domingo, julho 03, 2016

Temer e a bolha de ilusões - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S.Paulo - 03/07

Michel Temer está com o corpo fechado na praça do mercado financeiro. Para ser justo, não apenas lá.

A confiança de empresários e consumidores continuou a subir, de modo mais rápido depois do maio da ascensão temeriana. Nas pesquisas de opinião política, a avaliação positiva de Temer é tão ruim quanto a de Dilma Rousseff, mas o presidente interino é menos "péssimo".

Quanto à vida real do grosso da população, nada mudou, pelo contrário. Não seria mesmo um mês e meio de qualquer governo capaz de reverter o desastre.

Na praça do mercado, em junho consolidou-se a ligeira melhora de perspectivas. Para fazer ironia, nada ainda abala a suspensão da descrença, como se chama na crítica literária a vontade de aceitar a realidade paralela de obras de ficção, a "fé poética" em algo que tenha aparência de verdade e interesse humano, como escreveu Coleridge faz dois séculos.

De fé se trata. O plano Temer ainda é uma ficção. Em parte, espera-se que a peça seja crível porque atores da equipe econômica têm boa reputação. Em parte, porque não há alternativa até o governo de 2019.

As previsões medianas de crescimento da economia em 2017 subiram do 0,3% do imediato pré-impeachment até se estabilizarem em 1% em junho. Mas voltou-se apenas à mesma projeção do início do ano.

O pessoal da finança resolveu acreditar também na nova direção do Banco Central, ajustando juros e câmbio de acordo com as primeiras indicações de Ilan Goldfajn.

Com alguma ajuda dos donos do dinheiro grosso do mundo, o real se valorizou. O risco-país caiu algo mais, embora permaneça acima do nível de julho de 2015, pouco antes do colapso do ajuste de Dilma 1-Levy.

O que querem dizer essas projeções de PIB, juros e câmbio? Trata-se de estimativa baseada na crença de que Temer entregará o pacote básico de "reformas"? Um fracasso implicaria revertério pessimista, de volta para o passado dilmiano? Ou o sucesso suscitaria projeções melhores? Como?

Pelo andar da carruagem pelo mundo real, as coisas vão mal, apesar da luz de vela no fim do túnel no fundo do poço. O rendimento do trabalho cai, apenas um tico mais devagar, mas cai. A fatia da renda das famílias que vai para o pagamento de dívidas aumenta.

Não há sinal de retomada de investimento, que vai depender em parte de um plano de privatizações/concessões que ainda é uma epopeia impublicada. Do governo não virá nem um tico extra de investimento.

As estatais, todas arruinadas nos anos dilmianos, ficarão no estaleiro; talvez ainda causem prejuízos. Muitas das empresas do clube das 20 maiores estão metidas em rolos terríveis, policiais, judiciais ou financeiros.

Temer gasta dinheiro que o governo não tem a fim de, em tese, comprar apoio político para seu plano ainda vago. Para ficar em um só exemplo, gasta crédito político (entre a elite que o concede) em conversas com um Eduardo Cunha que será em breve presidiário ou será salvo por acordo que enlamearia de vez o governo. Fora do mercado, começam a aparecer sinais de intolerância a essas lambanças.

Há despiora agora inegável na economia. Mas apenas descemos mais devagar. Há esperança, o que é importante. Por ora, isso é quase tudo: suspensão da descrença, ilusão passageira.


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