ZERO HORA - 13/07
Hulk na guitarra, Cahill no baixo, Maya Yoshida na bateria e Eto´o no vocal. Essa é a banda de rock que entrou no palco para tocar Paradise City, do Guns nRoses. Não é delírio meu, e sim um inusitado comercial de cerveja que começou a ser veiculado antes do início da Copa, com craques das seleções de Brasil, Inglaterra, Japão e Camarões brilhando em outro campo. Para quem está acostumado a ver o futebol associado ao pagode, a ideia publicitária pode ter parecido estapafúrdia, mas eu achei coerente. Toda Copa é meio rocknroll.
Mais de uma vez escrevi sobre minha paixão pelo rock (e pelo blues que lhe deu origem). Por mais que admire outros gêneros musicais (jazz, soul, pop, bossa nova), tenho com o rock uma afinidade que extrapola o simples gostar – tanto que o uso como adjetivo.
Criança ainda, vibrava com Janis Joplin, Tina Turner e Rita Lee, que, através da sua música, traduziam uma essência difícil de transmitir em palavras. Nada nelas era conveniente em se tratando de “mocinhas”, e sim provocativo, sexy, autêntico, livre. Não era um som para relaxar, e sim para impulsionar, produzir reações físicas, alterar comportamentos. Por mais surrado que seja o termo, é o que se chama, até hoje, de “atitude”.
Da mesma forma, tive pelos Beatles e Rolling Stones a mesma reverência que muitos têm por Bach, Mozart, Chopin – a existência de gênios clássicos não elimina a influência de simples mortais que também emocionam. Exatamente há um ano, estive num espaço aberto maior do que o Maracanã para assistir ao vivo, pela primeira vez, a um show dos Stones, e quando eles entraram em campo fiz o mesmo que Thiago Silva, David Luiz, Julio Cesar: chorei. Pois é. O rock, parente de Satanás, costuma me conectar com meus instintos mais primitivos, enquanto os anjos tapam os olhos.
Hoje, 13 de julho, Dia Mundial do Rock, é dia também do encerramento dessa Copa em que o primitivismo esteve flagrante nos gramados, através de lances que combinaram mais com guitarras do que com pandeiros. O ilícito e o lícito disputando a bola com atrevimento, garra, provocação, jogo de quadris, paixão, rebeldia, sensualidade – e atletas venerados como rockstars. Tudo muito exagerado, mas bem-vindo, nem que seja de quatro em quatro anos.
Esse texto foi entregue com uma antecedência que me impede saber quem estará decidindo o título neste domingo, mas, seja quem for, que provoque pela última vez, em cada torcedor, a excitação recorrente no rock, aquela que faz a gente trocar o etéreo pelo visceral, o recato pela explosão, já que na segunda-feira o barulho inevitavelmente diminuirá. Retornaremos à alegria comedida, a um ritmo menos eletrizante, a um jeito de viver mais sossegado, à normalidade dos dias, à trivialidade popular brasileira.
domingo, julho 13, 2014
Maus perdedores - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO - 13/07
Sete a um e você via que os alemães não fizeram mais por constrangimento
Quando eu era estudante nos Estados Unidos, numa distante década do século passado, tive um excelente professor de Ciência Política, dr. William Bruce Storm. Ficamos amigos e de vez em quando eu ia a seu escritório no campus, onde batíamos papo e ele sempre me ensinava alguma coisa, nem sempre de política. Até hoje, por exemplo, sou um cachimbólogo razoável, porque ele me fez algumas fantásticas palestras sobre cachimbos, que ele pitava sem cessar, inclusive nas aulas, bons tempos. Um dia ele se queixou de que o time de futebol americano da universidade tinha perdido outra vez, parecia que queria acumular uma derrota atrás da outra. Sem conhecer nada de futebol americano, mas querendo responder alguma coisa, comentei brilhantemente que esporte é assim mesmo, um dia se perde, no outro se ganha.
— Son — disse ele — show me a good loser, and I’ll show you a loser.
Botei esse inglês aí porque gosto me lembrar da cara e da voz dele, quando me falou isso, e para quem souber inglês e quiser citar o original. A tradução é “Filho, me mostre um bom perdedor e eu lhe mostrarei um perdedor.” Sofridíssimo torcedor do Vitória, o mais antigo clube de futebol da Bahia e o último a ganhar um campeonato estadual, eu cansei de me prometer, sem nunca conseguir, parar de esbravejar, discutir e até romper com amigos, quando, na decisão e jogando pelo empate, o Vitória fazia um a zero e a gente já começava a comemorar, só que Carlito, um idolatrado centroavante do Bahia, fazia um gol de bunda e outro de joelho, nos últimos 15 minutos do jogo, e o Bahia mais uma vez levava a taça. Tenho sempre que recorrer à lição do professor Storm, para resignar-me à minha condição de péssimo perdedor, que sempre fui.
Claro que, a esta altura, eu não devia mais estar falando sobre a Copa (cartas de reclamação para o editor, por misericórdia). Todo mundo já falou e escreveu tudo sobre a Copa e agora os assuntos são outros, além de eu não entender de futebol e perder todas as discussões no boteco. Mas ainda escrevo sem saber o resultado do jogo de ontem (ontem, sábado, mas não para mim, que escrevo antes) e que pode ter sido outra vergonheira, além de, naturalmente, não ter visto o jogo de daqui a pouco, no qual sou Alemanha, não por qualquer animosidade contra os argentinos, mas em homenagem a meu neto alemão. Ele ainda é bebê, mas vocês precisam ver como chora bem em alemão, é um povo muito adiantado. E — nunca se sabe do futuro — pode ser o primeiro passo para a Alemanha aceitar a imigração de um avô de alemão.
Além disso, há os amigos. Não tenho ido a Itaparica recentemente e, como se diz hoje em dia e creio que é mais chique, não tive participação presencial na repercussão do enxovalhamento de nossas cores realizado no Mineirão. Mas Zecamunista me telefonou.
— Sibéria! — gritou ele — Sibéria! Nos tempos gloriosos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, você sabe muito bem o que acontecia, não sabe? Aquele time soviético que tomou dois a zero do Brasil na Suécia, depois que o famoso cérebro eletrônico deles previu vitória para eles, aquele time, com técnico, massagista e tudo, foi mandado para a Sibéria com passagem só de ida! Foram todos ficar lá na Sibéria, no Baixo Curugustão ou na Alta Eslobóvia, com o rabo gelando pela eternidade e obrigados a ver o dia todo um filme com Garrincha passando e deixando quatro russos estatelados na lama! E isso foi dois a zero, não foi aquela ninhada de ratos do Mineirão, sete a um e você via que os alemães não fizeram mais por constrangimento, podia ser no mínimo uns dezesseis! Você viu, os alemães dançavam uma polcazinha leve até a área brasileira e um perguntava ao outro: Mein Kamaraden, focê quer fazer essa gol? Nein, nein, muita obrigadas, muito gentilische de seu parte, fá focê, por fafor. Ach, nein, enton deischa pro Karl, que ainda non fez a dele, fai lá Karl! No quarto gol, eu pensei que era replay, não dava nem para assimilar, botaram o Íbis em campo, de camisa amarela.
— Mas, Zeca, se bem me lembro, você costumava denunciar o futebol como um anestésico das massas e...
— Não misture as coisas! Isto é uma manobra manjada para desviar o centro da discussão, eu estou falando sobre uma catástrofe pública! Seu amigo Toinho Sabacu...
— Que é que houve com Toinho?
— Não houve nada, só que ele teve de reforçar os remédios para a pressão e ficou dois dias sem sair de casa, aqui muita gente passou mal e quiseram até jogar pedra na televisão de Manolo. Em vez de escrever as besteiras de costume, você devia botar no jornal um artigo sério contra a Lei da Palmada. Vai ver que foi por causa dela que a família Scolari degringolou. Se Felipão pudesse dar umas palmadas em seus meninos, uns puxõezinhos de orelha no vestiário ou meia dúzia de bolos, botar de cara para um canto da sala, mandar escrever duzentas vezes, com boa letra, “de agora em diante só vou chorar na cama”, essas coisas, talvez a hecatombe não tivesse acontecido, esses irresponsáveis em Brasília fazem as leis e não medem as consequências. Eu estive pensando e agora tenho certeza de que os brasileiros devem esquecer futebol e se concentrar naquilo em que nós somos bons. Você viu o inglês que dizem que faturou duzentos milhões, vendendo bilhetes desviados? Mas que pretensão, a desse inglês. Roubo de duzentos milhões aqui eu acho que nem sai do jornal, de tão fichinha, aqui é roubo municipal no interior, esse inglês não tem qualificação nem para uma deputança. Esqueçamos o passado, vêm aí as eleições, hora de escolher democraticamente o seu ladrão!
Sete a um e você via que os alemães não fizeram mais por constrangimento
Quando eu era estudante nos Estados Unidos, numa distante década do século passado, tive um excelente professor de Ciência Política, dr. William Bruce Storm. Ficamos amigos e de vez em quando eu ia a seu escritório no campus, onde batíamos papo e ele sempre me ensinava alguma coisa, nem sempre de política. Até hoje, por exemplo, sou um cachimbólogo razoável, porque ele me fez algumas fantásticas palestras sobre cachimbos, que ele pitava sem cessar, inclusive nas aulas, bons tempos. Um dia ele se queixou de que o time de futebol americano da universidade tinha perdido outra vez, parecia que queria acumular uma derrota atrás da outra. Sem conhecer nada de futebol americano, mas querendo responder alguma coisa, comentei brilhantemente que esporte é assim mesmo, um dia se perde, no outro se ganha.
— Son — disse ele — show me a good loser, and I’ll show you a loser.
Botei esse inglês aí porque gosto me lembrar da cara e da voz dele, quando me falou isso, e para quem souber inglês e quiser citar o original. A tradução é “Filho, me mostre um bom perdedor e eu lhe mostrarei um perdedor.” Sofridíssimo torcedor do Vitória, o mais antigo clube de futebol da Bahia e o último a ganhar um campeonato estadual, eu cansei de me prometer, sem nunca conseguir, parar de esbravejar, discutir e até romper com amigos, quando, na decisão e jogando pelo empate, o Vitória fazia um a zero e a gente já começava a comemorar, só que Carlito, um idolatrado centroavante do Bahia, fazia um gol de bunda e outro de joelho, nos últimos 15 minutos do jogo, e o Bahia mais uma vez levava a taça. Tenho sempre que recorrer à lição do professor Storm, para resignar-me à minha condição de péssimo perdedor, que sempre fui.
Claro que, a esta altura, eu não devia mais estar falando sobre a Copa (cartas de reclamação para o editor, por misericórdia). Todo mundo já falou e escreveu tudo sobre a Copa e agora os assuntos são outros, além de eu não entender de futebol e perder todas as discussões no boteco. Mas ainda escrevo sem saber o resultado do jogo de ontem (ontem, sábado, mas não para mim, que escrevo antes) e que pode ter sido outra vergonheira, além de, naturalmente, não ter visto o jogo de daqui a pouco, no qual sou Alemanha, não por qualquer animosidade contra os argentinos, mas em homenagem a meu neto alemão. Ele ainda é bebê, mas vocês precisam ver como chora bem em alemão, é um povo muito adiantado. E — nunca se sabe do futuro — pode ser o primeiro passo para a Alemanha aceitar a imigração de um avô de alemão.
Além disso, há os amigos. Não tenho ido a Itaparica recentemente e, como se diz hoje em dia e creio que é mais chique, não tive participação presencial na repercussão do enxovalhamento de nossas cores realizado no Mineirão. Mas Zecamunista me telefonou.
— Sibéria! — gritou ele — Sibéria! Nos tempos gloriosos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, você sabe muito bem o que acontecia, não sabe? Aquele time soviético que tomou dois a zero do Brasil na Suécia, depois que o famoso cérebro eletrônico deles previu vitória para eles, aquele time, com técnico, massagista e tudo, foi mandado para a Sibéria com passagem só de ida! Foram todos ficar lá na Sibéria, no Baixo Curugustão ou na Alta Eslobóvia, com o rabo gelando pela eternidade e obrigados a ver o dia todo um filme com Garrincha passando e deixando quatro russos estatelados na lama! E isso foi dois a zero, não foi aquela ninhada de ratos do Mineirão, sete a um e você via que os alemães não fizeram mais por constrangimento, podia ser no mínimo uns dezesseis! Você viu, os alemães dançavam uma polcazinha leve até a área brasileira e um perguntava ao outro: Mein Kamaraden, focê quer fazer essa gol? Nein, nein, muita obrigadas, muito gentilische de seu parte, fá focê, por fafor. Ach, nein, enton deischa pro Karl, que ainda non fez a dele, fai lá Karl! No quarto gol, eu pensei que era replay, não dava nem para assimilar, botaram o Íbis em campo, de camisa amarela.
— Mas, Zeca, se bem me lembro, você costumava denunciar o futebol como um anestésico das massas e...
— Não misture as coisas! Isto é uma manobra manjada para desviar o centro da discussão, eu estou falando sobre uma catástrofe pública! Seu amigo Toinho Sabacu...
— Que é que houve com Toinho?
— Não houve nada, só que ele teve de reforçar os remédios para a pressão e ficou dois dias sem sair de casa, aqui muita gente passou mal e quiseram até jogar pedra na televisão de Manolo. Em vez de escrever as besteiras de costume, você devia botar no jornal um artigo sério contra a Lei da Palmada. Vai ver que foi por causa dela que a família Scolari degringolou. Se Felipão pudesse dar umas palmadas em seus meninos, uns puxõezinhos de orelha no vestiário ou meia dúzia de bolos, botar de cara para um canto da sala, mandar escrever duzentas vezes, com boa letra, “de agora em diante só vou chorar na cama”, essas coisas, talvez a hecatombe não tivesse acontecido, esses irresponsáveis em Brasília fazem as leis e não medem as consequências. Eu estive pensando e agora tenho certeza de que os brasileiros devem esquecer futebol e se concentrar naquilo em que nós somos bons. Você viu o inglês que dizem que faturou duzentos milhões, vendendo bilhetes desviados? Mas que pretensão, a desse inglês. Roubo de duzentos milhões aqui eu acho que nem sai do jornal, de tão fichinha, aqui é roubo municipal no interior, esse inglês não tem qualificação nem para uma deputança. Esqueçamos o passado, vêm aí as eleições, hora de escolher democraticamente o seu ladrão!
A Copa das Copas - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 13/07
O que vai acontecer agora com aqueles milhões de torcedores que acreditavam em nossa seleção?
Deixei para escrever esta crônica depois da semifinal entre o Brasil e a Alemanha. A principal razão era que, como esta crônica é publicada no domingo, isto é, hoje, dia da decisão final da Copa do Mundo, já teria uma ideia do desfecho que eu mais temia: uma segunda derrota de nossa seleção, jogando em casa, como ocorreu em 1950.
Não que, na minha opinião, o Brasil fatalmente estaria na final. Nada disso, mas, em futebol, como se sabe, tudo é possível. Conforme declarou o técnico da seleção argentina, após a derrota do Brasil, na terça-feira, "futebol é o esporte mais ilógico que existe". De fato, perder para a Alemanha, no meu entender, era previsível, mas não de 7 a 1.
Fiz bem, portanto, em esperar o resultado do jogo Brasil X Alemanha para escrever esta crônica. É que, conforme o leitor teria deduzido de comentários anteriores, eu temia que algo de muito ruim acontecesse. Achava mesmo que passar pela seleção alemã seria difícil, quase impossível.
Isso pensava meu lado racional, mas o outro lado, certo de que em futebol tudo é possível, admitia que talvez a gente passasse para a final. Claro que minha maior preocupação, neste caso, seria a derrota na última partida da Copa e a perda do título.
Veja bem, se a derrota em 1950, por apenas 2 a 1, deixou um trauma que dói até hoje, imaginem a repetição disso no Brasil de hoje, que decidiu realizar a Copa das Copas?
Não queria nem pensar nisso, mas não sei se o que aconteceu não foi pior: não chegamos sequer à final e levamos uma lavada de 7 a 1, num jogo em que a nossa seleção parecia um time amador enfrentando uma seleção de verdade.
Confesso que, quando vi os alemães, depois do primeiro gol, dominarem inteiramente a partida e, em poucos minutos, marcarem mais três gols, temi pelo pior: eles vão nos vencer de dez a zero ou mais!
De fato, nunca tinha vivido uma situação semelhante. O que vai acontecer com aqueles milhões de torcedores que acreditavam em nossa seleção e que agora a veem correr como baratas tontas atrás da bola que os alemães dominam como querem?
O primeiro tempo terminou com o escore de 5 a zero. Um vexame, mas também uma tragédia.
Alguns minutos depois, comecei a ouvir na minha rua um rumor estranho. É que moro próximo à praia de Copacabana, onde há um telão transmitindo o jogo. O rumor que ouvi vinha de uma multidão que deixava a praia para não ter que assistir ao segundo tempo daquela derrota inacreditável.
O mesmo ocorreu no Mineirão, onde o jogo se realizava: grande parte dos torcedores deixou o estádio antes de começado o segundo tempo da partida. Tive vontade de fazer o mesmo, mudar de canal e assistir a outro qualquer programa que nada tivesse a ver com aquela derrota patética.
Mas não fiz isso, fiquei ali, perplexo, esperando o jogo recomeçar. Não que alimentasse qualquer esperança de reverter aquele escore; é que não podia fingir que estava indiferente ao que ocorria naquele estádio de futebol e dizia respeito ao país inteiro.
Foi aí que me lembrei das declarações de Felipão e de Parreira, ambos afirmando que a vitória da seleção brasileira era certa. Segundo Felipão, não éramos pentacampeões por acaso e, se éramos pentacampeões, éramos melhores que os demais.
Essas afirmações, na época, me pareceram absurdas, uma vez que não é título que ganha jogo e, sim, jogando é que se ganha o título.
O Brasil é pentacampeão mundial porque, em determinados momentos, possuiu craques e times de alta qualidade e, por isso mesmo, quase imbatíveis.
Mas ele meteu isso na cabeça dos nossos garotos e na cabeça de milhões de torcedores.
Na verdade, essa nossa seleção não é tão boa assim. Possui craques como Neymar, David Luiz e Thiago Silva, mas não um time à altura de nossas seleções vitoriosas, constituídas de craques que, na época, estavam entre os melhores do mundo.
A verdade é que a seleção de agora chegou às semifinais a duras penas, indo para a prorrogação e para os pênaltis. Jamais acreditei que ela ganharia a Copa.
Pois bem, hoje, Alemanha e Argentina decidem quem ficará com o título de campeão do mundo. Ontem, o Brasil deve ter disputado com a Holanda o terceiro lugar. Espero que tenha tido melhor sorte.
O que vai acontecer agora com aqueles milhões de torcedores que acreditavam em nossa seleção?
Deixei para escrever esta crônica depois da semifinal entre o Brasil e a Alemanha. A principal razão era que, como esta crônica é publicada no domingo, isto é, hoje, dia da decisão final da Copa do Mundo, já teria uma ideia do desfecho que eu mais temia: uma segunda derrota de nossa seleção, jogando em casa, como ocorreu em 1950.
Não que, na minha opinião, o Brasil fatalmente estaria na final. Nada disso, mas, em futebol, como se sabe, tudo é possível. Conforme declarou o técnico da seleção argentina, após a derrota do Brasil, na terça-feira, "futebol é o esporte mais ilógico que existe". De fato, perder para a Alemanha, no meu entender, era previsível, mas não de 7 a 1.
