeria os efeitos da crise mundial. Na mesma linha, o indicador de confiança dos consumidores, da mesma FGV, está no menor patamar desde maio de 2009. Não se deve ter dúvida: quando os indicadores de confiança caem, e isso vem ocorrendo desde 2012, investimento e consumo desabam.

Outro indicador antecedente, o PMI (sigla em inglês do índice gerente de compras) da indústria, recuou de 50,6 em março para 49,3 em abril, o número mais baixo desde as manifestações populares de junho de 2013 - quando cai abaixo de 50, o PMI indica contração da produção. Isso está ocorrendo no momento em que o PMI de vários países, especialmente de economias avançadas, está em território positivo e avançando.

No canal do crédito, também se observam efeitos da política monetária. Nos últimos 12 meses, o crescimento real da oferta de crédito dos bancos privados foi de apenas 0,4%, patamar mais baixo que o observado durante a crise de 2008/2009.

No canal do câmbio, o efeito também é evidente, como demonstram alguns números. Nos últimos 12 meses, por causa dos juros altos, o país recebeu o maior fluxo de investimento estrangeiro em renda fixa já registrado: US$ 33 bilhões. Até ontem, o real foi, em 2014, a moeda de mercados emergentes que mais se valorizou em relação ao dólar: 4,78%. Ainda no câmbio, a exposição líquida do Banco Central (BC) a contratos de swap atingiu, em 2 de maio, valor recorde: US$ 86,9 bilhões.

O único canal de transmissão que não reagiu à política de juros altos foi o das expectativas. Desde o início do ciclo monetário, elas vêm se deteriorando. Se não houver recuperação da confiança, algo que ajudaria a melhorar as expectativas, apenas a política monetária será inócua para reduzir a inflação. No governo, gente séria já admite que o país terminará 2014 com o IPCA acima de 6,5%, o teto do intervalo de tolerância do regime de metas.

Trata-se do pior dos mundos. Já não há mais quem acredite que o PIB vá crescer neste ano os 2,3% projetados pelo governo. Na verdade, o produto caminha, conforme estimam casas de investimento como a Mauá Sekular, de Luiz Fernando Figueiredo, para uma expansão de apenas 1% em 2014 e de 0,15% em 2015.

A política de juros está, de fato, contracionista, mas, sem o canal de expectativas, o custo para torná-la desinflacionária é muito maior. Um aperto monetário adicional agora pode jogar a economia numa recessão. Seria a triste versão brasileira de uma estagflação, a combinação de estagnação com inflação, fabricada por equívocos de gestão.

Diante de tudo isso, o BC deve interromper no curto prazo o ciclo de alta dos juros, já que não tem disposição nem autorização para fazer o ajuste desinflacionário necessário e reconquistar o canal de expectativas. Estas continuariam fora do lugar, mas, como revelam os indicadores, os outros canais ajudariam a segurar um pouco o IPCA.

Na interessante exposição que fez sobre política monetária há três semanas, em São Paulo, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton, explicitou os desafios de se controlar a inflação no Brasil quando o consumo do governo, o crédito direcionado e os preços administrados conspiram contra. O argumento de Hamilton é o de que as trajetórias desses três itens "exigem - na dimensão temporal e/ou na quantitativa - esforço adicional de política monetária para que se alcance determinado ganho desinflacionário". Em outras palavras: decisões do governo demandam juros mais altos.

O diretor do BC tem convicção, entretanto, de que, embora autônomos (consumo do governo) ou semi-autônomos (crédito direcionado) em relação aos efeitos da Selic, esses itens não bloqueiam os canais de transmissão da política monetária. Hamilton sustenta que o arrocho monetário funcionou e ainda terá efeitos sobre a atividade. Sem o aumento dos juros, a inflação estaria "alguns pontos de percentagem" acima do patamar observado no segundo semestre de 2013.

