REVISTA ISTO É DINHEIRO
Os juros só vão cair quando as contas públicas, que estão em frangalhos, se ajustarem. E isso vai demorar
O que era para ser um ato rotineiro definiu o que serão os próximos meses no mercado financeiro. Em sua primeira entrevista coletiva, ao apresentar o Relatório Trimestral de Inflação, Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central (BC) foi claro e incisivo. O relatório, escrito na linguagem indireta dos banqueiros centrais, era, tanto quanto possível, enfático. “O cenário central não permite trabalhar com a hipótese de flexibilização das condições monetárias”, dizia o texto.
Em português de dia de semana, a tradução seria: “em 2017, queremos mandar a inflação para o centro da meta governamental de 4,5%, algo que não ocorre desde 2009. Para isso, vamos manter os juros altos por mais tempo do que o mercado está esperando.” Essa mera sinalização causou uma razoável turbulência nos juros e no dólar na terça-feira, enquanto tesoureiros de bancos e economistas refaziam freneticamente seus cálculos. Como resultado, no encerramento dos negócios na terça-feira, os contratos de juros futuros para janeiro do ano que vem haviam subido de 13,65% ao ano para 13,84%.
Não há dúvida que manter a Selic nos atuais 14,25% ao ano por ainda mais tempo é a recomendação errada. Juros altos são o pior remédio para uma economia na situação da brasileira ao fim do primeiro semestre de 2016. Os indicadores pararam de piorar, mas ainda permanecem sinalizando claramente que vai demorar para o consumo, o emprego e a renda voltarem a crescer além do eventual ruído estatístico. Manter os juros elevados por muito tempo significa continuar punindo uma parcela razoável da sociedade com a manutenção do ritmo reduzido de atividade econômica. O problema é que a farmacopéia de Goldfajn não conta com outras prescrições.
O novo presidente do BC não fará isso por crueldade ou por compromissos com a banca, como chegou a dizer a oposição. Outro trecho do relatório do BC explica suas razões. “A aprovação e a implementação de ajustes na economia brasileira, inclusive de ordem fiscal (...) são fatores importantes do contexto em que decisões futuras de política monetária serão tomadas.” Traduzindo, os juros só vão cair quando as contas públicas, que estão em frangalhos, se ajustarem. E isso vai demorar.
Colocar a casa em ordem será uma tarefa hercúlea. O resultado fiscal de 2015 foi emblemático. Considerando apenas o governo central, o ano começou com uma meta de superávit de R$ 66 bilhões e acabou com um rombo de R$ 111 bilhões, sem considerar o gasto com os juros. Para 2016, o governo de Michel Temer contratou um buraco de R$ 60 bilhões, menor que os R$ 170 bilhões de sua irresponsável antecessora. Mesmo assim, os bancos acham esse número otimista demais. O mercado financeiro, na edição mais recente do relatório Prisma Fiscal, do próprio BC, espera que a diferença no caixa seja de não módicos R$ 104 bilhões. Se o governo gasta mais do que arrecada, o excesso de dinheiro na economia eleva a inflação. E corrigir isso deve levar tempo e provocar muito sofrimento.
O Banco Central não comenta se Ilan Goldfajn é um apreciador de Game of Thrones, a série campeã de audiência mundial. Independente da resposta, a vida tem de passar a imitar a arte. Assim como uma das famílias que disputa o poder na ficção, o governo brasileiro precisa se acostumar com a ideia de que é preciso pagar as dívidas.
domingo, julho 03, 2016
Profissionais da mentira – FERREIRA GULLAR
Folha de S. Paulo - 03/07
Tenho um amigo, conhecido por Guiú, para quem dizer que o PT é o partido da mentira não está longe da verdade. E que os petistas nada fazem para apagar essa má fama e, sim, pelo contrário, só contribuem para confirmá-la.
A má fama –diz o Guiú– vem de longe, desde a origem do PT, uma vez que nasceu prometendo combater a corrupção e, mal ganhou algum poder –como em Santo André–, já começou a se apropriar do dinheiro público, o que resultou no assassinato do prefeito Celso Daniel. Outro exemplo teria sido o escândalo do mensalão, que envolveu o alto escalão do partido, inclusive o próprio Lula, que, graças à mentira reinante entre os petistas, conseguiu se safar.
Daí em diante –afirma esse amigo–, a mentirada petista só se confirmou e ampliou, ficando claro que, em vez de combater a corrupção, o PT se revelou o responsável pelos mais espantosos exemplos de apropriação venal de dinheiro público de que se tem conhecimento na história brasileira.
A revelação mais recente, que teve como protagonista o ex-ministro Paulo Bernardo, revela o desvio de taxas pagas por servidores públicos em empréstimos consignados e que atingiu o montante de R$ 100 milhões. Esse dinheiro foi dado parte a políticos e parte ao cofre do PT. Mas os dirigentes petistas alegam ser tudo invenção dos adversários.
Pois bem: pode haver mentira maior do que afirmar que o impeachment de Dilma é um golpe? Vamos por partes: um golpe dado por quem, já que o processo de impeachment não partiu de nenhum partido? Um dos fundadores do PT, o jurista Hélio Bicudo, é um dos autores dessa ação penal, acompanhado por duas outras figuras que não pertencem a nenhum partido político, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal.
Por outro lado, a acusação de ter a presidente Dilma cometido crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal foi reconhecida por juristas e técnicos da área fiscal do governo. Os partidos somente passaram a atuar no processo depois que a acusação foi aceita pela Câmara de Deputados, argumenta o Guiú
Além disso, o procedimento só teve curso depois que o STF definiu as normas a serem seguidas, de acordo com a lei. Onde está, então, o golpe que o PT alardeia? Simplesmente não está, porque é apenas mentira, diz esse meu amigo.
E, de lá para cá, as versões falsas e as falsas alegações só cresceram, na medida mesma em que novas falcatruas foram sendo reveladas, desde as propinas na Petrobras ao tríplex e o sítio que Lula nega, contra todas as evidências, serem dele. Como diz um samba recente composto aqui no Rio, Lula não possui nada, nem mesmo o relógio que tem no pulso lhe pertence. Tudo o que usa, algum amigo lhe emprestou.
Já eu nunca dei a mesma sorte, nunca encontrei ninguém que me emprestasse o apartamento para eu morar ou um sítio maior que vários campos de futebol, para meu lazer Dilma Rousseff, que tem fama de honesta, tampouco fala a verdade, afirma Guiú. Prova disso é a versão que passou à imprensa, de que nada tinha a ver com a compra da refinaria de Pasadena, adquirida por um preço várias vezes maior que seu valor real.
Ela, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, diz que aprovou a compra porque lhe forneceram falsas informações. Cerveró, que efetivou a compra, afirma que ela sabia de tudo.
E o documento falso que ela enviou a Lula para que ele se safasse de uma possível ação policial? Já imaginou a mais alta autoridade da República forjar um documento para enganar a própria polícia do país? E aí –diz ele–, cabe a pergunta: se a chefe do governo falsifica documento, o que a impede de descumprir as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal? Foi o que ela fez –afirma Guiú–, e, por essa razão, praticou um crime que a Constituição pune com a expulsão. O impeachment, portanto, não é golpe mas punição prevista em lei.
E meu amigo conclui: como, porém, o PT não tem compromisso com a verdade, alardeia que a democracia está ameaçada e que depende dele sua preservação. Parece piada, uma vez que, recentemente, a direção desse partido divulgou um documento lamentando não ter conseguido instaurar no país um regime autoritário permanente.
Tenho um amigo, conhecido por Guiú, para quem dizer que o PT é o partido da mentira não está longe da verdade. E que os petistas nada fazem para apagar essa má fama e, sim, pelo contrário, só contribuem para confirmá-la.
A má fama –diz o Guiú– vem de longe, desde a origem do PT, uma vez que nasceu prometendo combater a corrupção e, mal ganhou algum poder –como em Santo André–, já começou a se apropriar do dinheiro público, o que resultou no assassinato do prefeito Celso Daniel. Outro exemplo teria sido o escândalo do mensalão, que envolveu o alto escalão do partido, inclusive o próprio Lula, que, graças à mentira reinante entre os petistas, conseguiu se safar.
Daí em diante –afirma esse amigo–, a mentirada petista só se confirmou e ampliou, ficando claro que, em vez de combater a corrupção, o PT se revelou o responsável pelos mais espantosos exemplos de apropriação venal de dinheiro público de que se tem conhecimento na história brasileira.
A revelação mais recente, que teve como protagonista o ex-ministro Paulo Bernardo, revela o desvio de taxas pagas por servidores públicos em empréstimos consignados e que atingiu o montante de R$ 100 milhões. Esse dinheiro foi dado parte a políticos e parte ao cofre do PT. Mas os dirigentes petistas alegam ser tudo invenção dos adversários.
Pois bem: pode haver mentira maior do que afirmar que o impeachment de Dilma é um golpe? Vamos por partes: um golpe dado por quem, já que o processo de impeachment não partiu de nenhum partido? Um dos fundadores do PT, o jurista Hélio Bicudo, é um dos autores dessa ação penal, acompanhado por duas outras figuras que não pertencem a nenhum partido político, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal.
Por outro lado, a acusação de ter a presidente Dilma cometido crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal foi reconhecida por juristas e técnicos da área fiscal do governo. Os partidos somente passaram a atuar no processo depois que a acusação foi aceita pela Câmara de Deputados, argumenta o Guiú
Além disso, o procedimento só teve curso depois que o STF definiu as normas a serem seguidas, de acordo com a lei. Onde está, então, o golpe que o PT alardeia? Simplesmente não está, porque é apenas mentira, diz esse meu amigo.
E, de lá para cá, as versões falsas e as falsas alegações só cresceram, na medida mesma em que novas falcatruas foram sendo reveladas, desde as propinas na Petrobras ao tríplex e o sítio que Lula nega, contra todas as evidências, serem dele. Como diz um samba recente composto aqui no Rio, Lula não possui nada, nem mesmo o relógio que tem no pulso lhe pertence. Tudo o que usa, algum amigo lhe emprestou.
Já eu nunca dei a mesma sorte, nunca encontrei ninguém que me emprestasse o apartamento para eu morar ou um sítio maior que vários campos de futebol, para meu lazer Dilma Rousseff, que tem fama de honesta, tampouco fala a verdade, afirma Guiú. Prova disso é a versão que passou à imprensa, de que nada tinha a ver com a compra da refinaria de Pasadena, adquirida por um preço várias vezes maior que seu valor real.
Ela, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, diz que aprovou a compra porque lhe forneceram falsas informações. Cerveró, que efetivou a compra, afirma que ela sabia de tudo.
E o documento falso que ela enviou a Lula para que ele se safasse de uma possível ação policial? Já imaginou a mais alta autoridade da República forjar um documento para enganar a própria polícia do país? E aí –diz ele–, cabe a pergunta: se a chefe do governo falsifica documento, o que a impede de descumprir as normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal? Foi o que ela fez –afirma Guiú–, e, por essa razão, praticou um crime que a Constituição pune com a expulsão. O impeachment, portanto, não é golpe mas punição prevista em lei.
E meu amigo conclui: como, porém, o PT não tem compromisso com a verdade, alardeia que a democracia está ameaçada e que depende dele sua preservação. Parece piada, uma vez que, recentemente, a direção desse partido divulgou um documento lamentando não ter conseguido instaurar no país um regime autoritário permanente.
A soma das partes – GUSTAVO PATU
Folha de S. Paulo - 03/07
Defensores de Dilma Rousseff comemoraram a conclusão da perícia do Senado que não detectou a participação da presidente hoje afastada nas ditas pedaladas fiscais -nome dado, não custa recordar, ao uso indevido de dinheiro dos bancos federais no pagamento de despesas do governo.
O laudo técnico pode ter lá sua importância nas formalidades do processo de impeachment, mas não basta para reescrever a história. Independentemente de quem assinava os papéis, as pedaladas já eram de conhecimento público bem antes da popularização do apelido.
Num exemplo particularmente revelador, noticiou-se, em agosto de 2014, que a Caixa Econômica estava em conflito com o Tesouro Nacional porque não conseguia receber os recursos necessários para o pagamento de benefícios como o seguro-desemprego e o Bolsa Família.
O caso havia chegado à Advocacia-Geral da União em maio daquele ano, e os atrasos se acumulavam desde 2013. Com isso, a CEF era obrigada a assumir a conta descoberta, enquanto o Tesouro ostentava despesas menores em seus balanços. A partir do episódio, pendências com o BNDES e o Banco do Brasil foram recordadas e/ou reveladas.
Compreensivelmente, a tese principal da defesa de Dilma nunca foi a do "eu não sabia". Procurava-se, isso sim, caracterizar a pedalada como uma operação corriqueira, praticada em outros governos (evitando, porém, comparar dimensões).
É provável -e lamentável- que tais desmandos tivessem merecido vista grossa se a ruína das contas públicas, mascarada até o desfecho das eleições, não tivesse levado o país a um colapso econômico e político.
Não por acaso, os aliados da presidente afastada se concentram em questionar em separado, até a minúcia jurídica, cada pedaço da acusação. Já os defensores do impeachment, explicitamente ou não, se apoiam no conjunto da obra.
Defensores de Dilma Rousseff comemoraram a conclusão da perícia do Senado que não detectou a participação da presidente hoje afastada nas ditas pedaladas fiscais -nome dado, não custa recordar, ao uso indevido de dinheiro dos bancos federais no pagamento de despesas do governo.
O laudo técnico pode ter lá sua importância nas formalidades do processo de impeachment, mas não basta para reescrever a história. Independentemente de quem assinava os papéis, as pedaladas já eram de conhecimento público bem antes da popularização do apelido.
Num exemplo particularmente revelador, noticiou-se, em agosto de 2014, que a Caixa Econômica estava em conflito com o Tesouro Nacional porque não conseguia receber os recursos necessários para o pagamento de benefícios como o seguro-desemprego e o Bolsa Família.
O caso havia chegado à Advocacia-Geral da União em maio daquele ano, e os atrasos se acumulavam desde 2013. Com isso, a CEF era obrigada a assumir a conta descoberta, enquanto o Tesouro ostentava despesas menores em seus balanços. A partir do episódio, pendências com o BNDES e o Banco do Brasil foram recordadas e/ou reveladas.
Compreensivelmente, a tese principal da defesa de Dilma nunca foi a do "eu não sabia". Procurava-se, isso sim, caracterizar a pedalada como uma operação corriqueira, praticada em outros governos (evitando, porém, comparar dimensões).
É provável -e lamentável- que tais desmandos tivessem merecido vista grossa se a ruína das contas públicas, mascarada até o desfecho das eleições, não tivesse levado o país a um colapso econômico e político.
Não por acaso, os aliados da presidente afastada se concentram em questionar em separado, até a minúcia jurídica, cada pedaço da acusação. Já os defensores do impeachment, explicitamente ou não, se apoiam no conjunto da obra.
A cautela do Banco Central - JOSÉ CELSO PASTORE
O ESTADÃO - 03/07
Em sua primeira entrevista à imprensa, o novo presidente do Banco Central deixou claro dois pontos. Primeiro, que seu único objetivo é trazer a inflação para a meta de 4,5% ao ano, mas não em 2018 (ou ainda mais adiante), como muitos chegaram a pensar, e sim ao fim de 2017. Com isso, frustrou quem, olhando apenas para o tamanho da recessão, mas sem dar o devido peso aos efeitos diretos e indiretos da enorme expansão fiscal sobre a inflação, esperava o início mais precoce de cortes agressivo da taxa de juros. Segundo, que o custo de trazer a inflação para a meta depende crucialmente de outras decisões de política econômica e, em particular, da política fiscal.
Ao reafirmar que o Banco Central tem apenas um mandato – a meta de inflação –, Ilan Goldfajn indica que pretende explorar em toda a sua extensão a força da queda das expectativas, reduzindo a inércia inflacionária que nos últimos anos elevou-se pelo afrouxamento do compromisso do Banco Central com a meta de inflação, e é responsável em larga medida pelas elevadas taxas atuais de inflação. Em adição, suas repetidas referências à política fiscal evidenciam o reconhecimento de que a política monetária não é feita no vácuo, e que quanto mais expansionista for a política fiscal mais elevada será a taxa real de juros para trazer a inflação para a meta.
Se o governo Temer tiver sucesso em executar todas as etapas do ajuste fiscal que está iniciando, gradualmente sairemos de um período de aproximadamente dois anos no qual a política fiscal foi extremamente expansionista, com uma combinação de forte aceleração do crescimento dos gastos primários ao lado da estagnação das receitas. Essa foi uma das causas, embora não a única, das inflações muito acima da meta nos últimos anos. Mas ainda que tenha sucesso nas demais fases do ajuste fiscal, esse será muito lento, correndo o risco de ser atenuado ou mesmo interrompido diante de dificuldades políticas na aprovação das reformas necessárias.
Dúvidas. Por quanto tempo ainda teremos déficits primários mesmo diante da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que corrige os gastos primários em um ano pela inflação do ano anterior? Por quanto tempo ainda assistiremos ao crescimento da relação dívida/PIB? Se o governo cumprir a promessa de não elevar a carga tributária, a receita permanecerá constante em relação ao PIB (em torno de 18%), e a despesa cairá tanto mais em relação ao PIB quanto maior for a taxa de crescimento econômico. Os cálculos de Marcelo Gazzano e Caio Carbone mostram que se o PIB passar a crescer à taxa de 3,5% ao ano ainda teremos déficits primários até 2021 – bem depois de encerrado o governo Temer -, e no caso mais provável de um crescimento de 2,5% ao ano teremos déficits primários até 2023.
No gráfico acima se verifica que em qualquer dos dois casos a relação dívida/PIB ainda crescerá durante alguns anos, chegando em 2021 ao pico de 82% caso o crescimento do PIB seja de 3,5% ao ano (o cenário 1), e atingindo mais de 90% em 2025, no caso mais provável de um crescimento do PIB de 2,5% ao ano (o cenário 2).
Em ambos os casos, o grau de expansão fiscal estará em declínio, mas ainda muito distante de levar a uma política fiscal contracionista, que abriria espaço para uma queda mais intensa da taxa de juros. Para que o crescimento da relação dívida/PIB não aumente o risco de solvência, elevando os prêmios de risco e depreciando o real, o governo Temer terá de emitir sinais muito claros de que pretende se manter plenamente comprometido com um novo regime de política fiscal. Se esse ajuste falhar, voltaremos à mesma situação de descontrole vivida durante o governo Dilma Rousseff, no qual as cotações do CDS brasileiro de 10 anos chegaram a mais 500 pontos, com forte depreciação cambial, empurrando a inflação para cima, e reduzindo a eficácia da política monetária.
A boa notícia é que mesmo diante de um ajuste fiscal lento e ainda incompleto a inflação deverá cair acentuadamente em 2017. Primeiro, porque os efeitos inflacionários da correção de preços administrados rapidamente estão se esgotando. Segundo, porque embora perdendo força a atual recessão ainda é claramente desinflacionária. Terceiro, porque se o Banco Central tiver sucesso na reafirmação de seu compromisso com a meta, cai o efeito da inércia e cresce o efeito da inflação esperada, acentuando a queda da inflação corrente sem deprimir ainda mais a atividade econômica.
Câmbio. E o que esperar da contribuição da taxa cambial? A afirmação de que as intervenções no mercado de câmbio seriam “muito parcimoniosas” chegou a ser entendida como o final das intervenções, com alguns temendo o custo de uma valorização mais intensa, mas essa impressão começou a ser desfeita com o anúncio do retorno aos leilões de swaps reversos. O câmbio deverá flutuar, mas grandes apreciações provavelmente serão evitadas.
O conjunto dessas forças leva à queda da taxa de juros mesmo diante do compromisso de atingir a meta de 4,5% em 2017. Porém, uma queda ainda mais intensa depende dos próximos passos da política fiscal. A PEC que define a correção nominal de gastos é apenas um primeiro movimento, que tem de ser seguido no mínimo pela reforma da Previdência, e para aprová-la o governo terá de enfrentar batalhas difíceis no Congresso.
Gazzano e Carbone simularam o que ocorre com os demais gastos, admitindo que não ocorra nenhuma alteração nos gastos da Previdência e caso as correções dos gastos de Saúde e de Educação sigam a regra proposta na PEC. Com hipóteses realistas sobre o comportamento de diversas despesas obrigatórias sob as quais o governo não tem controle (como precatórios e seguro-desemprego), eles estimam o que precisa ocorrer com cinco grupos de despesas: subsídios e subvenções, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Programa de Aceleração do Crescimento e custeio e investimento dos demais ministérios.
A conclusão é que até o fim do atual governo (em 2018) tais gastos precisariam ficar aproximadamente constantes em termos nominais. Ou seja, se não for seguida de outras alterações legais, a permanência da regra imposta pela PEC –que estabelece a correção nominal de gastos – dificilmente sobreviverá, desafiando o ajuste fiscal, e acentuando as incertezas sobre a execução da política monetária. Por todas essas razões, as perspectivas quanto aos próximos lances da política monetária ainda não estão claros.
Depois do envolvimento do governo Dilma com a aventura da “nova matriz”, estamos retornando ao “tripé da política macroeconômica”, caracterizado pelo regime de metas de inflação, por um razoável grau de flutuação cambial e pelas metas de superávit primário. Infelizmente, a aventura da “nova matriz” deixou um legado de custos extremamente elevado, que tomará alguns anos para ser absorvido e devidamente superado, mas para que isso ocorra, absorvendo-se os benefícios do regime de metas de inflação, é necessário que o governo entregue, antes de tudo, suas promessas relativas à mudança do regime fiscal.
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS
Em sua primeira entrevista à imprensa, o novo presidente do Banco Central deixou claro dois pontos. Primeiro, que seu único objetivo é trazer a inflação para a meta de 4,5% ao ano, mas não em 2018 (ou ainda mais adiante), como muitos chegaram a pensar, e sim ao fim de 2017. Com isso, frustrou quem, olhando apenas para o tamanho da recessão, mas sem dar o devido peso aos efeitos diretos e indiretos da enorme expansão fiscal sobre a inflação, esperava o início mais precoce de cortes agressivo da taxa de juros. Segundo, que o custo de trazer a inflação para a meta depende crucialmente de outras decisões de política econômica e, em particular, da política fiscal.
Ao reafirmar que o Banco Central tem apenas um mandato – a meta de inflação –, Ilan Goldfajn indica que pretende explorar em toda a sua extensão a força da queda das expectativas, reduzindo a inércia inflacionária que nos últimos anos elevou-se pelo afrouxamento do compromisso do Banco Central com a meta de inflação, e é responsável em larga medida pelas elevadas taxas atuais de inflação. Em adição, suas repetidas referências à política fiscal evidenciam o reconhecimento de que a política monetária não é feita no vácuo, e que quanto mais expansionista for a política fiscal mais elevada será a taxa real de juros para trazer a inflação para a meta.