Fiz bem, portanto, em esperar o resultado do jogo Brasil X Alemanha para escrever esta crônica. É que, conforme o leitor teria deduzido de comentários anteriores, eu temia que algo de muito ruim acontecesse. Achava mesmo que passar pela seleção alemã seria difícil, quase impossível.
Isso pensava meu lado racional, mas o outro lado, certo de que em futebol tudo é possível, admitia que talvez a gente passasse para a final. Claro que minha maior preocupação, neste caso, seria a derrota na última partida da Copa e a perda do título.
Veja bem, se a derrota em 1950, por apenas 2 a 1, deixou um trauma que dói até hoje, imaginem a repetição disso no Brasil de hoje, que decidiu realizar a Copa das Copas?
Não queria nem pensar nisso, mas não sei se o que aconteceu não foi pior: não chegamos sequer à final e levamos uma lavada de 7 a 1, num jogo em que a nossa seleção parecia um time amador enfrentando uma seleção de verdade.
Confesso que, quando vi os alemães, depois do primeiro gol, dominarem inteiramente a partida e, em poucos minutos, marcarem mais três gols, temi pelo pior: eles vão nos vencer de dez a zero ou mais!
De fato, nunca tinha vivido uma situação semelhante. O que vai acontecer com aqueles milhões de torcedores que acreditavam em nossa seleção e que agora a veem correr como baratas tontas atrás da bola que os alemães dominam como querem?
O primeiro tempo terminou com o escore de 5 a zero. Um vexame, mas também uma tragédia.
Alguns minutos depois, comecei a ouvir na minha rua um rumor estranho. É que moro próximo à praia de Copacabana, onde há um telão transmitindo o jogo. O rumor que ouvi vinha de uma multidão que deixava a praia para não ter que assistir ao segundo tempo daquela derrota inacreditável.
O mesmo ocorreu no Mineirão, onde o jogo se realizava: grande parte dos torcedores deixou o estádio antes de começado o segundo tempo da partida. Tive vontade de fazer o mesmo, mudar de canal e assistir a outro qualquer programa que nada tivesse a ver com aquela derrota patética.
Mas não fiz isso, fiquei ali, perplexo, esperando o jogo recomeçar. Não que alimentasse qualquer esperança de reverter aquele escore; é que não podia fingir que estava indiferente ao que ocorria naquele estádio de futebol e dizia respeito ao país inteiro.
Foi aí que me lembrei das declarações de Felipão e de Parreira, ambos afirmando que a vitória da seleção brasileira era certa. Segundo Felipão, não éramos pentacampeões por acaso e, se éramos pentacampeões, éramos melhores que os demais.
Essas afirmações, na época, me pareceram absurdas, uma vez que não é título que ganha jogo e, sim, jogando é que se ganha o título.
O Brasil é pentacampeão mundial porque, em determinados momentos, possuiu craques e times de alta qualidade e, por isso mesmo, quase imbatíveis.
Mas ele meteu isso na cabeça dos nossos garotos e na cabeça de milhões de torcedores.
Na verdade, essa nossa seleção não é tão boa assim. Possui craques como Neymar, David Luiz e Thiago Silva, mas não um time à altura de nossas seleções vitoriosas, constituídas de craques que, na época, estavam entre os melhores do mundo.
A verdade é que a seleção de agora chegou às semifinais a duras penas, indo para a prorrogação e para os pênaltis. Jamais acreditei que ela ganharia a Copa.
Pois bem, hoje, Alemanha e Argentina decidem quem ficará com o título de campeão do mundo. Ontem, o Brasil deve ter disputado com a Holanda o terceiro lugar. Espero que tenha tido melhor sorte.
A precária retórica dos 12 x 8 anos - PEDRO MALAN
O ESTADÃO - 13/07
"O que você con-sidera uma pessoa normal?", perguntou um amigo ao neurologista Oliver Sacks, achando que este não levaria a pergunta a sério. Mas Sacks sugeriu que uma pessoa normal talvez fosse aquela capaz de contar sua própria história: suas origens, o que tinha feito na vida, as circunstâncias em que se encontraria hoje, para onde achava que estava indo - ou desejaria ir - e o que estava fazendo para tal. Em O Círculo dos Mentirosos, Jean-Claude Carrière, o autor da pergunta, conta essa história e se pergunta: podemos dizer de uma sociedade o que se diz de um indivíduo?
Em outras palavras, que uma sociedade "normal" precisa ser capaz de contar sua própria história, identificar-se, situar-se com naturalidade no curso do tempo histórico seu e do mundo que é sua circunstância? O "normal" não seria uma sociedade dotada de ordenada memória, constantemente ativada e animada pelas exigências do presente, capaz de encontrar em si os elementos que fundassem sua autoestima, sem a qual é impossível encarar o futuro com um mínimo de confiança? Creio que as perguntas de Carrière não são irrelevantes. Afinal, um país digno desse nome precisa ter alguma consciência social de seu passado, algum vislumbre de seus futuros possíveis e, muito importante, identificar os principais desafios de seu fugidio presente por meio do infindável diálogo entre seu passado e seu futuro.
Para descer um pouco à terra: estamos no Brasil de meados de 2014, a dois meses das eleições que definirão os próximos quatro anos - e bem adiante. É fundamental mirar esse futuro sem desconhecer os cada vez mais visíveis problemas do presente e tampouco os processos e decisões que a eles nos levaram. Como já notei mais de uma vez neste espaço, há importantes armadilhas, algumas autoimpostas recentemente, que terão de ser destravadas.
Mas, além de desativar armadilhas, há muito, mas muito ainda em fazer neste país - o que não significa desconhecer o feito por várias administrações, inclusive a atual -, e é esse muito por fazer que deveria estar no centro do debate público. Um olhar à frente, e não um olhar no retrovisor voltado para estradas já trilhadas. Entendo a estratégia eleitoral do lulopetismo, embora lamente que ela não ajude em nada - ao contrário - a busca das convergências possíveis, que poderiam talvez contribuir para reduzir as incertezas do presente.
Escrevi neste espaço em 2006, reescrevi em 2010, quando a mesma estratégia foi seguida, e de novo agora: não acredito que "a cultura política" do País e seus eleitores tivessem ou tenham algo a ganhar - ao contrario - com uma obcecada tentativa de transformar o debate eleitoral de 2014 numa batalha de aguerridos marqueteiros, militantes e blogueiros. E mais, creio que o discurso retórico "dos 12 anos do lulopetismo versus os 8 anos de FHC", tão caro aos estrategistas marqueteiros, não se sustenta em seus próprios termos.
Por que digo isso? Porque o primeiro mandato de Lula foi distinto do segundo e os 4 anos de Dilma Rousseff, distintos daqueles 8. A tentativa de descrever o conjunto dos 12 anos como marcados por grande unidade na condução da política econômica que poderia ser projetada para o futuro pode justificar-se apenas como expediente eleitoral. Esperemos.
Em longa e imperdível entrevista concedida à Folha de S.Paulo em 27/2/2011, a jornalista pergunta ao ministro da Fazenda se o novo governo seria mais parecido com Lula 1 ou Lula 2. O ministro responde algo como: nem Lula 1 nem Lula 2, será um Lula 3. Deixo ao leitor interpretar o que seria o Lula 4 e vou utilizar apenas a categorização da entrevistadora e do ministro.
Lula 1 beneficiou-se e muito, como é ou deveria ser sabido, de uma combinação positiva de três ordens de fatores: uma situação internacional extraordinariamente favorável, uma política macroeconômica não petista seguida por Antônio Palocci e Henrique Meirelles e uma herança não maldita de mudanças estruturais e avanços institucionais alcançados na vigência de administrações anteriores - inclusive de programas na área social que foram mantidos, reagrupados e ampliados. O Lula 1 começou a terminar quando, em 2006, saíram do governo simultaneamente, além do ministro Palocci, o vice-ministro Murilo Portugal, seu secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e seu secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, entre outros.
Lula 2 assumiu com nova equipe e nova concepção sobre o crucial papel do Estado e de suas empresas no desenvolvimento do País. O PAC e suas sucessivas e cada vez mais ambiciosas versões foram, em parte, a expressão dessa nova postura. A crise internacional agravada após setembro de 2008 forneceu um grande álibi para a ampliação da política dita "keynesiana" que vinha sendo praticada desde 2007. O que levou aos insustentáveis 7,5% de crescimento em 2010. Só possíveis porque tivemos (efeito China) outro extraordinário surto de melhora nos termos de troca.
Dilma começou 2011 tendo de lidar com as consequências do superaquecimento de 2010. Mas ainda em 2011 surgiu a ideia da "nova matriz macroeconômica", que não deu certo em outro contexto internacional. A história é muito recente, mas suas consequências são cada vez mais visíveis.
O que importa é que o que estará em votação agora são os últimos 4 anos - afinal, é a atual presidente que busca sua reeleição. E mais obviamente, os próximos 4 anos. É uma votação sobre o presente e principalmente sobre o futuro, e não uma votação sobre um passado cada vez mais distante.
É precária a retórica dos 12 x 8. Mesmo porque a história dos últimos 12 anos, como quer que se a interprete, não seria possível sem avanços alcançados nos 8 anos anteriores. Na verdade, não apenas nesses 8, fundamentais como possam ter sido. A História do Brasil, definitivamente, não começou em 2003. Como, aliás, em nenhum país "normal".
"O que você con-sidera uma pessoa normal?", perguntou um amigo ao neurologista Oliver Sacks, achando que este não levaria a pergunta a sério. Mas Sacks sugeriu que uma pessoa normal talvez fosse aquela capaz de contar sua própria história: suas origens, o que tinha feito na vida, as circunstâncias em que se encontraria hoje, para onde achava que estava indo - ou desejaria ir - e o que estava fazendo para tal. Em O Círculo dos Mentirosos, Jean-Claude Carrière, o autor da pergunta, conta essa história e se pergunta: podemos dizer de uma sociedade o que se diz de um indivíduo?
Em outras palavras, que uma sociedade "normal" precisa ser capaz de contar sua própria história, identificar-se, situar-se com naturalidade no curso do tempo histórico seu e do mundo que é sua circunstância? O "normal" não seria uma sociedade dotada de ordenada memória, constantemente ativada e animada pelas exigências do presente, capaz de encontrar em si os elementos que fundassem sua autoestima, sem a qual é impossível encarar o futuro com um mínimo de confiança? Creio que as perguntas de Carrière não são irrelevantes. Afinal, um país digno desse nome precisa ter alguma consciência social de seu passado, algum vislumbre de seus futuros possíveis e, muito importante, identificar os principais desafios de seu fugidio presente por meio do infindável diálogo entre seu passado e seu futuro.
Para descer um pouco à terra: estamos no Brasil de meados de 2014, a dois meses das eleições que definirão os próximos quatro anos - e bem adiante. É fundamental mirar esse futuro sem desconhecer os cada vez mais visíveis problemas do presente e tampouco os processos e decisões que a eles nos levaram. Como já notei mais de uma vez neste espaço, há importantes armadilhas, algumas autoimpostas recentemente, que terão de ser destravadas.
Mas, além de desativar armadilhas, há muito, mas muito ainda em fazer neste país - o que não significa desconhecer o feito por várias administrações, inclusive a atual -, e é esse muito por fazer que deveria estar no centro do debate público. Um olhar à frente, e não um olhar no retrovisor voltado para estradas já trilhadas. Entendo a estratégia eleitoral do lulopetismo, embora lamente que ela não ajude em nada - ao contrário - a busca das convergências possíveis, que poderiam talvez contribuir para reduzir as incertezas do presente.
Escrevi neste espaço em 2006, reescrevi em 2010, quando a mesma estratégia foi seguida, e de novo agora: não acredito que "a cultura política" do País e seus eleitores tivessem ou tenham algo a ganhar - ao contrario - com uma obcecada tentativa de transformar o debate eleitoral de 2014 numa batalha de aguerridos marqueteiros, militantes e blogueiros. E mais, creio que o discurso retórico "dos 12 anos do lulopetismo versus os 8 anos de FHC", tão caro aos estrategistas marqueteiros, não se sustenta em seus próprios termos.
Por que digo isso? Porque o primeiro mandato de Lula foi distinto do segundo e os 4 anos de Dilma Rousseff, distintos daqueles 8. A tentativa de descrever o conjunto dos 12 anos como marcados por grande unidade na condução da política econômica que poderia ser projetada para o futuro pode justificar-se apenas como expediente eleitoral. Esperemos.
Em longa e imperdível entrevista concedida à Folha de S.Paulo em 27/2/2011, a jornalista pergunta ao ministro da Fazenda se o novo governo seria mais parecido com Lula 1 ou Lula 2. O ministro responde algo como: nem Lula 1 nem Lula 2, será um Lula 3. Deixo ao leitor interpretar o que seria o Lula 4 e vou utilizar apenas a categorização da entrevistadora e do ministro.
Lula 1 beneficiou-se e muito, como é ou deveria ser sabido, de uma combinação positiva de três ordens de fatores: uma situação internacional extraordinariamente favorável, uma política macroeconômica não petista seguida por Antônio Palocci e Henrique Meirelles e uma herança não maldita de mudanças estruturais e avanços institucionais alcançados na vigência de administrações anteriores - inclusive de programas na área social que foram mantidos, reagrupados e ampliados. O Lula 1 começou a terminar quando, em 2006, saíram do governo simultaneamente, além do ministro Palocci, o vice-ministro Murilo Portugal, seu secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e seu secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, entre outros.
Lula 2 assumiu com nova equipe e nova concepção sobre o crucial papel do Estado e de suas empresas no desenvolvimento do País. O PAC e suas sucessivas e cada vez mais ambiciosas versões foram, em parte, a expressão dessa nova postura. A crise internacional agravada após setembro de 2008 forneceu um grande álibi para a ampliação da política dita "keynesiana" que vinha sendo praticada desde 2007. O que levou aos insustentáveis 7,5% de crescimento em 2010. Só possíveis porque tivemos (efeito China) outro extraordinário surto de melhora nos termos de troca.
Dilma começou 2011 tendo de lidar com as consequências do superaquecimento de 2010. Mas ainda em 2011 surgiu a ideia da "nova matriz macroeconômica", que não deu certo em outro contexto internacional. A história é muito recente, mas suas consequências são cada vez mais visíveis.
O que importa é que o que estará em votação agora são os últimos 4 anos - afinal, é a atual presidente que busca sua reeleição. E mais obviamente, os próximos 4 anos. É uma votação sobre o presente e principalmente sobre o futuro, e não uma votação sobre um passado cada vez mais distante.
É precária a retórica dos 12 x 8. Mesmo porque a história dos últimos 12 anos, como quer que se a interprete, não seria possível sem avanços alcançados nos 8 anos anteriores. Na verdade, não apenas nesses 8, fundamentais como possam ter sido. A História do Brasil, definitivamente, não começou em 2003. Como, aliás, em nenhum país "normal".
Economia diz pouco sobre eleição - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 13/07
Histórias de FHC, Lula e Dilma mostram que fortuna eleitoral não vem da "economia, seu burro"
NÃO É LÁ simples descobrir qual o grau, a abrangência e o tipo de degradação econômicos capazes de provocar danos decisivos no prestígio de um candidato à reeleição para presidente.
Ainda que o estrago seja extenso e afete as condições concretas da vida cotidiana, a opinião do grosso do eleitorado sobre o governante parece depender de algo mais: de memória, de confiança e do que inspiram as alternativas.
FHC reelegeu-se em 1998 quando a economia se esfrangalhava em várias frentes. A situação macroeconômica era grave. Mas, até que sobrevenha um colapso concreto, avaliações assim abstratas não costumam fazer sentido para o eleitorado. No entanto, aspectos da "vida real" também pioravam.
Em 1998,o PIB, não cresceu. Em se tratando apenas de um ano, tal fato não diz grande coisa sobre o cotidiano. A medida do PIB pode indicar uma economia em desequilíbrio e em degradação; no entanto, o consumo pode ser ainda crescente.
Naquele ano de 1998, porém, o consumo das famílias decrescia: andava pior que o PIB. A taxa de desemprego subiria de 5,7% em 1997 para 7,6% em 1998.
Em compensação, a inflação do ano seria de 1,6%. De 1994, ano da estabilização, a 1997, o país crescera em média 3,8% AO ANO. Não era brilhante, mas no TOTAL acumulado nos anos da hiperinflação, de 1988 a 1993, o crescimento não passara de 3,8%.
Um ano de consumo ruim não parecia sob julgamento naquela eleição. Parecia haver crédito para um governo que dera cabo da insegurança quase absoluta da vida sob hiperinflação. Mesmo com a piora econômica palpável, as pesquisas do Datafolha da época indicavam relativa confiança no futuro. Tal patrimônio político, essa reserva de confiança, explodiria logo depois da eleição, com a desvalorização abrupta do real, mesmo antes de o efeito da crise se espalhar pelas ruas. A popularidade de FHC passaria a se arrastar para sempre.
Entre os anos horríveis de 2002 e 2003, o país quebrado, sob megadesvalorização cambial, inflação de alimentos a 20% anuais e de desemprego de quase 12%, a confiança econômica da população no entanto se recuperava. Havia então confiança em Lula.
O PIB de 2014 deve crescer 1% ou menos. Os estragos macroeconômicos são sérios, mas apenas agora começam a se tornar visíveis. Parecem ainda imateriais em um país de pleno emprego, um país no qual os que deixam de procurar trabalho muita vez o fazem devido a alguma folga na renda familiar. Um país de consumo ainda crescente; em que a inflação da comida baixou das alturas de 14% ao ano de 2013, embora os 6,5% da inflação média sejam um problema macroeconômico que ainda vai dar dor de cabeça.
Trata-se do mesmo país, porém, em que a percepção de insegurança econômica é maior que a registrada no péssimo biênio 2002-03. De um país em que, num ano de economia algo melhor, 2013, o prestígio da presidente foi talhado pela metade, por onde anda até agora. Ainda assim, um país que quase reelege a presidente no primeiro turno, por ora.
Não "é a economia, seu burro" (tradução melhor para o clichê americano "é a economia, estúpido"). Não só, indicam as histórias de FHC, Lula e Dilma.
Histórias de FHC, Lula e Dilma mostram que fortuna eleitoral não vem da "economia, seu burro"
NÃO É LÁ simples descobrir qual o grau, a abrangência e o tipo de degradação econômicos capazes de provocar danos decisivos no prestígio de um candidato à reeleição para presidente.
Ainda que o estrago seja extenso e afete as condições concretas da vida cotidiana, a opinião do grosso do eleitorado sobre o governante parece depender de algo mais: de memória, de confiança e do que inspiram as alternativas.
FHC reelegeu-se em 1998 quando a economia se esfrangalhava em várias frentes. A situação macroeconômica era grave. Mas, até que sobrevenha um colapso concreto, avaliações assim abstratas não costumam fazer sentido para o eleitorado. No entanto, aspectos da "vida real" também pioravam.
Em 1998,o PIB, não cresceu. Em se tratando apenas de um ano, tal fato não diz grande coisa sobre o cotidiano. A medida do PIB pode indicar uma economia em desequilíbrio e em degradação; no entanto, o consumo pode ser ainda crescente.
Naquele ano de 1998, porém, o consumo das famílias decrescia: andava pior que o PIB. A taxa de desemprego subiria de 5,7% em 1997 para 7,6% em 1998.
Em compensação, a inflação do ano seria de 1,6%. De 1994, ano da estabilização, a 1997, o país crescera em média 3,8% AO ANO. Não era brilhante, mas no TOTAL acumulado nos anos da hiperinflação, de 1988 a 1993, o crescimento não passara de 3,8%.
