No último mês, dois garotos, de 10 e 11 anos, foram mortos em confronto com a polícia. As duas crianças vinham de famílias carentes, com muitos irmãos.
Segunda esta Folha, pesquisa recente do Ministério Público de São Paulo sugere que a falta da figura paterna, caso de uma das famílias, pode explicar parte do problema do envolvimento de crianças e adolescentes com a criminalidade. Essa constatação, claro, não exime a polícia pelo uso de força desproporcional, resultando em mortes desnecessárias.
O sociólogo Jessé Souza, até recentemente presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), sugere, em dois volumes escritos com diversos colaboradores –"A Ralé Brasileira: Quem É e Como Vive" e "Os Batalhadores Brasileiros"–, que o ambiente doméstico representa fortíssimo fator perpetuador da pobreza.
Segundo Jessé, "a família típica da 'ralé' é monoparental, com mudanças frequentes do membro masculino, enfrenta problemas sérios de alcoolismo e de abuso sexual sistemático e é caracterizada por uma cisão que corta essa classe ao meio entre pobres honestos e pobres delinquentes".
Já os batalhadores, que conseguiram melhorar de vida, internalizaram as "disposições nada óbvias do mundo do trabalho moderno: disciplina, autocontrole e comportamento e pensamento prospectivo".
Diferentemente do que se imagina, "essas disposições têm que ser aprendidas, embora seu aprendizado seja difícil e desafiador e não esteja ao alcance de todas as classes" (citações de "Os Batalhadores", páginas 50 e 51).
Pensadores liberais, como Eugênio Gudin e Carlos Langoni, sempre identificaram a enorme importância que a educação tem para o desenvolvimento econômico.
Diferentemente deles, os economistas heterodoxos ou estruturalistas nunca conseguiram enxergar nenhum papel da educação para o desenvolvimento econômico. Celso Furtado, por exemplo, apesar de ter se dedicado ao tema por 40 anos e em 30 livros, em nenhum momento associou desenvolvimento à educação.
Nos últimos anos, consolidou-se o entendimento de que um sistema público de educação de qualidade é um dos elementos principais para o desenvolvimento econômico e a equidade.
Mais recentemente, a economia acadêmica vem reconhecendo a enorme importância dos primeiros anos de vida e de um ambiente doméstico estruturado para preparar a criança para a escola formal.
James Heckman, Prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Chicago, tem acumulado conjunto impressionante de evidências nessa direção. O leitor interessado pode consultar o link heckmanequation.org/blog ou a página do economista brasileiro Flávio Cunha (flaviocunha.com).
Sabe-se que, nos primeiros anos de vida, as habilidades cognitivas, essencialmente pensamento analítico, e as não cognitivas, esforço e persistência, capacidade de suportar frustração, autoestima etc., são desenvolvidas. Se o ambiente doméstico nos primeiros anos de vida não for propício para o desenvolvimento desse conjunto de capacidades, o desempenho escolar será comprometido.
Assim, o maior desafio de nossa sociedade será desenhar políticas públicas que retirem a "ralé", 1/3 da população aproximadamente, segundo Jessé, da armadilha de pobreza em que se encontra.
Sinal auspicioso é que a esquerda parece ter descoberto algo que a direita já sabia há muito tempo.
Senhor Murilo,
ResponderExcluirBom dia.
Pelo texto do senhor Samuel Pessoa, atrevo-me a colocar:
Ainda que esteja havendo esse direcionamento “a economia acadêmica vem reconhecendo a enorme importância dos primeiros anos de vida e de um ambiente...”,
a mim, há bastante tempo não consigo alcançar a extensão, de como obter dos indivíduos essa capacidade de compreender e ser colaborativo em um ambiente doméstico, crescer com capacidade de trabalhar conhecimentos com o semelhante de forma compassiva e de produzir troca, deixando a exacerbação do individualismo doentio com vistas a “preparar a criança para a escola formal.”, se os indivíduos não vivem/ sequer convivem/ e não têm compartilhado do formalismo e do ritual metódico/ rotineiro de uma estrutura doméstica.
Desde os primeiros meses de vida, os indivíduos são entregues a terceiros (creches/ONGs/ escola em tempo integral/e congêneres).
Quando “presentes” com a família – o tempo para os indivíduos não existe, pois, o tempo existe para o aparelho de televisão e o aparato da atual tecnologia da comunicação e informação de má, ou, pouquíssima qualidade.
Maria 03-07-2016
MARIA...Concordo em gênero, número e grau... & ... Existe mais algum termo de concordância? Se existir, pode colocá-lo!!!
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