Se o governo Temer tiver sucesso em executar todas as etapas do ajuste fiscal que está iniciando, gradualmente sairemos de um período de aproximadamente dois anos no qual a política fiscal foi extremamente expansionista, com uma combinação de forte aceleração do crescimento dos gastos primários ao lado da estagnação das receitas. Essa foi uma das causas, embora não a única, das inflações muito acima da meta nos últimos anos. Mas ainda que tenha sucesso nas demais fases do ajuste fiscal, esse será muito lento, correndo o risco de ser atenuado ou mesmo interrompido diante de dificuldades políticas na aprovação das reformas necessárias.
Dúvidas. Por quanto tempo ainda teremos déficits primários mesmo diante da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que corrige os gastos primários em um ano pela inflação do ano anterior? Por quanto tempo ainda assistiremos ao crescimento da relação dívida/PIB? Se o governo cumprir a promessa de não elevar a carga tributária, a receita permanecerá constante em relação ao PIB (em torno de 18%), e a despesa cairá tanto mais em relação ao PIB quanto maior for a taxa de crescimento econômico. Os cálculos de Marcelo Gazzano e Caio Carbone mostram que se o PIB passar a crescer à taxa de 3,5% ao ano ainda teremos déficits primários até 2021 – bem depois de encerrado o governo Temer -, e no caso mais provável de um crescimento de 2,5% ao ano teremos déficits primários até 2023.
No gráfico acima se verifica que em qualquer dos dois casos a relação dívida/PIB ainda crescerá durante alguns anos, chegando em 2021 ao pico de 82% caso o crescimento do PIB seja de 3,5% ao ano (o cenário 1), e atingindo mais de 90% em 2025, no caso mais provável de um crescimento do PIB de 2,5% ao ano (o cenário 2).
Em ambos os casos, o grau de expansão fiscal estará em declínio, mas ainda muito distante de levar a uma política fiscal contracionista, que abriria espaço para uma queda mais intensa da taxa de juros. Para que o crescimento da relação dívida/PIB não aumente o risco de solvência, elevando os prêmios de risco e depreciando o real, o governo Temer terá de emitir sinais muito claros de que pretende se manter plenamente comprometido com um novo regime de política fiscal. Se esse ajuste falhar, voltaremos à mesma situação de descontrole vivida durante o governo Dilma Rousseff, no qual as cotações do CDS brasileiro de 10 anos chegaram a mais 500 pontos, com forte depreciação cambial, empurrando a inflação para cima, e reduzindo a eficácia da política monetária.
A boa notícia é que mesmo diante de um ajuste fiscal lento e ainda incompleto a inflação deverá cair acentuadamente em 2017. Primeiro, porque os efeitos inflacionários da correção de preços administrados rapidamente estão se esgotando. Segundo, porque embora perdendo força a atual recessão ainda é claramente desinflacionária. Terceiro, porque se o Banco Central tiver sucesso na reafirmação de seu compromisso com a meta, cai o efeito da inércia e cresce o efeito da inflação esperada, acentuando a queda da inflação corrente sem deprimir ainda mais a atividade econômica.
Câmbio. E o que esperar da contribuição da taxa cambial? A afirmação de que as intervenções no mercado de câmbio seriam “muito parcimoniosas” chegou a ser entendida como o final das intervenções, com alguns temendo o custo de uma valorização mais intensa, mas essa impressão começou a ser desfeita com o anúncio do retorno aos leilões de swaps reversos. O câmbio deverá flutuar, mas grandes apreciações provavelmente serão evitadas.
O conjunto dessas forças leva à queda da taxa de juros mesmo diante do compromisso de atingir a meta de 4,5% em 2017. Porém, uma queda ainda mais intensa depende dos próximos passos da política fiscal. A PEC que define a correção nominal de gastos é apenas um primeiro movimento, que tem de ser seguido no mínimo pela reforma da Previdência, e para aprová-la o governo terá de enfrentar batalhas difíceis no Congresso.
Gazzano e Carbone simularam o que ocorre com os demais gastos, admitindo que não ocorra nenhuma alteração nos gastos da Previdência e caso as correções dos gastos de Saúde e de Educação sigam a regra proposta na PEC. Com hipóteses realistas sobre o comportamento de diversas despesas obrigatórias sob as quais o governo não tem controle (como precatórios e seguro-desemprego), eles estimam o que precisa ocorrer com cinco grupos de despesas: subsídios e subvenções, Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Programa de Aceleração do Crescimento e custeio e investimento dos demais ministérios.
A conclusão é que até o fim do atual governo (em 2018) tais gastos precisariam ficar aproximadamente constantes em termos nominais. Ou seja, se não for seguida de outras alterações legais, a permanência da regra imposta pela PEC –que estabelece a correção nominal de gastos – dificilmente sobreviverá, desafiando o ajuste fiscal, e acentuando as incertezas sobre a execução da política monetária. Por todas essas razões, as perspectivas quanto aos próximos lances da política monetária ainda não estão claros.
Depois do envolvimento do governo Dilma com a aventura da “nova matriz”, estamos retornando ao “tripé da política macroeconômica”, caracterizado pelo regime de metas de inflação, por um razoável grau de flutuação cambial e pelas metas de superávit primário. Infelizmente, a aventura da “nova matriz” deixou um legado de custos extremamente elevado, que tomará alguns anos para ser absorvido e devidamente superado, mas para que isso ocorra, absorvendo-se os benefícios do regime de metas de inflação, é necessário que o governo entregue, antes de tudo, suas promessas relativas à mudança do regime fiscal.
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS
Passar a limpo a questão fiscal - AMIR KHAIR
O ESTADÃO - 03/07
Quem sempre ditou os rumos da política econômica no País são os grandes bancos. Possuem equipe econômica competente para seus objetivos e contratam as maiores empresas de consultoria no campo econômico que são normalmente repetidoras das teses defendidas por estes bancos. Há, assim, uma dominância de visão econômica cuja tese central é o combate à inflação via políticas restritivas de crédito com taxas de juros elevadas face à prática de outros países.
Com isso, o setor bancário apresenta ganhos elevados em suas operações, mesmo em tempos de forte recessão que vitima as empresas não financeiras.
O arrocho dos juros se manifesta de duas maneiras: a) na taxa básica de juros Selic e; b) nas taxas de juros aos tomadores de empréstimos. Essas taxas são bem diferentes: enquanto a Selic se situa 7,7 pontos acima da inflação projetada para 12 meses à frente (6%), a taxa ao tomador segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade se situa 136 pontos acima para o consumo e 62 pontos acima para as empresas.
Essas duas anomalias apresentam impactos econômicos distintos e danosos. A Selic, principalmente, ao elevar as despesas com juros do setor público, que historicamente se situaram acima de 5% do PIB e, desde 2015 estão em 9% do PIB e, as taxas ao tomador ao brecar o consumo e desestimular a produção e o investimento.
A Selic, além do impacto fiscal, distorce o câmbio ao atrair capital especulativo internacional e, historicamente, tem funcionado como âncora cambial barateando artificialmente as importações e promovendo concorrência desleal às empresas aqui sediadas.
Outro efeito danoso da Selic elevada é sobre a atividade econômica de duas formas: a) redução da oferta e; b) redução do investimento. Em ambos os casos a Selic oferece aplicação em títulos do governo mais atraente sob o ponto de vista da aplicação do que no próprio negócio, seja para produzir, seja para investir. A atividade produtiva muitas vezes oferece menor rentabilidade e liquidez e maior risco do que a aplicação financeira nos títulos públicos. O efeito final é, também, de causar maior inflação pela redução da oferta presente e futura.
É difícil imaginar o País crescer quando a taxa de juros ao consumo se encontra em 150,70% ao ano, segundo a Anefac. Como a maior parte do consumo é adquirida via crediário, essa taxa encarece 2,5 vezes o preço à vista. Esse é o poderoso freio na economia e o responsável pelos preços elevados. Ou se reduz esse freio, que é o melhor combate à inflação, ou se aceita passivamente que a economia tem de funcionar assim, e há que se conformar com essa recessão e/ou com crescimento tipo voo de galinha ou da ordem de 2% daqui a dois, três anos se tudo der certo na política econômica defendida pelos grandes bancos.
O mal causado pela taxa de juros ao tomador pessoa jurídica, que atingiu em maio 71,94%, segundo a Anefac, é encarecer o custo dos bens e serviços via capital de giro, inviabilizar as operações das empresas com impacto na redução da oferta e, portanto, causando maior inflação.
Modelo fiscal. É simples e claro o modelo fiscal do País. A receita é dada pela carga tributária, que se encontra estável desde 2005 no entorno de 33,3% do PIB, com mínimo de 32,4% em 2009 e máximo de 33,8%% em 2007. A despesa pública sem juros em relação ao PIB se encontra dois pontos acima da carga tributária, no entorno de 35,3% do PIB, e os juros são de 9% do PIB por causa de uma dívida bruta de 68,6% do PIB submetida a uma taxa média de juros de 13%.
Esse modelo conduz a um déficit fiscal de 11% do PIB (2 mais 9). Em 2015, o déficit primário foi de 1,9% do PIB e os juros 8,5% do PIB dando um déficit fiscal de 10,4% do PIB (1,9 mais 8,5).
Para enfrentar o problema fiscal há que atacar simultaneamente os dois componentes do déficit: o primário e o de juros. Os governos só tentam enfrentar o déficit primário, deixando o de juros na dependência exclusiva do Banco Central, que usa a Selic para controlar a inflação.
Ora, a Selic sempre foi alta, bem acima da inflação. Seu valor mínimo de 7,25% só ocorreu entre 11/10/2012 a 17/04/2013 por 188 dias. Se o BC operasse a essa taxa, os juros seriam de 5,0% do PIB (7,25% de 68,6%). Por aí se vê o quanto está o País afastado do equilíbrio fiscal preconizado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Equacionamento. A proposta dessa equipe econômica é manter a despesa pública congelada em valor real (excluída a inflação) deste ano e fazer reformas desvinculando as despesas de Educação e Saúde da receita de impostos e, nova reforma da Previdência com a retirada de direitos dos segurados via idade mínima, desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo e igualar direitos da mulher e trabalhador rural ao do homem urbano.
Enquanto isso, o governo já deu R$ 125 bilhões de “bondades” conforme a edição do Estado de quinta-feira. A maior parte é de reajustes de salários do funcionalismo e negociação de dívida dos Estados. Governadores do Norte e Nordeste que não se sentiram contemplados pedem mais R$ 8 bilhões e os prefeitos vão exigir sua parte. Algumas análises acreditam que a Selic vá cair, mesmo com essa expansão fiscal (?), sem dizer para que nível.
Não vejo saída nesse novo pacote do governo. A única saída consiste em respeitar a LRF e cumprir as metas de resultado primário e resultado nominal, que incluem juros. Isso só pode ocorrer se for respeitado seu artigo 9.º que manda apurar a cada bimestre o atingimento dessas metas e aponta medidas duras para correção. É evidente que diante da situação atual as “bondades” não se justificam.
Ocorre que o Legislativo e o Tribunal de Contas que devem fiscalizar o cumprimento das metas se omitem e só aparecem após o fim do exercício (?), quando o incêndio fiscal já ocorreu, Se tivessem cumprido sua responsabilidade não se teria chegado aonde chegamos. As contas de 2015 até agora não foram julgadas pelo Tribunal de Contas da União (???). A sociedade que arca com os supersalários dessa turma precisa cobrar.
Se condenarem essa presidente, deveria ser pelos males que causou ao País. Se for pelas pedaladas e decretos, como se argumenta, deveriam condenar muito mais gente não só dos ordenadores de despesa do Executivo, mas, também, dos que se omitiram de sua competência nas diversas fases do controle bimestral nos órgãos de controle do Legislativo e dos tribunais de contas. Vale lembrar que a principal meta na LRF é a do resultado nominal, que considera a despesa com juros da alçada principal do Banco Central.
Em 2015, como apontado, o déficit nominal foi de 10,4% do PIB e os juros atingiram 8,5% do PIB ou 81,9% do déficit (8,5 dividido por 10,4). Por acaso alguém do BC está sendo responsabilizado pelo estouro dos juros? Algum nobre deputado ou senador mencionou o descumprimento da meta nominal?
O dinheiro público vem de nós todos para ser bem administrado e controlado e é bem maior do que o desviado pela corrupção.
* MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR.
Quem sempre ditou os rumos da política econômica no País são os grandes bancos. Possuem equipe econômica competente para seus objetivos e contratam as maiores empresas de consultoria no campo econômico que são normalmente repetidoras das teses defendidas por estes bancos. Há, assim, uma dominância de visão econômica cuja tese central é o combate à inflação via políticas restritivas de crédito com taxas de juros elevadas face à prática de outros países.
Com isso, o setor bancário apresenta ganhos elevados em suas operações, mesmo em tempos de forte recessão que vitima as empresas não financeiras.
O arrocho dos juros se manifesta de duas maneiras: a) na taxa básica de juros Selic e; b) nas taxas de juros aos tomadores de empréstimos. Essas taxas são bem diferentes: enquanto a Selic se situa 7,7 pontos acima da inflação projetada para 12 meses à frente (6%), a taxa ao tomador segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade se situa 136 pontos acima para o consumo e 62 pontos acima para as empresas.
Essas duas anomalias apresentam impactos econômicos distintos e danosos. A Selic, principalmente, ao elevar as despesas com juros do setor público, que historicamente se situaram acima de 5% do PIB e, desde 2015 estão em 9% do PIB e, as taxas ao tomador ao brecar o consumo e desestimular a produção e o investimento.
A Selic, além do impacto fiscal, distorce o câmbio ao atrair capital especulativo internacional e, historicamente, tem funcionado como âncora cambial barateando artificialmente as importações e promovendo concorrência desleal às empresas aqui sediadas.
Outro efeito danoso da Selic elevada é sobre a atividade econômica de duas formas: a) redução da oferta e; b) redução do investimento. Em ambos os casos a Selic oferece aplicação em títulos do governo mais atraente sob o ponto de vista da aplicação do que no próprio negócio, seja para produzir, seja para investir. A atividade produtiva muitas vezes oferece menor rentabilidade e liquidez e maior risco do que a aplicação financeira nos títulos públicos. O efeito final é, também, de causar maior inflação pela redução da oferta presente e futura.
É difícil imaginar o País crescer quando a taxa de juros ao consumo se encontra em 150,70% ao ano, segundo a Anefac. Como a maior parte do consumo é adquirida via crediário, essa taxa encarece 2,5 vezes o preço à vista. Esse é o poderoso freio na economia e o responsável pelos preços elevados. Ou se reduz esse freio, que é o melhor combate à inflação, ou se aceita passivamente que a economia tem de funcionar assim, e há que se conformar com essa recessão e/ou com crescimento tipo voo de galinha ou da ordem de 2% daqui a dois, três anos se tudo der certo na política econômica defendida pelos grandes bancos.
O mal causado pela taxa de juros ao tomador pessoa jurídica, que atingiu em maio 71,94%, segundo a Anefac, é encarecer o custo dos bens e serviços via capital de giro, inviabilizar as operações das empresas com impacto na redução da oferta e, portanto, causando maior inflação.
Modelo fiscal. É simples e claro o modelo fiscal do País. A receita é dada pela carga tributária, que se encontra estável desde 2005 no entorno de 33,3% do PIB, com mínimo de 32,4% em 2009 e máximo de 33,8%% em 2007. A despesa pública sem juros em relação ao PIB se encontra dois pontos acima da carga tributária, no entorno de 35,3% do PIB, e os juros são de 9% do PIB por causa de uma dívida bruta de 68,6% do PIB submetida a uma taxa média de juros de 13%.
Esse modelo conduz a um déficit fiscal de 11% do PIB (2 mais 9). Em 2015, o déficit primário foi de 1,9% do PIB e os juros 8,5% do PIB dando um déficit fiscal de 10,4% do PIB (1,9 mais 8,5).
Para enfrentar o problema fiscal há que atacar simultaneamente os dois componentes do déficit: o primário e o de juros. Os governos só tentam enfrentar o déficit primário, deixando o de juros na dependência exclusiva do Banco Central, que usa a Selic para controlar a inflação.
Ora, a Selic sempre foi alta, bem acima da inflação. Seu valor mínimo de 7,25% só ocorreu entre 11/10/2012 a 17/04/2013 por 188 dias. Se o BC operasse a essa taxa, os juros seriam de 5,0% do PIB (7,25% de 68,6%). Por aí se vê o quanto está o País afastado do equilíbrio fiscal preconizado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Equacionamento. A proposta dessa equipe econômica é manter a despesa pública congelada em valor real (excluída a inflação) deste ano e fazer reformas desvinculando as despesas de Educação e Saúde da receita de impostos e, nova reforma da Previdência com a retirada de direitos dos segurados via idade mínima, desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo e igualar direitos da mulher e trabalhador rural ao do homem urbano.
Enquanto isso, o governo já deu R$ 125 bilhões de “bondades” conforme a edição do Estado de quinta-feira. A maior parte é de reajustes de salários do funcionalismo e negociação de dívida dos Estados. Governadores do Norte e Nordeste que não se sentiram contemplados pedem mais R$ 8 bilhões e os prefeitos vão exigir sua parte. Algumas análises acreditam que a Selic vá cair, mesmo com essa expansão fiscal (?), sem dizer para que nível.
Não vejo saída nesse novo pacote do governo. A única saída consiste em respeitar a LRF e cumprir as metas de resultado primário e resultado nominal, que incluem juros. Isso só pode ocorrer se for respeitado seu artigo 9.º que manda apurar a cada bimestre o atingimento dessas metas e aponta medidas duras para correção. É evidente que diante da situação atual as “bondades” não se justificam.
Ocorre que o Legislativo e o Tribunal de Contas que devem fiscalizar o cumprimento das metas se omitem e só aparecem após o fim do exercício (?), quando o incêndio fiscal já ocorreu, Se tivessem cumprido sua responsabilidade não se teria chegado aonde chegamos. As contas de 2015 até agora não foram julgadas pelo Tribunal de Contas da União (???). A sociedade que arca com os supersalários dessa turma precisa cobrar.
Se condenarem essa presidente, deveria ser pelos males que causou ao País. Se for pelas pedaladas e decretos, como se argumenta, deveriam condenar muito mais gente não só dos ordenadores de despesa do Executivo, mas, também, dos que se omitiram de sua competência nas diversas fases do controle bimestral nos órgãos de controle do Legislativo e dos tribunais de contas. Vale lembrar que a principal meta na LRF é a do resultado nominal, que considera a despesa com juros da alçada principal do Banco Central.
Em 2015, como apontado, o déficit nominal foi de 10,4% do PIB e os juros atingiram 8,5% do PIB ou 81,9% do déficit (8,5 dividido por 10,4). Por acaso alguém do BC está sendo responsabilizado pelo estouro dos juros? Algum nobre deputado ou senador mencionou o descumprimento da meta nominal?
O dinheiro público vem de nós todos para ser bem administrado e controlado e é bem maior do que o desviado pela corrupção.
* MESTRE EM FINANÇAS PÚBLICAS PELA FGV E CONSULTOR.
A esquerda encontra a direita – SAMUEL PESSOA
Folha de S. Paulo - 03/07
No último mês, dois garotos, de 10 e 11 anos, foram mortos em confronto com a polícia. As duas crianças vinham de famílias carentes, com muitos irmãos.
Segunda esta Folha, pesquisa recente do Ministério Público de São Paulo sugere que a falta da figura paterna, caso de uma das famílias, pode explicar parte do problema do envolvimento de crianças e adolescentes com a criminalidade. Essa constatação, claro, não exime a polícia pelo uso de força desproporcional, resultando em mortes desnecessárias.
O sociólogo Jessé Souza, até recentemente presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), sugere, em dois volumes escritos com diversos colaboradores –"A Ralé Brasileira: Quem É e Como Vive" e "Os Batalhadores Brasileiros"–, que o ambiente doméstico representa fortíssimo fator perpetuador da pobreza.
Segundo Jessé, "a família típica da 'ralé' é monoparental, com mudanças frequentes do membro masculino, enfrenta problemas sérios de alcoolismo e de abuso sexual sistemático e é caracterizada por uma cisão que corta essa classe ao meio entre pobres honestos e pobres delinquentes".
Já os batalhadores, que conseguiram melhorar de vida, internalizaram as "disposições nada óbvias do mundo do trabalho moderno: disciplina, autocontrole e comportamento e pensamento prospectivo".
Diferentemente do que se imagina, "essas disposições têm que ser aprendidas, embora seu aprendizado seja difícil e desafiador e não esteja ao alcance de todas as classes" (citações de "Os Batalhadores", páginas 50 e 51).
Pensadores liberais, como Eugênio Gudin e Carlos Langoni, sempre identificaram a enorme importância que a educação tem para o desenvolvimento econômico.
Diferentemente deles, os economistas heterodoxos ou estruturalistas nunca conseguiram enxergar nenhum papel da educação para o desenvolvimento econômico. Celso Furtado, por exemplo, apesar de ter se dedicado ao tema por 40 anos e em 30 livros, em nenhum momento associou desenvolvimento à educação.
Nos últimos anos, consolidou-se o entendimento de que um sistema público de educação de qualidade é um dos elementos principais para o desenvolvimento econômico e a equidade.
Mais recentemente, a economia acadêmica vem reconhecendo a enorme importância dos primeiros anos de vida e de um ambiente doméstico estruturado para preparar a criança para a escola formal.
James Heckman, Prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Chicago, tem acumulado conjunto impressionante de evidências nessa direção. O leitor interessado pode consultar o link heckmanequation.org/blog ou a página do economista brasileiro Flávio Cunha (flaviocunha.com).
Sabe-se que, nos primeiros anos de vida, as habilidades cognitivas, essencialmente pensamento analítico, e as não cognitivas, esforço e persistência, capacidade de suportar frustração, autoestima etc., são desenvolvidas. Se o ambiente doméstico nos primeiros anos de vida não for propício para o desenvolvimento desse conjunto de capacidades, o desempenho escolar será comprometido.
Assim, o maior desafio de nossa sociedade será desenhar políticas públicas que retirem a "ralé", 1/3 da população aproximadamente, segundo Jessé, da armadilha de pobreza em que se encontra.
Sinal auspicioso é que a esquerda parece ter descoberto algo que a direita já sabia há muito tempo.