Um ano de consumo ruim não parecia sob julgamento naquela eleição. Parecia haver crédito para um governo que dera cabo da insegurança quase absoluta da vida sob hiperinflação. Mesmo com a piora econômica palpável, as pesquisas do Datafolha da época indicavam relativa confiança no futuro. Tal patrimônio político, essa reserva de confiança, explodiria logo depois da eleição, com a desvalorização abrupta do real, mesmo antes de o efeito da crise se espalhar pelas ruas. A popularidade de FHC passaria a se arrastar para sempre.
Entre os anos horríveis de 2002 e 2003, o país quebrado, sob megadesvalorização cambial, inflação de alimentos a 20% anuais e de desemprego de quase 12%, a confiança econômica da população no entanto se recuperava. Havia então confiança em Lula.
O PIB de 2014 deve crescer 1% ou menos. Os estragos macroeconômicos são sérios, mas apenas agora começam a se tornar visíveis. Parecem ainda imateriais em um país de pleno emprego, um país no qual os que deixam de procurar trabalho muita vez o fazem devido a alguma folga na renda familiar. Um país de consumo ainda crescente; em que a inflação da comida baixou das alturas de 14% ao ano de 2013, embora os 6,5% da inflação média sejam um problema macroeconômico que ainda vai dar dor de cabeça.
Trata-se do mesmo país, porém, em que a percepção de insegurança econômica é maior que a registrada no péssimo biênio 2002-03. De um país em que, num ano de economia algo melhor, 2013, o prestígio da presidente foi talhado pela metade, por onde anda até agora. Ainda assim, um país que quase reelege a presidente no primeiro turno, por ora.
Não "é a economia, seu burro" (tradução melhor para o clichê americano "é a economia, estúpido"). Não só, indicam as histórias de FHC, Lula e Dilma.
Como modernizar a indústria nacional - ADOLFO SACHSIDA
GAZETA DO POVO - PR - 13/07
O governo tem tentado repetidos planos para recuperar e modernizar a indústria nacional. Infelizmente, todas essas tentativas padecem do mesmo equívoco: são setores específicos, ou focam no problema errado. O problema da indústria nacional não é específico de um setor, e também não é a ausência de crédito, problemas comumente atacados pelo governo.
A indústria nacional tem cinco grandes vilões: complexidade e alto valor da carga tributária; inadequação da legislação trabalhista; burocracia governamental; baixo grau de abertura ao exterior; e instabilidade das regras. São esses os problemas a serem atacados. Enquanto o governo acreditar que o problema é a taxa de câmbio ou a falta de crédito, a indústria nacional continuará patinando.
O Brasil tem uma carga tributária beirando os 36% do PIB (para efeito de comparação, basta lembrar que Tiradentes se revoltou contra uma carga tributária de 20%). Não só isso: os impostos no Brasil são extremamente ineficientes do ponto de vista econômico, criando grandes distorções no mercado. E, para piorar, o Brasil é o país onde se gasta mais tempo para se calcular quanto se deve de imposto – são 2,6 mil horas gastas apenas nessa atividade. Na China são 398 horas.
A legislação trabalhista brasileira é confusa, ultrapassada e totalmente inadequada para dar conta da nova dinâmica do mercado de trabalho. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) data da era Vargas. É uma lei antiga, que gera um enorme passivo trabalhista nas empresas, e que dificulta a contratação de mão de obra pelas companhias. Uma modernização das relações de trabalho é urgente para dinamizar as indústrias.
A burocracia governamental se resume em uma frase: dentre 185 países, o Brasil encontra-se na posição 130 quanto à facilidade em fazer negócios. Isto é, nosso país é um dos piores locais no mundo para se fazer negócios. Muito do mau desempenho brasileiro refere-se à burocracia requerida das empresas nacionais.
O Brasil é um país fechado para o exterior. Num rol de 153 países, o Brasil ocupa a posição 114 em relação à sua liberdade econômica, Chegando à péssima 131.ª colocação quando se trata de abertura ao exterior. Isso limita severamente a produtividade da indústria nacional, origem principal do baixo crescimento industrial.
Por fim, temos uma instabilidade grande de regras por aqui. As regras tributárias mudam com frequência, novas decisões ou entendimentos da legislação alteram o passivo trabalhista, o governo interfere ativamente numa série de mercados (como no caso das empresas de energia) e as demandas jurídicas levam anos para chegar a uma conclusão. Tal instabilidade diminui o estímulo para novos investimentos, afetando negativamente a produtividade da economia.
Enfim, essas são as causas da baixa produtividade da economia brasileira. Ou atacamos com coragem a origem do problema, ou estaremos fadados a cometer sempre os mesmos erros – e condenando milhões de brasileiros a um baixo padrão de vida.
O governo tem tentado repetidos planos para recuperar e modernizar a indústria nacional. Infelizmente, todas essas tentativas padecem do mesmo equívoco: são setores específicos, ou focam no problema errado. O problema da indústria nacional não é específico de um setor, e também não é a ausência de crédito, problemas comumente atacados pelo governo.
A indústria nacional tem cinco grandes vilões: complexidade e alto valor da carga tributária; inadequação da legislação trabalhista; burocracia governamental; baixo grau de abertura ao exterior; e instabilidade das regras. São esses os problemas a serem atacados. Enquanto o governo acreditar que o problema é a taxa de câmbio ou a falta de crédito, a indústria nacional continuará patinando.
O Brasil tem uma carga tributária beirando os 36% do PIB (para efeito de comparação, basta lembrar que Tiradentes se revoltou contra uma carga tributária de 20%). Não só isso: os impostos no Brasil são extremamente ineficientes do ponto de vista econômico, criando grandes distorções no mercado. E, para piorar, o Brasil é o país onde se gasta mais tempo para se calcular quanto se deve de imposto – são 2,6 mil horas gastas apenas nessa atividade. Na China são 398 horas.
A legislação trabalhista brasileira é confusa, ultrapassada e totalmente inadequada para dar conta da nova dinâmica do mercado de trabalho. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) data da era Vargas. É uma lei antiga, que gera um enorme passivo trabalhista nas empresas, e que dificulta a contratação de mão de obra pelas companhias. Uma modernização das relações de trabalho é urgente para dinamizar as indústrias.
A burocracia governamental se resume em uma frase: dentre 185 países, o Brasil encontra-se na posição 130 quanto à facilidade em fazer negócios. Isto é, nosso país é um dos piores locais no mundo para se fazer negócios. Muito do mau desempenho brasileiro refere-se à burocracia requerida das empresas nacionais.
O Brasil é um país fechado para o exterior. Num rol de 153 países, o Brasil ocupa a posição 114 em relação à sua liberdade econômica, Chegando à péssima 131.ª colocação quando se trata de abertura ao exterior. Isso limita severamente a produtividade da indústria nacional, origem principal do baixo crescimento industrial.
Por fim, temos uma instabilidade grande de regras por aqui. As regras tributárias mudam com frequência, novas decisões ou entendimentos da legislação alteram o passivo trabalhista, o governo interfere ativamente numa série de mercados (como no caso das empresas de energia) e as demandas jurídicas levam anos para chegar a uma conclusão. Tal instabilidade diminui o estímulo para novos investimentos, afetando negativamente a produtividade da economia.
Enfim, essas são as causas da baixa produtividade da economia brasileira. Ou atacamos com coragem a origem do problema, ou estaremos fadados a cometer sempre os mesmos erros – e condenando milhões de brasileiros a um baixo padrão de vida.
Doença holandesa - CELSO MING (2)
O ESTADÃO - 13/07
O Brasil sofre ou não sofre da chamada doença holandesa?
O Brasil sofre ou não sofre da chamada doença holandesa? O ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges, advertiu há uma semana que o risco é alto, embora não tivesse adiantado de quanto é.
O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira vem afirmando que esta é uma doença crônica no Brasil pelo menos desde o início dos anos 90 e que precisa de terapias de choque: forte desvalorização cambial (ao menos 30%) e criação de um confisco sobre exportações de commodities.
Na Coluna de ontem avançou que esse diagnóstico é discutível. Pode-se admitir que o câmbio esteja mesmo fora de lugar e que tenda a se valorizar. E um dólar barato demais tende a tirar vitalidade e capacidade de competição da indústria.
O diagnóstico é discutível, por várias razões. Primeira, porque não há um conjunto de produtos de exportação no Brasil a cujas receitas se possa atribuir a capacidade de trazer dólares em quantidade tal que provoque valorização inexorável do real. As exportações de produtos básicos já correspondem a mais de 50% das exportações, é verdade.
No entanto, a entrada de moeda estrangeira proveniente de operações de comércio exterior é menos da metade da que provém de operações financeiras (veja gráfico acima). Aí se vê que parece descabido impor um confisco às exportações, se a maior porta de entrada de dólares são investimentos estrangeiros e aplicações no mercado financeiro. Tanto o afluxo de capitais é relevante, que tem sido apontado como o principal fator de valorização do real.
Quando a presidente Dilma se queixou dos efeitos sobre o câmbio produzidos pelo que chamou de “tsunami monetário” causado pela política dos grandes bancos centrais ou quando o ministro Guido Mantega denunciou o mesmo estrago causado pelo que chamou de guerra cambial, ambos apontaram fatores de valorização cambial de natureza diferente das provocadas por fortes receitas com as exportações de commodities.
Além disso, mal ou bem, o setor produtivo brasileiro está se inserindo nas cadeias mundiais de produção e distribuição. Não dá para produzir tudo por aqui. Cada vez mais a indústria depende de suprimentos externos de componentes, peças, máquinas e matérias-primas – e não só de capitais tomados por empréstimo, a que se refere Bresser-Pereira. Desvalorizar substancialmente a moeda nacional implicaria aumentar os custos de toda a cadeia produtiva nacional.
Mais consequente é o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges. Ele aceita o diagnóstico de doença holandesa, mas recomenda outro tratamento: o de aumentar a produtividade da indústria – e não o confisco de receitas dos exportadores de commodities.
Isso se faz com investimentos em infraestrutura, redução da carga tributária, educação e treinamento da mão de obra, reforma das leis trabalhistas, incentivos ao aprimoramento tecnológico, redução dos riscos judiciais, eliminação do excesso de burocracia – por aí.
É uma agenda totalmente diferente da empreendida pela chamada política industrial do governo Dilma, que tem criado distorções em cadeia e não evita a prostração da indústria.
O Brasil sofre ou não sofre da chamada doença holandesa?
O Brasil sofre ou não sofre da chamada doença holandesa? O ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges, advertiu há uma semana que o risco é alto, embora não tivesse adiantado de quanto é.
O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira vem afirmando que esta é uma doença crônica no Brasil pelo menos desde o início dos anos 90 e que precisa de terapias de choque: forte desvalorização cambial (ao menos 30%) e criação de um confisco sobre exportações de commodities.
Na Coluna de ontem avançou que esse diagnóstico é discutível. Pode-se admitir que o câmbio esteja mesmo fora de lugar e que tenda a se valorizar. E um dólar barato demais tende a tirar vitalidade e capacidade de competição da indústria.
O diagnóstico é discutível, por várias razões. Primeira, porque não há um conjunto de produtos de exportação no Brasil a cujas receitas se possa atribuir a capacidade de trazer dólares em quantidade tal que provoque valorização inexorável do real. As exportações de produtos básicos já correspondem a mais de 50% das exportações, é verdade.
No entanto, a entrada de moeda estrangeira proveniente de operações de comércio exterior é menos da metade da que provém de operações financeiras (veja gráfico acima). Aí se vê que parece descabido impor um confisco às exportações, se a maior porta de entrada de dólares são investimentos estrangeiros e aplicações no mercado financeiro. Tanto o afluxo de capitais é relevante, que tem sido apontado como o principal fator de valorização do real.
Quando a presidente Dilma se queixou dos efeitos sobre o câmbio produzidos pelo que chamou de “tsunami monetário” causado pela política dos grandes bancos centrais ou quando o ministro Guido Mantega denunciou o mesmo estrago causado pelo que chamou de guerra cambial, ambos apontaram fatores de valorização cambial de natureza diferente das provocadas por fortes receitas com as exportações de commodities.
Além disso, mal ou bem, o setor produtivo brasileiro está se inserindo nas cadeias mundiais de produção e distribuição. Não dá para produzir tudo por aqui. Cada vez mais a indústria depende de suprimentos externos de componentes, peças, máquinas e matérias-primas – e não só de capitais tomados por empréstimo, a que se refere Bresser-Pereira. Desvalorizar substancialmente a moeda nacional implicaria aumentar os custos de toda a cadeia produtiva nacional.
Mais consequente é o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges. Ele aceita o diagnóstico de doença holandesa, mas recomenda outro tratamento: o de aumentar a produtividade da indústria – e não o confisco de receitas dos exportadores de commodities.
Isso se faz com investimentos em infraestrutura, redução da carga tributária, educação e treinamento da mão de obra, reforma das leis trabalhistas, incentivos ao aprimoramento tecnológico, redução dos riscos judiciais, eliminação do excesso de burocracia – por aí.
É uma agenda totalmente diferente da empreendida pela chamada política industrial do governo Dilma, que tem criado distorções em cadeia e não evita a prostração da indústria.
Tragédia no Mineirão e a Lei Pelé - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 13/07
A Lei do Passe era como uma patente; permitia ao clube que recuperasse o que investiu para achar o craque
Passada a derrota, inicia-se a caça às bruxas. Todos procuram um culpado. De fato, esse esporte faz sentido. Uma tragédia desse tamanho é como acidente de avião. Ocorre em razão de uma soma de fatores, cada qual com seu quinhão de responsabilidade. Em última instância, nada isoladamente é responsável, apesar da associação de todos os fatores na forma e na ordem com que concorram como causa.
Certamente havia problemas na armação do meio de campo e a escalação correta seria com Paulinho no lugar de Bernard. No entanto, no momento do anúncio no estádio, todos ficaram felizes com Bernard no lugar de Neymar.
Também é verdade que a nova configuração da defesa, com David Luiz em posição trocada para a entrada de Dante, não funcionou. O primeiro gol, que abriu a porteira por onde passou a boiada de sete bois, deveu-se claramente a um erro de posicionamento da zaga.
Outro fato indiscutível é que o excesso de sentimentalismo e a autoimposição de uma responsabilidade descomunal --alegrar o povo brasileiro-- mais atrapalharam do que ajudaram. O time foi perdendo a alegria de jogar.
Todos esses argumentos constituem sabedoria a posteriori. Nada disso estava claro antes do começo da Copa do Mundo, nem antes da fatídica semifinal.
Outros fatores podem ser levantados. Nossos jogadores estão espalhados em diversos times, muitos deles em ligas de baixo nível técnico, o que comprometeu o rendimento.
Ganhar a Copa das Confederações é uma verdadeira faca de dois gumes. Estimula que o time e a comissão técnica acabem congelando a foto de um ano antes da Copa. Os outros evoluem e nosso time se defasa.
Um ponto que não tem chamado a atenção é que esta é a segunda Copa consecutiva em que temos um time fraco, com poucas estrelas.
Neste ano temos Neymar, em 2010 não tínhamos nenhum fora de série. Mesmo em 1990, considerado um dos piores times que já levamos para uma Copa, tínhamos dois, Careca e Romário, que acabou não jogando, pois estava lesionado.
Algo aconteceu. A capacidade do futebol brasileiro de gerar talentos reduziu-se muito.
Penso que a Lei Pelé reduziu muito o estímulo dos clubes em formar jogadores. O fim da Lei de Passe faz com que o ganho que um clube tem em formar um jogador fora de série seja muito menor que no passado.
A Lei do Passe funcionava da mesma forma que uma patente. O custo de desenvolver uma nova tecnologia é muito elevado. Se o custo de imitação for muito baixo, ninguém irá investir em pesquisa e desenvolvimento. A patente garante poder de monopólio por alguns anos, suficientes para que a empresa recupere o investimento.
No futebol a Lei do Passe funcionava como esse monopólio. No caso da formação de jogadores de futebol, o desenvolvimento da tecnologia está associado ao processo de "achar" o craque e de desenvolver sua potencialidade.
Achar o craque é mais difícil do que parece. O problema é que o craque não sabe que é craque, o olheiro não sabe e o técnico da escolinha não sabe. É impossível saber. Ser craque significa a pessoa ter um conjunto de características. Se uma delas falha, não temos mais o craque.
O talento é importante, mas não é a única característica. É necessário, por exemplo, ter uma rápida capacidade de recuperação. Candidatos a craque, como Pedrinho, ex-Vasco e Palmeiras, não se desenvolvem, pois se contundem com frequência e têm recuperação muito lenta. Simplesmente não conseguem desenvolver o potencial, pois estão o tempo todo de molho.
Ou seja, em uma escolinha de um clube de futebol há vários candidatos a Neymar que não vingam. E simplesmente não temos uma tecnologia que diga quem vingará e quem não vingará.
O clube tem que investir em centenas de candidatos a Neymar para produzir um Neymar. Assim, quando acha um Neymar, tem que ser remunerado não somente pelo custo de formação do Neymar mas também pelo custo de formação da centena que não vingou.
Esse é o problema. A Lei do Passe, com todos os seus problemas, era uma forma de abordar essa questão. Precisamos encontrar um substituto para a Lei do Passe. Aparentemente a legislação atual não estimula suficientemente o esforço de formação.
A Lei do Passe era como uma patente; permitia ao clube que recuperasse o que investiu para achar o craque
Passada a derrota, inicia-se a caça às bruxas. Todos procuram um culpado. De fato, esse esporte faz sentido. Uma tragédia desse tamanho é como acidente de avião. Ocorre em razão de uma soma de fatores, cada qual com seu quinhão de responsabilidade. Em última instância, nada isoladamente é responsável, apesar da associação de todos os fatores na forma e na ordem com que concorram como causa.
Certamente havia problemas na armação do meio de campo e a escalação correta seria com Paulinho no lugar de Bernard. No entanto, no momento do anúncio no estádio, todos ficaram felizes com Bernard no lugar de Neymar.
Também é verdade que a nova configuração da defesa, com David Luiz em posição trocada para a entrada de Dante, não funcionou. O primeiro gol, que abriu a porteira por onde passou a boiada de sete bois, deveu-se claramente a um erro de posicionamento da zaga.
Outro fato indiscutível é que o excesso de sentimentalismo e a autoimposição de uma responsabilidade descomunal --alegrar o povo brasileiro-- mais atrapalharam do que ajudaram. O time foi perdendo a alegria de jogar.
Todos esses argumentos constituem sabedoria a posteriori. Nada disso estava claro antes do começo da Copa do Mundo, nem antes da fatídica semifinal.
Outros fatores podem ser levantados. Nossos jogadores estão espalhados em diversos times, muitos deles em ligas de baixo nível técnico, o que comprometeu o rendimento.
Ganhar a Copa das Confederações é uma verdadeira faca de dois gumes. Estimula que o time e a comissão técnica acabem congelando a foto de um ano antes da Copa. Os outros evoluem e nosso time se defasa.
Um ponto que não tem chamado a atenção é que esta é a segunda Copa consecutiva em que temos um time fraco, com poucas estrelas.
Neste ano temos Neymar, em 2010 não tínhamos nenhum fora de série. Mesmo em 1990, considerado um dos piores times que já levamos para uma Copa, tínhamos dois, Careca e Romário, que acabou não jogando, pois estava lesionado.
Algo aconteceu. A capacidade do futebol brasileiro de gerar talentos reduziu-se muito.
Penso que a Lei Pelé reduziu muito o estímulo dos clubes em formar jogadores. O fim da Lei de Passe faz com que o ganho que um clube tem em formar um jogador fora de série seja muito menor que no passado.