Cresce a violência nascida da intolerância - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/05

Não é só caso de polícia. Há, nisso tudo, a questão da percepção popular de que as instituições faliram, e um dos culpados são os políticos



Falar em violência no Brasil, nos últimos 30 anos, chega a ser redundância. Há, é certo, políticas públicas que, em algumas regiões metropolitanas, como as do Rio e São Paulo, conseguiram reduzir bastante a taxa de homicídios, termômetro usual para mensurar-se o nível de segurança pública. Mas há um outro tipo de violência em ascensão, algo diferente, tão ou até mais grave, a qual esses indicadores clássicos não conseguem captar na sua totalidade.

O noticiário tem trazido uma mistura indigesta de atos de pura selvageria em linchamentos espalhados pelo país. Destacou o caso não menos bárbaro do torcedor assassinado ao ser atingido por um vaso sanitário jogado de cima do estádio do Arruda, no Recife, e tem acompanhado a sucessão sem-fim de embates violentos nas ruas de grandes cidades, principalmente São Paulo e Rio. Tudo junto compõe o clima de mau humor e exasperação que toma conta do país. Parece haver no ar uma eletricidade capaz de produzir faíscas a partir de qualquer qualquer situação banal. Rixa no trânsito, fila no banco, e assim por diante.

Pode-se fixar em junho do ano passado, na explosão de manifestações de ruas, inicialmente espontâneas, o marco zero do atual processo de degradação da convivência social. Mais precisamente quando aquelas manifestações foram sufocadas pelo oportunismo de grupos radicais, aproveitando-se daquela mobilização contra precariedades na infraestrutura e serviços públicos para estabelecer um padrão de atos cada vez mais violentos, com depredações de bens públicos, privados e agressões. Entre os alvos, policiais e a imprensa profissional. A intolerância também ganhou as ruas. O ápice da escalada foi o assassinato do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes, em fevereiro, na Central do Brasil, pelo disparo criminoso de um rojão por Fábio Raposo e Caio Barbosa, dois integrantes dos grupos de vândalos que atuam nesses ataques. A devida reação das instituições de Estado, Polícia e Justiça fez arrefecer a ação de black blocs e aparentados. Mas eles estão de volta.

O motivo inicial foi a tarifa dos transportes públicos. Logo, a Copa entrou na agenda dessas organizações e, nas últimas semanas, em São Paulo e Rio, cresce nesta agenda a questão da moradia, com a atuação orquestrada, nas duas cidades, de invasores de imóveis e terrenos. O modelo é o de sempre: ocupação, resistência e passeatas, com desfecho violento — depredações, barricadas erguidas com rapidez e logo incendiadas, para dificultar o avanço dos batalhões de choque. Qualquer grupo de poucas dezenas de pessoas tem conseguido paralisar áreas vitais de São Paulo e Rio. O Código Penal e a própria Constituição, no sentido mais amplo, têm sido revogados na prática, diante de um poder público inerte. Ou quase. É correto o cuidado das autoridades em não produzir um cadáver que possa ser manipulado a fim de turbinar os protestos. Mas a paralisia catatônica também não é a melhor postura.

Está evidente que há algo em curso, planejado, na linha da radicalização e intolerância anárquicas. Até mesmo o atual momento de tensão em algumas favelas cariocas, em que o tráfico tenta retomar espaços perdidos para UPPs, tem sido aproveitado para se espalhar a violência em bairros da cidade, numa aliança espúria, tácita ou não, com criminosos.

Militantes desses movimentos chegam a perseguir pessoas em locais públicos, no estilo dos grupos nazifascistas nas décadas de 30 e 40, na Alemanha, Itália e Áustria. Há dias, o próprio ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, conhecido pelo trânsito fácil com organizações sociais, foi afrontado por um desses militantes, no Rio. A questão vai, portanto, além de divergências partidárias —, embora se saiba que esquemas políticos têm aproveitado a radicalização com objetivos eleitorais. Esta infiltração é detectada há algum tempo no Rio de Janeiro.

A insegurança pública ganhou, portanto, de meados do ano passado para cá, este ingrediente explosivo de organizações semiclandestinas radicais. Elas têm todo o direito de se pronunciar, mas desde que nos limites da lei. Não é o que acontece.