No último mês, dois garotos, de 10 e 11 anos, foram mortos em confronto com a polícia. As duas crianças vinham de famílias carentes, com muitos irmãos.
Segunda esta Folha, pesquisa recente do Ministério Público de São Paulo sugere que a falta da figura paterna, caso de uma das famílias, pode explicar parte do problema do envolvimento de crianças e adolescentes com a criminalidade. Essa constatação, claro, não exime a polícia pelo uso de força desproporcional, resultando em mortes desnecessárias.
O sociólogo Jessé Souza, até recentemente presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), sugere, em dois volumes escritos com diversos colaboradores –"A Ralé Brasileira: Quem É e Como Vive" e "Os Batalhadores Brasileiros"–, que o ambiente doméstico representa fortíssimo fator perpetuador da pobreza.
Segundo Jessé, "a família típica da 'ralé' é monoparental, com mudanças frequentes do membro masculino, enfrenta problemas sérios de alcoolismo e de abuso sexual sistemático e é caracterizada por uma cisão que corta essa classe ao meio entre pobres honestos e pobres delinquentes".
Já os batalhadores, que conseguiram melhorar de vida, internalizaram as "disposições nada óbvias do mundo do trabalho moderno: disciplina, autocontrole e comportamento e pensamento prospectivo".
Diferentemente do que se imagina, "essas disposições têm que ser aprendidas, embora seu aprendizado seja difícil e desafiador e não esteja ao alcance de todas as classes" (citações de "Os Batalhadores", páginas 50 e 51).
Pensadores liberais, como Eugênio Gudin e Carlos Langoni, sempre identificaram a enorme importância que a educação tem para o desenvolvimento econômico.
Diferentemente deles, os economistas heterodoxos ou estruturalistas nunca conseguiram enxergar nenhum papel da educação para o desenvolvimento econômico. Celso Furtado, por exemplo, apesar de ter se dedicado ao tema por 40 anos e em 30 livros, em nenhum momento associou desenvolvimento à educação.
Nos últimos anos, consolidou-se o entendimento de que um sistema público de educação de qualidade é um dos elementos principais para o desenvolvimento econômico e a equidade.
Mais recentemente, a economia acadêmica vem reconhecendo a enorme importância dos primeiros anos de vida e de um ambiente doméstico estruturado para preparar a criança para a escola formal.
James Heckman, Prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Chicago, tem acumulado conjunto impressionante de evidências nessa direção. O leitor interessado pode consultar o link heckmanequation.org/blog ou a página do economista brasileiro Flávio Cunha (flaviocunha.com).
Sabe-se que, nos primeiros anos de vida, as habilidades cognitivas, essencialmente pensamento analítico, e as não cognitivas, esforço e persistência, capacidade de suportar frustração, autoestima etc., são desenvolvidas. Se o ambiente doméstico nos primeiros anos de vida não for propício para o desenvolvimento desse conjunto de capacidades, o desempenho escolar será comprometido.
Assim, o maior desafio de nossa sociedade será desenhar políticas públicas que retirem a "ralé", 1/3 da população aproximadamente, segundo Jessé, da armadilha de pobreza em que se encontra.
Sinal auspicioso é que a esquerda parece ter descoberto algo que a direita já sabia há muito tempo.
Metas para o pós-Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 03/07
Toda aposta séria na retomada do crescimento econômico depende, hoje, de uma hipótese crucial: a transformação do governo provisório em definitivo. O impeachment da presidente Dilma Rousseff é parte do cenário básico, embora essa condição nem sempre seja explicitada pelos analistas do mercado ou mesmo por membros da nova equipe econômica. O quase tabu foi rompido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, numa entrevista à Agência Estado e à Rádio Estadão. “Podemos dizer com certeza que haverá crescimento, a não ser que haja reversão política muito forte, mas aí será outro quadro”, afirmou. Foi uma declaração realista, mas o desafio, é preciso reconhecer, ainda será enorme. Removido o maior entrave político, restará muito trabalho para repor o Brasil entre as economias com potencial para se expandir e, além disso, para participar da reconstrução do sistema global.
O governo, lembrou o ministro, só cumprirá esse papel se as suas previsões forem levadas a sério. A rápida aprovação da proposta de um teto para o gasto público, exemplificou, facilitará a recuperação da credibilidade. Já há sinais de expectativas melhores, como lembrou o ministro Meirelles, mas falta consolidar a confiança na economia e, em primeiro lugar, na política oficial.
Nas avaliações mais otimistas, a atividade chegou ao fundo do poço ou está muito perto da estabilização. Por isso, a variação zero da produção industrial de abril para maio, divulgada na sexta-feira, foi recebida por analistas como um dado positivo, embora o indicador tenha caído pela 27.ª vez consecutiva na comparação com o dado de um ano antes.
Segundo um economista citado pela Agência Estado, os números deverão flutuar em torno da estabilidade nos próximos meses. A volta do crescimento, acrescentou, dependerá de estímulos ainda inexistentes. A aprovação da nova regra para o gasto público poderá abrir caminho para esses estímulos e até para a redução dos juros. Um pressuposto vital, esclareceu, é o afastamento definitivo da presidente.
A criação de um horizonte claro e crível para a atividade econômica é condição apontada, de modo geral, pelos analistas citados pela imprensa. As ideias de clareza e credibilidade constituem um bom argumento a favor da decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), na quinta-feira passada, sobre a meta de inflação para 2018.
O Conselho, formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central (BC), manteve a meta de 4,5% e confirmou a redução da margem de tolerância de 2 pontos porcentuais para 1,5 ponto. Alguns podem ter recebido essa decisão como um anticlímax, talvez como sinal de timidez, mas essa interpretação é precipitada.
Muito mais do que fixar um alvo mais ambicioso para 2018, o desafio importante para a autoridade monetária, neste momento, é entregar a inflação na meta, ou muito perto de 4,5%, no fim do próximo ano. Se a política estiver claramente voltada para esse objetivo, haverá, nos próximos meses, com certeza, um ganho de credibilidade. A partir daí haverá condições muito melhores para a escolha de metas abaixo de 4,5%, mais próximas daquelas em vigor em países com melhores fundamentos econômicos.
A consolidação da confiança dependerá tanto da firmeza do BC, prometida por seu novo presidente Ilan Goldfajn, quanto do esforço de recuperação das finanças públicas. Um dos primeiros passos deve ser a definição da meta fiscal para 2017. Se for muito frouxa, será desmoralizante. Se muito apertada, o governo poderá ser forçado a pedir uma revisão, com inevitável desgaste.
A travessia até a conclusão do processo de impeachment será politicamente complicada e cheia de riscos. O presidente em exercício terá de ser capaz de manter um bom entendimento com sua base e ao mesmo tempo resistir às pressões por bondades perigosas para as contas públicas. Mas poderá avançar em algumas linhas de ação, como a política de concessões de infraestrutura – um bom caminho para destravar o investimento físico e acionar o motor do crescimento.
Toda aposta séria na retomada do crescimento econômico depende, hoje, de uma hipótese crucial: a transformação do governo provisório em definitivo. O impeachment da presidente Dilma Rousseff é parte do cenário básico, embora essa condição nem sempre seja explicitada pelos analistas do mercado ou mesmo por membros da nova equipe econômica. O quase tabu foi rompido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, numa entrevista à Agência Estado e à Rádio Estadão. “Podemos dizer com certeza que haverá crescimento, a não ser que haja reversão política muito forte, mas aí será outro quadro”, afirmou. Foi uma declaração realista, mas o desafio, é preciso reconhecer, ainda será enorme. Removido o maior entrave político, restará muito trabalho para repor o Brasil entre as economias com potencial para se expandir e, além disso, para participar da reconstrução do sistema global.
O governo, lembrou o ministro, só cumprirá esse papel se as suas previsões forem levadas a sério. A rápida aprovação da proposta de um teto para o gasto público, exemplificou, facilitará a recuperação da credibilidade. Já há sinais de expectativas melhores, como lembrou o ministro Meirelles, mas falta consolidar a confiança na economia e, em primeiro lugar, na política oficial.
Nas avaliações mais otimistas, a atividade chegou ao fundo do poço ou está muito perto da estabilização. Por isso, a variação zero da produção industrial de abril para maio, divulgada na sexta-feira, foi recebida por analistas como um dado positivo, embora o indicador tenha caído pela 27.ª vez consecutiva na comparação com o dado de um ano antes.
Segundo um economista citado pela Agência Estado, os números deverão flutuar em torno da estabilidade nos próximos meses. A volta do crescimento, acrescentou, dependerá de estímulos ainda inexistentes. A aprovação da nova regra para o gasto público poderá abrir caminho para esses estímulos e até para a redução dos juros. Um pressuposto vital, esclareceu, é o afastamento definitivo da presidente.
A criação de um horizonte claro e crível para a atividade econômica é condição apontada, de modo geral, pelos analistas citados pela imprensa. As ideias de clareza e credibilidade constituem um bom argumento a favor da decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), na quinta-feira passada, sobre a meta de inflação para 2018.
O Conselho, formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central (BC), manteve a meta de 4,5% e confirmou a redução da margem de tolerância de 2 pontos porcentuais para 1,5 ponto. Alguns podem ter recebido essa decisão como um anticlímax, talvez como sinal de timidez, mas essa interpretação é precipitada.
Muito mais do que fixar um alvo mais ambicioso para 2018, o desafio importante para a autoridade monetária, neste momento, é entregar a inflação na meta, ou muito perto de 4,5%, no fim do próximo ano. Se a política estiver claramente voltada para esse objetivo, haverá, nos próximos meses, com certeza, um ganho de credibilidade. A partir daí haverá condições muito melhores para a escolha de metas abaixo de 4,5%, mais próximas daquelas em vigor em países com melhores fundamentos econômicos.
A consolidação da confiança dependerá tanto da firmeza do BC, prometida por seu novo presidente Ilan Goldfajn, quanto do esforço de recuperação das finanças públicas. Um dos primeiros passos deve ser a definição da meta fiscal para 2017. Se for muito frouxa, será desmoralizante. Se muito apertada, o governo poderá ser forçado a pedir uma revisão, com inevitável desgaste.
A travessia até a conclusão do processo de impeachment será politicamente complicada e cheia de riscos. O presidente em exercício terá de ser capaz de manter um bom entendimento com sua base e ao mesmo tempo resistir às pressões por bondades perigosas para as contas públicas. Mas poderá avançar em algumas linhas de ação, como a política de concessões de infraestrutura – um bom caminho para destravar o investimento físico e acionar o motor do crescimento.
Estação do meio - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 03/07
O governo Temer não empolga, nem tem rejeição extremada. Nessa estação do meio em que o país está, com uma administração interina, o resultado da pesquisa de popularidade reflete sentimentos mistos em relação ao governo. Uma parte da população prefere esperar para ver o que vai dar, com muita cautela. As expectativas, embora hesitantes, estão melhores.
Na economia o país também está nesse sentimento mediano. Alguns indicadores começam a melhorar. A produção industrial mostrou estabilidade, depois de dois meses de recuperação, produzindo o melhor trimestre desde 2012. O desemprego permanece alto, mas a última pesquisa do IBGE captou uma desaceleração das demissões. A confiança das empresas e consumidores tem tido discretas melhoras. Na economia o clima é, igualmente, de esperar para ver, com um certo pé atrás.
Na pesquisa CNI/Ibope, o grupo que aponta o governo como ótimo ou bom é mínimo, como era no governo Dilma. Ficou em 13%, quando o dela era 10%. Mas a rejeição é bem menor. Dos entrevistados, 69% definiram o governo Dilma como ruim e péssimo, um recorde de rejeição. A série estatística da pesquisa mostra que o ex-presidente José Sarney, no fim de governo e auge da hiperinflação, chegou a 60% de ruim e péssimo. Fernando Collor, no caminho do impeachment, estava com 59%. Os dois tiveram taxas de rejeição menores do que a presidente afastada. Temer com um mês e meio de governo está com 39%, bem menos. Ele não teve lua de mel. É natural, pois não saiu de uma eleição. Mas, para um pouco mais de um terço, 36%, está, ainda, em observação. Para eles, é um governo regular.
O país vive em sobressalto, temendo uma nova piora. Quando se pergunta sobre os fatos lembrados do governo Temer, aparece em destaque a demissão de três ministros. Para 40% dos entrevistados as notícias são desfavoráveis ao governo. Em março, o número era 76%. Quem deu algum crédito ao governo, desaprova vários dos seus atos. Na última semana mesmo, senadores governistas criticaram a aprovação dos aumentos salariais do Judiciário. A conclusão de muitos é que não era hora. Está se pedindo sacrifícios demais à população, onde há 11 milhões e 400 mil desempregados. O governo recebeu um enorme buraco fiscal, mas não pode continuar cavando.
Quem vive no Rio, passa por uma dose dupla de aflições. Na quinta-feira, último dia de junho, os salários do mês foram pagos ao Judiciário e Ministério Público, enquanto policiais, médicos, enfermeiros, e outras categorias do Executivo não tinham recebido a segunda parcela do salário de maio. O estado aguarda a chegada dos visitantes das Olimpíadas com uma parte do coração em alarme.
Não é tempo de comemoração, mas quando se compara com a terra arrasada em que se vivia nos dias terminais de Dilma Rousseff houve melhora em alguns indicadores e discreta subida da avaliação da ação do governo. Só 31% aprovam a maneira de Temer governar, mas eram apenas 14% em março, quando a presidente era Dilma. Só 27% confiam no presidente, mas antes eram 18%.
Se a política deixar, a economia pode começar a se recuperar no fim do ano, para crescer no ano que vem. A recuperação será magra, e vai repor apenas uma parte dos mais de sete pontos percentuais do PIB que o Brasil está perdendo entre 2015 e 2016.
O governo Temer não empolga, nem tem rejeição extremada. Nessa estação do meio em que o país está, com uma administração interina, o resultado da pesquisa de popularidade reflete sentimentos mistos em relação ao governo. Uma parte da população prefere esperar para ver o que vai dar, com muita cautela. As expectativas, embora hesitantes, estão melhores.
Na economia o país também está nesse sentimento mediano. Alguns indicadores começam a melhorar. A produção industrial mostrou estabilidade, depois de dois meses de recuperação, produzindo o melhor trimestre desde 2012. O desemprego permanece alto, mas a última pesquisa do IBGE captou uma desaceleração das demissões. A confiança das empresas e consumidores tem tido discretas melhoras. Na economia o clima é, igualmente, de esperar para ver, com um certo pé atrás.
Na pesquisa CNI/Ibope, o grupo que aponta o governo como ótimo ou bom é mínimo, como era no governo Dilma. Ficou em 13%, quando o dela era 10%. Mas a rejeição é bem menor. Dos entrevistados, 69% definiram o governo Dilma como ruim e péssimo, um recorde de rejeição. A série estatística da pesquisa mostra que o ex-presidente José Sarney, no fim de governo e auge da hiperinflação, chegou a 60% de ruim e péssimo. Fernando Collor, no caminho do impeachment, estava com 59%. Os dois tiveram taxas de rejeição menores do que a presidente afastada. Temer com um mês e meio de governo está com 39%, bem menos. Ele não teve lua de mel. É natural, pois não saiu de uma eleição. Mas, para um pouco mais de um terço, 36%, está, ainda, em observação. Para eles, é um governo regular.
O país vive em sobressalto, temendo uma nova piora. Quando se pergunta sobre os fatos lembrados do governo Temer, aparece em destaque a demissão de três ministros. Para 40% dos entrevistados as notícias são desfavoráveis ao governo. Em março, o número era 76%. Quem deu algum crédito ao governo, desaprova vários dos seus atos. Na última semana mesmo, senadores governistas criticaram a aprovação dos aumentos salariais do Judiciário. A conclusão de muitos é que não era hora. Está se pedindo sacrifícios demais à população, onde há 11 milhões e 400 mil desempregados. O governo recebeu um enorme buraco fiscal, mas não pode continuar cavando.
Quem vive no Rio, passa por uma dose dupla de aflições. Na quinta-feira, último dia de junho, os salários do mês foram pagos ao Judiciário e Ministério Público, enquanto policiais, médicos, enfermeiros, e outras categorias do Executivo não tinham recebido a segunda parcela do salário de maio. O estado aguarda a chegada dos visitantes das Olimpíadas com uma parte do coração em alarme.
Não é tempo de comemoração, mas quando se compara com a terra arrasada em que se vivia nos dias terminais de Dilma Rousseff houve melhora em alguns indicadores e discreta subida da avaliação da ação do governo. Só 31% aprovam a maneira de Temer governar, mas eram apenas 14% em março, quando a presidente era Dilma. Só 27% confiam no presidente, mas antes eram 18%.
Se a política deixar, a economia pode começar a se recuperar no fim do ano, para crescer no ano que vem. A recuperação será magra, e vai repor apenas uma parte dos mais de sete pontos percentuais do PIB que o Brasil está perdendo entre 2015 e 2016.
Temer e a bolha de ilusões - VINICIUS TORRES FREIRE
Folha de S.Paulo - 03/07
Michel Temer está com o corpo fechado na praça do mercado financeiro. Para ser justo, não apenas lá.
A confiança de empresários e consumidores continuou a subir, de modo mais rápido depois do maio da ascensão temeriana. Nas pesquisas de opinião política, a avaliação positiva de Temer é tão ruim quanto a de Dilma Rousseff, mas o presidente interino é menos "péssimo".
Quanto à vida real do grosso da população, nada mudou, pelo contrário. Não seria mesmo um mês e meio de qualquer governo capaz de reverter o desastre.
Na praça do mercado, em junho consolidou-se a ligeira melhora de perspectivas. Para fazer ironia, nada ainda abala a suspensão da descrença, como se chama na crítica literária a vontade de aceitar a realidade paralela de obras de ficção, a "fé poética" em algo que tenha aparência de verdade e interesse humano, como escreveu Coleridge faz dois séculos.
De fé se trata. O plano Temer ainda é uma ficção. Em parte, espera-se que a peça seja crível porque atores da equipe econômica têm boa reputação. Em parte, porque não há alternativa até o governo de 2019.
As previsões medianas de crescimento da economia em 2017 subiram do 0,3% do imediato pré-impeachment até se estabilizarem em 1% em junho. Mas voltou-se apenas à mesma projeção do início do ano.
O pessoal da finança resolveu acreditar também na nova direção do Banco Central, ajustando juros e câmbio de acordo com as primeiras indicações de Ilan Goldfajn.
Com alguma ajuda dos donos do dinheiro grosso do mundo, o real se valorizou. O risco-país caiu algo mais, embora permaneça acima do nível de julho de 2015, pouco antes do colapso do ajuste de Dilma 1-Levy.
O que querem dizer essas projeções de PIB, juros e câmbio? Trata-se de estimativa baseada na crença de que Temer entregará o pacote básico de "reformas"? Um fracasso implicaria revertério pessimista, de volta para o passado dilmiano? Ou o sucesso suscitaria projeções melhores? Como?
Pelo andar da carruagem pelo mundo real, as coisas vão mal, apesar da luz de vela no fim do túnel no fundo do poço. O rendimento do trabalho cai, apenas um tico mais devagar, mas cai. A fatia da renda das famílias que vai para o pagamento de dívidas aumenta.
Não há sinal de retomada de investimento, que vai depender em parte de um plano de privatizações/concessões que ainda é uma epopeia impublicada. Do governo não virá nem um tico extra de investimento.
As estatais, todas arruinadas nos anos dilmianos, ficarão no estaleiro; talvez ainda causem prejuízos. Muitas das empresas do clube das 20 maiores estão metidas em rolos terríveis, policiais, judiciais ou financeiros.
Temer gasta dinheiro que o governo não tem a fim de, em tese, comprar apoio político para seu plano ainda vago. Para ficar em um só exemplo, gasta crédito político (entre a elite que o concede) em conversas com um Eduardo Cunha que será em breve presidiário ou será salvo por acordo que enlamearia de vez o governo. Fora do mercado, começam a aparecer sinais de intolerância a essas lambanças.
Há despiora agora inegável na economia. Mas apenas descemos mais devagar. Há esperança, o que é importante. Por ora, isso é quase tudo: suspensão da descrença, ilusão passageira.
Michel Temer está com o corpo fechado na praça do mercado financeiro. Para ser justo, não apenas lá.
A confiança de empresários e consumidores continuou a subir, de modo mais rápido depois do maio da ascensão temeriana. Nas pesquisas de opinião política, a avaliação positiva de Temer é tão ruim quanto a de Dilma Rousseff, mas o presidente interino é menos "péssimo".
Quanto à vida real do grosso da população, nada mudou, pelo contrário. Não seria mesmo um mês e meio de qualquer governo capaz de reverter o desastre.
Na praça do mercado, em junho consolidou-se a ligeira melhora de perspectivas. Para fazer ironia, nada ainda abala a suspensão da descrença, como se chama na crítica literária a vontade de aceitar a realidade paralela de obras de ficção, a "fé poética" em algo que tenha aparência de verdade e interesse humano, como escreveu Coleridge faz dois séculos.
De fé se trata. O plano Temer ainda é uma ficção. Em parte, espera-se que a peça seja crível porque atores da equipe econômica têm boa reputação. Em parte, porque não há alternativa até o governo de 2019.
As previsões medianas de crescimento da economia em 2017 subiram do 0,3% do imediato pré-impeachment até se estabilizarem em 1% em junho. Mas voltou-se apenas à mesma projeção do início do ano.
O pessoal da finança resolveu acreditar também na nova direção do Banco Central, ajustando juros e câmbio de acordo com as primeiras indicações de Ilan Goldfajn.
Com alguma ajuda dos donos do dinheiro grosso do mundo, o real se valorizou. O risco-país caiu algo mais, embora permaneça acima do nível de julho de 2015, pouco antes do colapso do ajuste de Dilma 1-Levy.
O que querem dizer essas projeções de PIB, juros e câmbio? Trata-se de estimativa baseada na crença de que Temer entregará o pacote básico de "reformas"? Um fracasso implicaria revertério pessimista, de volta para o passado dilmiano? Ou o sucesso suscitaria projeções melhores? Como?
Pelo andar da carruagem pelo mundo real, as coisas vão mal, apesar da luz de vela no fim do túnel no fundo do poço. O rendimento do trabalho cai, apenas um tico mais devagar, mas cai. A fatia da renda das famílias que vai para o pagamento de dívidas aumenta.
Não há sinal de retomada de investimento, que vai depender em parte de um plano de privatizações/concessões que ainda é uma epopeia impublicada. Do governo não virá nem um tico extra de investimento.
As estatais, todas arruinadas nos anos dilmianos, ficarão no estaleiro; talvez ainda causem prejuízos. Muitas das empresas do clube das 20 maiores estão metidas em rolos terríveis, policiais, judiciais ou financeiros.