A Lei do Passe funcionava da mesma forma que uma patente. O custo de desenvolver uma nova tecnologia é muito elevado. Se o custo de imitação for muito baixo, ninguém irá investir em pesquisa e desenvolvimento. A patente garante poder de monopólio por alguns anos, suficientes para que a empresa recupere o investimento.
No futebol a Lei do Passe funcionava como esse monopólio. No caso da formação de jogadores de futebol, o desenvolvimento da tecnologia está associado ao processo de "achar" o craque e de desenvolver sua potencialidade.
Achar o craque é mais difícil do que parece. O problema é que o craque não sabe que é craque, o olheiro não sabe e o técnico da escolinha não sabe. É impossível saber. Ser craque significa a pessoa ter um conjunto de características. Se uma delas falha, não temos mais o craque.
O talento é importante, mas não é a única característica. É necessário, por exemplo, ter uma rápida capacidade de recuperação. Candidatos a craque, como Pedrinho, ex-Vasco e Palmeiras, não se desenvolvem, pois se contundem com frequência e têm recuperação muito lenta. Simplesmente não conseguem desenvolver o potencial, pois estão o tempo todo de molho.
Ou seja, em uma escolinha de um clube de futebol há vários candidatos a Neymar que não vingam. E simplesmente não temos uma tecnologia que diga quem vingará e quem não vingará.
O clube tem que investir em centenas de candidatos a Neymar para produzir um Neymar. Assim, quando acha um Neymar, tem que ser remunerado não somente pelo custo de formação do Neymar mas também pelo custo de formação da centena que não vingou.
Esse é o problema. A Lei do Passe, com todos os seus problemas, era uma forma de abordar essa questão. Precisamos encontrar um substituto para a Lei do Passe. Aparentemente a legislação atual não estimula suficientemente o esforço de formação.
Classe média na penúria - GILSON E. FONSECA
ESTADO DE MINAS - 13/07
O governo federal não se cansa de se vangloriar do crescimento da distribuição da riqueza, exaltando o PIB per capita atual chegando a R$ 23 mil anuais. O pobre realmente tem sido o mais beneficiado, com maior acesso aos bens essenciais. Entretanto, a classe média está, há muito tempo, perdendo seu poder de compra. O que vem acontecendo é o crescimento da classe média baixa, que segundo o IBGE é aquela que tem renda familiar de dois a seis salários mínimos para família de quatro membros. De 1970 a 1985, a classe média brasileira saboreou a força econômica. Com o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, a renda do casal propiciava forte poder de compra, podendo comprar a casa própria, trocar de carro quase todo ano, pagar bons colégios para os filhos, férias regulares com a família, além de uma boa poupança.
Mas o governo não deve e não pode se contentar só com garantia da cesta básica, é preciso uma atenção maior com outras demandas. A crise mundial de 2008 teve origem justamente no endividamento da classe média americana, que foi seduzida por fartos e irresponsáveis financiamentos de imóveis, o chamado subprime, que arrastou bancos e empresas. No Brasil, o risco também é grande, pois o governo estimula o consumo, mais do que o investimento. Nessa premissa, a classe média brasileira está se enfraquecendo acentuadamente. Financiamentos generosos, sobretudo de carros, a perder de vista, já trouxeram como consequência crescente inadimplência e perda de poupança. Hoje, temos um holofote vermelho aceso: a poupança perdeu em depósitos 66% neste semestre. Dívida com renda compatível não é problema. O que complica é a queda da renda combinada com endividamento, como está ocorrendo. A relação custo/renda mensal de manutenção das famílias de classe média vem há muitos anos crescendo, além do medo da perda do emprego. Os colégios têm aumentado mensalidades mais do dobro da inflação, costumeiramente, porque há amparo legal. O governo é o primeiro a bancar o espertalhão. Como pode corrigir a tabela do Imposto de Renda em apenas 4,5%? Que lógica é essa, se a inflação é muito maior? A taxa de lixo no IPTU de 2014 subiu 45,45%. Agora, planos de saúde sobem 9,65% e o salário apenas "corrigido" por índices de inflação em que ninguém acredita. O pior de tudo é o governo fugir das suas obrigações básicas. Com a saúde e a educação públicas ninguém pode contar mais. Quem depende do SUS corre o risco de morrer antes mesmo de fazer os exames para diagnóstico da doença. Escolas públicas não oferecem qualidade de ensino, segurança.
A modernidade também gera despesas. Quem fica sem TV a cabo, internet e celular? A importância da classe média na economia não é só para fortalecer o consumo. Nela residem os maiores talentos, porque os pobres não têm plenas condições de desenvolver-se, por faltar-lhes quase tudo, e os ricos só pensam em aumentar seus ganhos. O Brasil, seguindo tendência mundial, está deixando de formar megaempresas, surgindo, sistematicamente, uma multiplicação de empresas menores e crescimento exponencial de prestadores de serviços. A classe média fortalecida se encaixaria aí, mas, em declínio como está, todos perderemos.
O governo federal não se cansa de se vangloriar do crescimento da distribuição da riqueza, exaltando o PIB per capita atual chegando a R$ 23 mil anuais. O pobre realmente tem sido o mais beneficiado, com maior acesso aos bens essenciais. Entretanto, a classe média está, há muito tempo, perdendo seu poder de compra. O que vem acontecendo é o crescimento da classe média baixa, que segundo o IBGE é aquela que tem renda familiar de dois a seis salários mínimos para família de quatro membros. De 1970 a 1985, a classe média brasileira saboreou a força econômica. Com o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, a renda do casal propiciava forte poder de compra, podendo comprar a casa própria, trocar de carro quase todo ano, pagar bons colégios para os filhos, férias regulares com a família, além de uma boa poupança.
Mas o governo não deve e não pode se contentar só com garantia da cesta básica, é preciso uma atenção maior com outras demandas. A crise mundial de 2008 teve origem justamente no endividamento da classe média americana, que foi seduzida por fartos e irresponsáveis financiamentos de imóveis, o chamado subprime, que arrastou bancos e empresas. No Brasil, o risco também é grande, pois o governo estimula o consumo, mais do que o investimento. Nessa premissa, a classe média brasileira está se enfraquecendo acentuadamente. Financiamentos generosos, sobretudo de carros, a perder de vista, já trouxeram como consequência crescente inadimplência e perda de poupança. Hoje, temos um holofote vermelho aceso: a poupança perdeu em depósitos 66% neste semestre. Dívida com renda compatível não é problema. O que complica é a queda da renda combinada com endividamento, como está ocorrendo. A relação custo/renda mensal de manutenção das famílias de classe média vem há muitos anos crescendo, além do medo da perda do emprego. Os colégios têm aumentado mensalidades mais do dobro da inflação, costumeiramente, porque há amparo legal. O governo é o primeiro a bancar o espertalhão. Como pode corrigir a tabela do Imposto de Renda em apenas 4,5%? Que lógica é essa, se a inflação é muito maior? A taxa de lixo no IPTU de 2014 subiu 45,45%. Agora, planos de saúde sobem 9,65% e o salário apenas "corrigido" por índices de inflação em que ninguém acredita. O pior de tudo é o governo fugir das suas obrigações básicas. Com a saúde e a educação públicas ninguém pode contar mais. Quem depende do SUS corre o risco de morrer antes mesmo de fazer os exames para diagnóstico da doença. Escolas públicas não oferecem qualidade de ensino, segurança.
A modernidade também gera despesas. Quem fica sem TV a cabo, internet e celular? A importância da classe média na economia não é só para fortalecer o consumo. Nela residem os maiores talentos, porque os pobres não têm plenas condições de desenvolver-se, por faltar-lhes quase tudo, e os ricos só pensam em aumentar seus ganhos. O Brasil, seguindo tendência mundial, está deixando de formar megaempresas, surgindo, sistematicamente, uma multiplicação de empresas menores e crescimento exponencial de prestadores de serviços. A classe média fortalecida se encaixaria aí, mas, em declínio como está, todos perderemos.
Cúpula de Fortaleza - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 13/07
A semana diplomática começa com agenda cheia e presença de líderes poderosos no Brasil. A cúpula de Fortaleza vai tentar dar ao Brics consistência que transforme o grupo em algo mais do que uma junção de letrinhas. São países sem convergências naturais, "uma tribo que só tem cacique", como diz o embaixador Marcos Azambuja, mas que pode vir a ser uma instância relevante.
Em uma entrevista concedida no Rio, jornalistas perguntaram ao embaixador José Alfredo Graça Lima o que, afinal de contas, é o Brics. Ele respondeu que é mais fácil dizer o que não é. De fato, não é uma união aduaneira, ou zona de comércio, nem mesmo um grupo criado por identidades culturais ou proximidades geográficas. Analistas oscilam entre considerar que é apenas um acrônimo inventado por um economista ou o início de uma nova estrutura de poder multipolar.
A economista Lia Valls, do Centro Brasileiro de Economia da FGV, lembra que entre os pontos em comum está o fato de que todos os cinco - China, Índia, Brasil, Rússia e África do Sul - querem maior flexibilização nas organizações financeiras internacionais.
Na reunião de Fortaleza, os países querem dar passos concretos na criação de um banco de desenvolvimento que financie obras de infraestrutura, chamado Novo Banco de Desenvolvimento, e um fundo contingente de reservas para socorrer os países que venham a ter dificuldades no balanço de pagamentos.
Se alguém lembrar das funções do Banco Mundial e do FMI não será mera coincidência. Eles estão começando a criar o que o embaixador Graça Lima chamou de "organizações espelho". Lia Valls acha que eles não querem competir com essas entidades. Nem faria sentido. Segundo Graça Lima, eles não estão "confrontando" mas apenas "suplementando" as entidades tradicionais. Estão também, acho, dando um passo a mais nas reclamações que fazem da viciada estrutura de poder nas instituições criadas no pós-guerra.
A China, por exemplo, gostaria de ter a presidência do Banco Mundial, mas o caduco acordo entre os países que criou as instituições estabelece que Estados Unidos e Europa sempre vão dirigir as duas organizações.
O embaixador Marcos Azambuja, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), disse que o Brics está ganhando substância porque o G-7 se negou a ser ampliado, o G-20 é grande demais, e as estruturas antigas, muito resistentes às mudanças. "O Brics é uma agenda de oportunidade. A construção de uma afinidade que não é espontânea, mas que eles foram forjando à medida que foram caminhando. Surgiu um espaço para o Brics porque as instituições e arranjos existentes não eram suficientes."
Seja como for, alguma coisa acontece quando se juntam numa reunião líderes como Xi Jiping, o presidente da China que assumiu o poder em 2012, com um mandato de dez anos, o novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que acaba de ser eleito, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e os presidentes do Brasil e da África do Sul, Dilma Rousseff e Jacob Zuma. A presença de Putin cria um constrangimento. Ele está no meio de uma ofensiva territorial. Anexou a Crimeia e invade território e espaço aéreo da Ucrânia. Putin gostaria que o grupo fizesse críticas às sanções que está enfrentando. E o Brasil tenta não recusar nem aceitar esse pedido, como é típico da diplomacia brasileira.
O embaixador acha que não haverá aqui nenhum endosso implícito às decisões de Putin, mas que a Rússia pós-soviética encolheu demais:
- A astúcia é que Putin age sobre a Ucrânia, que é independente, mas é também muito russa. O Ocidente não conseguiu ainda dar uma resposta. Ele não pode é ir além disso.
A grande novidade do encontro será a presença de Narendra Modi. Ele foi por 13 anos governante do estado de Gujarat, que teve taxas de crescimento muito mais fortes do que as do resto da Índia. Foi eleito derrotando o governo, com o lema do combate à corrupção. Seu partido ultranacionalista hinduísta é visto com temores pelas minorias religiosas indianas, principalmente os muçulmanos, vítimas de tumultos antimuçulmanos no estado que foi governado por ele e que deixou, em 2002, dois mil mortos. Sua exposição internacional é pequena e por isso sua vinda ao Brasil é aguardada até com curiosidade.
A semana diplomática começa com agenda cheia e presença de líderes poderosos no Brasil. A cúpula de Fortaleza vai tentar dar ao Brics consistência que transforme o grupo em algo mais do que uma junção de letrinhas. São países sem convergências naturais, "uma tribo que só tem cacique", como diz o embaixador Marcos Azambuja, mas que pode vir a ser uma instância relevante.
Em uma entrevista concedida no Rio, jornalistas perguntaram ao embaixador José Alfredo Graça Lima o que, afinal de contas, é o Brics. Ele respondeu que é mais fácil dizer o que não é. De fato, não é uma união aduaneira, ou zona de comércio, nem mesmo um grupo criado por identidades culturais ou proximidades geográficas. Analistas oscilam entre considerar que é apenas um acrônimo inventado por um economista ou o início de uma nova estrutura de poder multipolar.
A economista Lia Valls, do Centro Brasileiro de Economia da FGV, lembra que entre os pontos em comum está o fato de que todos os cinco - China, Índia, Brasil, Rússia e África do Sul - querem maior flexibilização nas organizações financeiras internacionais.
Na reunião de Fortaleza, os países querem dar passos concretos na criação de um banco de desenvolvimento que financie obras de infraestrutura, chamado Novo Banco de Desenvolvimento, e um fundo contingente de reservas para socorrer os países que venham a ter dificuldades no balanço de pagamentos.
Se alguém lembrar das funções do Banco Mundial e do FMI não será mera coincidência. Eles estão começando a criar o que o embaixador Graça Lima chamou de "organizações espelho". Lia Valls acha que eles não querem competir com essas entidades. Nem faria sentido. Segundo Graça Lima, eles não estão "confrontando" mas apenas "suplementando" as entidades tradicionais. Estão também, acho, dando um passo a mais nas reclamações que fazem da viciada estrutura de poder nas instituições criadas no pós-guerra.
A China, por exemplo, gostaria de ter a presidência do Banco Mundial, mas o caduco acordo entre os países que criou as instituições estabelece que Estados Unidos e Europa sempre vão dirigir as duas organizações.
O embaixador Marcos Azambuja, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), disse que o Brics está ganhando substância porque o G-7 se negou a ser ampliado, o G-20 é grande demais, e as estruturas antigas, muito resistentes às mudanças. "O Brics é uma agenda de oportunidade. A construção de uma afinidade que não é espontânea, mas que eles foram forjando à medida que foram caminhando. Surgiu um espaço para o Brics porque as instituições e arranjos existentes não eram suficientes."
Seja como for, alguma coisa acontece quando se juntam numa reunião líderes como Xi Jiping, o presidente da China que assumiu o poder em 2012, com um mandato de dez anos, o novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que acaba de ser eleito, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e os presidentes do Brasil e da África do Sul, Dilma Rousseff e Jacob Zuma. A presença de Putin cria um constrangimento. Ele está no meio de uma ofensiva territorial. Anexou a Crimeia e invade território e espaço aéreo da Ucrânia. Putin gostaria que o grupo fizesse críticas às sanções que está enfrentando. E o Brasil tenta não recusar nem aceitar esse pedido, como é típico da diplomacia brasileira.
O embaixador acha que não haverá aqui nenhum endosso implícito às decisões de Putin, mas que a Rússia pós-soviética encolheu demais:
- A astúcia é que Putin age sobre a Ucrânia, que é independente, mas é também muito russa. O Ocidente não conseguiu ainda dar uma resposta. Ele não pode é ir além disso.
A grande novidade do encontro será a presença de Narendra Modi. Ele foi por 13 anos governante do estado de Gujarat, que teve taxas de crescimento muito mais fortes do que as do resto da Índia. Foi eleito derrotando o governo, com o lema do combate à corrupção. Seu partido ultranacionalista hinduísta é visto com temores pelas minorias religiosas indianas, principalmente os muçulmanos, vítimas de tumultos antimuçulmanos no estado que foi governado por ele e que deixou, em 2002, dois mil mortos. Sua exposição internacional é pequena e por isso sua vinda ao Brasil é aguardada até com curiosidade.
Crises e viradas - HENRIQUE MEIRELLES
FOLHA DE SP - 13/07
O colapso do sistema financeiro nos países centrais gerou medidas para a prevenção de crises futuras, com lições importantes que podem ser aplicadas em várias áreas. Inclusive nesta sofrida crise pós-goleada para a bem preparada seleção alemã. Um resultado que escancarou a crise do futebol brasileiro, reforçado pela derrota contra a Holanda.
A primeira lição da crise é a necessidade de dimensioná-la corretamente. Tentativas diversas por motivos distintos de subdimensioná-la, classificá-la como acidente ou determinar motivações ou razões específicas e menores são a pior abordagem possível. No caso da seleção brasileira, atribuir o fiasco a um apagão momentâneo ou a um acidente de percurso e dizer que vamos dar a volta por cima não são abordagens aceitáveis ou eficazes.
O fato é que tivemos uma seleção despreparada, sem esquema tático definido, sem fluidez de jogo, com jogadores desentrosados e descontrolados emocionalmente. Um time que, desde os primeiros jogos, dava sinais de desastre eminente, mas que não foram devidamente valorizados.
Entre os episódios subestimados podemos listar os choros compulsivos, as dificuldades de finalização, o trauma na cobrança dos pênaltis, os sinais evidentes de desentrosamento tático, físico e emocional. Tivemos ainda a propagação da ideia de que a tática do jogo feio seria a mais eficiente para chegar ao título, o que evidentemente caiu por terra frente à dura realidade dos 7 a 1.
Não há vantagem em ser goleado dessa maneira, mas agora é possível diagnosticar de forma séria o tamanho do desastre e identificar as suas causas. O que leva uma seleção pentacampeã mundial a, jogando em casa e com enorme apoio da torcida, chegar a uma semifinal de Copa do Mundo com time tão desesperado e atabalhoado?
O que aconteceu no Mineirão deixou ainda mais claro que há algo profundamente errado na estrutura futebolística brasileira. Para superarmos essa fase, é preciso analisá-la de forma sistemática e criar propostas objetivas para superá-la.
Sob o impacto dos sete gols e da forma fácil como fomos abatidos em campo, são naturais as fortes reações emocionais, as frases de efeito, as análises simplistas. Tudo isso era esperado em momento como este. Agora nós temos que nos dedicar de forma séria e sistemática à análise das causas do desastre e à busca de soluções efetivas.
Não podemos vacilar na reação a essa crise no futebol, porque senão ela trará ainda mais problemas e ainda mais decepções. Como, aliás, costuma acontecer também nas crises econômicas.
O colapso do sistema financeiro nos países centrais gerou medidas para a prevenção de crises futuras, com lições importantes que podem ser aplicadas em várias áreas. Inclusive nesta sofrida crise pós-goleada para a bem preparada seleção alemã. Um resultado que escancarou a crise do futebol brasileiro, reforçado pela derrota contra a Holanda.
A primeira lição da crise é a necessidade de dimensioná-la corretamente. Tentativas diversas por motivos distintos de subdimensioná-la, classificá-la como acidente ou determinar motivações ou razões específicas e menores são a pior abordagem possível. No caso da seleção brasileira, atribuir o fiasco a um apagão momentâneo ou a um acidente de percurso e dizer que vamos dar a volta por cima não são abordagens aceitáveis ou eficazes.
O fato é que tivemos uma seleção despreparada, sem esquema tático definido, sem fluidez de jogo, com jogadores desentrosados e descontrolados emocionalmente. Um time que, desde os primeiros jogos, dava sinais de desastre eminente, mas que não foram devidamente valorizados.
