terça-feira, novembro 25, 2008

LEILA RICHERS

Seu João e Barack Obama: há ligação, sim

ESPECIAL PARA O JORNAL DO BRASIL
Quando, na manhã da quarta-feira passada, depois de uma noite acompanhando a evolução das eleições nos Estados Unidos, abri a porta para o entregador do mercado entrar com as minhas compras, pensei: em que a vitória de Barack Obama vai mudar a vida deste homem?
Seu João é brasileiro, negro e pobre. Não tem casa própria, não teve educação formal, sabe quando muito escrever o próprio nome, não tem carteira assinada e muito menos dinheiro na bolsa de valores. Que lhe importa se o presidente dos Estados Unidos saberá ou não lidar com uma economia em colapso se seu João vive do trabalho informal e se mantém na esperança de que pior do que está não pode ficar? Quando muito seu João se preocupa com a saúde da família.
Aqui, ele votou no candidato que prometeu unidade de atendimento na favela onde mora. Os dois filhos do seu João não precisam mais de creche e a escola pública ele sabe que não vai faltar. Mesmo que eles não aprendam muito, vão passar de ano e sempre saberão mais do que seu João e a mulher, que lava roupa para fora e faz diária em casa de família duas vezes por semana. Grandes drogas também para o seu João se o homem que vai governar os Estados Unidos é contra ou a favor do terrorismo.
Logo para ele, que tem apenas uma vaga noção de que torres existem para comandar os aviões e, se houve desastre, decerto foi por essa coisa de aquelas serem gêmeas, que isso sempre dá confusão. Ser contra ou a favor da proliferação nuclear também não diz respeito ao entregador do mercado, pois, por mais que se esforce, não consegue entender nem pronunciar os dois nomes em seqüência.
Às vezes seu João está tão aporrinhado com o pouco dinheiro, a péssima condução, a magreza das crianças e a feiúra da mulher que quer mais é que o mundo se exploda. Seu João acha também que a mudança na política ambiental não lhe diz respeito, pois não dá a mínima se a exploração da indústria madeireira está acabando com a floresta tropical na Indonésia, não se preocupa com o aquecimento global e muito menos se a Monsanto ameaça a segurança alimentar do planeta.
Seu João já vive no sufoco para garantir o arroz com feijão na hora da janta, e transgênico para ele é coisa de quem quer virar a mão. Acima de tudo, seu João está se lixando para o fim das guerras americanas, pois a única guerra que tem a ver com o seu João é a do tráfico, que vez por outra o impede de chegar em casa depois de duas horas sacolejando num ônibus, ao cabo de um dia inteiro carregando peso e levando bronca do patrão. Além do medo de ver um dia os filhos metidos na bandidagem, de arma na mão.
Enquanto eu via na minha cozinha aquele homem, negro retinto, retirando produtos orgânicos do engradado de plástico verde, pensei em lhe dizer que pela primeira vez na história um casal com a cor da pele igual à dele, com duas crianças da mesma idade das dele, iria morar na Casa Branca, e seria recebido nos mais belos e ricos palácios do mundo, e estaria protegido pelo maior aparato de segurança do planeta, e com isso transformaria para sempre o imaginário universal, seu João levantou a cabeça e me deu o sorriso humilde de sempre. E eu pensei que a melhor coisa que poderia fazer com a minha euforia era caprichar na gorjeta do seu João.

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