Temer gasta dinheiro que o governo não tem a fim de, em tese, comprar apoio político para seu plano ainda vago. Para ficar em um só exemplo, gasta crédito político (entre a elite que o concede) em conversas com um Eduardo Cunha que será em breve presidiário ou será salvo por acordo que enlamearia de vez o governo. Fora do mercado, começam a aparecer sinais de intolerância a essas lambanças.
Há despiora agora inegável na economia. Mas apenas descemos mais devagar. Há esperança, o que é importante. Por ora, isso é quase tudo: suspensão da descrença, ilusão passageira.
A receita das privatizações - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 03/07
Para matar dois coelhos com uma só cajadada e fazer um bom guisado para o sofrido povo brasileiro há uma receita. (a) Privatizar o que for possível ou dar em concessão o fornecimento de gás, energia, esgoto, saneamento, administração de águas, portos, aeroportos, estradas, hidrovias, enfim tudo o que caracterizar atividade econômica ou serviço essencial à população, sob a regulação do Estado, como ocorre nos EUA, onde os preços são três vezes menores do que os nossos, na média; e (b) diminuir o tamanho do Estado, nos três níveis da Federação (União, estados e municípios) e no plano dos Três Poderes. Recentemente, veio à baila o gasto do Superior Tribunal de Justiça, o que certamente deve se repetir nos demais tribunais, incluindo os tribunais do Trabalho, os tribunais estaduais de Justiça e por aí vamos, enquanto os juízes monocráticos, quer federais, quer estaduais se aguentam com o mínimo indispensável, em ganhos pessoais e material de trabalho. Do Poder Legislativo nem é bom falar. Em nível federal e relativamente a estados e municípios, a corrupção corre solta, em detrimento do povo. Se diminuíssimos em 70% seus sobregastos, estaríamos perto do custo necessário para os entes estatais nos servirem, que para isso existem.
Os vendedores de materiais aos entes estatais e paraestatais, só para exemplificar, vendem mais caro e muito mais do que é necessário (para acomodar as propinas). Nos legislativos federal, estaduais e municipais, uns tantos legisladores - não todos - para aprovar projetos que não sejam de iniciativa do Executivo, com carimbo de urgência, costumam cobrar significativas cifras. É prática corriqueira sobre ser vergonhosa. É criar as carreiras de Estado, diplomacia, polícias, as mais diversas, arrecadação de tributos, forças armadas, justiça, ministério público etc., e reduzir o descomunal aparato estatal, além do mais parasitário. O governo não cabe orçamento do país nem este dá conta da Nação. A isso devemos chamar de a reforma do Estado, incluindo as empresas estatais. Devemos privatizar, já se disse, rapidamente a maioria delas. A minha prioridade é precisamente a Petrobras para quebrar o seu "espírito de corpo", e dar o exemplo, mandando para o espaço sideral o nacionalismo do século 20, coisa superada.
A redução do tamanho do Estado como rascunhado aqui traria triplo benefício à sociedade brasileira: (a) diminuição do gasto público de agora em diante, contribuindo para combater o deficit que canceriza as contas públicas da União e dos Estados (gastam mais do que arrecadam) e (b) evitar a sistemática corrupção que o estado paquidérmico e incontrolável propícia, sem dúvida estrutural, longe de ser apenas questão ética (como a ingenuidade cândida dos brasileiros imagina). (c) Sobremais aumentaria a eficácia das estatais privatizadas, permitindo ao governo engordar os recursos do Tesouro Nacional. O Estado é um mal necessário; seu gigantismo uma insensatez. Rússia e China fazem o possível para se livrarem do seu tamanho, em que pese a séria resistência dos "estatistas" empedernidos, como ocorre aqui. Urge arejar a mentalidade política do país. Vamos Temer, faça-nos essa privatização logo e entre para a história.
Na revista Veja de 22 de junho, Roberto Pompeu de Toledo broslou a lógica perversa do estado brasileiro: "1) Políticos indicam pessoas para cargos em empresas estatais e órgãos públicos e querem o maior volume possível de recursos ilícitos, tanto para campanhas eleitorais quanto para outras finalidades. 2) Empresas querem contratos e neles as maiores vantagens possíveis por meio de aditivos contratuais. 3) Gestores têm duas necessidades: uma, a de bem administrar a empresa (?), e outra, a de arrecadar propina para os políticos que os indicaram". A interrogação é nossa. Desde quando a Transpetro, a Petrobras, a Nucleobras, a Eletrobras, os Correios foram bem administrados por PT, Lula e Dilma, que fizeram em todos eles uma lambança sem fim?
Portanto, para esse nó górdio somente o gume aguçado da espada da privatização é capaz de romper. Mas tem um problema. Desde o colunista citado, figura exponencial, o PMDB, passando pelo PSDB até o DEM, ninguém fala nisso. Somos viciados em estatais e na crença do Estado onipresente menos o partido novo, já criado, sequer noticiado pela mídia. Sintam-se convidados. Ô Partido Novo, arranje-nos logo um diretor de marketing e um líder de prôa, para se fazer conhecido. Miremos os EUA, a Alemanha e o Japão. Nenhum deles é estatista, são adeptos da iniciativa privada. A China seguiu-lhes os passos. É o que devemos fazer e logo. O tempo urge. Precisamos e podemos crescer a bem de toda a sociedade. O tempo das ideologias é coisa do passado. Se o capitalismo é um mal porque as 10 maiores economias são capitalistas? E são democracias, mesmo com o deficit da China, a segunda maior.
Para matar dois coelhos com uma só cajadada e fazer um bom guisado para o sofrido povo brasileiro há uma receita. (a) Privatizar o que for possível ou dar em concessão o fornecimento de gás, energia, esgoto, saneamento, administração de águas, portos, aeroportos, estradas, hidrovias, enfim tudo o que caracterizar atividade econômica ou serviço essencial à população, sob a regulação do Estado, como ocorre nos EUA, onde os preços são três vezes menores do que os nossos, na média; e (b) diminuir o tamanho do Estado, nos três níveis da Federação (União, estados e municípios) e no plano dos Três Poderes. Recentemente, veio à baila o gasto do Superior Tribunal de Justiça, o que certamente deve se repetir nos demais tribunais, incluindo os tribunais do Trabalho, os tribunais estaduais de Justiça e por aí vamos, enquanto os juízes monocráticos, quer federais, quer estaduais se aguentam com o mínimo indispensável, em ganhos pessoais e material de trabalho. Do Poder Legislativo nem é bom falar. Em nível federal e relativamente a estados e municípios, a corrupção corre solta, em detrimento do povo. Se diminuíssimos em 70% seus sobregastos, estaríamos perto do custo necessário para os entes estatais nos servirem, que para isso existem.
Os vendedores de materiais aos entes estatais e paraestatais, só para exemplificar, vendem mais caro e muito mais do que é necessário (para acomodar as propinas). Nos legislativos federal, estaduais e municipais, uns tantos legisladores - não todos - para aprovar projetos que não sejam de iniciativa do Executivo, com carimbo de urgência, costumam cobrar significativas cifras. É prática corriqueira sobre ser vergonhosa. É criar as carreiras de Estado, diplomacia, polícias, as mais diversas, arrecadação de tributos, forças armadas, justiça, ministério público etc., e reduzir o descomunal aparato estatal, além do mais parasitário. O governo não cabe orçamento do país nem este dá conta da Nação. A isso devemos chamar de a reforma do Estado, incluindo as empresas estatais. Devemos privatizar, já se disse, rapidamente a maioria delas. A minha prioridade é precisamente a Petrobras para quebrar o seu "espírito de corpo", e dar o exemplo, mandando para o espaço sideral o nacionalismo do século 20, coisa superada.
A redução do tamanho do Estado como rascunhado aqui traria triplo benefício à sociedade brasileira: (a) diminuição do gasto público de agora em diante, contribuindo para combater o deficit que canceriza as contas públicas da União e dos Estados (gastam mais do que arrecadam) e (b) evitar a sistemática corrupção que o estado paquidérmico e incontrolável propícia, sem dúvida estrutural, longe de ser apenas questão ética (como a ingenuidade cândida dos brasileiros imagina). (c) Sobremais aumentaria a eficácia das estatais privatizadas, permitindo ao governo engordar os recursos do Tesouro Nacional. O Estado é um mal necessário; seu gigantismo uma insensatez. Rússia e China fazem o possível para se livrarem do seu tamanho, em que pese a séria resistência dos "estatistas" empedernidos, como ocorre aqui. Urge arejar a mentalidade política do país. Vamos Temer, faça-nos essa privatização logo e entre para a história.
Na revista Veja de 22 de junho, Roberto Pompeu de Toledo broslou a lógica perversa do estado brasileiro: "1) Políticos indicam pessoas para cargos em empresas estatais e órgãos públicos e querem o maior volume possível de recursos ilícitos, tanto para campanhas eleitorais quanto para outras finalidades. 2) Empresas querem contratos e neles as maiores vantagens possíveis por meio de aditivos contratuais. 3) Gestores têm duas necessidades: uma, a de bem administrar a empresa (?), e outra, a de arrecadar propina para os políticos que os indicaram". A interrogação é nossa. Desde quando a Transpetro, a Petrobras, a Nucleobras, a Eletrobras, os Correios foram bem administrados por PT, Lula e Dilma, que fizeram em todos eles uma lambança sem fim?
Portanto, para esse nó górdio somente o gume aguçado da espada da privatização é capaz de romper. Mas tem um problema. Desde o colunista citado, figura exponencial, o PMDB, passando pelo PSDB até o DEM, ninguém fala nisso. Somos viciados em estatais e na crença do Estado onipresente menos o partido novo, já criado, sequer noticiado pela mídia. Sintam-se convidados. Ô Partido Novo, arranje-nos logo um diretor de marketing e um líder de prôa, para se fazer conhecido. Miremos os EUA, a Alemanha e o Japão. Nenhum deles é estatista, são adeptos da iniciativa privada. A China seguiu-lhes os passos. É o que devemos fazer e logo. O tempo urge. Precisamos e podemos crescer a bem de toda a sociedade. O tempo das ideologias é coisa do passado. Se o capitalismo é um mal porque as 10 maiores economias são capitalistas? E são democracias, mesmo com o deficit da China, a segunda maior.
Abuso das autoridades - DORA KRAMER
O Estado de S. Paulo - 03/07
Avaliação corrente no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional é a de que já foi possível, mas hoje não há mais chance de sucesso de qualquer acordo de troca da renúncia de Eduardo Cunha da presidência da Câmara pela manutenção do mandato de deputado, por falta de parlamentares dispostos ao suicídio político/eleitoral em sessão plenária com voto aberto.
Em outros tempos - aliás, não faz muito tempo, foi no ano de 2007 - o Senado aceitou escambo dessa natureza. Trocou a cassação de Renan Calheiros pela renúncia dele à presidência da Casa.
Assim como Cunha, Calheiros havia mentido aos seus pares, quando apresentou documentação fraudulenta para “comprovar” que tinha fontes de rendas lícitas o bastante para pagar a pensão alimentícia de uma filha, cujo sustento era, na verdade, garantido pela empreiteira Mendes Júnior.
Calheiros safou-se por 40 votos contra 35, em sessão fechada e votação secreta. Nesse período de menos de 10 anos, foi eleito de novo presidente do Senado e acumulou a carga pesada de 12 inquéritos no Supremo Tribunal Federal, sendo nove em decorrência do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato.
De onde os senadores podem dizer qualquer coisa, menos que a cigana os enganou a respeito da qualidade moral de seu comandante.
Pois é este notório e experimentado personagem que defende a aprovação de um projeto de lei para coibir abuso de autoridade por parte de investigadores. Calheiros, investido da condição de defensor dos direitos e garantias do cidadão parlamentar, considera urgente dotar o País de legislação restritiva à ação de investigadores.
Longe dele, segundo alega, qualquer reação às operações em curso. “Ninguém vai interferir na Lava Jato. Esse discurso de que as pessoas querem interferir é um discurso político. Essa investigação está caminhando, já quebrou sigilo de muita gente, tem muita gente presa. E, a essa altura, há uma pressão muito grande da sociedade de que (sic) essas coisas se esclareçam. Só vai separar o joio do trigo”, declarou o probo senador.
Para, em seguida, defender a imposição de “regras” ao instituto da delação premiada. Na opinião dele, tal como está a lei serve de incentivo ao crime.
Essa interpretação não por acaso é compartilhada por advogados criminalistas, cuja função anda bastante prejudicada com a decisão de seus clientes em delatar.
Argumentam que o “prêmio” alimenta do crime, pois a possibilidade da delação criaria nos potenciais criminosos uma expectativa de impunidade.
Convenientemente, porém, deixam de lado o fato: produto da delação é a punição. Da ameaça de penalidade que agora atinge políticos é que Renan Calheiros pretende fugir com sua proposta pretensamente “democrática”.
Democracia real houvesse na ideia do senador, bastaria a ele cumprir o artigo 5º da Constituição:
“Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País o direito inviolável à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade”. Simples assim.
O cumprimento desse preceito bastaria para atender aos alegados anseios do senador, cujo pendor democrático está diretamente ligado ao risco de ser preso se, como Eduardo Cunha, perder o privilégio do foro. Mais que isso é abuso de autoridade não autorizada. Renan pensa que está imune, mas não está. Nem nunca estará.
Avaliação corrente no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional é a de que já foi possível, mas hoje não há mais chance de sucesso de qualquer acordo de troca da renúncia de Eduardo Cunha da presidência da Câmara pela manutenção do mandato de deputado, por falta de parlamentares dispostos ao suicídio político/eleitoral em sessão plenária com voto aberto.
Em outros tempos - aliás, não faz muito tempo, foi no ano de 2007 - o Senado aceitou escambo dessa natureza. Trocou a cassação de Renan Calheiros pela renúncia dele à presidência da Casa.
Assim como Cunha, Calheiros havia mentido aos seus pares, quando apresentou documentação fraudulenta para “comprovar” que tinha fontes de rendas lícitas o bastante para pagar a pensão alimentícia de uma filha, cujo sustento era, na verdade, garantido pela empreiteira Mendes Júnior.
Calheiros safou-se por 40 votos contra 35, em sessão fechada e votação secreta. Nesse período de menos de 10 anos, foi eleito de novo presidente do Senado e acumulou a carga pesada de 12 inquéritos no Supremo Tribunal Federal, sendo nove em decorrência do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato.
De onde os senadores podem dizer qualquer coisa, menos que a cigana os enganou a respeito da qualidade moral de seu comandante.
Pois é este notório e experimentado personagem que defende a aprovação de um projeto de lei para coibir abuso de autoridade por parte de investigadores. Calheiros, investido da condição de defensor dos direitos e garantias do cidadão parlamentar, considera urgente dotar o País de legislação restritiva à ação de investigadores.
Longe dele, segundo alega, qualquer reação às operações em curso. “Ninguém vai interferir na Lava Jato. Esse discurso de que as pessoas querem interferir é um discurso político. Essa investigação está caminhando, já quebrou sigilo de muita gente, tem muita gente presa. E, a essa altura, há uma pressão muito grande da sociedade de que (sic) essas coisas se esclareçam. Só vai separar o joio do trigo”, declarou o probo senador.
Para, em seguida, defender a imposição de “regras” ao instituto da delação premiada. Na opinião dele, tal como está a lei serve de incentivo ao crime.
Essa interpretação não por acaso é compartilhada por advogados criminalistas, cuja função anda bastante prejudicada com a decisão de seus clientes em delatar.
Argumentam que o “prêmio” alimenta do crime, pois a possibilidade da delação criaria nos potenciais criminosos uma expectativa de impunidade.
Convenientemente, porém, deixam de lado o fato: produto da delação é a punição. Da ameaça de penalidade que agora atinge políticos é que Renan Calheiros pretende fugir com sua proposta pretensamente “democrática”.
Democracia real houvesse na ideia do senador, bastaria a ele cumprir o artigo 5º da Constituição:
“Todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza, garantido aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País o direito inviolável à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade”. Simples assim.
O cumprimento desse preceito bastaria para atender aos alegados anseios do senador, cujo pendor democrático está diretamente ligado ao risco de ser preso se, como Eduardo Cunha, perder o privilégio do foro. Mais que isso é abuso de autoridade não autorizada. Renan pensa que está imune, mas não está. Nem nunca estará.
Imorais honorários - EDITORIALO ESTADÃO
O ESTADÃO - 03/07
Diz a Constituição Federal que a administração pública deve ser regida pelos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No entanto, tramita no Congresso projeto de lei que aponta para sentido diametralmente oposto. Fruto do corporativismo, ele coloca a estrutura do Estado a serviço de algumas carreiras jurídicas públicas. Ao invés de servir o Estado, o servidor jurídico passa a ser servido pelo Estado.
Apresentado em 31 de dezembro de 2015 pelo Poder Executivo, o Projeto de Lei 4.254 altera regras relativas ao funcionalismo público, desde remuneração até requisitos de acesso a cargos públicos e reestruturação de carreiras. Entre os pontos tratados no projeto, está a recepção de honorários advocatícios por advogados públicos do Poder Executivo.
Segundo a justificativa apresentada, o projeto de lei apenas regulamenta aquilo que já foi definido pelo novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015): “Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”.
É verdade que o desvio começou na aprovação do novo Código de Processo Civil. No entanto, a regulamentação proposta no Projeto de Lei 4.254 - já aprovado pela Câmara e atualmente em análise pelo Senado Federal, sob o n.º 36/2016 -, além de escancarar a imoralidade de atribuir honorários advocatícios a agentes públicos que já recebem regularmente seus proventos, inverte a própria lógica do poder público, ao colocar o Estado a serviço do servidor público.
Por exemplo, o art. 33 do projeto cria o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), vinculado à Advocacia-Geral da União, cuja função será “operacionalizar” e fiscalizar a correta destinação dos honorários advocatícios entre as carreiras de advogado da União, procurador da Fazenda Nacional, procurador federal, procurador do Banco Central e quadros suplementares.
A criação do novo órgão significaria que recursos públicos serão destinados para fins privados, já que a recepção de honorários advocatícios é de interesse particular do servidor. A distorção fica ainda mais evidente quando o projeto de lei estabelece que a participação no CCHA será considerada “serviço público relevante”. Na verdade, os membros do novo órgão atuarão em nome de seus interesses, e não do interesse público.
É de reconhecer que a mera atribuição de honorários advocatícios a advogados públicos já havia introduzido um elemento conflituoso na condução dos processos judiciais envolvendo o poder público. Tais ações já não mais representam apenas o interesse público. Tendo em vista os possíveis honorários delas decorrentes, os advogados públicos passam a ter também um direto interesse sobre o resultado dessas ações. Ou seja, tem-se um novo critério - o valor econômico das causas - a influenciar o trabalho dos causídicos públicos, e isso nem sempre reflete com acuidade o interesse público. Pode haver ações com um valor econômico pequeno - e, portanto, com honorários advocatícios não muito significativos -, mas de alto interesse público.
Como se fosse pouco, a regulamentação proposta potencializa esse conflito de interesse. O projeto de lei estabelece um rateio dos honorários segundo o questionável critério de tempo de serviço, para os servidores ativos, e de aposentadoria, para os inativos. Na prática, forma-se um fundo de honorários, a ser distribuído entre os ocupantes ativos e inativos das carreiras jurídicas. Ou seja, o conflito de interesses não se dará apenas no plano pessoal de cada advogado público. Cria-se um sistema que permite a pressão de toda uma categoria para priorizar o interesse privado de seus membros em detrimento do interesse público.
As pretensões corporativistas vêm sempre acompanhadas da promessa de que a corporação se contentará com o que está recebendo no momento, sem pedidos adicionais. A experiência indica, porém, o contrário. A melhor forma de evitar problemas futuros é não ceder no presente.
Diz a Constituição Federal que a administração pública deve ser regida pelos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No entanto, tramita no Congresso projeto de lei que aponta para sentido diametralmente oposto. Fruto do corporativismo, ele coloca a estrutura do Estado a serviço de algumas carreiras jurídicas públicas. Ao invés de servir o Estado, o servidor jurídico passa a ser servido pelo Estado.
Apresentado em 31 de dezembro de 2015 pelo Poder Executivo, o Projeto de Lei 4.254 altera regras relativas ao funcionalismo público, desde remuneração até requisitos de acesso a cargos públicos e reestruturação de carreiras. Entre os pontos tratados no projeto, está a recepção de honorários advocatícios por advogados públicos do Poder Executivo.
Segundo a justificativa apresentada, o projeto de lei apenas regulamenta aquilo que já foi definido pelo novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015): “Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”.
É verdade que o desvio começou na aprovação do novo Código de Processo Civil. No entanto, a regulamentação proposta no Projeto de Lei 4.254 - já aprovado pela Câmara e atualmente em análise pelo Senado Federal, sob o n.º 36/2016 -, além de escancarar a imoralidade de atribuir honorários advocatícios a agentes públicos que já recebem regularmente seus proventos, inverte a própria lógica do poder público, ao colocar o Estado a serviço do servidor público.
Por exemplo, o art. 33 do projeto cria o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), vinculado à Advocacia-Geral da União, cuja função será “operacionalizar” e fiscalizar a correta destinação dos honorários advocatícios entre as carreiras de advogado da União, procurador da Fazenda Nacional, procurador federal, procurador do Banco Central e quadros suplementares.
A criação do novo órgão significaria que recursos públicos serão destinados para fins privados, já que a recepção de honorários advocatícios é de interesse particular do servidor. A distorção fica ainda mais evidente quando o projeto de lei estabelece que a participação no CCHA será considerada “serviço público relevante”. Na verdade, os membros do novo órgão atuarão em nome de seus interesses, e não do interesse público.
É de reconhecer que a mera atribuição de honorários advocatícios a advogados públicos já havia introduzido um elemento conflituoso na condução dos processos judiciais envolvendo o poder público. Tais ações já não mais representam apenas o interesse público. Tendo em vista os possíveis honorários delas decorrentes, os advogados públicos passam a ter também um direto interesse sobre o resultado dessas ações. Ou seja, tem-se um novo critério - o valor econômico das causas - a influenciar o trabalho dos causídicos públicos, e isso nem sempre reflete com acuidade o interesse público. Pode haver ações com um valor econômico pequeno - e, portanto, com honorários advocatícios não muito significativos -, mas de alto interesse público.