Entre os episódios subestimados podemos listar os choros compulsivos, as dificuldades de finalização, o trauma na cobrança dos pênaltis, os sinais evidentes de desentrosamento tático, físico e emocional. Tivemos ainda a propagação da ideia de que a tática do jogo feio seria a mais eficiente para chegar ao título, o que evidentemente caiu por terra frente à dura realidade dos 7 a 1.
Não há vantagem em ser goleado dessa maneira, mas agora é possível diagnosticar de forma séria o tamanho do desastre e identificar as suas causas. O que leva uma seleção pentacampeã mundial a, jogando em casa e com enorme apoio da torcida, chegar a uma semifinal de Copa do Mundo com time tão desesperado e atabalhoado?
O que aconteceu no Mineirão deixou ainda mais claro que há algo profundamente errado na estrutura futebolística brasileira. Para superarmos essa fase, é preciso analisá-la de forma sistemática e criar propostas objetivas para superá-la.
Sob o impacto dos sete gols e da forma fácil como fomos abatidos em campo, são naturais as fortes reações emocionais, as frases de efeito, as análises simplistas. Tudo isso era esperado em momento como este. Agora nós temos que nos dedicar de forma séria e sistemática à análise das causas do desastre e à busca de soluções efetivas.
Não podemos vacilar na reação a essa crise no futebol, porque senão ela trará ainda mais problemas e ainda mais decepções. Como, aliás, costuma acontecer também nas crises econômicas.
Na paixão da guerra, um herói de caráter - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 13/07
Charlie Brown levou 47 anos para entender o com-portamento daquele piloto alemão numa tarde de 1943
Ao final de um mês de paixões, tristezas, alegrias e cavalheirismo, aqui vai uma história na qual esses ingredientes se misturaram no pior dos cenários, o da guerra.
Em março de 1946, um ano depois da derrota da Alemanha, Franz Stigler estava em busca de trabalho quando foi reconhecido pela boa qualidade de sua botas. Eram as botas dos pilotos da Luftwaffe, aqueles que, segundo a propaganda do governo, salvariam a Alemanha da derrota. Dos 28 mil pilotos do Reich, haviam sobrado só 1.200, mas ele foi reconhecido e insultado pelos compatriotas. Esse pedaço da vida mostrou-lhe que as botas da glória haviam-se transformado em marca de opróbrio. Franz não era um homem qualquer, mas, em 1946, ninguém haveria de se lembrar dele.
Salvo Charlie Brown. Três anos antes, Franz pilotava um caça Bf-109, protegendo o norte da Alemanha, quando alcançou um B-17 de uma esquadrilha que bombardeara a região de Bremen. O avião americano estava em pandarecos. Ele podia ver tripulantes feridos e rombos na fuselagem. Tirou o dedo do gatilho e emparelhou seu caça com o bombardeiro. Aquele avião não podia estar voando. Charlie Brown, o piloto do B-17, esperava apenas pelos últimos tiros. Viu o piloto alemão movendo a cabeça num incompreensível sinal afirmativo e achou que estivesse sonhando. Franz escoltou o B-17 durante dez minutos. Quando ele se aproximou da costa da Inglaterra, balançou as asas e voltou para a base alemã: "Não se atira em paraquedista. O avião estava fora de combate. Eu não carregaria isso na consciência".
Charlie contou aos seus superiores o que lhe acontecera, mas mandaram-no ficar calado, pois propagaria um episódio capaz de comover os colegas com a ideia de que havia alemães civilizados.
Franz sobreviveu à guerra, mudou-se para o Canadá e só contou sua história em 1985. Não sabia o que acontecera ao B-17. De 12 mil bombardeiros, 5.000 haviam sido destruídos em combate. Na outra ponta, Charlie Brown, que vivia na Flórida, sonhava em encontrar aquele alemão. Escreveu uma carta para uma revista, descrevendo o estado de seu avião, com o cuidado de omitir um importante detalhe. Em 1990 os dois encontraram-se. Franz tinha 75 anos, e Charlie, 68. O alemão lembrou-lhe que o B-17 estava com o estabilizador destruído. Era o detalhe omitido.
Pouco depois, todos os sobreviventes do B-17 reuniram-se, levando suas famílias. Eram 25 homens e crianças que deviam a vida a um homem que não apertou o gatilho.
Franz morreu em março de 2008. Charlie, em novembro.
Serviço: Essa história está contada no livro "A Higher Call", de Adam Makos (custa US$ 9,99, na rede), e vai virar filme.
CONTAS
Ficando no Supremo Tribunal Federal até 6 de agosto, o ministro Joaquim Barbosa poderá organizar melhor a transferência do seu gabinete para o sucessor. Lateralmente, terá direito também a receber o adicional de um terço de um salário, que perderia se fosse embora logo. Juntando tudo, dá pouco mais de R$ 10 mil.
COÊLHO NO STF
Se há alguém trabalhando para que Marcus Vinicius Coêlho, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seja nomeado para a vaga do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal, é possível que esteja usando seu santo nome em vão. Há poucos dias, ele assegurou que não pretende deixar a OAB, interrompendo um mandato que vai até 2016. O doutor garante isso desde janeiro. Ele prometia que em seu mandato realizaria um plebiscito entre os advogados para decidir se a eleição indireta é a melhor forma para a escolha da direção da OAB e dizia-se disposto a colocar as contas da instituição na internet.
JOÃO CABRAL
Acaba de sair pela Editora da Unicamp o livro "Imaginando João Cabral Imaginando", da professora Cristina Henrique da Costa. É um mergulho na obra do poeta, inclusive na sua produção anterior a 1950.
Um tesouro para seus estudiosos, com surpresas para quem vê na sua obra racionalidade demais e subjetividade de menos.
CONTAS SUÍÇAS
Se tudo correr bem, um cacique do banco UBS fecha com a Prefeitura de São Paulo um acordo para ressarcir a Viúva por causa dos depósitos de Paulo Maluf que acolheu ao tempo em que ele governava a cidade.
O PADRÃO CBF
Ao sair da CBF, Ricardo Teixeira deixou um jatão de 18 lugares e um helicóptero Agusta de 15, que custou 14 milhões de dólares.
Nos últimos anos, o Agusta foi usado como táxi pelos presidentes José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, que moram em São Paulo, para seus deslocamentos até o Rio de Janeiro, pousando perto da CBF.
Esse é o padrão de maganos que vivem como milionários com os recursos alheios.
O PADRÃO MELLON
A casa de leilões Sotheby's ganhou a disputa para leiloar a coleção de arte de "Bunny" Mellon, que morreu em março passado, aos 103 anos. No seu sobrenome brilha o padrão dos milionários americanos da Nova Inglaterra.
Será coisa de mais de 100 milhões de dólares em obras de arte, joias e móveis. O dinheiro irá para uma fundação que cuida da biblioteca pública onde estão os livros raros que ela e o marido doaram. Ele, Paul, era filho de Andrew Mellon, que deu aos Estados Unidos o núcleo central da National Gallery de Washington. Passou a vida dando o que tinha. Bailarinas de Degas, como a do Masp, deu duas. Morrendo, chamou os amigos para que levassem suas roupas, desde que lhe deixassem um terno para a última saída.
"Bunny" ajudou a inventar Jacqueline Kennedy. Magistral jardineira, cuidou das flores no enterro do presidente. Ela não era uma milionária emergente, das que têm avião. Tinha aeroporto. Quando a atriz Audrey Hepburn estava doente e precisava de transporte para atravessar o Atlântico, emprestou-lhe seu jatinho, repleto de flores.
UM TRUQUE NADA MERITOCRÁTICO
Apareceu mais um contrabando de medida provisória. Desta vez, na MP 641. Ele mexe com o regime de cobrança de impostos ao setor de bebidas frias, que inclui cervejas, refrigerantes e energéticos. Os repórteres Raphael Di Cunto, Marina Falcão e Fernando Torres mostraram que o gato foi colocado na tuba de uma MP que tratava da comercialização de energia.
Trata-se de um setor bilionário, onde há empresários que servem de modelo para milhares de jovens. Não é razoável que permitam o encaminhamento de seus interesses por meio de jabutis. No ano passado, as bebidas subiram 10,52%, contra uma inflação de 5,91%.
A metodologia proposta no contrabando pode até ser a melhor, mas não é assim que se fazem as coisas. Assim como não se deve pedir a uma pessoa que assine um contrato depois de tomar duas dúzias de cervejas, não se deve mexer no sistema tributário no escurinho de uma MP, aproveitando-se de um ano eleitoral, com um Congresso em fim de feira.
Charlie Brown levou 47 anos para entender o com-portamento daquele piloto alemão numa tarde de 1943
Ao final de um mês de paixões, tristezas, alegrias e cavalheirismo, aqui vai uma história na qual esses ingredientes se misturaram no pior dos cenários, o da guerra.
Em março de 1946, um ano depois da derrota da Alemanha, Franz Stigler estava em busca de trabalho quando foi reconhecido pela boa qualidade de sua botas. Eram as botas dos pilotos da Luftwaffe, aqueles que, segundo a propaganda do governo, salvariam a Alemanha da derrota. Dos 28 mil pilotos do Reich, haviam sobrado só 1.200, mas ele foi reconhecido e insultado pelos compatriotas. Esse pedaço da vida mostrou-lhe que as botas da glória haviam-se transformado em marca de opróbrio. Franz não era um homem qualquer, mas, em 1946, ninguém haveria de se lembrar dele.
Salvo Charlie Brown. Três anos antes, Franz pilotava um caça Bf-109, protegendo o norte da Alemanha, quando alcançou um B-17 de uma esquadrilha que bombardeara a região de Bremen. O avião americano estava em pandarecos. Ele podia ver tripulantes feridos e rombos na fuselagem. Tirou o dedo do gatilho e emparelhou seu caça com o bombardeiro. Aquele avião não podia estar voando. Charlie Brown, o piloto do B-17, esperava apenas pelos últimos tiros. Viu o piloto alemão movendo a cabeça num incompreensível sinal afirmativo e achou que estivesse sonhando. Franz escoltou o B-17 durante dez minutos. Quando ele se aproximou da costa da Inglaterra, balançou as asas e voltou para a base alemã: "Não se atira em paraquedista. O avião estava fora de combate. Eu não carregaria isso na consciência".
Charlie contou aos seus superiores o que lhe acontecera, mas mandaram-no ficar calado, pois propagaria um episódio capaz de comover os colegas com a ideia de que havia alemães civilizados.
Franz sobreviveu à guerra, mudou-se para o Canadá e só contou sua história em 1985. Não sabia o que acontecera ao B-17. De 12 mil bombardeiros, 5.000 haviam sido destruídos em combate. Na outra ponta, Charlie Brown, que vivia na Flórida, sonhava em encontrar aquele alemão. Escreveu uma carta para uma revista, descrevendo o estado de seu avião, com o cuidado de omitir um importante detalhe. Em 1990 os dois encontraram-se. Franz tinha 75 anos, e Charlie, 68. O alemão lembrou-lhe que o B-17 estava com o estabilizador destruído. Era o detalhe omitido.
Pouco depois, todos os sobreviventes do B-17 reuniram-se, levando suas famílias. Eram 25 homens e crianças que deviam a vida a um homem que não apertou o gatilho.
Franz morreu em março de 2008. Charlie, em novembro.
Serviço: Essa história está contada no livro "A Higher Call", de Adam Makos (custa US$ 9,99, na rede), e vai virar filme.
CONTAS
Ficando no Supremo Tribunal Federal até 6 de agosto, o ministro Joaquim Barbosa poderá organizar melhor a transferência do seu gabinete para o sucessor. Lateralmente, terá direito também a receber o adicional de um terço de um salário, que perderia se fosse embora logo. Juntando tudo, dá pouco mais de R$ 10 mil.
COÊLHO NO STF
Se há alguém trabalhando para que Marcus Vinicius Coêlho, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seja nomeado para a vaga do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal, é possível que esteja usando seu santo nome em vão. Há poucos dias, ele assegurou que não pretende deixar a OAB, interrompendo um mandato que vai até 2016. O doutor garante isso desde janeiro. Ele prometia que em seu mandato realizaria um plebiscito entre os advogados para decidir se a eleição indireta é a melhor forma para a escolha da direção da OAB e dizia-se disposto a colocar as contas da instituição na internet.
JOÃO CABRAL
Acaba de sair pela Editora da Unicamp o livro "Imaginando João Cabral Imaginando", da professora Cristina Henrique da Costa. É um mergulho na obra do poeta, inclusive na sua produção anterior a 1950.
Um tesouro para seus estudiosos, com surpresas para quem vê na sua obra racionalidade demais e subjetividade de menos.
CONTAS SUÍÇAS
Se tudo correr bem, um cacique do banco UBS fecha com a Prefeitura de São Paulo um acordo para ressarcir a Viúva por causa dos depósitos de Paulo Maluf que acolheu ao tempo em que ele governava a cidade.
O PADRÃO CBF
Ao sair da CBF, Ricardo Teixeira deixou um jatão de 18 lugares e um helicóptero Agusta de 15, que custou 14 milhões de dólares.
Nos últimos anos, o Agusta foi usado como táxi pelos presidentes José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, que moram em São Paulo, para seus deslocamentos até o Rio de Janeiro, pousando perto da CBF.
Esse é o padrão de maganos que vivem como milionários com os recursos alheios.
O PADRÃO MELLON
A casa de leilões Sotheby's ganhou a disputa para leiloar a coleção de arte de "Bunny" Mellon, que morreu em março passado, aos 103 anos. No seu sobrenome brilha o padrão dos milionários americanos da Nova Inglaterra.
Será coisa de mais de 100 milhões de dólares em obras de arte, joias e móveis. O dinheiro irá para uma fundação que cuida da biblioteca pública onde estão os livros raros que ela e o marido doaram. Ele, Paul, era filho de Andrew Mellon, que deu aos Estados Unidos o núcleo central da National Gallery de Washington. Passou a vida dando o que tinha. Bailarinas de Degas, como a do Masp, deu duas. Morrendo, chamou os amigos para que levassem suas roupas, desde que lhe deixassem um terno para a última saída.
"Bunny" ajudou a inventar Jacqueline Kennedy. Magistral jardineira, cuidou das flores no enterro do presidente. Ela não era uma milionária emergente, das que têm avião. Tinha aeroporto. Quando a atriz Audrey Hepburn estava doente e precisava de transporte para atravessar o Atlântico, emprestou-lhe seu jatinho, repleto de flores.
UM TRUQUE NADA MERITOCRÁTICO
Apareceu mais um contrabando de medida provisória. Desta vez, na MP 641. Ele mexe com o regime de cobrança de impostos ao setor de bebidas frias, que inclui cervejas, refrigerantes e energéticos. Os repórteres Raphael Di Cunto, Marina Falcão e Fernando Torres mostraram que o gato foi colocado na tuba de uma MP que tratava da comercialização de energia.
Trata-se de um setor bilionário, onde há empresários que servem de modelo para milhares de jovens. Não é razoável que permitam o encaminhamento de seus interesses por meio de jabutis. No ano passado, as bebidas subiram 10,52%, contra uma inflação de 5,91%.
A metodologia proposta no contrabando pode até ser a melhor, mas não é assim que se fazem as coisas. Assim como não se deve pedir a uma pessoa que assine um contrato depois de tomar duas dúzias de cervejas, não se deve mexer no sistema tributário no escurinho de uma MP, aproveitando-se de um ano eleitoral, com um Congresso em fim de feira.
Fogo de palha - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 13/07
De início uma promessa: fica encerrado aqui, junto com o fim da Copa, o assunto futebol. Haja o que houver na tarde deste domingo no Maracanã, o tema volta ao escaninho daqueles distantes da alçada deste espaço.
Isso, evidentemente, se políticos de oposição e situação não resolverem usar os acontecimentos do campeonato nas respectivas campanhas eleitorais. Mais uns dias de mistura de política com o esporte já estará de bom tamanho. Inclusive porque a politicagem parece ser dos males um dos maiores no futebol.
Caso a oposição continue acusando o governo de se valer da Copa estará ela fazendo o mesmo. Já a situação, se prosseguir na toada de tentar tomar para si a tarefa de reformular o futebol como legado governamental, corre o risco de cair em vazio semelhante ao provocado pelos pactos sugeridos como resposta aos protestos de junho de 2013.
Até agora o Planalto não parecia preocupado com isso. A presidente Dilma Rousseff, em recente encontro com o grupo Bom Senso F.C., surpreendeu-se com os relatos e demonstrou estar completamente alheia à realidade do esporte no país.
O ex-presidente Lula, apaixonado e, mais que isso, bastante familiarizado com o assunto, jamais empregou esforços para enfrentar os problemas a respeito dos quais agora todos falam como de um passivo acumulado há anos. Liderou o cordão do oba-oba na hora da bonança e, nesse momento de tempestade, como é de seu estilo, recolheu-se ao silêncio.
O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, saiu propondo “alguma intervenção do Estado” no futebol. Se estiver falando de empenho junto à base governista para a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte e de outras medidas que coíbam corrupção e gestões temerárias, é um bom debate.
Já controle estatal é outra coisa. Para ficarmos no terreno administrativo, está bem demonstrado que presença do Estado não é garantia de eficiência. Nem de lisura. Mas a presidente Dilma Rousseff, em sua entrevista à CNN Internacional, pareceu talvez falar daquela outra coisa. Defendeu “mudanças”. A começar pelo fim da “exportação de jogadores” de modo a assegurar atrativos para os campeonatos locais. Não ficou claro se deu um mero palpite – cuja validade é a mesma de qualquer outro – ou se fez uma proposta.
Na segunda hipótese, tão inexequível quanto o plebiscito para a Constituinte da reforma política. Não há como o governo impedir o ir e vir de jogadores. A menos que a ideia seja fazer algo parecido com o controle cubano sobre seus médicos.
Mais barato. Assim que o STF concluir a votação sobre a inconstitucionalidade das doações para campanhas eleitorais feitas por pessoas jurídicas, a Ordem dos Advogados do Brasil vai atuar para que o Congresso aprove o quanto antes uma regra estabelecendo limite de gastos igual para todos os partidos.
A OAB entrou com a ação junto ao STF em 2011. O julgamento começou neste ano, mas foi suspenso por pedido de vista quando a votação estava 6 a 1. Se nenhum ministro voltar atrás no voto, já há maioria para proibir as doações de empresas.
Segundo o presidente da Ordem, Marcus Vinícius Coelho, o objetivo da ação não é criar atalho para se chegar ao financiamento público puro, como defende o PT. “Não temos compromisso com partido algum”, diz.
A finalidade é unicamente reduzir os custos de campanha. Segundo ele, comparativamente ao PIB o Brasil é o país que mais gasta. “Dez vezes mais que a Inglaterra, por exemplo, que empenha 0,09% do PIB em campanhas eleitorais e nós, 1%”.
A consequência natural, na opinião de Marcus Vinícius, será a inibição do uso do caixa dois. “Havendo limite, se reduz o volume de dinheiro em circulação e todos são obrigados a montar estruturas mais modestas, o que torna identificável a olho nu aquele que usar recursos por fora, além do permitido”.
De início uma promessa: fica encerrado aqui, junto com o fim da Copa, o assunto futebol. Haja o que houver na tarde deste domingo no Maracanã, o tema volta ao escaninho daqueles distantes da alçada deste espaço.
Isso, evidentemente, se políticos de oposição e situação não resolverem usar os acontecimentos do campeonato nas respectivas campanhas eleitorais. Mais uns dias de mistura de política com o esporte já estará de bom tamanho. Inclusive porque a politicagem parece ser dos males um dos maiores no futebol.