O clima, já ruim, se deteriora, e o surto de incivilidade em todo o país é ainda mais aprofundado pela onda de linchamentos e atos de selvageria cometidos já para além das fronteiras da barbárie. Mesmo que linchamentos sejam um trágica tradição no país, segundo especialistas, eles aumentam seu espaço no noticiário, num momento nacional já de nervos à flor da pele.

Em janeiro, foi chocante o grupo de jovens “justiceiros” cariocas prender num poste, nu, um jovem delinquente negro. Casos vinham se sucedendo até que, na segunda-feira, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi trucidada por vizinhos, na periferia do Guarujá, litoral nobre paulista, por ter sido acusada, na página no Facebook do “Guarujá Alerta”, de sequestrar crianças, para sacrificá-las em cerimônias de magia negra. Era mentira. E mesmo que fosse verdade, ali o Brasil retornou à Idade Média da caça literal às bruxas, a serem incineradas em praça pública.

O sociólogo José de Souza Martins, professor da Faculdade de Filosofia da USP, estimou, em entrevista ao “O Estado de S.Paulo”, que haja três ou quatro casos no Brasil, por semana. Souza Martins fala com a autoridade de quem estuda linchamentos há 30 anos, já tendo catalogado 2 mil. O Brasil deve ser o país em que mais se faz “justiça” pelas próprias mãos, afirma o sociólogo. O sintoma de descrença no Estado é claro. Como diz o professor em um dos seus livros: “o linchamento não é uma manifestação da desordem, mas de questionamento da desordem”.

Desordem existente porque há um poder público — todo ele, nos mais diversos níveis — incapaz de agir para que a lei seja cumprida. Por black-blocs ou quem seja. Que esta sucessão de selvagerias, país afora, faça todos refletirem sobre os rumos que a sociedade toma. No caso das autoridades, elas devem redobrar a atenção com a ordem pública.

Mas não se trata apenas de um caso de polícia. Há uma séria questão nisso tudo que é a percepção popular — mesmo que não seja verbalizada por todos — da falência de instituições. A situação se agrava com o péssimo exemplo dado por partidos políticos, do PT ao PSDB, pelo envolvimento de correligionários em casos de corrupção. O mau exemplo do PT chega a ser mais daninho, por ter conquistado o poder com a aura de extrema seriedade e honestidade. Ao trair as promessas de defesa intransigente da ética, dá grande contribuição, infelizmente, ao descrédito da população diante dos poderes constituídos. Não há culpado único por todo este drama social.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“A oposição não quer fazer a investigação. Quer fazer ‘auê'”
Senador Humberto Costa (PT-PE) sobre a demora de instalar a CPI no Senado


GRANDES EMPRESAS TENTAM SOLTAR PAULO ROBERTO

Grandes empreiteiras, fornecedoras da Petrobras, se uniram em “pool” para oferecer ao ex-diretor Paulo Roberto Costa os melhores (e mais caros) criminalistas, num esforço desesperado para colocá-lo em liberdade. Os presidentes das empresas estão preocupados com a possibilidade de o ex-diretor, famoso pelo “pavio curto”, contar tudo o que sabe sobre os supostos esquemas de corrupção na estatal.

DURA LEX, SED LEX

O processo da Operação Lava Jato será o primeiro sob a nova Lei Anticorrupção, que prevê prisão para donos de empresas envolvidas.

VAPT, VUPT

Pela gravidade das acusações, Paulo Roberto Costa deve ser mantido preso até o julgamento, que poderá ocorrer ainda neste semestre.

CANA NA CERTA

Especialistas consideram forte a possibilidade de Paulo Roberto Costa ser condenado em regime fechado, sem direito a recorrer em liberdade.

DESDOBRAMENTO

Com as novas descobertas do caso, durante a Operação Lava Jato, a Polícia Federal se debruça sobre desdobramentos da investigação.