Como se fosse pouco, a regulamentação proposta potencializa esse conflito de interesse. O projeto de lei estabelece um rateio dos honorários segundo o questionável critério de tempo de serviço, para os servidores ativos, e de aposentadoria, para os inativos. Na prática, forma-se um fundo de honorários, a ser distribuído entre os ocupantes ativos e inativos das carreiras jurídicas. Ou seja, o conflito de interesses não se dará apenas no plano pessoal de cada advogado público. Cria-se um sistema que permite a pressão de toda uma categoria para priorizar o interesse privado de seus membros em detrimento do interesse público.
As pretensões corporativistas vêm sempre acompanhadas da promessa de que a corporação se contentará com o que está recebendo no momento, sem pedidos adicionais. A experiência indica, porém, o contrário. A melhor forma de evitar problemas futuros é não ceder no presente.
Vanguarda do atraso - ELIANE CANTANHÊDE
O ESTADÃO - 03/07
Rússia, Índia, África do Sul, Nigéria, México e mesmo a China, segunda maior economia do mundo, são países considerados emergentes e muito corruptos, como o Brasil. Mas com uma diferença: o Brasil é o único que está dando o exemplo, remexendo suas entranhas, expondo seus podres e discutindo ardentemente como construir um futuro mais decente. Onde mais se veem os maiores empreiteiros presos, os principais políticos denunciados, as instituições tão determinadas?
Com tanto dinheiro desviado dos cofres públicos, em tantas frentes e com tão variados personagens, é razoável dizer que o Brasil ganhou a medalha de ouro da corrupção antes mesmo da Olimpíada, como ironizou o jornal de mais prestígio no mundo, o The New York Times. Mas a avaliação ficaria mais correta e seria mais justa se também incluísse o Brasil como forte candidato a vencer a corrida contra a corrupção. O troféu é a Lava Jato.
Em contatos com embaixadas estrangeiras em Brasília, inclusive a dos Estados Unidos, a Transparência Internacional disse que o Brasil é um “case” a ser estudado, e nas duas pontas: como foi possível chegar a tal nível de corrupção? E como é o processo que permite descobrir tudo, expor ao público e começar a punir os culpados? A terceira ponta exige uma reflexão bem mais complexa: quais serão as consequências, o que vem em seguida?
Foi possível chegar a esse tsunami de corrupção porque a lei do país permite e às vezes até estimula, as regras de controle das estatais e das corporações são frouxas e a impunidade para ricos e poderosos impera. Quando roubar é fácil, muita gente passa a roubar. E, quando muita gente rouba, o céu é o limite. Daí porque, onde o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal e a Justiça põem o dedo, acham um tumor milionário ou bilionário. Até no crédito consignado, até na Lei Rouanet.
O processo de identificar, comprovar, expor e punir está avançadíssimo. A Lava Jato passou a ser uma operação-mãe, que produz robustos filhotes, como Zelotes, Custo Brasil, Boca Livre, Turbulência e Saqueador. E o juiz Sérgio Moro não está mais sozinho. Em São Paulo, Brasília, Recife e no Rio desabrocham juízes, procuradores e promotores de uma geração que soma vontade com a capacidade.
Os políticos se sentiam a salvo quando o pau quebrava na cabeça dos “outros”, os empreiteiros, funcionários e operadores, mas o “timing” pode se virar contra eles, que entram na mira justamente quando a opinião pública, estarrecida com o tamanho dos desvios, quer sangue e pelotões de fuzilamento. A justiça chega aos políticos quando a paciência se esgotou e, com ela, o cuidado, a frieza e o bom senso. O risco, principalmente na mídia, é por todo mundo no mesmo paredão e atirar indistintamente.
A Odebrecht, por exemplo, doou para centenas de políticos, em dezenas de campanhas. Toda doação é propina? Todo político é ladrão? Se fosse assim, seria melhor fechar o Congresso, jogar fora a chave da democracia e instalar uma ditadura. Quando, aliás, não há “lava jatos”. Ninguém fica sabendo quem é corrupto, quanto rouba, de onde rouba. O sangue e os pelotões de fuzilamento são por razões muito diferentes do combate à corrupção.
Desde as históricas manifestações de junho de 2013, chegamos ao momento mais delicado desse fantástico processo que põe o Brasil na vanguarda dos países emergentes. Fuzilar todos é explodir tudo. Denunciar práticas e punir quem merece é implodir o que tem de ser implodido e construir pontes para o futuro. Nem toda doação de campanha é crime, nem todos são iguais.
Aliás... O MP reconheceu o erro e o STF retirou o ministro da Educação, Mendonça Filho, de um inquérito sobre propina. Mas ele já tinha sido manchete, já tinha sido colocado no paredão da opinião pública. Deve ou não ser fuzilado?
Rússia, Índia, África do Sul, Nigéria, México e mesmo a China, segunda maior economia do mundo, são países considerados emergentes e muito corruptos, como o Brasil. Mas com uma diferença: o Brasil é o único que está dando o exemplo, remexendo suas entranhas, expondo seus podres e discutindo ardentemente como construir um futuro mais decente. Onde mais se veem os maiores empreiteiros presos, os principais políticos denunciados, as instituições tão determinadas?
Com tanto dinheiro desviado dos cofres públicos, em tantas frentes e com tão variados personagens, é razoável dizer que o Brasil ganhou a medalha de ouro da corrupção antes mesmo da Olimpíada, como ironizou o jornal de mais prestígio no mundo, o The New York Times. Mas a avaliação ficaria mais correta e seria mais justa se também incluísse o Brasil como forte candidato a vencer a corrida contra a corrupção. O troféu é a Lava Jato.
Em contatos com embaixadas estrangeiras em Brasília, inclusive a dos Estados Unidos, a Transparência Internacional disse que o Brasil é um “case” a ser estudado, e nas duas pontas: como foi possível chegar a tal nível de corrupção? E como é o processo que permite descobrir tudo, expor ao público e começar a punir os culpados? A terceira ponta exige uma reflexão bem mais complexa: quais serão as consequências, o que vem em seguida?
Foi possível chegar a esse tsunami de corrupção porque a lei do país permite e às vezes até estimula, as regras de controle das estatais e das corporações são frouxas e a impunidade para ricos e poderosos impera. Quando roubar é fácil, muita gente passa a roubar. E, quando muita gente rouba, o céu é o limite. Daí porque, onde o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal e a Justiça põem o dedo, acham um tumor milionário ou bilionário. Até no crédito consignado, até na Lei Rouanet.
O processo de identificar, comprovar, expor e punir está avançadíssimo. A Lava Jato passou a ser uma operação-mãe, que produz robustos filhotes, como Zelotes, Custo Brasil, Boca Livre, Turbulência e Saqueador. E o juiz Sérgio Moro não está mais sozinho. Em São Paulo, Brasília, Recife e no Rio desabrocham juízes, procuradores e promotores de uma geração que soma vontade com a capacidade.
Os políticos se sentiam a salvo quando o pau quebrava na cabeça dos “outros”, os empreiteiros, funcionários e operadores, mas o “timing” pode se virar contra eles, que entram na mira justamente quando a opinião pública, estarrecida com o tamanho dos desvios, quer sangue e pelotões de fuzilamento. A justiça chega aos políticos quando a paciência se esgotou e, com ela, o cuidado, a frieza e o bom senso. O risco, principalmente na mídia, é por todo mundo no mesmo paredão e atirar indistintamente.
A Odebrecht, por exemplo, doou para centenas de políticos, em dezenas de campanhas. Toda doação é propina? Todo político é ladrão? Se fosse assim, seria melhor fechar o Congresso, jogar fora a chave da democracia e instalar uma ditadura. Quando, aliás, não há “lava jatos”. Ninguém fica sabendo quem é corrupto, quanto rouba, de onde rouba. O sangue e os pelotões de fuzilamento são por razões muito diferentes do combate à corrupção.
Desde as históricas manifestações de junho de 2013, chegamos ao momento mais delicado desse fantástico processo que põe o Brasil na vanguarda dos países emergentes. Fuzilar todos é explodir tudo. Denunciar práticas e punir quem merece é implodir o que tem de ser implodido e construir pontes para o futuro. Nem toda doação de campanha é crime, nem todos são iguais.
Aliás... O MP reconheceu o erro e o STF retirou o ministro da Educação, Mendonça Filho, de um inquérito sobre propina. Mas ele já tinha sido manchete, já tinha sido colocado no paredão da opinião pública. Deve ou não ser fuzilado?
Enigmas e cenários - FERNANDO GABEIRA
O GLOBO - 03/07
De novo na estrada mas preocupado com o Rio. Ao longo de observação e conversas, acho difícil os serviços públicos voltarem a funcionar na plenitude em curto prazo de tempo. Tenho a sensação, confirmada pelos números, de que os crimes crescem e o poder da polícia esmorece. Todas as vezes em que o Estado fraqueja, penso no papel da sociedade. Existe sempre o forte argumento de que é uma função do governo, pago com os impostos para garantir a segurança pública. Mas o que fazer quando o Estado está na lona?
Moradores do Catete compraram papel higiênico para a delegacia funcionar. Eles se uniram para evitar o pior. Mas o leque de possibilidades de intervenção social é mais promissor no campo de mecanismos de autodefesa. Nos últimos anos, comecei a olhar para o smartphone e me perguntar: o que é possível fazer com ele para aumentar a segurança do indivíduo?
Há cerca de dois anos, pensava num aplicativo que pudesse ser uma espécie de conselheiro de segurança, sobretudo mapeando áreas perigosas. Os dispositivos que existem trabalham em tempo real orientando o trânsito. Um roteiro de segurança depende de dados confiáveis sobre a taxa de incidentes ao longo do caminho. Há uma razão para vencer a resistência em registrar um assalto na delegacia, motivada pela desesperança na ação policial: um simples dado é importante para todos.
Um aplicativo voltado para a segurança poderia incluir também ícones de alarme, indicando o tipo de perigo, a localização da pessoa. Meus devaneios são secundários. O importante é que as pessoas que realmente trabalhem com o tema encontrem os múltiplos caminhos e as ferramentas de autodefesa através da informação.
Aplicativos como o Waze já indicam em cores os congestionamentos. Mas estão abertos para comentários, de modo geral sobre a fluidez do trânsito. Eles precisam absorver essa dimensão de segurança pois volta e meia jogam os motoristas em lugares dominados pelo tráfico de drogas. Tanto os territórios dominados pelo tráfico como pelas milícias são mapeáveis. Isso já fizemos, mas hoje deve estar tudo embaralhado. Na Zona Oeste há milícias que vendem territórios umas para as outras ou até para o tráfico.
O lugar em que a jovem médica Gisela Palhares foi assassinada, na Linha Vermelha, já tinha sido cenário de quatro assaltos. Deveria ser um pontinho luminoso, indicando perigo num roteiro de segurança. Vi muitas crises de violência urbana, o entusiasmo com as UPPs, uma euforia com a tomada do Complexo do Alemão, todas carregadas de esperança numa solução durável.
A crise atual acontece num momento de crise econômica, quebradeira do estado, véspera de Olimpíada. Não há solução durável no horizonte. É por sentir essa sensação de aperto que olho para o smartphone com alguma expectativa. Por que desprezá-lo? O fato novo que propiciou é uma sociedade com uma extensa capacidade de se informar. O que significa também instrumentos para melhor se defender. É uma contingência. Não significa substituir o Estado, nem deixar de exigir serviços decentes. Apesar da quebradeira, o estado ainda detém importantes instrumentos tecnológicos no seu centro de comando e controle. Poderia ser um grande parceiro nesse fluxo de informações, alertas, enfim entrar numa outra dimensão da luta pela segurança. Numa entrevista, José Mariano Beltrame me declarou que as UPPS eram apenas uma anestesia pois o projeto de recuperar socialmente os lugares ocupados não vingou. E o efeito da anestesia está passando.
Quando me atrevo a pensar em segurança, algo inevitável para quem trabalha na rua, sei que um abraço na tecnologia da informação não resolve os problemas de fundo. Mas é o velho dilema que nos persegue: o que fazer enquanto não se resolvem os problemas de fundo? Talvez seja prematuro refletir sobre isto antes da Olimpíada, quando se espera um alívio temporário. A Copa do Mundo já passou, e a vida continuou do mesmo jeito ou pior. Esses eventos não têm o condão mágico de resolver problemas.
Depois da Olimpíada, a realidade vai aparecer com toda a crueza. Quando começo a olhar para o telefone e a perguntar o que pode fazer por mim é porque a situação está brava ou, pelo menos, parece estar. Daí a necessidade de pensar cenários de crise, alguns remédios. A crescente violência urbana pode suscitar uma série de visões extremadas mas ao mesmo tempo atraentes pela sua simplicidade.
Depois do que aconteceu com a União Europeia, com a saída do Reino Unido, constatei mais uma vez que nem sempre uma posição mais racional triunfa, que a História não tem um script linear. O Brasil vive um período vulnerável. Estado falido, sistema político falido. De alguns políticos, com a ajuda da Lava-Jato, a sociedade está a caminho de se livrar. No entanto, não pode se livrar facilmente dos estragos que deixaram no seu rastro. É um grande desafio para ela: com a falência estatal precisa preencher parte das atribuições do governo. E ainda ter serenidade. Haja paciência.
De novo na estrada mas preocupado com o Rio. Ao longo de observação e conversas, acho difícil os serviços públicos voltarem a funcionar na plenitude em curto prazo de tempo. Tenho a sensação, confirmada pelos números, de que os crimes crescem e o poder da polícia esmorece. Todas as vezes em que o Estado fraqueja, penso no papel da sociedade. Existe sempre o forte argumento de que é uma função do governo, pago com os impostos para garantir a segurança pública. Mas o que fazer quando o Estado está na lona?
Moradores do Catete compraram papel higiênico para a delegacia funcionar. Eles se uniram para evitar o pior. Mas o leque de possibilidades de intervenção social é mais promissor no campo de mecanismos de autodefesa. Nos últimos anos, comecei a olhar para o smartphone e me perguntar: o que é possível fazer com ele para aumentar a segurança do indivíduo?
Há cerca de dois anos, pensava num aplicativo que pudesse ser uma espécie de conselheiro de segurança, sobretudo mapeando áreas perigosas. Os dispositivos que existem trabalham em tempo real orientando o trânsito. Um roteiro de segurança depende de dados confiáveis sobre a taxa de incidentes ao longo do caminho. Há uma razão para vencer a resistência em registrar um assalto na delegacia, motivada pela desesperança na ação policial: um simples dado é importante para todos.
Um aplicativo voltado para a segurança poderia incluir também ícones de alarme, indicando o tipo de perigo, a localização da pessoa. Meus devaneios são secundários. O importante é que as pessoas que realmente trabalhem com o tema encontrem os múltiplos caminhos e as ferramentas de autodefesa através da informação.
Aplicativos como o Waze já indicam em cores os congestionamentos. Mas estão abertos para comentários, de modo geral sobre a fluidez do trânsito. Eles precisam absorver essa dimensão de segurança pois volta e meia jogam os motoristas em lugares dominados pelo tráfico de drogas. Tanto os territórios dominados pelo tráfico como pelas milícias são mapeáveis. Isso já fizemos, mas hoje deve estar tudo embaralhado. Na Zona Oeste há milícias que vendem territórios umas para as outras ou até para o tráfico.
O lugar em que a jovem médica Gisela Palhares foi assassinada, na Linha Vermelha, já tinha sido cenário de quatro assaltos. Deveria ser um pontinho luminoso, indicando perigo num roteiro de segurança. Vi muitas crises de violência urbana, o entusiasmo com as UPPs, uma euforia com a tomada do Complexo do Alemão, todas carregadas de esperança numa solução durável.
A crise atual acontece num momento de crise econômica, quebradeira do estado, véspera de Olimpíada. Não há solução durável no horizonte. É por sentir essa sensação de aperto que olho para o smartphone com alguma expectativa. Por que desprezá-lo? O fato novo que propiciou é uma sociedade com uma extensa capacidade de se informar. O que significa também instrumentos para melhor se defender. É uma contingência. Não significa substituir o Estado, nem deixar de exigir serviços decentes. Apesar da quebradeira, o estado ainda detém importantes instrumentos tecnológicos no seu centro de comando e controle. Poderia ser um grande parceiro nesse fluxo de informações, alertas, enfim entrar numa outra dimensão da luta pela segurança. Numa entrevista, José Mariano Beltrame me declarou que as UPPS eram apenas uma anestesia pois o projeto de recuperar socialmente os lugares ocupados não vingou. E o efeito da anestesia está passando.
Quando me atrevo a pensar em segurança, algo inevitável para quem trabalha na rua, sei que um abraço na tecnologia da informação não resolve os problemas de fundo. Mas é o velho dilema que nos persegue: o que fazer enquanto não se resolvem os problemas de fundo? Talvez seja prematuro refletir sobre isto antes da Olimpíada, quando se espera um alívio temporário. A Copa do Mundo já passou, e a vida continuou do mesmo jeito ou pior. Esses eventos não têm o condão mágico de resolver problemas.
Depois da Olimpíada, a realidade vai aparecer com toda a crueza. Quando começo a olhar para o telefone e a perguntar o que pode fazer por mim é porque a situação está brava ou, pelo menos, parece estar. Daí a necessidade de pensar cenários de crise, alguns remédios. A crescente violência urbana pode suscitar uma série de visões extremadas mas ao mesmo tempo atraentes pela sua simplicidade.
Depois do que aconteceu com a União Europeia, com a saída do Reino Unido, constatei mais uma vez que nem sempre uma posição mais racional triunfa, que a História não tem um script linear. O Brasil vive um período vulnerável. Estado falido, sistema político falido. De alguns políticos, com a ajuda da Lava-Jato, a sociedade está a caminho de se livrar. No entanto, não pode se livrar facilmente dos estragos que deixaram no seu rastro. É um grande desafio para ela: com a falência estatal precisa preencher parte das atribuições do governo. E ainda ter serenidade. Haja paciência.
O triste hoje da UnB - ARI CUNHA
CORREIO BRAZILIENSE - 03/07
É do mister das universidades se ocuparem da universalidade do conhecimento, em todos os pontos cardeais. Portanto, nada do que é humano deve escapar da análise crítica desses centros do saber. Pelo menos é assim que deveria ser num mundo ideal. No caso das universidades brasileiras, o reconhecimento natural sobre a função de pensar a sociedade vem sendo atropelado por uma espécie de niilismo político que se imiscuiu entre nossos pensadores, turvando-lhes a visão e a mente.
Nos últimos anos, a ascendência exacerbada dos partidos políticos e seus credos sobre o funcionamento material e intelectual de nossa universidade vêm, aos poucos, subtraindo-lhes a primazia do saber, substituída por uma espécie de gosma inócua, que busca uniformizar uns e alijar outros, pespegando-lhes a tatuagem de golpistas ou coisa que o valha. Infelizmente a UnB, como as demais universidades públicas, não escapou desse vendaval, e vem sendo abduzida por esses cantos de sereia. O que, à primeira vista, parece tingido pelos matizes da pluralidade, esconde, no seu âmago, um ódio ao diferente.
O surrealismo da situação atual fez daquele professor que simplesmente quer ministrar suas aulas um corpo estranho nesse turbilhão. Cartas de funcionários da UnB recebidas por esta coluna - que, por motivos óbvios, pediram sigilo do missivista - ajudam a elucidar a situação vivida em nossas academias. Uma delas explica que o PT adotou a estratégia em outra década de controlar os sindicatos dos professores e daí, mediante eleição, controlar as reitorias. As greves eram 80% políticas. Foram bem-sucedidas. Hoje, controlam 90% ou mais das reitorias, diz nosso missivista. Aparelham as administrações e usam recursos e políticas para fortalecer seu partido. Trabalham para destruir possíveis adversários.
Com a mudança dos ventos, provocada pela Operação Lava-Jato e pelo processo de impeachment, houve sensível diminuição no apoio ao PT. O seu lugar foi imediatamente tomado por uma franja do mesmo naipe. O PSol tentou o mesmo caminho e hoje controla a Andes, vários sindicatos e algumas reitorias, com destaque para a UFRJ, a maior universidade federal. Dentro da universidade, quem se atreve a defender o impeachment vira uma espécie de barata kafkiana e tem de se esconder dos demais.
Nos países desenvolvidos, a liturgia é diferente. Conselhos de luminares (scholar) escolhem os dirigentes, com maioria de gente externa. Darcy Ribeiro vislumbrou o mesmo para a UnB. Pelo menos é o que está na Lei 3.998/61 e no Decreto 500, de fevereiro de 1962. Ele foi contra as eleições gerais. O governo FHC regulamentou o processo eleitoral, reservando 70% do peso aos votos dos docentes. A UnB vem ignorando a lei desde 2008, adotando a paridade de 1/3 do peso para docentes, técnicos e alunos. "Eleição geral para reitor é uma invenção da esquerda brasileira. Não acontece em nenhum país desenvolvido, nem em Cuba, nem na China. As esquerdas latino-americanas são únicas no mundo que vivem no passado, lutando contra a ditadura até hoje," descarrega o funcionário.
A rigor, no Brasil, não se tem uma direita, muito menos uma esquerda. O que existe, de fato, são aqueles grupos que estão acima (no poder) e o restante, situados abaixo. No meio desses grupos, fica uma grande maioria silenciosa, indiferente e descrente. Em outra carta, um dos professores descrentes desabafa: Tenho vários amigos que lecionam na UnB que desistiram de tudo e passaram a construir a vida ao largo da vida acadêmica. Agem como estrangeiros. Vão para as aulas, dão as aulas e voltam para casa. Se quiserem entrevistá-los, o último lugar em que vão encontrá-los é no Minhocão. Preferem andar quilômetros a encontrar com colegas.
É do mister das universidades se ocuparem da universalidade do conhecimento, em todos os pontos cardeais. Portanto, nada do que é humano deve escapar da análise crítica desses centros do saber. Pelo menos é assim que deveria ser num mundo ideal. No caso das universidades brasileiras, o reconhecimento natural sobre a função de pensar a sociedade vem sendo atropelado por uma espécie de niilismo político que se imiscuiu entre nossos pensadores, turvando-lhes a visão e a mente.
Nos últimos anos, a ascendência exacerbada dos partidos políticos e seus credos sobre o funcionamento material e intelectual de nossa universidade vêm, aos poucos, subtraindo-lhes a primazia do saber, substituída por uma espécie de gosma inócua, que busca uniformizar uns e alijar outros, pespegando-lhes a tatuagem de golpistas ou coisa que o valha. Infelizmente a UnB, como as demais universidades públicas, não escapou desse vendaval, e vem sendo abduzida por esses cantos de sereia. O que, à primeira vista, parece tingido pelos matizes da pluralidade, esconde, no seu âmago, um ódio ao diferente.