Caso a oposição continue acusando o governo de se valer da Copa estará ela fazendo o mesmo. Já a situação, se prosseguir na toada de tentar tomar para si a tarefa de reformular o futebol como legado governamental, corre o risco de cair em vazio semelhante ao provocado pelos pactos sugeridos como resposta aos protestos de junho de 2013.
Até agora o Planalto não parecia preocupado com isso. A presidente Dilma Rousseff, em recente encontro com o grupo Bom Senso F.C., surpreendeu-se com os relatos e demonstrou estar completamente alheia à realidade do esporte no país.
O ex-presidente Lula, apaixonado e, mais que isso, bastante familiarizado com o assunto, jamais empregou esforços para enfrentar os problemas a respeito dos quais agora todos falam como de um passivo acumulado há anos. Liderou o cordão do oba-oba na hora da bonança e, nesse momento de tempestade, como é de seu estilo, recolheu-se ao silêncio.
O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, saiu propondo “alguma intervenção do Estado” no futebol. Se estiver falando de empenho junto à base governista para a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte e de outras medidas que coíbam corrupção e gestões temerárias, é um bom debate.
Já controle estatal é outra coisa. Para ficarmos no terreno administrativo, está bem demonstrado que presença do Estado não é garantia de eficiência. Nem de lisura. Mas a presidente Dilma Rousseff, em sua entrevista à CNN Internacional, pareceu talvez falar daquela outra coisa. Defendeu “mudanças”. A começar pelo fim da “exportação de jogadores” de modo a assegurar atrativos para os campeonatos locais. Não ficou claro se deu um mero palpite – cuja validade é a mesma de qualquer outro – ou se fez uma proposta.
Na segunda hipótese, tão inexequível quanto o plebiscito para a Constituinte da reforma política. Não há como o governo impedir o ir e vir de jogadores. A menos que a ideia seja fazer algo parecido com o controle cubano sobre seus médicos.
Mais barato. Assim que o STF concluir a votação sobre a inconstitucionalidade das doações para campanhas eleitorais feitas por pessoas jurídicas, a Ordem dos Advogados do Brasil vai atuar para que o Congresso aprove o quanto antes uma regra estabelecendo limite de gastos igual para todos os partidos.
A OAB entrou com a ação junto ao STF em 2011. O julgamento começou neste ano, mas foi suspenso por pedido de vista quando a votação estava 6 a 1. Se nenhum ministro voltar atrás no voto, já há maioria para proibir as doações de empresas.
Segundo o presidente da Ordem, Marcus Vinícius Coelho, o objetivo da ação não é criar atalho para se chegar ao financiamento público puro, como defende o PT. “Não temos compromisso com partido algum”, diz.
A finalidade é unicamente reduzir os custos de campanha. Segundo ele, comparativamente ao PIB o Brasil é o país que mais gasta. “Dez vezes mais que a Inglaterra, por exemplo, que empenha 0,09% do PIB em campanhas eleitorais e nós, 1%”.
A consequência natural, na opinião de Marcus Vinícius, será a inibição do uso do caixa dois. “Havendo limite, se reduz o volume de dinheiro em circulação e todos são obrigados a montar estruturas mais modestas, o que torna identificável a olho nu aquele que usar recursos por fora, além do permitido”.
A bola em outros campos - GAUDÊNCIO TORQUATO
O ESTADÃO - 13/07
A fantasia, a improvisação e a invenção, matérias primas que, por anos a fio, sedimentaram as bases da “Pátria em chuteiras” (outra expressão de Nelson) e jorraram com abundância nos dutos da catarse social, hoje não passam de arremedos infrutíferos, quando não de performances capengas como a que se viu contra a Alemanha, semana passada, o maior desastre na história do futebol brasileiro. E pouco acresce ao debate a referência ao apagão, como se uma paralisia de cinco, seis ou dez minutos, não pudesse ser previamente diagnosticada e convenientemente tratada pelo aparato técnico, científico, psicológico à disposição do corpo futebolístico.
Pouco também adiantará apontar culpados, ensaiar jogadas recíprocas de acusações, tatear nas margens das questões que o futebol suscita, a partir do reconhecimento de que suas técnicas evoluíram, priorizando os conceitos da força do conjunto, da celeridade, do preparo psicológico, de táticas e estratégias específicas para cada adversário. Para começo de conversa, as arenas futebolísticas se multiplicaram em todos os continentes, conferindo ao esporte uma dimensão planetária e, consequentemente, estreitando as distâncias entre maiores e menores, melhores e piores, animando os novatos a enfrentar nos estádios, de igual para igual, os mais experientes.
Já se prega a urgência de um “choque de gestão” no futebol brasileiro, o que implicaria a oxigenação nas cúpulas da cartolagem, a busca de perfis adequados aos contextos de competitividade e o fim do ciclo até então vivido pela seleção, com foco em grupinhos, prepotência, arrogância. Pode ser um caminho. Mas não se espere que mexer com uma pedra do tabuleiro será suficiente para conduzir o nosso futebol aos primeiros lugares do ranking mundial. Ele é parte de um todo, não um fio separado do rolo. O ethos nacional é mescla de hábitos, costumes, atitudes, visões, história e tradição. Os nossos trópicos certamente garantem um pedaço no bolo comportamental, seja pela variedade geográfica e belezas naturais – que encantam os milhares de turistas que vieram para a Copa – seja pelos valores inerentes ao povo- a generosidade, a alegria compartilhada, o calor, a receptividade.
Essa radiografia valorativa, porém, não comporta apenas a planilha de coisas bonitas, lúdicas e festivas, conforme se pode depreender de uma olhada na estética das ruas durante a Copa. Abriga aspectos nem sempre alinhavados pelas lupas sociológicas, como o desleixo, a incúria, a individualidade, a desorganização, a bagunça, enfim, o cenário que tende a propiciar atos de selvageria. Nesse ponto, convém puxar o papel do poder público para a harmonização social. Trata-se de dever inalienável da administração do Estado cuidar para suprir as demandas dos contingentes socais na esfera do cotidiano. Daí a importância de um “choque geral de gestão”. Esse é o ponto fulcral desta abordagem. A escorchante e vergonhosa derrota do Brasil para a Alemanha pode abrir o encontro do Brasil com suas realidades. Passar uma camada de tinta sobre o nosso futebol, deixando o reboco mofado sobre as paredes da saúde, educação, segurança pública, transportes urbanos, enfim, continuar a encobrir a paisagem torta ruas é perpetuar o estado de carências. O mergulho profundo do país no oceano de suas grandes causas pode ser a luz de um novo horizonte. Vai significar a gestão da responsabilidade, tempo dos compromissos com metas e resultados, exigência de qualidade, reparo e reengenharia nas estruturas existentes, busca da simplicidade e da priorização de questões essenciais com plena transparência.
A alegria de um povo não pode ser entendida como um presente da seleção brasileira com vitórias. Mas esse é o entendimento dos nossos jogadores. Ora, eles são pagos para ter um bom desempenho. A alegria das massas é amálgama de sentimentos que juntam os condimentos que entram no cardápio social, todos eles fundamentais para se alcançar o bem-estar. Ficou para trás a era panis et circensis, quando os imperadores romanos distribuíam pão ao povo nas arquibancadas do coliseu romano por ocasião das lutas dos gladiadores. O futebol é apenas um eixo da roda da diversão nacional. A respeito dele, sem querer esmaecer o conceito de negócio que o transforma em atividade das mais lucrativas do mundo do espetáculo, urge que promova maior correspondência entre os salários de jogadores e suas atuações. A impressão é a de que os estratosféricos recursos por eles auferidos estão oceanicamente distantes do que se vê nas arenas. Algo não combina. O clamor das galeras expressa o desempenho da equipe: “falta raça, sobra ração ($$)”. E muita exibição. Estrelas do Olimpo, os nossos atletas até parecem sofrer do “complexo do pavão”.
A pátria nos ombros - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 13/07
Mais uma vez a seleção brasileira soçobrou ao peso da sua incompetência, aumentada pela enorme carga emocional com que cada um dos jogadores entrou em campo. Mais uma vez cantaram o Hino Nacional como se fossem guerreiros, e não jogadores de futebol. Mais uma vez disputaram o terceiro lugar para salvar a honra da pátria.
O que define bem o pensamento dos jogadores é a frase emblemática de Davi Luiz após a acachapante derrota para a Alemanha: Só queria poder dar uma alegria ao meu povo, a minha gente que sofre tanto. Infelizmente, não conseguimos. Queria ver meu povo sorrir. Todos sabem o quanto era importante para mim ver o Brasil inteiro feliz pelo menos por causa do futebol .
Nesta análise sociológica rasa, porém bem-intencionada, de nosso capitão-herói (e pobre de um país que precisa de heróis, como já disse Bertold Bretch) está simbolizado todo o peso que jogaram em cima da seleção brasileira mais uma vez.
Certamente essa ideia de que é uma responsabilidade de cada um dos jogadores dar alegria ao povo brasileiro pelo menos no futebol foi incutida neles nas intermináveis sessões de autoajuda em que o suposto técnico tratava do espírito de seus guerreiros, esquecendo-se de treinar jogadas, de montar esquemas táticos que neutralizassem nossos adversários.
Não se viu nos estádios nada parecido com uma organização de jogo, mas se viu muita emoção, símbolos diversos como a camisa de Neymar a indicar que ele estava presente, um 12º jogador em espírito.
O contraponto a essa opressão patriótica podia-se ver nos jogadores da Alemanha e da Holanda, andando tranquilos pelas praias onde estavam concentrados, dançando com índios na Bahia, dando autógrafos nas praias do Rio, misturando-se à multidão de torcedores.
A visão distorcida de uma missão dos jogadores para além das quatro linhas do campo, sobrecarregando-os a ponto de paralisar suas ações, é consequência de objetivos equivocados. Imaginar que é sua responsabilidade dar alegria ao povo brasileiro pelo menos no futebol já embute uma visão política crítica enganosa, como se uma vitória da seleção brasileira fosse suficiente para dar forças ao povo para aturar uma vida difícil.
Do ponto de vista do puro futebol, o alemão Özil resumiu bem a situação: Vocês têm um país maravilhoso, um povo fantástico e jogadores incríveis - esse jogo não pode destruir seu orgulho! . Já Podolski, depois de elogiar a amarelinha , afirmando que os heróis que nos inspiraram são todos daqui , deu um sábio conselho aos torcedores:
Brigas nas ruas, confusões, protestos não irão resolver ou mudar nada. Quando a Copa acabar e nós formos embora, tudo voltará ao normal. Então, muita paz e amor para esse povo maravilhoso, um povo humilde, batalhador e honesto, um país que eu aprendi a amar .
Nas visões dos jogadores brasileiros e alemães está a diferença: os nossos deixaram a técnica de lado para se dedicar de corpo e alma ao objetivo de serem campões aos trancos e barrancos, pois já começaram o campeonato com a mão na taça , como determinara o assessor técnico Parreira.
Os alemães, como disse Podolski em sua mensagem, realizaram em campo a técnica desenvolvida com muito esforço e dedicação nos anos anteriores, para se recuperar das derrotas a partir da Eurocopa de 2000. Sem misturar a pátria com o futebol, deixando a metáfora do grande Nelson Rodrigues na sua dimensão literária.
E muito menos misturar futebol com política.
O que define bem o pensamento dos jogadores é a frase emblemática de Davi Luiz após a acachapante derrota para a Alemanha: Só queria poder dar uma alegria ao meu povo, a minha gente que sofre tanto. Infelizmente, não conseguimos. Queria ver meu povo sorrir. Todos sabem o quanto era importante para mim ver o Brasil inteiro feliz pelo menos por causa do futebol .
Nesta análise sociológica rasa, porém bem-intencionada, de nosso capitão-herói (e pobre de um país que precisa de heróis, como já disse Bertold Bretch) está simbolizado todo o peso que jogaram em cima da seleção brasileira mais uma vez.
Certamente essa ideia de que é uma responsabilidade de cada um dos jogadores dar alegria ao povo brasileiro pelo menos no futebol foi incutida neles nas intermináveis sessões de autoajuda em que o suposto técnico tratava do espírito de seus guerreiros, esquecendo-se de treinar jogadas, de montar esquemas táticos que neutralizassem nossos adversários.
Não se viu nos estádios nada parecido com uma organização de jogo, mas se viu muita emoção, símbolos diversos como a camisa de Neymar a indicar que ele estava presente, um 12º jogador em espírito.
O contraponto a essa opressão patriótica podia-se ver nos jogadores da Alemanha e da Holanda, andando tranquilos pelas praias onde estavam concentrados, dançando com índios na Bahia, dando autógrafos nas praias do Rio, misturando-se à multidão de torcedores.
A visão distorcida de uma missão dos jogadores para além das quatro linhas do campo, sobrecarregando-os a ponto de paralisar suas ações, é consequência de objetivos equivocados. Imaginar que é sua responsabilidade dar alegria ao povo brasileiro pelo menos no futebol já embute uma visão política crítica enganosa, como se uma vitória da seleção brasileira fosse suficiente para dar forças ao povo para aturar uma vida difícil.
Do ponto de vista do puro futebol, o alemão Özil resumiu bem a situação: Vocês têm um país maravilhoso, um povo fantástico e jogadores incríveis - esse jogo não pode destruir seu orgulho! . Já Podolski, depois de elogiar a amarelinha , afirmando que os heróis que nos inspiraram são todos daqui , deu um sábio conselho aos torcedores:
Brigas nas ruas, confusões, protestos não irão resolver ou mudar nada. Quando a Copa acabar e nós formos embora, tudo voltará ao normal. Então, muita paz e amor para esse povo maravilhoso, um povo humilde, batalhador e honesto, um país que eu aprendi a amar .
Nas visões dos jogadores brasileiros e alemães está a diferença: os nossos deixaram a técnica de lado para se dedicar de corpo e alma ao objetivo de serem campões aos trancos e barrancos, pois já começaram o campeonato com a mão na taça , como determinara o assessor técnico Parreira.
Os alemães, como disse Podolski em sua mensagem, realizaram em campo a técnica desenvolvida com muito esforço e dedicação nos anos anteriores, para se recuperar das derrotas a partir da Eurocopa de 2000. Sem misturar a pátria com o futebol, deixando a metáfora do grande Nelson Rodrigues na sua dimensão literária.
E muito menos misturar futebol com política.
Eleições e inflação - AMIR KHAIR
O ESTADÃO - 13/07
Finda a Copa, as atenções se voltam para a disputa eleitoral que se avizinha. Serão dois meses e meio de intensa campanha para deputados, senadores, governadores e presidente da República. É o período de promessas para atrair eleitores. Uma espécie de vale tudo.
A disputa para a Presidência deverá ser dura e provavelmente vai envolver decisão no segundo turno. Em havendo o segundo turno, os dois candidatos têm chances iguais de tempo para expor suas ideias e plataforma de governo. A expectativa é que o debate eleitoral possa aclarar propostas e compromissos perante o eleitorado.
A Copa deve ter algum peso no resultado das eleições. Como não ocorreram as previsões catastróficas anunciadas de problemas para a realização dos jogos, as pesquisas, antes do fracasso da seleção, apontaram subida nas intenções de voto para a presidente Dilma. O fracasso da seleção pode, no entanto, trazer resultado desfavorável a ela. A ver.
O pano de fundo sob o viés econômico será sobre o crescimento econômico e a inflação. Em ambos, a presidente terá dificuldade para se defender dos ataques de seus oposicionistas.
Nos três primeiros anos de seu governo, ocorreram em média por ano um crescimento de 2,1% e inflação de 6,1%. Com as previsões feitas pelo mercado financeiro no Boletim Focus para este ano, de crescimento de 1,07% e inflação de 6,46%, os resultados médios anuais ficam piores, com crescimento médio de 1,8% e inflação de 6,2%.
À guisa de comparação, no primeiro mandato de Lula (2003/2006), os resultados correspondentes foram: crescimento de 3,5% e inflação de 6,4%. No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995/1998), o crescimento foi de 2,4% e inflação de 9,4%. Assim, a presidente perde no crescimento e ganha na inflação na comparação com seus dois antecessores.
Pois é, talvez seja a inflação que mais possa impactar sob o viés econômico as decisões dos eleitores, pois é o que é mais fácil de ser sentido pela população. Mas dois argumentos de sinais postos podem ocorrer: a) a inflação dos últimos 12 meses até a eleição pode se situar acima do limite da meta de 6,5% e; b) a inflação mensal pode ser inferior a 0,3%, cessado o efeito Copa nos impactos das tarifas aéreas e diárias de hotéis, e da queda nos preços dos alimentos. Essa inflação de 0,3% anualizada corresponde a 3,7%, portanto, abaixo do centro da meta de 4,5%.
O impacto do crescimento se faz sentir no emprego e na renda. Caso persista, o que é mais provável, baixo nível de desemprego, isso tende a favorecer a presidente e uma posição conservadora pode prevalecer na hora de votar. É melhor não arriscar com outro candidato pode pensar parcela do eleitorado. É melhor mudar, pode pensar outra parcela. De qualquer forma impõe-se aos candidatos colocar propostas claras do que fazer para retomar o crescimento e manter baixa a inflação. Nesse artigo trato apenas da inflação, pois sob o crescimento artigo anterior apresentou propostas.
Inflação. Quanto à inflação pesa muito a relativa aos serviços que não é passível de concorrência externa. Respondem por cerca de um terço da inflação e tem se situado acima dela desde 2005. Durante 1998 a 2004, no entanto, a inflação de serviços ficou abaixo da inflação, contribuindo, pois, para a sua redução, o oposto do ocorrido nos últimos nove anos (2005 a 2013). Isso é devido ao expressivo aumento da classe média, que demandou serviços além da capacidade de oferta pelo mercado. A inflação dos serviços girou no entorno de 8,5% ao ano nos últimos quatro anos (2010 a 2013) e, como participa com cerca de um terço da inflação, os serviços acrescentam 2,8 pontos porcentuais na inflação. Esse tipo de inflação escapa ao controle do Banco Central (BC).
Como combater a inflação de serviços? Equilibrando a oferta com a demanda. Algumas análises advogam a redução da demanda através do aumento do desemprego. Não parece ser solução adequada, pois implicaria em redução ainda maior do baixo crescimento, podendo levar o País à estagnação. É um preço muito caro, além de inviável politicamente.
A outra alternativa para a redução da inflação de serviços é pela própria ação do mercado, pois é atividade altamente competitiva de milhões de agentes envolvidos na oferta. Como tem maior demanda que oferta novos ofertantes tendem a entrar no mercado, atraídos pela crescente demanda. É processo lento, mas natural de vir a ocorrer gradualmente nos próximos anos.
Outro componente importante da inflação são os alimentos, responsáveis por cerca de um quarto da mesma. Nos últimos quatro anos subiram acima da inflação com média anual de 9,0%, contribuindo com 2,2 pontos para a inflação. Mas como combater a inflação de alimentos? De três formas: a) ampliando a oferta, pelo estímulo á produção agropecuária, via crédito, preços mínimos e continuidade das várias políticas em curso; b) cuidando para compensar sua oscilação devido a entressafras com políticas adequadas de estoques reguladores e; c) reduzindo a intermediação de atravessadores, procurando aproximar produtores de consumidores, que é política exitosa em vários municípios. Esse tipo de inflação escapa, da mesma forma que a de serviços, do controle do BC.
