Em 2004, com o apoio do Planalto, foi ao ar uma campanha embalada por uma frase simpática: “O melhor do Brasil é o brasileiro”.

 

Fora idealizada pela agência Lew, Lara. Destinava-se a açular a auto-estima dos patrícios, vendidos nas peças como pessoas que não desistem nunca.

 

Pois bem, em plena era do “nunca na história desse país”, o Itamaraty de Lula decidiu submeter o brasileiro Márcio Barbosa a um teste de resistência.

 

Barbosa trabalha na Unesco, o braço da ONU para as áreas de ciência, cultura e educação. Serve há oito anos como adjunto do diretor-geral Koitchiro Matsuura.

 

Abriu-se uma disputa pela cadeira de Matsuura, em fim de mandato. Barbosa candidatou-se ao posto. Tem chances reais de êxito.

 

Súbito, o chanceler Celso Amorim pôs-se a lançar cusparadas sobre o espelho. Quer acomodar no comando da Unesco um cidadão egípcio, não o brasileiro.

 

Chama-se Farouk Hosny o predileto de Amorim. É ministro da Cultura do Egito. Um personagem controverso, para dizer o mínimo.

 

Recentemente, Hosny pendurou nas manchetes uma inusitada declaração. Defendeu a queima de livros grafados em hebraico.

 

Despertou a ira da comunidade judaica. Vem tentando, desde então, relativizar a declaração de cunho antisemita. Não obteve, por ora, sucesso.

 

A despeito de tudo, o Itamaraty prefere Hosny a Barbosa. Eis a pergunta que bóia na atmosfera: Por quê?

 

Amorim ainda não se dignou a levar à balança meio quilo de explicações. Difunde-se a versão de que o Brasil estaria interessado em fazer média com os países árabes.

 

A alegação, por ridícula, não vale o peso que lhe atribuem. Quem quiser pode engolir. Mas arrisca-se a fazer papel de bobo.

 

Soaria mais honesto se Amorim assumisse que “planta” Hosny para colher apoios a uma futura indicação de seu próprio nome à Agência Internacional de Energia Atômica.

 

Para complicar, Barbosa parece ter incorporado o espírito da campanha ufanista de 2004. Tornou-se um desses brasileiros que não desistem nunca.

 

Arrastou para o pano verde apoios internacionais de peso. Flerta com a idéia de levar adiante a candidatura ao comando da Unesco com o endosso de outros países.

 

Diante do inexplicável, a diplomacia internacional testemunha o inacreditável: a postulação de um brasileiro à direção-geal da Unesco sem o apoio do Brasil.

 

O eventual triunfo de Barbosa descerá à crônica de insucessos do Itamaraty companheiro como gota que faz transbordar o copo.

 

Na petrodiplomacia, o time de Amorim levou um chapéu de Evo Morales. Na eletrodiplomacia, foi levado à marca do pênalti por Fernando Lugo.

 

Empurrou para dentro do Mercosul a irascibilidade delirante e ideológica de Hugo Chávez. Brigou pelas presidências da OMC e do BID. Perdeu ambas.

 

Esforçou-se para tornar real a cadeira perene no Conselho de Segurança da ONU. Lula terminará o mandato sem realizar o sonho, acalentado desde FHC.

 

Se fosse à briga da Unesco do lado do brasileiro Barbosa, o Brasil poderia perder ou ganhar. Comparecendo à refrega do lado de um egípcio condena-se à derrota.

 

Perdendo, Barbosa poderá levar ao caldeirão do infortúnio a oposição aberta que lhe fez o seu país. Vencendo, estará autorizado a dizer que triunfou a despeito do Brasil.

 

Agarrado a um dilema hamletiano –ser ou não ser brasileiro?— o Itamaraty como que remoça Nelson Rodrigues.

 

“Não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima”, diria o velho cronista. “O brasileiro é muito impopular no Brasil”.

 

Ele acrescentraria: “O que atrapalha o brasileiro é o próprio brasileiro. Que Brasil formidável seria o Brasil se o brasileiro gostasse do brasileiro!”