O surrealismo da situação atual fez daquele professor que simplesmente quer ministrar suas aulas um corpo estranho nesse turbilhão. Cartas de funcionários da UnB recebidas por esta coluna - que, por motivos óbvios, pediram sigilo do missivista - ajudam a elucidar a situação vivida em nossas academias. Uma delas explica que o PT adotou a estratégia em outra década de controlar os sindicatos dos professores e daí, mediante eleição, controlar as reitorias. As greves eram 80% políticas. Foram bem-sucedidas. Hoje, controlam 90% ou mais das reitorias, diz nosso missivista. Aparelham as administrações e usam recursos e políticas para fortalecer seu partido. Trabalham para destruir possíveis adversários.
Com a mudança dos ventos, provocada pela Operação Lava-Jato e pelo processo de impeachment, houve sensível diminuição no apoio ao PT. O seu lugar foi imediatamente tomado por uma franja do mesmo naipe. O PSol tentou o mesmo caminho e hoje controla a Andes, vários sindicatos e algumas reitorias, com destaque para a UFRJ, a maior universidade federal. Dentro da universidade, quem se atreve a defender o impeachment vira uma espécie de barata kafkiana e tem de se esconder dos demais.
Nos países desenvolvidos, a liturgia é diferente. Conselhos de luminares (scholar) escolhem os dirigentes, com maioria de gente externa. Darcy Ribeiro vislumbrou o mesmo para a UnB. Pelo menos é o que está na Lei 3.998/61 e no Decreto 500, de fevereiro de 1962. Ele foi contra as eleições gerais. O governo FHC regulamentou o processo eleitoral, reservando 70% do peso aos votos dos docentes. A UnB vem ignorando a lei desde 2008, adotando a paridade de 1/3 do peso para docentes, técnicos e alunos. "Eleição geral para reitor é uma invenção da esquerda brasileira. Não acontece em nenhum país desenvolvido, nem em Cuba, nem na China. As esquerdas latino-americanas são únicas no mundo que vivem no passado, lutando contra a ditadura até hoje," descarrega o funcionário.
A rigor, no Brasil, não se tem uma direita, muito menos uma esquerda. O que existe, de fato, são aqueles grupos que estão acima (no poder) e o restante, situados abaixo. No meio desses grupos, fica uma grande maioria silenciosa, indiferente e descrente. Em outra carta, um dos professores descrentes desabafa: Tenho vários amigos que lecionam na UnB que desistiram de tudo e passaram a construir a vida ao largo da vida acadêmica. Agem como estrangeiros. Vão para as aulas, dão as aulas e voltam para casa. Se quiserem entrevistá-los, o último lugar em que vão encontrá-los é no Minhocão. Preferem andar quilômetros a encontrar com colegas.
Em boca fechada... - ARTUR XEXÉO
O GLOBO - 03/07
Michel Temer é o rei do fica o dito pelo não dito
Às vezes, é melhor calar. Vivemos tempos de muitos mal-entendidos. O senador Renan Calheiros, por exemplo, está toda hora na televisão dizendo que “a crise não passa pelo Senado”. E acrescenta: “o Senado é a solução”. Agora, então me explica por que o nobre parlamentar está interessado em aprovar, em regime de urgência, uma lei que dificulta a realização de grampos telefônicos, invalida boa parte das delações premiadas, enfim, que dá um freio na Operação Lava-Jato? Certamente, ele não está falando em nome da sociedade. Parece mais preocupado com as denúncias contra o próprio senador. E, por mais que os repórteres que entrevistam Renan tentem associar seu novo projeto de lei à Operação Lava-Jato, ele insiste que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Tá vendo? É o mal-entendido. Então, melhor calar.
Só pode ser mal-entendido também o que dizem os advogados de defesa de políticos e empreiteiros que têm recebido acusações criminais ultimamente. As doações sempre são legais e estão registradas na Justiça Eleitoral, eles nunca têm conta no exterior, nunca usaram o caixa dois, a declaração comprometedora está tirada de contexto... Na quinta-feira passada, com a decretação da prisão preventiva do empresário Fernando Cavendish, os advogados do ex-dono da Delta não agiram de modo diferente. A defesa se disse “estarrecida” e garantiu que “tomará as providências judiciais para reverter essa ilegalidade”. Deixa eu ver se entendi: o Cavendish foi o empreiteiro responsável pela construção das quatro arenas esportivas dos Jogos Pan-Americanos, aquelas obras mal feitas, superorçadas, que mal resistiram ao Pan e, diante de sua prisão, quem fica estarrecida é a sua defesa? Mas este é mais um caso no qual o melhor é ficar calado. Na sexta-feira, a prisão preventiva já tinha se transformado em prisão domiciliar. Fica aqui uma pergunta que não quer calar: será que o domicílio de Cavendish foi construído pela Delta? Porque, se foi, talvez ele estivesse mais seguro na cadeia mesmo.
Tem também o presidente provisório. Michel Temer é o rei do fica o dito pelo não dito. Ele assumiu sua interinidade apostando em austeridade fiscal. Um mês depois aumenta o Bolsa-Família e aumenta o vencimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nada contra mais dinheiro para todos, mas geralmente novos gastos não combinam com austeridade. Foi um mal-entendido?
É por isso que, nestes tempos difíceis, o melhor é ficar quieto. Qualquer coisa que você diga pode ser mal interpretada e você vai acabar passando por mentiroso. O governo de Francisco Dornelles prometeu pagar o que deve de salário ao servidores nesta segunda-feira. Mas ele estava falando do salário de maio. Nesta segunda, o governo já estará devendo também o salário de junho. Não há mal-entendido maior no momento do que a maneira de o Governo do Estado interpretar o que significa um salário. Além de não pagar o que deve, ele não tem repassado para os bancos o que desconta dos empréstimos consignados dos servidores. Roubo? Não... É só um mal-entendido.
______
Não é fácil para mulher alguma entrar numa delegacia e denunciar o marido, o namorado ou o companheiro como autor de violência que sofreu. Para uma mulher famosa, então, fica ainda mais difícil. Dos muitos constrangimentos pelos quais passa uma mulher numa situação dessas, a exposição pode machucar quase tanto quanto quatro costelas quebradas. Luiza Brunet construiu uma carreira de modelo de muito sucesso, que se prolonga agora com a de empresária e, mais recentemente, com tentativas de ser atriz. Durante toda a sua trajetória, soube manter a vida privada longe das colunas de fofocas.
Às vezes, apertada nos modelos de jeans da Dijon cobertos de tachas de gosto duvidoso, ela era a única garantia de o produto à venda não se tornar vulgar ou cafona. Luiza Brunet foi sempre discreta. Esta característica só dá mais valor à atitude que levou seu nome aos jornais neste fim de semana. A notícia publicada pela coluna de Ancelmo Gois dando conta da violência que sofreu na casa de seu companheiro não mostrou só o sofrimento pelo qual Luiza tem passado. Mostrou a coragem de uma mulher que sabe que seu caso vai servir como exemplo. Ela tem consciência de que pode ser um modelo para outras mulheres que, sem a sua celebridade, sofrem a mesma violência doméstica. A exposição é consequência.
______
Os integrantes daquele grupo alegre, a turma do guardanapo, que ganhou destaque em fotos que se seguiram a um celebrado jantar em Paris, está todo voltando a cena. Mas... cadê o Sérgio Cabral?
Michel Temer é o rei do fica o dito pelo não dito
Às vezes, é melhor calar. Vivemos tempos de muitos mal-entendidos. O senador Renan Calheiros, por exemplo, está toda hora na televisão dizendo que “a crise não passa pelo Senado”. E acrescenta: “o Senado é a solução”. Agora, então me explica por que o nobre parlamentar está interessado em aprovar, em regime de urgência, uma lei que dificulta a realização de grampos telefônicos, invalida boa parte das delações premiadas, enfim, que dá um freio na Operação Lava-Jato? Certamente, ele não está falando em nome da sociedade. Parece mais preocupado com as denúncias contra o próprio senador. E, por mais que os repórteres que entrevistam Renan tentem associar seu novo projeto de lei à Operação Lava-Jato, ele insiste que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Tá vendo? É o mal-entendido. Então, melhor calar.
Só pode ser mal-entendido também o que dizem os advogados de defesa de políticos e empreiteiros que têm recebido acusações criminais ultimamente. As doações sempre são legais e estão registradas na Justiça Eleitoral, eles nunca têm conta no exterior, nunca usaram o caixa dois, a declaração comprometedora está tirada de contexto... Na quinta-feira passada, com a decretação da prisão preventiva do empresário Fernando Cavendish, os advogados do ex-dono da Delta não agiram de modo diferente. A defesa se disse “estarrecida” e garantiu que “tomará as providências judiciais para reverter essa ilegalidade”. Deixa eu ver se entendi: o Cavendish foi o empreiteiro responsável pela construção das quatro arenas esportivas dos Jogos Pan-Americanos, aquelas obras mal feitas, superorçadas, que mal resistiram ao Pan e, diante de sua prisão, quem fica estarrecida é a sua defesa? Mas este é mais um caso no qual o melhor é ficar calado. Na sexta-feira, a prisão preventiva já tinha se transformado em prisão domiciliar. Fica aqui uma pergunta que não quer calar: será que o domicílio de Cavendish foi construído pela Delta? Porque, se foi, talvez ele estivesse mais seguro na cadeia mesmo.
Tem também o presidente provisório. Michel Temer é o rei do fica o dito pelo não dito. Ele assumiu sua interinidade apostando em austeridade fiscal. Um mês depois aumenta o Bolsa-Família e aumenta o vencimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nada contra mais dinheiro para todos, mas geralmente novos gastos não combinam com austeridade. Foi um mal-entendido?
É por isso que, nestes tempos difíceis, o melhor é ficar quieto. Qualquer coisa que você diga pode ser mal interpretada e você vai acabar passando por mentiroso. O governo de Francisco Dornelles prometeu pagar o que deve de salário ao servidores nesta segunda-feira. Mas ele estava falando do salário de maio. Nesta segunda, o governo já estará devendo também o salário de junho. Não há mal-entendido maior no momento do que a maneira de o Governo do Estado interpretar o que significa um salário. Além de não pagar o que deve, ele não tem repassado para os bancos o que desconta dos empréstimos consignados dos servidores. Roubo? Não... É só um mal-entendido.
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Não é fácil para mulher alguma entrar numa delegacia e denunciar o marido, o namorado ou o companheiro como autor de violência que sofreu. Para uma mulher famosa, então, fica ainda mais difícil. Dos muitos constrangimentos pelos quais passa uma mulher numa situação dessas, a exposição pode machucar quase tanto quanto quatro costelas quebradas. Luiza Brunet construiu uma carreira de modelo de muito sucesso, que se prolonga agora com a de empresária e, mais recentemente, com tentativas de ser atriz. Durante toda a sua trajetória, soube manter a vida privada longe das colunas de fofocas.
Às vezes, apertada nos modelos de jeans da Dijon cobertos de tachas de gosto duvidoso, ela era a única garantia de o produto à venda não se tornar vulgar ou cafona. Luiza Brunet foi sempre discreta. Esta característica só dá mais valor à atitude que levou seu nome aos jornais neste fim de semana. A notícia publicada pela coluna de Ancelmo Gois dando conta da violência que sofreu na casa de seu companheiro não mostrou só o sofrimento pelo qual Luiza tem passado. Mostrou a coragem de uma mulher que sabe que seu caso vai servir como exemplo. Ela tem consciência de que pode ser um modelo para outras mulheres que, sem a sua celebridade, sofrem a mesma violência doméstica. A exposição é consequência.
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Os integrantes daquele grupo alegre, a turma do guardanapo, que ganhou destaque em fotos que se seguiram a um celebrado jantar em Paris, está todo voltando a cena. Mas... cadê o Sérgio Cabral?
Razões da agonia - LUIZ WERNECK VIANNA
O Estado de São Paulo - 03/07
Falta-nos jogar ao mar o entulho de ideias velhas que ainda povoam a cena política
À primeira vista a cena política brasileira atual defronta o observador com uma terra devastada, varrida por ódio e ressentimento, chão calcinado onde nada de bom poderia medrar. Tal percepção poderia levá-lo até a conjeturar se não estaria diante de um caso perdido, uma sociedade que perdeu o rumo, condenada à autoextinção, como no caso de culturas do México pré-hispânico e de tantas outras apenas conhecidas pelos vestígios arqueológicos que deixaram. Mas basta reorientar seu olhar para a vida cotidiana, fechar as páginas dos jornais e fazer ouvidos moucos aos noticiários das rádios e da TV, principalmente ignorar o que se vocifera nas redes sociais da internet, para que corrija sua avaliação, pois tudo ali segue no seu fluxo usual no mundo do trabalho e nas suas principais instituições. Fora de foco, portanto, desvios imprevistos de curso.
A falta de comunicação entre política e sociedade é marca crônica da modernização brasileira, filha de um processo autoritário, que se manteve por gerações, em que o Estado e suas agências dispuseram do poder discricionário de modelar uma sociedade à qual se recusou liberdade de movimentos. Quando se admitiu que seres subalternos tivessem o direito de se organizar em torno de seus interesses, tal direito foi condicionado por uma ação tutelar exercida pelo Estado, tal como na ordenação corporativa sindical criada na primeira era Vargas, mas que deixou à margem os trabalhadores do campo, então largamente majoritários na estrutura ocupacional do País.
Tirante o curto interregno dos felizes anos de meados de 1950 aos infaustos do pós-1964, momento em que as demandas por autonomia dos seres subalternos urbanos e rurais ganham força, o script das décadas seguintes de aceleração a ferro e fogo da modernização, levado a efeito pelo regime militar, tomou a sociedade como uma base passiva para a consolidação de um capitalismo autoritário, na esquecida conceituação de Otávio Velho no seu Capitalismo Autoritário e Campesinato. A sociedade foi transfigurada por uma ação que lhe veio de cima a partir de um plano de estado-maior, enquanto, na dimensão da política, era imobilizada coercitivamente.
A democratização do País, realizada num contexto de transição com o regime militar, se nos trouxe as liberdades civis e públicas e a Carta inovadora de 1988, com seus institutos de defesa de direitos, não se fez acompanhar de mudanças significativas nas relações entre o Estado e a sociedade, que ainda conservam as linhas mestras da nossa tradição de capitalismo autoritário. A democracia não importou em rupturas, inclusive no terreno da formulação de narrativas sobre os destinos do País. Exemplares da continuidade entre os dois momentos, o agronegócio – de indiscutível sucesso econômico –, cujas fundações, ao fim e ao cabo, se enraízam no monopólio da terra e nas políticas de favorecimento promovidas pelos projetos de colonização do hinterland do regime militar; e as ideologias nacional-desenvolvimentistas que nos acompanham, com ênfases diversas tanto à direita – casos dos regimes de 1937 e do recente regime militar – quanto à esquerda, desde os anos 1930.
Houve, decerto, formações partidárias originárias do pro- cesso de democratização que apresentaram alternativas a essa tradição, particularmente as nossas duas versões da socialdemocracia, o PT e o PSDB. Esta última, governo em dois mandatos presidenciais, mais aplicada em diminuir e controlar o papel do Estado na economia, tal como testemunhado por sua política de privatizações, do que orientada para a animação da sociedade civil e do estabelecimento de vínculos com a vida associativa.
O caso do PT é mais intrigante, uma vez que ele inicia sua trajetória numa aberta denúncia do capitalismo autoritário, de suas práticas e instituições, inclusive da CLT e do exclusivo agrário, voltado com energia para a valorização das instituições sociais e de defesa da sua autonomia diante do Estado, para, mais à frente, sucumbir aos cantos de sereia da tradição republicana autoritária. Nessa conversão, seu projeto de mudança não viria de baixo, da agregação de forças sociais mobilizadas em torno de reformas substantivas no terreno da democracia política, mas por cima.
Da primeira metade do primeiro governo Lula, em que subsistiam elementos de continuidade com a experiência de governo do PSDB, transita-se, sem que os fundamentos dessa mutação tenham sido justificados perante a sociedade, para a modelagem nacional-desenvolvimentista. Para suas relações com o Legislativo os mecanismos de cooptação do presidencialismo de coalizão bastariam, reforçados por um engenhoso e criminal sistema de extração de recursos de empresas públicas com que literalmente se passou a comprar apoio parlamentar. Por esse caminho turvo, bafejado por um partido com origem na esquerda, mais uma vez a modelagem do capitalismo autoritário encontrou formas de sustentação.
A política é refratária às linhas retas. Aqui, é sabido, ela prefere os caminhos em ziguezagues, como nesse do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, pois o alvo atingido de verdade é menos ela do que a natureza do nosso capitalismo autoritário, que inspirou suas práticas de governo e que estão, agora, com suas fontes de reprodução à morte.
A agonia a que ora somos submetidos provém da política tal como a conhecemos desde que ingressamos na modernidade, porque definitivamente nossa sociedade se tornou mais moderna que seu Estado e começa a demandar por mais espaço a fim de se auto-organizar. Os idos de junho de 2013, um levante da sociedade contra esse Estado que está aí, são a maior confirmação disso. O que nos falta é tentar acompanhar pela cabeça, pela reflexão, o caminho que já fizemos com os nossos pés, jogando ao mar esse entulho de ideias velhas que ainda povoam a cena como fantasmas de outro tempo.
À primeira vista a cena política brasileira atual defronta o observador com uma terra devastada, varrida por ódio e ressentimento, chão calcinado onde nada de bom poderia medrar. Tal percepção poderia levá-lo até a conjeturar se não estaria diante de um caso perdido, uma sociedade que perdeu o rumo, condenada à autoextinção, como no caso de culturas do México pré-hispânico e de tantas outras apenas conhecidas pelos vestígios arqueológicos que deixaram. Mas basta reorientar seu olhar para a vida cotidiana, fechar as páginas dos jornais e fazer ouvidos moucos aos noticiários das rádios e da TV, principalmente ignorar o que se vocifera nas redes sociais da internet, para que corrija sua avaliação, pois tudo ali segue no seu fluxo usual no mundo do trabalho e nas suas principais instituições. Fora de foco, portanto, desvios imprevistos de curso.
A falta de comunicação entre política e sociedade é marca crônica da modernização brasileira, filha de um processo autoritário, que se manteve por gerações, em que o Estado e suas agências dispuseram do poder discricionário de modelar uma sociedade à qual se recusou liberdade de movimentos. Quando se admitiu que seres subalternos tivessem o direito de se organizar em torno de seus interesses, tal direito foi condicionado por uma ação tutelar exercida pelo Estado, tal como na ordenação corporativa sindical criada na primeira era Vargas, mas que deixou à margem os trabalhadores do campo, então largamente majoritários na estrutura ocupacional do País.
Tirante o curto interregno dos felizes anos de meados de 1950 aos infaustos do pós-1964, momento em que as demandas por autonomia dos seres subalternos urbanos e rurais ganham força, o script das décadas seguintes de aceleração a ferro e fogo da modernização, levado a efeito pelo regime militar, tomou a sociedade como uma base passiva para a consolidação de um capitalismo autoritário, na esquecida conceituação de Otávio Velho no seu Capitalismo Autoritário e Campesinato. A sociedade foi transfigurada por uma ação que lhe veio de cima a partir de um plano de estado-maior, enquanto, na dimensão da política, era imobilizada coercitivamente.
A democratização do País, realizada num contexto de transição com o regime militar, se nos trouxe as liberdades civis e públicas e a Carta inovadora de 1988, com seus institutos de defesa de direitos, não se fez acompanhar de mudanças significativas nas relações entre o Estado e a sociedade, que ainda conservam as linhas mestras da nossa tradição de capitalismo autoritário. A democracia não importou em rupturas, inclusive no terreno da formulação de narrativas sobre os destinos do País. Exemplares da continuidade entre os dois momentos, o agronegócio – de indiscutível sucesso econômico –, cujas fundações, ao fim e ao cabo, se enraízam no monopólio da terra e nas políticas de favorecimento promovidas pelos projetos de colonização do hinterland do regime militar; e as ideologias nacional-desenvolvimentistas que nos acompanham, com ênfases diversas tanto à direita – casos dos regimes de 1937 e do recente regime militar – quanto à esquerda, desde os anos 1930.
Houve, decerto, formações partidárias originárias do pro- cesso de democratização que apresentaram alternativas a essa tradição, particularmente as nossas duas versões da socialdemocracia, o PT e o PSDB. Esta última, governo em dois mandatos presidenciais, mais aplicada em diminuir e controlar o papel do Estado na economia, tal como testemunhado por sua política de privatizações, do que orientada para a animação da sociedade civil e do estabelecimento de vínculos com a vida associativa.
O caso do PT é mais intrigante, uma vez que ele inicia sua trajetória numa aberta denúncia do capitalismo autoritário, de suas práticas e instituições, inclusive da CLT e do exclusivo agrário, voltado com energia para a valorização das instituições sociais e de defesa da sua autonomia diante do Estado, para, mais à frente, sucumbir aos cantos de sereia da tradição republicana autoritária. Nessa conversão, seu projeto de mudança não viria de baixo, da agregação de forças sociais mobilizadas em torno de reformas substantivas no terreno da democracia política, mas por cima.
Da primeira metade do primeiro governo Lula, em que subsistiam elementos de continuidade com a experiência de governo do PSDB, transita-se, sem que os fundamentos dessa mutação tenham sido justificados perante a sociedade, para a modelagem nacional-desenvolvimentista. Para suas relações com o Legislativo os mecanismos de cooptação do presidencialismo de coalizão bastariam, reforçados por um engenhoso e criminal sistema de extração de recursos de empresas públicas com que literalmente se passou a comprar apoio parlamentar. Por esse caminho turvo, bafejado por um partido com origem na esquerda, mais uma vez a modelagem do capitalismo autoritário encontrou formas de sustentação.
A política é refratária às linhas retas. Aqui, é sabido, ela prefere os caminhos em ziguezagues, como nesse do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, pois o alvo atingido de verdade é menos ela do que a natureza do nosso capitalismo autoritário, que inspirou suas práticas de governo e que estão, agora, com suas fontes de reprodução à morte.
A agonia a que ora somos submetidos provém da política tal como a conhecemos desde que ingressamos na modernidade, porque definitivamente nossa sociedade se tornou mais moderna que seu Estado e começa a demandar por mais espaço a fim de se auto-organizar. Os idos de junho de 2013, um levante da sociedade contra esse Estado que está aí, são a maior confirmação disso. O que nos falta é tentar acompanhar pela cabeça, pela reflexão, o caminho que já fizemos com os nossos pés, jogando ao mar esse entulho de ideias velhas que ainda povoam a cena como fantasmas de outro tempo.