Finalmente, o terceiro importante componente são os preços monitorados, que dependem do governo. Eles são responsáveis por cerca de um quinto da inflação. Cresceram acima dela por 11 anos seguidos (1996 a 2006) e, a partir de 2007, estão sendo contidos, contribuindo para segurar a inflação. Nos últimos quatro anos, cresceram na média anual 3,6%, contribuindo com 0,7 ponto porcentual para a inflação. O controle da inflação dos preços monitorados está sendo feito com mão de ferro do governo federal à custa da Petrobrás e Eletrobrás, que foram entupidas de dívidas e de juros, ou seja, desviando recursos para fora de suas finalidades. Esse tipo de inflação também independe da ação do Banco Central.
Como a inflação média nos últimos quatro anos foi de 6,0%, os três componentes acima, que vale repetir, independem da ação do Banco Central, responderam por 5,7 pontos porcentuais, ou seja, por 95% da inflação. O conjunto dos demais preços dos bens comercializáveis, e que sofrem forte concorrência externa, acrescentaram apenas 0,3 ponto porcentual à inflação nos últimos quatro anos. Enquanto isso, dois candidatos propõem a independência do BC. Não creio ser essa a questão central. A discussão é mais profunda e novas formas de controle da inflação se impõem, e independem do BC.
Finda a Copa, as atenções se voltam para a disputa eleitoral que se avizinha. Serão dois meses e meio de intensa campanha para deputados, senadores, governadores e presidente da República. É o período de promessas para atrair eleitores. Uma espécie de vale tudo.
A disputa para a Presidência deverá ser dura e provavelmente vai envolver decisão no segundo turno. Em havendo o segundo turno, os dois candidatos têm chances iguais de tempo para expor suas ideias e plataforma de governo. A expectativa é que o debate eleitoral possa aclarar propostas e compromissos perante o eleitorado.
A Copa deve ter algum peso no resultado das eleições. Como não ocorreram as previsões catastróficas anunciadas de problemas para a realização dos jogos, as pesquisas, antes do fracasso da seleção, apontaram subida nas intenções de voto para a presidente Dilma. O fracasso da seleção pode, no entanto, trazer resultado desfavorável a ela. A ver.
O pano de fundo sob o viés econômico será sobre o crescimento econômico e a inflação. Em ambos, a presidente terá dificuldade para se defender dos ataques de seus oposicionistas.
Nos três primeiros anos de seu governo, ocorreram em média por ano um crescimento de 2,1% e inflação de 6,1%. Com as previsões feitas pelo mercado financeiro no Boletim Focus para este ano, de crescimento de 1,07% e inflação de 6,46%, os resultados médios anuais ficam piores, com crescimento médio de 1,8% e inflação de 6,2%.
À guisa de comparação, no primeiro mandato de Lula (2003/2006), os resultados correspondentes foram: crescimento de 3,5% e inflação de 6,4%. No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995/1998), o crescimento foi de 2,4% e inflação de 9,4%. Assim, a presidente perde no crescimento e ganha na inflação na comparação com seus dois antecessores.
Pois é, talvez seja a inflação que mais possa impactar sob o viés econômico as decisões dos eleitores, pois é o que é mais fácil de ser sentido pela população. Mas dois argumentos de sinais postos podem ocorrer: a) a inflação dos últimos 12 meses até a eleição pode se situar acima do limite da meta de 6,5% e; b) a inflação mensal pode ser inferior a 0,3%, cessado o efeito Copa nos impactos das tarifas aéreas e diárias de hotéis, e da queda nos preços dos alimentos. Essa inflação de 0,3% anualizada corresponde a 3,7%, portanto, abaixo do centro da meta de 4,5%.
O impacto do crescimento se faz sentir no emprego e na renda. Caso persista, o que é mais provável, baixo nível de desemprego, isso tende a favorecer a presidente e uma posição conservadora pode prevalecer na hora de votar. É melhor não arriscar com outro candidato pode pensar parcela do eleitorado. É melhor mudar, pode pensar outra parcela. De qualquer forma impõe-se aos candidatos colocar propostas claras do que fazer para retomar o crescimento e manter baixa a inflação. Nesse artigo trato apenas da inflação, pois sob o crescimento artigo anterior apresentou propostas.
Inflação. Quanto à inflação pesa muito a relativa aos serviços que não é passível de concorrência externa. Respondem por cerca de um terço da inflação e tem se situado acima dela desde 2005. Durante 1998 a 2004, no entanto, a inflação de serviços ficou abaixo da inflação, contribuindo, pois, para a sua redução, o oposto do ocorrido nos últimos nove anos (2005 a 2013). Isso é devido ao expressivo aumento da classe média, que demandou serviços além da capacidade de oferta pelo mercado. A inflação dos serviços girou no entorno de 8,5% ao ano nos últimos quatro anos (2010 a 2013) e, como participa com cerca de um terço da inflação, os serviços acrescentam 2,8 pontos porcentuais na inflação. Esse tipo de inflação escapa ao controle do Banco Central (BC).
Como combater a inflação de serviços? Equilibrando a oferta com a demanda. Algumas análises advogam a redução da demanda através do aumento do desemprego. Não parece ser solução adequada, pois implicaria em redução ainda maior do baixo crescimento, podendo levar o País à estagnação. É um preço muito caro, além de inviável politicamente.
A outra alternativa para a redução da inflação de serviços é pela própria ação do mercado, pois é atividade altamente competitiva de milhões de agentes envolvidos na oferta. Como tem maior demanda que oferta novos ofertantes tendem a entrar no mercado, atraídos pela crescente demanda. É processo lento, mas natural de vir a ocorrer gradualmente nos próximos anos.
Outro componente importante da inflação são os alimentos, responsáveis por cerca de um quarto da mesma. Nos últimos quatro anos subiram acima da inflação com média anual de 9,0%, contribuindo com 2,2 pontos para a inflação. Mas como combater a inflação de alimentos? De três formas: a) ampliando a oferta, pelo estímulo á produção agropecuária, via crédito, preços mínimos e continuidade das várias políticas em curso; b) cuidando para compensar sua oscilação devido a entressafras com políticas adequadas de estoques reguladores e; c) reduzindo a intermediação de atravessadores, procurando aproximar produtores de consumidores, que é política exitosa em vários municípios. Esse tipo de inflação escapa, da mesma forma que a de serviços, do controle do BC.
Finalmente, o terceiro importante componente são os preços monitorados, que dependem do governo. Eles são responsáveis por cerca de um quinto da inflação. Cresceram acima dela por 11 anos seguidos (1996 a 2006) e, a partir de 2007, estão sendo contidos, contribuindo para segurar a inflação. Nos últimos quatro anos, cresceram na média anual 3,6%, contribuindo com 0,7 ponto porcentual para a inflação. O controle da inflação dos preços monitorados está sendo feito com mão de ferro do governo federal à custa da Petrobrás e Eletrobrás, que foram entupidas de dívidas e de juros, ou seja, desviando recursos para fora de suas finalidades. Esse tipo de inflação também independe da ação do Banco Central.
Como a inflação média nos últimos quatro anos foi de 6,0%, os três componentes acima, que vale repetir, independem da ação do Banco Central, responderam por 5,7 pontos porcentuais, ou seja, por 95% da inflação. O conjunto dos demais preços dos bens comercializáveis, e que sofrem forte concorrência externa, acrescentaram apenas 0,3 ponto porcentual à inflação nos últimos quatro anos. Enquanto isso, dois candidatos propõem a independência do BC. Não creio ser essa a questão central. A discussão é mais profunda e novas formas de controle da inflação se impõem, e independem do BC.
O pós-Copa - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP -13/07
BRASÍLIA - A Copa acaba, as seleções se dispersam e os turistas voltam para casa, mas Dilma continua no gramado, com a bola rolando e sob todos os holofotes e atenções.
Nas últimas partidas, tome de entrevistas para estrangeiros. No final de semana, manchetes na internet até falando de corrupção. E chegou o dia de enfrentar o Maracanã, cercada por 12 chefes de Estado.
Entregue a taça, para o bem ou para o mal, Dilma continuará em campo para minimizar as perdas abstratas com os 7 a 1 contra a Alemanha e potencializar os ganhos concretos com o sucesso da Copa.
Hoje, domingo (13), as fotos com a taça no Maracanã e do almoço com presidentes no Palácio Guanabara. Amanhã, o início de infindáveis entrevistas, balanços e badalações com os resultados objetivos da Copa: tantos turistas, tantos dólares, estádios assim, aeroportos assado.
Os 7 a 1 entram para a história, o sucesso da Copa entra para a campanha. A Copa deu certo, isso é inegável. Agora, é refletir nas pesquisas.
Depois vêm infindáveis entrevistas, balanços e badalações da reunião de cúpula dos Brics, com os chefões de Rússia, Índia, China e África do Sul. Parte na aprazível Fortaleza, parte na simbólica Brasília.
A agenda é extensa e não há como os oposicionistas competirem em exposição, em manchetes, em temas. Enquanto isso, por onde andarão e o que estarão fazendo e falando Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB?
Apesar de tudo, ambos têm trunfos e discurso político, dados de graça pela ganância do PT e pela arrogância de Dilma: Aécio rachou os palanques estaduais da reeleição, Campos tem Marina Silva e ambos podem desfiar um novelo de erros destes quatro anos na economia e na gestão.
Aécio terá menos de cinco minutos e Campos, menos de dois na TV, suficientes para provocar: e aí, classe média, excluída do paraíso, dos estádios e dos supermercados?
BRASÍLIA - A Copa acaba, as seleções se dispersam e os turistas voltam para casa, mas Dilma continua no gramado, com a bola rolando e sob todos os holofotes e atenções.
Nas últimas partidas, tome de entrevistas para estrangeiros. No final de semana, manchetes na internet até falando de corrupção. E chegou o dia de enfrentar o Maracanã, cercada por 12 chefes de Estado.
Entregue a taça, para o bem ou para o mal, Dilma continuará em campo para minimizar as perdas abstratas com os 7 a 1 contra a Alemanha e potencializar os ganhos concretos com o sucesso da Copa.
Hoje, domingo (13), as fotos com a taça no Maracanã e do almoço com presidentes no Palácio Guanabara. Amanhã, o início de infindáveis entrevistas, balanços e badalações com os resultados objetivos da Copa: tantos turistas, tantos dólares, estádios assim, aeroportos assado.
Os 7 a 1 entram para a história, o sucesso da Copa entra para a campanha. A Copa deu certo, isso é inegável. Agora, é refletir nas pesquisas.
Depois vêm infindáveis entrevistas, balanços e badalações da reunião de cúpula dos Brics, com os chefões de Rússia, Índia, China e África do Sul. Parte na aprazível Fortaleza, parte na simbólica Brasília.
A agenda é extensa e não há como os oposicionistas competirem em exposição, em manchetes, em temas. Enquanto isso, por onde andarão e o que estarão fazendo e falando Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB?
Apesar de tudo, ambos têm trunfos e discurso político, dados de graça pela ganância do PT e pela arrogância de Dilma: Aécio rachou os palanques estaduais da reeleição, Campos tem Marina Silva e ambos podem desfiar um novelo de erros destes quatro anos na economia e na gestão.
Aécio terá menos de cinco minutos e Campos, menos de dois na TV, suficientes para provocar: e aí, classe média, excluída do paraíso, dos estádios e dos supermercados?
Seleção selfie: espetaculosa até o fim - DORRIT HARAZIM
O GLOBO - 13/07
No meio do caminho faltou tempo para treinar jogar futebol
Por que se indignar com a enfermeira Cínthia, de Fortaleza, que filmou Neymar na chegada ao Hospital São Carlos com a vértebra fraturada no jogo contra a Colômbia? O vídeo postado na internet mostra o atacante na maca, chorando, sendo empurrado às pressas corredor adentro. A cena captada no smartphone tem meros 25 segundos de duração, incluído aí o indefectível selfie da enfermeira fazendo um “V” e mandando um beijo para a câmera.
Já afastada do cargo, segundo apurou o “Diário de S. Paulo” Cínthia deverá ser demitida proximamente. Injustiça: qualquer lista de defenestrados da Copa não deveria ser encabeçada por ela.
A falta profissional da funcionária foi gravíssima, é claro. Tivesse ocorrido na França, Alemanha ou Holanda, a enfermeira teria sido guilhotinada na mesma hora. Vale lembrar que o heptacampeão da F-1, Michael Schumacher, tragicamente acidentado na estação de esqui de Meribel, ficou quase seis meses no CTI de um hospital de Grenoble, na França, sem que tenha vazado uma única imagem sua.
“Schumi” saiu do coma duas semanas atrás e sua transferência para uma clínica suíça de Lausanne também transcorreu no esperado sigilo. Até mesmo o cobiçadíssimo prontuário médico do corredor, que conseguira ser criminalmente copiado por hackers e já foi oferecido a jornalistas de três países europeus por 50 mil libras esterlinas (quase R$ 200 mil), continua sem comprador.
A diferença entre os casos Schumacher e Neymar não está apenas na gravidade da lesão de cada um. Está na forma como a família do corredor e a “família Scolari” lidam com a notoriedade.
No fundo, a enfermeira Cínthia apenas deu sequência tosca e amadora à espetaculosa engrenagem de promoção emocional da seleção canarinho montada por dirigentes, patrocinadores e parte da mídia brasileira. Tragados pela engrenagem, os jogadores abraçaram o papel de atores que lhes foi atribuído e o desempenharam com ardor, tanto dentro como fora do campo. No meio do caminho faltou tempo para treinar jogar futebol. Restou ao torcedor que vestiu o amarelo e se deixou tragar pela narrativa construída acreditar nela com paixão.
O “inesperado” desembarque de Neymar na Granja Comary na tarde de quinta-feira, por exemplo, poderia ter sido mais reservado, caso o propósito maior da “visita-surpresa” fosse consolar os companheiros e injetar-lhes alento diante da humilhação sofrida diante da esquadra alemã. Mas não. Interessava a todos que a midiática chegada do craque ocorresse justamente na hora do treino, à luz dos holofotes. Cada abraço, cada passada manca de Neymar pode, assim, ser tratado como um épico.
Milhares de brasileiros se empolgaram com a calorosa mobilização de David Luiz, Willian e Marcelo, através das redes sociais, pela recuperação do craque. “Neymar, vamo pra cima deles! Por você, por nós e por 200 milhões de brasileiros!”, dizia o post assinado pelo companheiro do Barcelona, Marcelo. Mas como saber se o texto não foi criado por algum redator da agência F/Nazca se é a Sadia quem patrocinou o movimento? De repente a hashtag #jogapraele perdeu o encanto.
Não menos midiático foi o embarque de Neymar no helicóptero que o levou de Comary para iniciar sua recuperação em Santos. Transportado de maca, acenando para o Brasil com um oxímetro no dedo da mão e sem esquecer o boné de sua grife, ele foi a imagem de um herói sacrificado pela pátria.
“Uma comunidade de milhões parece mais real quando concentrada num time de onze escolhidos”, escreveu o historiador Eric Hobsbawm, recorrendo ao futebol para falar de fervor nacional. No caso da seleção Scolari deste Mundial, contudo, parece ter ocorrido o oposto: o time dos escolhidos revelou ser menos real do que os milhões de brasileiros.
A história se encarregará de destrinchar as sequelas nacionais mais duradouras geradas pela seleção selfie e pela atuação do seu comando na Copa de 2014. Mas não é de todo inútil observar algumas reações individuais registradas logo após a debacle do 7 x 1.
Na funérea manhã do “dia seguinte”, algumas dezenas de pessoas faziam fila diante da megaloja de produtos oficiais da Fifa instalada junto à Fan Fest de Copacabana. “Está escrito aqui que o horário de abertura é às 10. Já são dez e cinco e nada”, queixou-se uma senhora para um dos seguranças. Recebeu apoio dos vizinhos de fila ao apontar o desrespeito a horários no Brasil. Desde a véspera ficara claro o quanto cinco minutinhos podem ser decisivos, nem que seja para fazer quatro gols num Mundial.
Quase na rabeira da fila um pai acompanhado do filho adolescente falava alemão em voz baixa. Indagado por que nenhum dos dois vestia a camiseta rubro-negra da vitoriosa Nationalmannschaft, ele respondeu que não ficaria bem, ainda era cedo, pareceria arrogância. É do grande artilheiro inglês Gary Lineker, hoje comentarista esportivo da BBC e famoso por jamais ter recebido um só cartão amarelo, uma definição sucinta do esporte que o consagrou: “O futebol é um esporte simples. Vinte e dois homens correm atrás de uma bola durante 90 minutos e no fim os alemães sempre vencem.”
Mesmo quando não vencem.
Independentemente do resultado do jogo que hoje encerra o Mundial, a seleção da Alemanha demonstrou melhor o quanto cada parte móvel do seu conjunto está interconectada e segura do que fazer em campo. Com precisão.
Ao Brasil resta vivenciar o futebol segundo definição cunhada pelo filósofo e ensaísta britânico Simon Critchley em artigo recente: “No futebol não é a decepção que te mata; é o sempre renovado sentido de esperança.”
No meio do caminho faltou tempo para treinar jogar futebol
Por que se indignar com a enfermeira Cínthia, de Fortaleza, que filmou Neymar na chegada ao Hospital São Carlos com a vértebra fraturada no jogo contra a Colômbia? O vídeo postado na internet mostra o atacante na maca, chorando, sendo empurrado às pressas corredor adentro. A cena captada no smartphone tem meros 25 segundos de duração, incluído aí o indefectível selfie da enfermeira fazendo um “V” e mandando um beijo para a câmera.
Já afastada do cargo, segundo apurou o “Diário de S. Paulo” Cínthia deverá ser demitida proximamente. Injustiça: qualquer lista de defenestrados da Copa não deveria ser encabeçada por ela.
A falta profissional da funcionária foi gravíssima, é claro. Tivesse ocorrido na França, Alemanha ou Holanda, a enfermeira teria sido guilhotinada na mesma hora. Vale lembrar que o heptacampeão da F-1, Michael Schumacher, tragicamente acidentado na estação de esqui de Meribel, ficou quase seis meses no CTI de um hospital de Grenoble, na França, sem que tenha vazado uma única imagem sua.
“Schumi” saiu do coma duas semanas atrás e sua transferência para uma clínica suíça de Lausanne também transcorreu no esperado sigilo. Até mesmo o cobiçadíssimo prontuário médico do corredor, que conseguira ser criminalmente copiado por hackers e já foi oferecido a jornalistas de três países europeus por 50 mil libras esterlinas (quase R$ 200 mil), continua sem comprador.
A diferença entre os casos Schumacher e Neymar não está apenas na gravidade da lesão de cada um. Está na forma como a família do corredor e a “família Scolari” lidam com a notoriedade.
No fundo, a enfermeira Cínthia apenas deu sequência tosca e amadora à espetaculosa engrenagem de promoção emocional da seleção canarinho montada por dirigentes, patrocinadores e parte da mídia brasileira. Tragados pela engrenagem, os jogadores abraçaram o papel de atores que lhes foi atribuído e o desempenharam com ardor, tanto dentro como fora do campo. No meio do caminho faltou tempo para treinar jogar futebol. Restou ao torcedor que vestiu o amarelo e se deixou tragar pela narrativa construída acreditar nela com paixão.
O “inesperado” desembarque de Neymar na Granja Comary na tarde de quinta-feira, por exemplo, poderia ter sido mais reservado, caso o propósito maior da “visita-surpresa” fosse consolar os companheiros e injetar-lhes alento diante da humilhação sofrida diante da esquadra alemã. Mas não. Interessava a todos que a midiática chegada do craque ocorresse justamente na hora do treino, à luz dos holofotes. Cada abraço, cada passada manca de Neymar pode, assim, ser tratado como um épico.