ALÉM DE CPI, BLOCÃO QUER RETOMAR PAUTA-BOMBA

Para desespero do governo, os partidos aliados que compõem “blocão” chefiado pelo líder Eduardo Cunha (PMDB-RJ) decidiram reativar a “pauta-bomba” e pressionar aprovação, na próxima semana, do projeto que fixa piso nacional dos agentes comunitários de saúde. Em reunião ontem na casa do deputado André Moura (PSC-SE), o peemedebista também garantiu apoiar a criação da CPI Mista da Petrobras.

NOVA LIMINAR

Desconfiados que Renan Calheiros, presidente do Senado, vai fazer de tudo para naufragar a CPMI, o blocão se prepara para acionar o STF.

CARA E COROA

Apesar de ter faturado a vice-presidência da Caixa Econômica, o PTB participou da reunião do blocão, que tem o objetivo de desgastar Dilma.

QUE LOUCURA

Com a confirmação do mal da vaca louca em gado da Friboi em Mato Grosso, a vaca agora também pira antes de ir para o brejo.

PILHA DE NERVOS

Senadores perceberam a indisfarçável irritação do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), na reunião para tratar da instalação de CPI Mista da Petrobras, com participação dos deputados.

BRONCA DE SI MESMO

Renan Calheiros está nervoso por haver aceitado o papel, rejeitado até pelo PT, de resistir à CPI da Petrobras. Sabe que, com isso, apequena sua presidência, pretendendo que o Congresso abra mão da mais digna prerrogativa constitucional do Legislativo: investigar o Executivo.

PARTIDOS ALIADOS

PSDB e DEM foram ao Conselho de Ética contra o ex-petista André Vargas, mas não moveram uma palha contra Luiz Argôlo (SDD-BA), cujas relações com Alberto Youssef se revelaram pra lá de íntimas.

DUAS MEDIDAS

Com a omissão do PSDB e DEM, sobrou para PPS representar contra Luiz Argôlo na Corregedoria da Câmara. Citados nas denúncias, os deputados Mário Negromonte e Roberto Brito continuam impunes.

BOM AVERIGUAR

O deputado André Vargas, parceiro do doleiro Alberto Youssef, preso pela Polícia Federal, tem falado mal da presidenta Dilma em conversas informais com jornalistas, fazendo insinuações sobre o papel de uma amiga que nomeou assessora especial da presidência da Petrobras.

BRILHO PRÓPRIO

Candidato do PMDB ao governo de Alagoas, o deputado e economista Renan Filho tem brilho próprio. Herdou as melhores qualidades do pai, inclusive a de torcer pelo Botafogo, e nenhum dos seus defeitos.

NEGOCIAÇÃO

Após obter o apoio do PCdoB, que deverá lançar a deputada Jandira Feghali ao Senado, o senador Lindbergh Farias (PT) – pré-candidato ao governo do Rio – agora aposta suas fichas no PDT para vice.

BALANÇANDO NA REDE

O governo federal vai gastar R$ 2 bilhões com computador, internet e 20 livros grátis para todos os beneficiários do Minha Casa Minha Vida. Presente de ano eleitoral... para os influentes fornecedores do material.

PENSANDO BEM...

...os bezerros que André Vargas ganhou do doleiro Alberto Youssef foram o aviso de que, definitivamente, a vaca estava indo pro brejo.


PODER SEM PUDOR

SINCERIDADE PROIBIDA

Já preparando o terreno de sua futura candidatura, Jânio Quadros aceitou coordenar a campanha de Juarez Távora (UDN) a presidente, em 1955.

- Governador, estamos sem dinheiro... - disse-lhe Juarez, certa vez.

Dias depois, Jânio assistiu, desolado, ao candidato discursar a um seleto grupo de endinheirados doadores: Juarez atacou os empresários, acusando-os de ambição desmedida e de apreço pelos favores oficiais. Todos foram saindo, um a um, e a campanha seguiu sem dinheiro.

- Quem mandou ser tão sincero? - gritou Jânio ao candidato, depois.