Paralisações agravam situação do ensino no país - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 03/07
A greve é direito constitucional, mas as aspirações de reajuste não podem ser atendidas por um Estado estrangulado pela grave crise fiscal
O ensino público no Brasil sofre de diversos males que não estão ligados, a priori, à capacidade cognitiva dos estudantes. Temos alunos motivados, como a carioca Lorrayne Isidoro, do Colégio Pedro II, classificada para representar o país na 16ª Olimpíada Internacional de Neurociência, na Dinamarca. Inteligências como a dela, certamente, são desperdiçadas por condições adversas dentro e fora das salas de aula. Faltam ao país uma política efetiva de atração e retenção de bons professores, baseada na meritocracia; material de apoio adequado; cuidados na primeira infância; definição de metas claras; e acompanhamento contínuo de desempenho, entre outras carências.
O resultado é um desempenho ruim em testes internacionais. No Pisa, por exemplo, apenas 1,4% dos brasileiros chega aos níveis 5 e 6 (os mais altos), sendo que a média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 13,8%, e a de Cingapura, 42,4%.
O que dizer, então, quando à precariedade estrutural se juntam greves longas, acompanhadas de ocupações que não permitem aos professores dar aula? Na Unicamp, alunos invadiram a sala para impedir o professor Serguei Popov de lecionar.
A greve é um direito constitucional, mas as aspirações salariais não podem ser atendidas por um Estado estrangulado pela grave crise fiscal. Antes de serem legítimas, são reivindicações fora da realidade.
A degradação do sistema teve uma contribuição decisiva dos governos Lula e Dilma Rousseff, que privilegiaram um programa de expansão do ensino universitário baseado em obras (novos prédios, novos campus) e crédito educativo sem limite. O dinheiro acabou, e agora demonstra-se que a gestão de boa parte das universidades é desastrosa.
Enquanto isso, estudantes deixam de aprender. Para se ter uma medida do estrago causado, a paralisação na rede estadual fluminense já inviabilizou o semestre letivo de cerca de 70 mil alunos.
Não é o caso de se dizer que a reposição das aulas — quando ocorre— amenize o problema, porque a interrupção do calendário escolar dispersa os estudantes e vai contra o caráter gradativo e permanente do aprendizado.
O pagamento dos dias parados — porque os governantes têm interesses político-eleitorais — só agrava a situação, contribuindo para tornar permanente a situação de greve. É mais um caso em que, pela leniência do administrador público, o interesse corporativo se sobrepõe ao coletivo.
A sociedade paga duplamente. Primeiro, para manter um sistema de ensino que não funciona; depois, para sustentar greves contra seu interesse, a melhoria da qualidade da educação no país.
A greve é direito constitucional, mas as aspirações de reajuste não podem ser atendidas por um Estado estrangulado pela grave crise fiscal
O ensino público no Brasil sofre de diversos males que não estão ligados, a priori, à capacidade cognitiva dos estudantes. Temos alunos motivados, como a carioca Lorrayne Isidoro, do Colégio Pedro II, classificada para representar o país na 16ª Olimpíada Internacional de Neurociência, na Dinamarca. Inteligências como a dela, certamente, são desperdiçadas por condições adversas dentro e fora das salas de aula. Faltam ao país uma política efetiva de atração e retenção de bons professores, baseada na meritocracia; material de apoio adequado; cuidados na primeira infância; definição de metas claras; e acompanhamento contínuo de desempenho, entre outras carências.
O resultado é um desempenho ruim em testes internacionais. No Pisa, por exemplo, apenas 1,4% dos brasileiros chega aos níveis 5 e 6 (os mais altos), sendo que a média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 13,8%, e a de Cingapura, 42,4%.
O que dizer, então, quando à precariedade estrutural se juntam greves longas, acompanhadas de ocupações que não permitem aos professores dar aula? Na Unicamp, alunos invadiram a sala para impedir o professor Serguei Popov de lecionar.
A greve é um direito constitucional, mas as aspirações salariais não podem ser atendidas por um Estado estrangulado pela grave crise fiscal. Antes de serem legítimas, são reivindicações fora da realidade.
A degradação do sistema teve uma contribuição decisiva dos governos Lula e Dilma Rousseff, que privilegiaram um programa de expansão do ensino universitário baseado em obras (novos prédios, novos campus) e crédito educativo sem limite. O dinheiro acabou, e agora demonstra-se que a gestão de boa parte das universidades é desastrosa.
Enquanto isso, estudantes deixam de aprender. Para se ter uma medida do estrago causado, a paralisação na rede estadual fluminense já inviabilizou o semestre letivo de cerca de 70 mil alunos.
Não é o caso de se dizer que a reposição das aulas — quando ocorre— amenize o problema, porque a interrupção do calendário escolar dispersa os estudantes e vai contra o caráter gradativo e permanente do aprendizado.
O pagamento dos dias parados — porque os governantes têm interesses político-eleitorais — só agrava a situação, contribuindo para tornar permanente a situação de greve. É mais um caso em que, pela leniência do administrador público, o interesse corporativo se sobrepõe ao coletivo.
A sociedade paga duplamente. Primeiro, para manter um sistema de ensino que não funciona; depois, para sustentar greves contra seu interesse, a melhoria da qualidade da educação no país.
O direito de parlamentar - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADÃO - 03/07
O Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu sinais contraditórios, nos últimos dias, a respeito da imunidade parlamentar para opiniões, palavras e votos. Garantida pelo artigo 53 da Constituição, a inviolabilidade civil e penal de deputados e senadores nesses casos protege o exercício do mandato obtido nas urnas. No entanto, o Supremo emitiu interpretações distintas em episódios semelhantes, envolvendo os deputados Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), e isso gera insegurança em uma questão vital para a democracia: a liberdade do parlamentar para dizer o que pensa, pois representa a opinião de seu eleitor.
Jair Bolsonaro tornou-se réu no Supremo sob a acusação de injúria e de incitação ao estupro. Em 2014, o deputado disse que “jamais estupraria” a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela “é muito feia” e, portanto, “não merece”. Ele cometeu essa supina grosseria no plenário da Câmara, em resposta a uma interpelação da deputada, e a repetiu em entrevista a um jornal, concedida em seu gabinete. Maria do Rosário então denunciou o colega à Justiça.
A 1.ª Turma do STF aceitou a denúncia por 4 votos a 1. O relator, ministro Luiz Fux, considerou que Bolsonaro não se encontrava sob proteção da imunidade parlamentar porque suas declarações estavam desconectadas de seu mandato, sem ter “qualquer relação com a função de deputado”. Além disso, segundo Fux, as declarações extrapolaram o ambiente parlamentar, onde prevalece a imunidade, pois foram veiculadas pela imprensa. Por fim, Fux considerou que as declarações não continham “teor minimamente político”.
O fato de que tal voto tenha sido acompanhado pela maioria da 1.ª Turma do STF é preocupante. É frágil a interpretação de que a declaração de Bolsonaro carece de teor político e, portanto, não tem relação com sua função de deputado. Bolsonaro representa um certo tipo de pensamento e foi eleito por isso. Pode-se não gostar desse pensamento, mas a Constituição lhe dá o direito de dizer o que ele e seus eleitores pensam, por mais abjeta que seja essa opinião.
Ademais, Bolsonaro respondia a uma provocação de Maria do Rosário, que o havia acusado de promover violência sexual. Por mais desagradável que fosse, tratava-se de embate entre políticos. Mesmo ministros do STF, quando se atribuem o papel de definir o que é um debate político, algo obviamente subjetivo, correm o risco de cometer arbitrariedades.
Finalmente, o argumento de que as opiniões de Bolsonaro excediam o instituto da imunidade parlamentar porque foram tornadas públicas por um jornal constitui a negação do próprio trabalho parlamentar, que é provocar o debate público, onde quer que seja. Parlamentares que abusam dessa prerrogativa só podem ser julgados por seus pares.
O Supremo teve um entendimento distinto quando abordou uma queixa do senador Aécio Neves (PSDB-MG) contra a deputada Jandira Feghali por crime contra sua honra. No Twitter, a parlamentar havia relacionado o tucano a um helicóptero apreendido com cocaína, em 2013. Em decisão monocrática, no dia 21 passado, o ministro Celso de Mello mandou arquivar o caso, porque considerou que a manifestação de Jandira estava protegida pela imunidade parlamentar, pois tinha a ver com o exercício de seu mandato. Ora, do mesmo modo que Bolsonaro, Jandira manifestou-se fora do Congresso, em um meio que proporciona ampla publicidade, e abordou tema que, à primeira vista, também nada tem de político.
No entanto, como entendeu corretamente o ministro Mello, tratava-se de um embate entre rivais políticos, tal como o que Bolsonaro e Maria do Rosário travaram. Será que daí se pode inferir que a decisão a propósito de Bolsonaro foi tomada não segundo as circunstâncias do caso, mas porque Bolsonaro é quem é? Se for assim, o precedente é muito perigoso.
O instituto da imunidade parlamentar não se presta a proteger a pessoa do parlamentar, mas a própria sociedade, que tem de ter pleno acesso ao debate travado por seus representantes. Goste-se ou não, é isso a democracia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu sinais contraditórios, nos últimos dias, a respeito da imunidade parlamentar para opiniões, palavras e votos. Garantida pelo artigo 53 da Constituição, a inviolabilidade civil e penal de deputados e senadores nesses casos protege o exercício do mandato obtido nas urnas. No entanto, o Supremo emitiu interpretações distintas em episódios semelhantes, envolvendo os deputados Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), e isso gera insegurança em uma questão vital para a democracia: a liberdade do parlamentar para dizer o que pensa, pois representa a opinião de seu eleitor.
Jair Bolsonaro tornou-se réu no Supremo sob a acusação de injúria e de incitação ao estupro. Em 2014, o deputado disse que “jamais estupraria” a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela “é muito feia” e, portanto, “não merece”. Ele cometeu essa supina grosseria no plenário da Câmara, em resposta a uma interpelação da deputada, e a repetiu em entrevista a um jornal, concedida em seu gabinete. Maria do Rosário então denunciou o colega à Justiça.
A 1.ª Turma do STF aceitou a denúncia por 4 votos a 1. O relator, ministro Luiz Fux, considerou que Bolsonaro não se encontrava sob proteção da imunidade parlamentar porque suas declarações estavam desconectadas de seu mandato, sem ter “qualquer relação com a função de deputado”. Além disso, segundo Fux, as declarações extrapolaram o ambiente parlamentar, onde prevalece a imunidade, pois foram veiculadas pela imprensa. Por fim, Fux considerou que as declarações não continham “teor minimamente político”.
O fato de que tal voto tenha sido acompanhado pela maioria da 1.ª Turma do STF é preocupante. É frágil a interpretação de que a declaração de Bolsonaro carece de teor político e, portanto, não tem relação com sua função de deputado. Bolsonaro representa um certo tipo de pensamento e foi eleito por isso. Pode-se não gostar desse pensamento, mas a Constituição lhe dá o direito de dizer o que ele e seus eleitores pensam, por mais abjeta que seja essa opinião.
Ademais, Bolsonaro respondia a uma provocação de Maria do Rosário, que o havia acusado de promover violência sexual. Por mais desagradável que fosse, tratava-se de embate entre políticos. Mesmo ministros do STF, quando se atribuem o papel de definir o que é um debate político, algo obviamente subjetivo, correm o risco de cometer arbitrariedades.
Finalmente, o argumento de que as opiniões de Bolsonaro excediam o instituto da imunidade parlamentar porque foram tornadas públicas por um jornal constitui a negação do próprio trabalho parlamentar, que é provocar o debate público, onde quer que seja. Parlamentares que abusam dessa prerrogativa só podem ser julgados por seus pares.
O Supremo teve um entendimento distinto quando abordou uma queixa do senador Aécio Neves (PSDB-MG) contra a deputada Jandira Feghali por crime contra sua honra. No Twitter, a parlamentar havia relacionado o tucano a um helicóptero apreendido com cocaína, em 2013. Em decisão monocrática, no dia 21 passado, o ministro Celso de Mello mandou arquivar o caso, porque considerou que a manifestação de Jandira estava protegida pela imunidade parlamentar, pois tinha a ver com o exercício de seu mandato. Ora, do mesmo modo que Bolsonaro, Jandira manifestou-se fora do Congresso, em um meio que proporciona ampla publicidade, e abordou tema que, à primeira vista, também nada tem de político.
No entanto, como entendeu corretamente o ministro Mello, tratava-se de um embate entre rivais políticos, tal como o que Bolsonaro e Maria do Rosário travaram. Será que daí se pode inferir que a decisão a propósito de Bolsonaro foi tomada não segundo as circunstâncias do caso, mas porque Bolsonaro é quem é? Se for assim, o precedente é muito perigoso.
O instituto da imunidade parlamentar não se presta a proteger a pessoa do parlamentar, mas a própria sociedade, que tem de ter pleno acesso ao debate travado por seus representantes. Goste-se ou não, é isso a democracia.
O teste das Olimpíadas - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 03/07
É uma pena que as Olimpíadas no Brasil, marcadas para 5 de agosto, tenham início em momento tão turbulento da vida nacional. O megaevento esportivo deveria representar a oportunidade de o país ganhar positiva projeção internacional. A característica simpatia brasileira, particularmente com visitantes estrangeiros, seria muito apropriada para amenizar o mau humor internacional, marcado pela ascensão do nacionalismo exacerbado, pela dissensão entre nações e por ataques terroristas. Mas problemas de ordem política, econômica e histórica constituem obstáculos para o Rio de Janeiro, nossa vitrine mais conhecida no mundo, ser motivo de orgulho verde e amarelo.
Tal qual ocorreu na Copa de 2014, os Jogos do Rio sofreram no quesito organização. Escolhido em 2007 para sediar as Olimpíadas, o Brasil deixou para a última hora a conclusão de estruturas necessárias à realização do espetáculo. Cite-se como exemplo o velódromo, obra de R$ 143 milhões entregue em 26 de junho, com seis meses de atraso. Uma linha adicional do metrô no bairro do Leblon começará a operar em 1º de agosto - sim, a poucos dias da abertura dos Jogos. Apenas a título de comparação, sem querer estender a nossa óbvia dificuldade na preparação de eventos internacionais, vale registrar o feito obtido por Londres nos jogos de 2012. A organização entregou o parque olímpico um ano antes das competições. Brasileiros não são conhecidos pela pontualidade, de modo que se torna inócuo aprofundar esse debate. Convém sim, futuramente, verificar se houve a correta aplicação dos recursos e avaliar o legado das obras realizadas na capital carioca.
Infelizmente, existem outras dificuldades. O ponto mais crítico é a violência, mal crônico no cotidiano dos cariocas. O antigo temor dos moradores havia diminuído com a política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), mas fatores como o crescimento desordenado de favelas e novas ofensivas do crime organizado impuseram desgastes ao modelo de segurança. E voltaram ao noticiário nacional as cenas bárbaras de cidadãos morrendo sob jugo de bandidos em vias expressas, tal qual ocorreu recentemente com a médica Gisele Gouvêia na Linha Vermelha. Não bastasse a covardia dos bandidos, causa apreensão a mobilização de policiais que ameaçam pôr em risco a segurança dos Jogos por questões salariais. Na última semana, um grupo buscava aterrorizar turistas ao exibir faixas com os dizeres "Bem-vindos ao inferno" no Aeroporto do Galeão.
A crise na segurança pública é somente um dos problemas que serão percebidos pelos visitantes. O Rio de Janeiro encontra-se em estado de calamidade financeira, decretado pelo governador em exercício, Francisco Dornelles, e enfrenta extrema dificuldade em pagar salários de servidores e aposentadorias, e manter minimante os serviços públicos. O socorro de R$ 2,9 bilhões concedido pelo governo federal constitui uma parte ínfima ante o abismo fiscal do estado, que acumula dívida de mais de R$ 100 bilhões. Esse descalabro estará à vista do mundo inteiro a partir do próximo mês.
Como o Brasil não é país para principiantes, as Olimpíadas ocorrerão ainda com a sui generis presença de dois presidentes da República. E, a julgar pelo calendário definido no Congresso, o país estará no período decisivo em relação ao impeachment de Dilma Rousseff. Evidentemente, a polarização política dos últimos meses se expressará durante os jogos, criando novo desgaste para a imagem brasileira.
Por fim, mas não menos importante, há a ameaça terrorista. Apesar do reforço das Forças Armadas e do trabalho de inteligência para evitar a ação de grupos ou de lobos solitários, os recentes atentados na Bélgica e na Turquia mostram que o Brasil precisará de atenção máxima para não entrar no rol de tragédias extremistas. Espera-se que as Olimpíadas sejam o teste que dará início à reafirmação do Brasil como grande nação.
É uma pena que as Olimpíadas no Brasil, marcadas para 5 de agosto, tenham início em momento tão turbulento da vida nacional. O megaevento esportivo deveria representar a oportunidade de o país ganhar positiva projeção internacional. A característica simpatia brasileira, particularmente com visitantes estrangeiros, seria muito apropriada para amenizar o mau humor internacional, marcado pela ascensão do nacionalismo exacerbado, pela dissensão entre nações e por ataques terroristas. Mas problemas de ordem política, econômica e histórica constituem obstáculos para o Rio de Janeiro, nossa vitrine mais conhecida no mundo, ser motivo de orgulho verde e amarelo.
Tal qual ocorreu na Copa de 2014, os Jogos do Rio sofreram no quesito organização. Escolhido em 2007 para sediar as Olimpíadas, o Brasil deixou para a última hora a conclusão de estruturas necessárias à realização do espetáculo. Cite-se como exemplo o velódromo, obra de R$ 143 milhões entregue em 26 de junho, com seis meses de atraso. Uma linha adicional do metrô no bairro do Leblon começará a operar em 1º de agosto - sim, a poucos dias da abertura dos Jogos. Apenas a título de comparação, sem querer estender a nossa óbvia dificuldade na preparação de eventos internacionais, vale registrar o feito obtido por Londres nos jogos de 2012. A organização entregou o parque olímpico um ano antes das competições. Brasileiros não são conhecidos pela pontualidade, de modo que se torna inócuo aprofundar esse debate. Convém sim, futuramente, verificar se houve a correta aplicação dos recursos e avaliar o legado das obras realizadas na capital carioca.
Infelizmente, existem outras dificuldades. O ponto mais crítico é a violência, mal crônico no cotidiano dos cariocas. O antigo temor dos moradores havia diminuído com a política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), mas fatores como o crescimento desordenado de favelas e novas ofensivas do crime organizado impuseram desgastes ao modelo de segurança. E voltaram ao noticiário nacional as cenas bárbaras de cidadãos morrendo sob jugo de bandidos em vias expressas, tal qual ocorreu recentemente com a médica Gisele Gouvêia na Linha Vermelha. Não bastasse a covardia dos bandidos, causa apreensão a mobilização de policiais que ameaçam pôr em risco a segurança dos Jogos por questões salariais. Na última semana, um grupo buscava aterrorizar turistas ao exibir faixas com os dizeres "Bem-vindos ao inferno" no Aeroporto do Galeão.
A crise na segurança pública é somente um dos problemas que serão percebidos pelos visitantes. O Rio de Janeiro encontra-se em estado de calamidade financeira, decretado pelo governador em exercício, Francisco Dornelles, e enfrenta extrema dificuldade em pagar salários de servidores e aposentadorias, e manter minimante os serviços públicos. O socorro de R$ 2,9 bilhões concedido pelo governo federal constitui uma parte ínfima ante o abismo fiscal do estado, que acumula dívida de mais de R$ 100 bilhões. Esse descalabro estará à vista do mundo inteiro a partir do próximo mês.
Como o Brasil não é país para principiantes, as Olimpíadas ocorrerão ainda com a sui generis presença de dois presidentes da República. E, a julgar pelo calendário definido no Congresso, o país estará no período decisivo em relação ao impeachment de Dilma Rousseff. Evidentemente, a polarização política dos últimos meses se expressará durante os jogos, criando novo desgaste para a imagem brasileira.
Por fim, mas não menos importante, há a ameaça terrorista. Apesar do reforço das Forças Armadas e do trabalho de inteligência para evitar a ação de grupos ou de lobos solitários, os recentes atentados na Bélgica e na Turquia mostram que o Brasil precisará de atenção máxima para não entrar no rol de tragédias extremistas. Espera-se que as Olimpíadas sejam o teste que dará início à reafirmação do Brasil como grande nação.
Um pouco de bom senso - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O GLOBO - 03/07
Descartes, em frase famosa, escreveu que o bom senso é a faculdade melhor distribuída no mundo. Na época, bom senso se referia à razão. Traduzindo para hoje: a inteligência das pessoas se distribui entre elas seguindo uma curva normal. Pode ser. Mas o common sense dos americanos é outra coisa: a sabedoria. Seja no sentido francês, seja no inglês, parece que o mundo de hoje perdeu o senso. De hoje?
Muito comumente os que tomam decisões pouco se preocupam com os dias futuros. O tempo passa, e quem paga a conta são as gerações futuras. A falta de senso vem de longe. Basta olhar para o que vimos ainda esta semana. Seja o Isis, seja quem for o responsável pelos ataques terroristas na Turquia, eles são respostas irracionais a atos também irracionais do passado.
Não foi o colonialismo inglês que partiu o Oriente Médio em Estados-nação que controlam etnias, religiões e culturas distintas? E, na África, os ingleses não contaram com a ativa cooperação dos franceses e demais potências ocidentais para criar países artificiais? Mais recentemente, não foram os americanos no Iraque, os europeus na Líbia, e todos juntos na Sí- ria, que fizeram intervenções para restabelecer o “bom governo” e deixaram os países divididos e ingovernáveis?
E não foram outras pessoas que pagaram com a vida, décadas depois, o ardor missionário dos terroristas de vários tipos? Mais recentemente, a maioria dos britânicos votou por separar o Reino Unido da Comunidade Europeia. Só depois se assustaram. Amanhã, acaso os americanos não podem pregar uma peça neles próprios (e em todo o mundo) e eleger o Trump?
Espero que não. Mas, em qualquer dos casos (e ainda que os ingleses tenham lá seus argumentos contra a “burocracia de Bruxelas”), as consequências, como a sabedoria de Eça fazia o conselheiro Acácio dizer, vêm sempre depois. Escrevo isso não para justificar, mas para tentar explicar algo do que ocorre entre nós.
Assim como no passado outras visões do mundo puderam levar alguns povos, momentaneamente, à insensatez, e esta cobrou seu preço no transcorrer do tempo, no mundo atual há um sentimento antiordem estabelecida, que poderá cobrar preço alto no futuro. Está na moda, por motivos compreensíveis, colocar no pelourinho a política e os políticos.
Não é só aqui e vem de longe. O mesmo movimento que levou à ampliação da interação social, saltando grupos, Estados e nações, baseado no acesso à informação e às novas tecnologias, pôs em xeque as instituições tradicionais, tanto das ditaduras como das democracias representativas. Foi assim na “primavera árabe”, do mesmo modo que nos movimentos dos “indignados” da Espanha, agora no anti-Bruxelas da Grã-Bretanha.
E não é de outra índole o tipo estranho de protesto que permitiu Trump derrotar os “donos” do Partido Republicano, ou o susto que o senador Bernie pregou em Hillary. Por todos os lados há um mal-estar, um inconformismo: todos vêm e sabem que a vida pode ser melhor, sentem que o progresso material cria oportunidades, mas delas se apoderam alguns, não todos.
Deriva daí, como do desemprego, que é outra faceta da desigualdade básica de apropriação de oportunidades, uma insatisfação generalizada que se volta contra “los de arriba”. O horizonte parece toldado, mas não ao ponto de impedir que “los de abajo” vislumbrem bom tempo para alguns, o que irrita. Irrita mais ainda quando há um sentimento de impotência, porque os que sabem e possuem têm vantagens desproporcionais diante da maioria que vê o bonde da História passar.
Essa constatação só aumenta a angústia e a responsabilidade dos que dela têm noção. Tivemos no Brasil, à nossa moda, algo disso. Há responsáveis, mas não vem ao caso acusar. Provavelmente alguns deles, se forem intelectualmente honestos, estão se perguntando: por que não vi antes que endividar irresponsavelmente o país, mesmo que a pretexto de aumentar momentaneamente o bem-estar do povo e criar ilusões de crescimento econômico, é algo ruinoso, que as gerações futuras pagarão?
Exemplo simples: quando foi derrotada a emenda na Previdência Social de meu governo, que definia uma idade mínima para as aposentadorias, não faltou quem gritasse vitória. Alguns dos mesmos que década depois se deram conta de que não se tratava de “neoliberalismo”, mas de projetar no futuro próximo as consequências financeiras de tendências demográficas inelutáveis. Diante do estrago, não adianta chorar: é darmo-nos as mãos e ver se encontramos caminhos.
Digo há tempos que o sistema político atual (eleitoral e partidário) está “bichado”. Sou defensor das ações da Lava-Jato e sei que sem elas seria mais difícil melhorar as coisas. Mas não nos iludamos: sem alguma forma de instituição política e sem políticos que a manejem, não será suficiente botar corruptos na cadeia para purgar erros de condução da economia e da política.
Que se ponha na cadeia quem for responsável, mas que não se confunda tudo: nem todos os políticos basearam sua trajetória na transgressão, e nem todos que financiaram a política, bem como os que receberam ajuda financeira, foram doadores ou receptores de “propinas”. Se não se distinguir o que foi doação eleitoral dentro da lei do que foi “caixa dois”, e esta do que foi arranjo criminoso entre governo, partidos, funcionários e empresários, faremos o jogo de que “todos são iguais”. Se fossem, que saída haveria?
Está na hora de juntar as forças descomprometidas com o crime, e elas existem nos vários setores do espectro político, para que o bom senso volte a imperar e para que possamos recriar as instituições, entendendo que no mundo contemporâneo a transparência não é uma virtude, mas um imperativo, e, por outro lado, que se não houver meios institucionais para decidir e legitimar o que queremos não sairemos da desilusão e da perplexidade.
Não é hora só para acusações, é hora também para a busca de convergências.
Descartes, em frase famosa, escreveu que o bom senso é a faculdade melhor distribuída no mundo. Na época, bom senso se referia à razão. Traduzindo para hoje: a inteligência das pessoas se distribui entre elas seguindo uma curva normal. Pode ser. Mas o common sense dos americanos é outra coisa: a sabedoria. Seja no sentido francês, seja no inglês, parece que o mundo de hoje perdeu o senso. De hoje?
Muito comumente os que tomam decisões pouco se preocupam com os dias futuros. O tempo passa, e quem paga a conta são as gerações futuras. A falta de senso vem de longe. Basta olhar para o que vimos ainda esta semana. Seja o Isis, seja quem for o responsável pelos ataques terroristas na Turquia, eles são respostas irracionais a atos também irracionais do passado.
Não foi o colonialismo inglês que partiu o Oriente Médio em Estados-nação que controlam etnias, religiões e culturas distintas? E, na África, os ingleses não contaram com a ativa cooperação dos franceses e demais potências ocidentais para criar países artificiais? Mais recentemente, não foram os americanos no Iraque, os europeus na Líbia, e todos juntos na Sí- ria, que fizeram intervenções para restabelecer o “bom governo” e deixaram os países divididos e ingovernáveis?
E não foram outras pessoas que pagaram com a vida, décadas depois, o ardor missionário dos terroristas de vários tipos? Mais recentemente, a maioria dos britânicos votou por separar o Reino Unido da Comunidade Europeia. Só depois se assustaram. Amanhã, acaso os americanos não podem pregar uma peça neles próprios (e em todo o mundo) e eleger o Trump?
Espero que não. Mas, em qualquer dos casos (e ainda que os ingleses tenham lá seus argumentos contra a “burocracia de Bruxelas”), as consequências, como a sabedoria de Eça fazia o conselheiro Acácio dizer, vêm sempre depois. Escrevo isso não para justificar, mas para tentar explicar algo do que ocorre entre nós.
Assim como no passado outras visões do mundo puderam levar alguns povos, momentaneamente, à insensatez, e esta cobrou seu preço no transcorrer do tempo, no mundo atual há um sentimento antiordem estabelecida, que poderá cobrar preço alto no futuro. Está na moda, por motivos compreensíveis, colocar no pelourinho a política e os políticos.
Não é só aqui e vem de longe. O mesmo movimento que levou à ampliação da interação social, saltando grupos, Estados e nações, baseado no acesso à informação e às novas tecnologias, pôs em xeque as instituições tradicionais, tanto das ditaduras como das democracias representativas. Foi assim na “primavera árabe”, do mesmo modo que nos movimentos dos “indignados” da Espanha, agora no anti-Bruxelas da Grã-Bretanha.
E não é de outra índole o tipo estranho de protesto que permitiu Trump derrotar os “donos” do Partido Republicano, ou o susto que o senador Bernie pregou em Hillary. Por todos os lados há um mal-estar, um inconformismo: todos vêm e sabem que a vida pode ser melhor, sentem que o progresso material cria oportunidades, mas delas se apoderam alguns, não todos.
Deriva daí, como do desemprego, que é outra faceta da desigualdade básica de apropriação de oportunidades, uma insatisfação generalizada que se volta contra “los de arriba”. O horizonte parece toldado, mas não ao ponto de impedir que “los de abajo” vislumbrem bom tempo para alguns, o que irrita. Irrita mais ainda quando há um sentimento de impotência, porque os que sabem e possuem têm vantagens desproporcionais diante da maioria que vê o bonde da História passar.
Essa constatação só aumenta a angústia e a responsabilidade dos que dela têm noção. Tivemos no Brasil, à nossa moda, algo disso. Há responsáveis, mas não vem ao caso acusar. Provavelmente alguns deles, se forem intelectualmente honestos, estão se perguntando: por que não vi antes que endividar irresponsavelmente o país, mesmo que a pretexto de aumentar momentaneamente o bem-estar do povo e criar ilusões de crescimento econômico, é algo ruinoso, que as gerações futuras pagarão?
Exemplo simples: quando foi derrotada a emenda na Previdência Social de meu governo, que definia uma idade mínima para as aposentadorias, não faltou quem gritasse vitória. Alguns dos mesmos que década depois se deram conta de que não se tratava de “neoliberalismo”, mas de projetar no futuro próximo as consequências financeiras de tendências demográficas inelutáveis. Diante do estrago, não adianta chorar: é darmo-nos as mãos e ver se encontramos caminhos.
Digo há tempos que o sistema político atual (eleitoral e partidário) está “bichado”. Sou defensor das ações da Lava-Jato e sei que sem elas seria mais difícil melhorar as coisas. Mas não nos iludamos: sem alguma forma de instituição política e sem políticos que a manejem, não será suficiente botar corruptos na cadeia para purgar erros de condução da economia e da política.
Que se ponha na cadeia quem for responsável, mas que não se confunda tudo: nem todos os políticos basearam sua trajetória na transgressão, e nem todos que financiaram a política, bem como os que receberam ajuda financeira, foram doadores ou receptores de “propinas”. Se não se distinguir o que foi doação eleitoral dentro da lei do que foi “caixa dois”, e esta do que foi arranjo criminoso entre governo, partidos, funcionários e empresários, faremos o jogo de que “todos são iguais”. Se fossem, que saída haveria?
Está na hora de juntar as forças descomprometidas com o crime, e elas existem nos vários setores do espectro político, para que o bom senso volte a imperar e para que possamos recriar as instituições, entendendo que no mundo contemporâneo a transparência não é uma virtude, mas um imperativo, e, por outro lado, que se não houver meios institucionais para decidir e legitimar o que queremos não sairemos da desilusão e da perplexidade.
Não é hora só para acusações, é hora também para a busca de convergências.
O autoengano de Dilma Rousseff - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 03/07
Dilma Rousseff disse que “o erro mais óbvio que cometi foi a aliança que fiz para levar a Presidência neste segundo mandato com uma pessoa que explicitamente, diante do país inteiro, tomou atitudes de traição e usurpação”. A doutora não gosta de reconhecer seus erros, e é possível que essa frase seja mais um pretexto para falar mal de Michel Temer do que uma reflexão sobre sua ruína.
Como está cada vez mais próximo o dia em que Dilma Rousseff passará para a História, restará uma pergunta: como foi que ela chegou a essa situação?
A aliança com o PMDB não foi um erro, foi o acerto que permitiu sua reeleição. Sem Temer na Vice-Presidência, ela não ficaria de pé. Não foi Temer quem fritou Dilma, foram ela e o comissariado petista que tentaram fritar o PMDB.
Logo depois da eleição de 2014, sob os auspícios da presidente, o PT começou a dificultar a vida do PMDB. Fizeram isso de forma pueril. Sabiam que Eduardo Cunha era candidato à presidência da Câmara dos Deputados e acreditaram que poderiam derrotá-lo lançando o petista Arlindo Chinaglia. Eleger um petista em plena Lava-Jato era excesso de autoconfiança. Acreditar que isso seria possível com a ajuda do PSDB foi rematada ingenuidade.
Quando o barco da prepotência petista começou a adernar, Dilma decidiu pedir socorro ao PMDB e convidou Temer para a coordenação política do governo. Ele não precisava aceitar, pois era vice-presidente da República. Em poucas semanas, recompôs a base governista, mas coisas estranhas começaram a acontecer. Temer fazia acordos, os parlamentares cumpriam, e o Planalto renegava as combinações. Em português claro: Temer fez compras usando seu cartão de crédito, e Dilma não pagava as faturas. Ele foi-se embora e, aos poucos, juntou-se às multidões que pediam “Fora, PT” nas ruas. (Elas gritavam “Fora, PT”, mas não pediam “Temer presidente”, esse é o problema que está hoje na cabeça de muita gente.)
O comissariado do PT achou que hegemonia política é coisa que se obtém a partir de um programa de governo. Gastaram os tubos e produziram ruína econômica e isolamento político.
Talvez o maior erro de Dilma tenha sido outro, fingir que não via a manobra silenciosa de Lula tentando substituí-la na chapa da eleição de 2014. E o maior erro de Lula foi não ter sentado diante de Dilma dizendo-lhe com todas as letras que queria a cadeira de volta.
AS COISAS BOAS TAMBÉM ACONTECEM
Por caminhos diferentes, dois repórteres mostraram o absurdo que é a transformação da Força Aérea numa locadora de jatinhos para atender a maganos do governo.
Marina Dias contou que Dilma Rousseff preferiu alugar um jatinho privado para voar de Brasília a Belém. Num Legacy da FAB, ela pagaria R$ 100 mil pelo bilhete de ida e volta. No mercado, conseguiu a mesma coisa por R$ 90 mil.
No início do mês, Vinicius Sassine mostrara que em três anos a FAB não conseguiu atender a 153 pedidos de transporte de órgãos para transplantes. No mesmo período, atendeu a 716 reservas de ministros e dos presidentes do Supremo Tribunal, da Câmara e do Senado. Em geral, essa boca-rica ajuda os hierarcas a fugir de Brasília. (Entre janeiro e setembro de 2015, Eduardo Cunha fez 71 voos.)
A exposição do custo social da mordomia levou o governo a determinar que a FAB mantenha sempre um avião disponível para o transporte de órgãos. Sassine foi conferir o resultado e contou que em apenas três semanas foram transportados oito corações, quatro fígados e dois pâncreas.
PORTA FECHADA
É quase nula a possibilidade de o Ministério Público de Curitiba aceitar uma proposta de colaboração vinda de Eduardo Cunha.
Nem que ele saiba o endereço do ET de Varginha ou tenha a fórmula do elixir da longa vida.
Eduardo Cunha com uma tornozeleira na pérgula de uma piscina seria a desmoralização da Lava-Jato.
SINAL DOS CÉUS
Numa trapaça da fortuna, na mesma semana em que estimulou um projeto que pretende conter abusos de autoridade (ele nega que isso tenha a ver com a Operação Lava-Jato), Renan Calheiros defendeu a legalização da tavolagem, também conhecida como “jogos de azar”, e a Lava-Jato encarcerou o contraventor Carlinhos Cachoeira.
Se tudo isso fosse pouco, o projeto dos abusos de autoridade será discutido numa comissão presidida pelo senador Romero Jucá. Na sua conversa com Sérgio Machado, ele foi profético: “Tem que mudar o governo para estancar essa sangria”.
O governo já mudou.
EUNÍCIO
O cearense Eunício Oliveira será o próximo presidente do Senado.
BOLSA CURITIBA
Pelo menos um freguês da Lava-Jato que vive em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica já desabafou com um amigo que há ocasiões em que pensa em pedir ao juiz Sérgio Moro para hospedá-lo por uns dias na carceragem de Curitiba.
No tempo das vacas gordas, seu casamento já não era um conto de fadas. Agora a prisão domiciliar funciona como um regime fechado de convivência obrigatória com a patroa.
O cidadão argumenta que na carceragem ninguém recrimina o outro por ter delinquido.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota, vinha apoiando o governo Temer sem saber por que, mas acredita que matou a charada.
Temer tem um compromisso genérico com a contenção de despesas do governo e outros, específicos, com grupos de pressão interessados em detonar a Bolsa da Viúva.
Homem de palavra, cumpre todos.
NÃO PASSARÃO
Os organizadores de manifestações em defesa de Dilma Rousseff bem que poderiam dispensar o grito de guerra “Não passarão”.
Ele encanta a esquerda, mas não traz sorte. O “No passarán” celebrizou-se durante a Guerra Civil Espanhola, na voz da comunista Dolores Ibarruri, chamada de “La Pasionaria”. As tropas do general Francisco Franco passaram, e sua ditadura durou 36 anos, até 1975.
“La Pasionaria” fugiu para Moscou e morreu em Madri, três meses depois da queda do Muro de Berlim. Desde então, os alemães passam livremente pela porta de Brandemburgo.
RECORDAR É VIVER
Enquanto Dilma e o PT tentam entender quando a vaca companheira foi para o brejo, vale a pena lembrar que há momentos em que um governante toma uma decisão capaz de engrandecê-lo.
Durante o apogeu do Milagre Econômico dos anos 70, poderosos ministros do general Emílio Médici articularam um projeto de prorrogação do seu mandato. Com censura à imprensa, DOI-Codi e a economia crescendo a 10% ao ano, sua popularidade sempre esteve acima da marca dos 60%.
Médici não quis conversa, deixou o governo em 1974 e foi para seu apartamento na Rua Júlio de Castilhos, em Copacabana. Mais tarde, reconheceria que se livrou de uma boa.
Dilma Rousseff disse que “o erro mais óbvio que cometi foi a aliança que fiz para levar a Presidência neste segundo mandato com uma pessoa que explicitamente, diante do país inteiro, tomou atitudes de traição e usurpação”. A doutora não gosta de reconhecer seus erros, e é possível que essa frase seja mais um pretexto para falar mal de Michel Temer do que uma reflexão sobre sua ruína.
Como está cada vez mais próximo o dia em que Dilma Rousseff passará para a História, restará uma pergunta: como foi que ela chegou a essa situação?
A aliança com o PMDB não foi um erro, foi o acerto que permitiu sua reeleição. Sem Temer na Vice-Presidência, ela não ficaria de pé. Não foi Temer quem fritou Dilma, foram ela e o comissariado petista que tentaram fritar o PMDB.
Logo depois da eleição de 2014, sob os auspícios da presidente, o PT começou a dificultar a vida do PMDB. Fizeram isso de forma pueril. Sabiam que Eduardo Cunha era candidato à presidência da Câmara dos Deputados e acreditaram que poderiam derrotá-lo lançando o petista Arlindo Chinaglia. Eleger um petista em plena Lava-Jato era excesso de autoconfiança. Acreditar que isso seria possível com a ajuda do PSDB foi rematada ingenuidade.
Quando o barco da prepotência petista começou a adernar, Dilma decidiu pedir socorro ao PMDB e convidou Temer para a coordenação política do governo. Ele não precisava aceitar, pois era vice-presidente da República. Em poucas semanas, recompôs a base governista, mas coisas estranhas começaram a acontecer. Temer fazia acordos, os parlamentares cumpriam, e o Planalto renegava as combinações. Em português claro: Temer fez compras usando seu cartão de crédito, e Dilma não pagava as faturas. Ele foi-se embora e, aos poucos, juntou-se às multidões que pediam “Fora, PT” nas ruas. (Elas gritavam “Fora, PT”, mas não pediam “Temer presidente”, esse é o problema que está hoje na cabeça de muita gente.)
O comissariado do PT achou que hegemonia política é coisa que se obtém a partir de um programa de governo. Gastaram os tubos e produziram ruína econômica e isolamento político.
Talvez o maior erro de Dilma tenha sido outro, fingir que não via a manobra silenciosa de Lula tentando substituí-la na chapa da eleição de 2014. E o maior erro de Lula foi não ter sentado diante de Dilma dizendo-lhe com todas as letras que queria a cadeira de volta.
AS COISAS BOAS TAMBÉM ACONTECEM
Por caminhos diferentes, dois repórteres mostraram o absurdo que é a transformação da Força Aérea numa locadora de jatinhos para atender a maganos do governo.
Marina Dias contou que Dilma Rousseff preferiu alugar um jatinho privado para voar de Brasília a Belém. Num Legacy da FAB, ela pagaria R$ 100 mil pelo bilhete de ida e volta. No mercado, conseguiu a mesma coisa por R$ 90 mil.
No início do mês, Vinicius Sassine mostrara que em três anos a FAB não conseguiu atender a 153 pedidos de transporte de órgãos para transplantes. No mesmo período, atendeu a 716 reservas de ministros e dos presidentes do Supremo Tribunal, da Câmara e do Senado. Em geral, essa boca-rica ajuda os hierarcas a fugir de Brasília. (Entre janeiro e setembro de 2015, Eduardo Cunha fez 71 voos.)
A exposição do custo social da mordomia levou o governo a determinar que a FAB mantenha sempre um avião disponível para o transporte de órgãos. Sassine foi conferir o resultado e contou que em apenas três semanas foram transportados oito corações, quatro fígados e dois pâncreas.
PORTA FECHADA
É quase nula a possibilidade de o Ministério Público de Curitiba aceitar uma proposta de colaboração vinda de Eduardo Cunha.
Nem que ele saiba o endereço do ET de Varginha ou tenha a fórmula do elixir da longa vida.
Eduardo Cunha com uma tornozeleira na pérgula de uma piscina seria a desmoralização da Lava-Jato.
SINAL DOS CÉUS
Numa trapaça da fortuna, na mesma semana em que estimulou um projeto que pretende conter abusos de autoridade (ele nega que isso tenha a ver com a Operação Lava-Jato), Renan Calheiros defendeu a legalização da tavolagem, também conhecida como “jogos de azar”, e a Lava-Jato encarcerou o contraventor Carlinhos Cachoeira.
Se tudo isso fosse pouco, o projeto dos abusos de autoridade será discutido numa comissão presidida pelo senador Romero Jucá. Na sua conversa com Sérgio Machado, ele foi profético: “Tem que mudar o governo para estancar essa sangria”.
O governo já mudou.
EUNÍCIO
O cearense Eunício Oliveira será o próximo presidente do Senado.
BOLSA CURITIBA
Pelo menos um freguês da Lava-Jato que vive em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica já desabafou com um amigo que há ocasiões em que pensa em pedir ao juiz Sérgio Moro para hospedá-lo por uns dias na carceragem de Curitiba.
No tempo das vacas gordas, seu casamento já não era um conto de fadas. Agora a prisão domiciliar funciona como um regime fechado de convivência obrigatória com a patroa.
O cidadão argumenta que na carceragem ninguém recrimina o outro por ter delinquido.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota, vinha apoiando o governo Temer sem saber por que, mas acredita que matou a charada.
Temer tem um compromisso genérico com a contenção de despesas do governo e outros, específicos, com grupos de pressão interessados em detonar a Bolsa da Viúva.
Homem de palavra, cumpre todos.
NÃO PASSARÃO
Os organizadores de manifestações em defesa de Dilma Rousseff bem que poderiam dispensar o grito de guerra “Não passarão”.
Ele encanta a esquerda, mas não traz sorte. O “No passarán” celebrizou-se durante a Guerra Civil Espanhola, na voz da comunista Dolores Ibarruri, chamada de “La Pasionaria”. As tropas do general Francisco Franco passaram, e sua ditadura durou 36 anos, até 1975.
“La Pasionaria” fugiu para Moscou e morreu em Madri, três meses depois da queda do Muro de Berlim. Desde então, os alemães passam livremente pela porta de Brandemburgo.
RECORDAR É VIVER
Enquanto Dilma e o PT tentam entender quando a vaca companheira foi para o brejo, vale a pena lembrar que há momentos em que um governante toma uma decisão capaz de engrandecê-lo.
Durante o apogeu do Milagre Econômico dos anos 70, poderosos ministros do general Emílio Médici articularam um projeto de prorrogação do seu mandato. Com censura à imprensa, DOI-Codi e a economia crescendo a 10% ao ano, sua popularidade sempre esteve acima da marca dos 60%.
Médici não quis conversa, deixou o governo em 1974 e foi para seu apartamento na Rua Júlio de Castilhos, em Copacabana. Mais tarde, reconheceria que se livrou de uma boa.