Milhares de brasileiros se empolgaram com a calorosa mobilização de David Luiz, Willian e Marcelo, através das redes sociais, pela recuperação do craque. “Neymar, vamo pra cima deles! Por você, por nós e por 200 milhões de brasileiros!”, dizia o post assinado pelo companheiro do Barcelona, Marcelo. Mas como saber se o texto não foi criado por algum redator da agência F/Nazca se é a Sadia quem patrocinou o movimento? De repente a hashtag #jogapraele perdeu o encanto.
Não menos midiático foi o embarque de Neymar no helicóptero que o levou de Comary para iniciar sua recuperação em Santos. Transportado de maca, acenando para o Brasil com um oxímetro no dedo da mão e sem esquecer o boné de sua grife, ele foi a imagem de um herói sacrificado pela pátria.
“Uma comunidade de milhões parece mais real quando concentrada num time de onze escolhidos”, escreveu o historiador Eric Hobsbawm, recorrendo ao futebol para falar de fervor nacional. No caso da seleção Scolari deste Mundial, contudo, parece ter ocorrido o oposto: o time dos escolhidos revelou ser menos real do que os milhões de brasileiros.
A história se encarregará de destrinchar as sequelas nacionais mais duradouras geradas pela seleção selfie e pela atuação do seu comando na Copa de 2014. Mas não é de todo inútil observar algumas reações individuais registradas logo após a debacle do 7 x 1.
Na funérea manhã do “dia seguinte”, algumas dezenas de pessoas faziam fila diante da megaloja de produtos oficiais da Fifa instalada junto à Fan Fest de Copacabana. “Está escrito aqui que o horário de abertura é às 10. Já são dez e cinco e nada”, queixou-se uma senhora para um dos seguranças. Recebeu apoio dos vizinhos de fila ao apontar o desrespeito a horários no Brasil. Desde a véspera ficara claro o quanto cinco minutinhos podem ser decisivos, nem que seja para fazer quatro gols num Mundial.
Quase na rabeira da fila um pai acompanhado do filho adolescente falava alemão em voz baixa. Indagado por que nenhum dos dois vestia a camiseta rubro-negra da vitoriosa Nationalmannschaft, ele respondeu que não ficaria bem, ainda era cedo, pareceria arrogância. É do grande artilheiro inglês Gary Lineker, hoje comentarista esportivo da BBC e famoso por jamais ter recebido um só cartão amarelo, uma definição sucinta do esporte que o consagrou: “O futebol é um esporte simples. Vinte e dois homens correm atrás de uma bola durante 90 minutos e no fim os alemães sempre vencem.”
Mesmo quando não vencem.
Independentemente do resultado do jogo que hoje encerra o Mundial, a seleção da Alemanha demonstrou melhor o quanto cada parte móvel do seu conjunto está interconectada e segura do que fazer em campo. Com precisão.
Ao Brasil resta vivenciar o futebol segundo definição cunhada pelo filósofo e ensaísta britânico Simon Critchley em artigo recente: “No futebol não é a decepção que te mata; é o sempre renovado sentido de esperança.”
Retomando as reformas - SUELY CALDAS
O ESTADÃO - 13/07
Copa do Mundo encerrada, torcedores voltando para casa, vida do País normalizada, entra em campo a campanha eleitoral. Na TV e nas ruas, os candidatos prometerão ilusões de um país feliz, população próspera, dinheiro no bolso, comida na mesa, filho na escola, família saudável. Na vida real, sabem que precisam se sentar à mesa e arquitetar um plano de trabalho para os próximos quatro anos de governo. Além de desarmar armadilhas plantadas pelo governo Dilma (tarifas públicas represadas, alquimias contábeis na política fiscal, desconfiança na gestão econômica, etc.), o próximo presidente precisa de uma agenda de ações muito bem arquitetada, com estratégias, caminhos e metas para fazer o que precisa ser feito, retomar o que de bom tinha no Plano Real e foi interrompido ou nem foi iniciado.
Essa agenda inclui retomar as reformas dirigidas a modernizar o País, dar celeridade ao funcionamento do Estado e da economia privada, fomentar investimentos e alargar caminhos para o crescimento sustentado - as reformas maiores, de ação estrutural e que dão musculatura à economia, e as microeconômicas, que corrigem erros e oferecem soluções pontuais, em esferas localizadas. A falta delas tem gerado atrasos crônicos, emperrado o progresso econômico e social nos últimos 20 anos e faz do Brasil um dos países mais caros do mundo e onde o custo de produzir um bem é, ao mesmo tempo, alto e defasado em qualidade tecnológica. FHC e Lula tentaram conduzi-las, enviaram propostas de algumas ao Congresso, mas os resultados colhidos foram pálidos, fracos, porque dependiam da aprovação de um Parlamento corporativo, oportunista e sensível a lobbies de toda sorte, que negou transformá-las em lei.
Considerada a reforma-mãe, a política é a mais imprescindível, porque busca moralizar e educar a vida política, as coligações partidárias e o troca-troca de partido, dificulta a venda de legendas e cria regras para um financiamento mais decente de campanha. Mas deputados e senadores resistem em tocá-la. A única boa mudança - a Lei da Ficha Limpa - é de iniciativa popular, de uma proposta que colheu 1,3 milhão de assinaturas de brasileiros.
Instrumento eficaz para distribuir renda e fazer justiça social, a reforma tributária não avançou nos governos FHC e Lula, e hoje o que a estrutura tributária do País distribui é injustiça social: os pobres, proporcionalmente à renda, pagam mais impostos que os ricos. Dilma Rousseff limitou-se a substituir a contribuição previdenciária por um imposto sobre o faturamento das empresas, mas não o aplicou de forma horizontal, privilegiando alguns setores industriais escolhidos.
A reforma previdenciária é a politicamente mais difícil e de imediato impacto social. Por mexer com interesses corporativos e privilégios do funcionalismo público em relação ao sistema privado do INSS, encontra resistências intransponíveis no Congresso. Em 2012, finalmente, as regras para a aposentadoria do funcionário público foram igualadas à do trabalhador privado do INSS e foi criado um fundo de previdência complementar, mas só para quem ingressar no serviço público depois da nova lei. Com isso, calcula-se que o equilíbrio financeiro só será atingido em 2040 - o que vai exigir outras mudanças para garantir a sobrevivência previdenciária ao País.
As reformas trabalhista e sindical se limitaram a extinguir o juiz classista (dirigente sindical sem nenhum preparo jurídico) no governo FHC e, no de Lula, andaram para trás: em vez de acabar com o imposto sindical (como sempre pregou quando líder sindical), Lula o reafirmou e ainda distribuiu a parcela do governo entre as centrais sindicais, que não a recebiam antes. As leis trabalhistas reunidas na Consolidação das Leis do Trabalho têm 75 anos, são anacrônicas, fora da realidade, e os sindicatos são sustentados por dinheiro público que lhes tira independência.
As reformas microeconômicas dão celeridade e eficiência à economia. Exemplo: hoje as barreiras burocráticas impõem um prazo de três a seis meses para abrir uma empresa no Brasil. Lá fora isso leva, em média, três dias. É preciso mudar.
Copa do Mundo encerrada, torcedores voltando para casa, vida do País normalizada, entra em campo a campanha eleitoral. Na TV e nas ruas, os candidatos prometerão ilusões de um país feliz, população próspera, dinheiro no bolso, comida na mesa, filho na escola, família saudável. Na vida real, sabem que precisam se sentar à mesa e arquitetar um plano de trabalho para os próximos quatro anos de governo. Além de desarmar armadilhas plantadas pelo governo Dilma (tarifas públicas represadas, alquimias contábeis na política fiscal, desconfiança na gestão econômica, etc.), o próximo presidente precisa de uma agenda de ações muito bem arquitetada, com estratégias, caminhos e metas para fazer o que precisa ser feito, retomar o que de bom tinha no Plano Real e foi interrompido ou nem foi iniciado.
Essa agenda inclui retomar as reformas dirigidas a modernizar o País, dar celeridade ao funcionamento do Estado e da economia privada, fomentar investimentos e alargar caminhos para o crescimento sustentado - as reformas maiores, de ação estrutural e que dão musculatura à economia, e as microeconômicas, que corrigem erros e oferecem soluções pontuais, em esferas localizadas. A falta delas tem gerado atrasos crônicos, emperrado o progresso econômico e social nos últimos 20 anos e faz do Brasil um dos países mais caros do mundo e onde o custo de produzir um bem é, ao mesmo tempo, alto e defasado em qualidade tecnológica. FHC e Lula tentaram conduzi-las, enviaram propostas de algumas ao Congresso, mas os resultados colhidos foram pálidos, fracos, porque dependiam da aprovação de um Parlamento corporativo, oportunista e sensível a lobbies de toda sorte, que negou transformá-las em lei.
Considerada a reforma-mãe, a política é a mais imprescindível, porque busca moralizar e educar a vida política, as coligações partidárias e o troca-troca de partido, dificulta a venda de legendas e cria regras para um financiamento mais decente de campanha. Mas deputados e senadores resistem em tocá-la. A única boa mudança - a Lei da Ficha Limpa - é de iniciativa popular, de uma proposta que colheu 1,3 milhão de assinaturas de brasileiros.
Instrumento eficaz para distribuir renda e fazer justiça social, a reforma tributária não avançou nos governos FHC e Lula, e hoje o que a estrutura tributária do País distribui é injustiça social: os pobres, proporcionalmente à renda, pagam mais impostos que os ricos. Dilma Rousseff limitou-se a substituir a contribuição previdenciária por um imposto sobre o faturamento das empresas, mas não o aplicou de forma horizontal, privilegiando alguns setores industriais escolhidos.
A reforma previdenciária é a politicamente mais difícil e de imediato impacto social. Por mexer com interesses corporativos e privilégios do funcionalismo público em relação ao sistema privado do INSS, encontra resistências intransponíveis no Congresso. Em 2012, finalmente, as regras para a aposentadoria do funcionário público foram igualadas à do trabalhador privado do INSS e foi criado um fundo de previdência complementar, mas só para quem ingressar no serviço público depois da nova lei. Com isso, calcula-se que o equilíbrio financeiro só será atingido em 2040 - o que vai exigir outras mudanças para garantir a sobrevivência previdenciária ao País.
As reformas trabalhista e sindical se limitaram a extinguir o juiz classista (dirigente sindical sem nenhum preparo jurídico) no governo FHC e, no de Lula, andaram para trás: em vez de acabar com o imposto sindical (como sempre pregou quando líder sindical), Lula o reafirmou e ainda distribuiu a parcela do governo entre as centrais sindicais, que não a recebiam antes. As leis trabalhistas reunidas na Consolidação das Leis do Trabalho têm 75 anos, são anacrônicas, fora da realidade, e os sindicatos são sustentados por dinheiro público que lhes tira independência.
As reformas microeconômicas dão celeridade e eficiência à economia. Exemplo: hoje as barreiras burocráticas impõem um prazo de três a seis meses para abrir uma empresa no Brasil. Lá fora isso leva, em média, três dias. É preciso mudar.
A catástrofe de 8 de julho - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 13/07
Para os brasileiros, os 7 x 1 foram uma catástrofe, igual a uma derrota definitiva na guerra. Nos acostumamos a ver na Seleção "a pátria em chuteiras" (Nelson Rodrigues). Mas o futebol é apenas um esporte, como o vôlei e o basquete, cujas vitórias e derrotas não afetam a nação.
Ao menos, ao contrário de outros latino-americanos, não agredimos os adversários. Perdemos com esportividade. A torcida, mesmo em prantos, aplaudiu a equipe alemã. Estamos nos civilizando.
A culpa, ao meu sentir, não foi da equipe. Os nossos jogam nos melhores times da Alemanha, Espanha, Inglaterra, Itália e alhures. Nos faltou treinos e conjunto ou, noutras palavras, treinador. Felipão é teimoso e ultrapassado. Basta ver suas crenças: ser "paizão" e acreditar em emoções, união, torcida e voluntarismo para ganhar jogos. Nada disso funciona, a não ser na cabeça dele!
O "football association", como o nome indica, exige um conjunto harmonioso de jogadores utilizando sistemas eficientes em campo, fruto de metódicos treinamentos. Felipão não teve sistema, nem treinou o time, ao contrário dos disciplinados alemães. Eles jogam com três beques, dois atacantes e cinco meio-campistas, que se defendem em bloco e partem para o ataque em alta velocidade, sem errar nos passes e chutes.
É extenuante e trabalhoso, mas funciona. Jogam assim em qualquer lugar, contra qualquer time. O Felipão abriu os pontas e isolou o centroavante. Deixou o miolo de campo alemão atacar em massa a nossa defesa perplexa. Isso não deveria acontecer. Sobravam alemães dentro da área. O resultado era mais do que previsível. Imaginei 3 x 1. O excesso, porém, surpreendeu. O segundo tempo foi melhor, não porque os alemães pararam e sim porque congestionamos o meio-de-campo e marcamos ao pé (ainda fizeram dois gols).
Discordo do equilibrado técnico argentino ao dizer que o futebol é o mais ilógico dos esportes coletivos e que "essas coisas" acontecem. Nós merecemos o placar. A comissão técnica é a principal culpada. Concordo com o jogador alemão que lamentou e disse que o Brasil não merecia perder daquele jeito. É seu Felipão! Ninguém esperava, nem mesmo você. Essa conversa de "apagão" é culpa sua, que não lida bem com as energias. Assuma o erro! Todo comandante que põe a culpa nos comandados é covarde!
Enquanto os jogadores tratarem o treinador como "professor", sem se rebelarem, como aconteceu com Feola no passado, e o povo acreditar nas "presidentas" sem espírito crítico, nosso país não evoluirá.
Na política, na administração e no futebol agimos desorganizadamente, somos adeptos dos improvisos e, por isso, as coisas não funcionam. Tomara que a "catástrofe" nos torne mais frios e analíticos. Lula quis a Copa de caso pensado para ajudar seu obsessivo projeto de poder e Dilma gastou horrores para satisfazer o chefe e mentor, sem planejamento ou racionalidade.
Os legados da Copa? Algumas sofríveis obras de mobilidade urbana, aeroportos maquiados por estarem obsoletos, estádios custosos para ficar no "padrão Fifa", muita corrupção e superfaturamentos! Além disso, isenção de impostos para a Fifa. Dizem que lucrou muitíssimo! Logo veremos o balanço de lucros e perdas. Para culminar, quatro elefantes brancos: em Brasília, Natal, Manaus e Cuiabá, lugares sem times de futebol para jogar o campeonato da primeira divisão, além de obras inacabadas por toda parte. A Copa foi boa para o Corinthians. Lula deu-lhe de presente o Itaquerão, com desabamentos e muitos mortos na construção às pressas (sempre o improviso).
Catastróficas foram, isto sim, as perdas de operários e agora de vidas inocentes no desabamento do viaduto em Belo Horizonte. Não, sr. prefeito, derrotas são explicáveis mas deslizamentos de passarelas e queda de viadutos são erros imperdoáveis. Não adianta abrir "rigoroso inquérito". Queremos punições exemplares. Dinheiro público e vidas humanas valem 1 milhão de vezes vitórias esportivas e obras apressadas, improvisadas, malfeitas, para dar a impressão de que somos capazes.
O futebol não é tudo. Nem só de circo vivemos nós. O povo quer progresso, paz e organização. Os nossos jogos decisivos são as eleições para presidente, governadores e prefeitos. Maldita seja para sempre a Copa da humilhação! Quanto ao futuro, que o presente nos sirva de lição. No esporte, como na vida, esforço e organização são fundamentais. A vitória embriaga, a derrota ensina. Levantemos a cabeça. Dias melhores virão.
O descaramento como política - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 13/07
O programa de governo Dilma Rousseff 2014 é uma peça publicitária, com forte dose de ficção. Um dos tópicos, intitulado Os 12 anos que transformaram o Brasil, é constrangedor. Ali, a mentira parece adquirir status de verdade histórica.
O que primeiro choca é a incongruência entre o título do programa (Mais mudanças, mais futuro) e o conteúdo proposto. Era de esperar que, com resultados tão pífios - reconhecidos não apenas por analistas econômicos, mas, como as pesquisas têm indicado, pela população em geral, que já percebeu qual é a qualidade do atual governo -, o leitor do programa se deparasse com algo diferente do que viu nos últimos anos. Mas o que lá está é mais do mesmo, com a reedição de "programas" pontuais e desconexos, sem uma visão ampla do que o Brasil precisa. Vê-se logo que é um programa feito pró-forma, em que o País é um simples acessório.
Furtando-se de analisar os seus anos de governo - o que seria mais honesto -, sempre que pode Dilma inclui os oito anos de Lula nas suas comparações. Disso resultam afirmações que se chocam com a verdade. Por exemplo, "ao final de três mandatos, todos os indicadores do período são positivos e sempre muito melhores do que os vigentes em 2002". Haja criatividade nos números para tamanha miopia!
Em relação ao seu calcanhar de aquiles - a inflação -, não tendo o que apresentar, usa bravatas pouco convincentes. "Entendemos o poder devastador da inflação (...) e por isso jamais transigiríamos ou transigiremos com um elemento da política econômica com esse potencial desorganizador da vida das pessoas e da economia". Se de fato Dilma entendeu o poder devastador da inflação, seus anos de governo são um exercício explícito de má-fé. O que ela de fato compreendeu foi o efeito político da inflação, daí a manipulação de números e os preços e tarifas administrados.
Há passagens que são a mais deslavada mentira. "Os governos do PT assumiram a histórica tarefa de investir na infraestrutura logística brasileira. (...) O Brasil dos governos do PT e de seus aliados ficará marcado como o período da história recente com mais entregas de grandes obras de infraestrutura." Será uma piada de mau gosto? Se há um setor onde existe uma distância abissal entre o que o País necessita - e o governo prometeu - e a administração petista entregou, este é o da infraestrutura. É dessa forma que a Mãe do PAC vê os resultados pífios do seu mandato?
No programa, renova-se a "profissão de fé do PT" no seu modelo de desenvolvimento. Informa que ele está assentado em dois pilares - a solidez econômica e a amplitude das políticas sociais - e que ganhará no próximo governo um terceiro sustentáculo: a competitividade produtiva. Infelizmente, não houve, como afirma o documento, "defesa intransigente da solidez macroeconômica". É fato de domínio público. Sobre as políticas sociais, também é conhecido como o PT entende o seu maior trunfo: repasse de verba, sem acompanhamento de resultados efetivos. "Social", para o governo atual, é sinônimo de voto. Na sua lógica, se deu voto, houve transformação social. E o terceiro pilar é algo de que o PT pouco entende, como já se viu. No máximo, sabe dar incentivos pontuais, de alcance duvidoso, sem uma política de governo séria e responsável, que garanta a confiança no ambiente dos negócios.
Para aparecer bem na foto, o PT não tem escrúpulos de editar a imagem real. No programa, afirma-se que "a tarefa de combater a extrema pobreza (...) foi superada". Confundem o título de programa social, "Brasil sem Miséria", com a realidade vivida. Afronta a sensibilidade humana fazer campanha eleitoral ignorando a realidade de tantos brasileiros e brasileiras que ainda vivem em condições sub-humanas.
Não foi o PT quem inventou certa "flexibilidade" nos programas de governo. Já existia antes dele. Mas o atual governo pôs em outro patamar o nível de descaramento. Eleições merecem respeito, porque o cidadão merece respeito. Há limites até mesmo para o que se põe no papel, ainda que na ética petista tudo aquilo que o mantenha no poder seja visto como legítimo. O Brasil merece outra ética, outra política.
O programa de governo Dilma Rousseff 2014 é uma peça publicitária, com forte dose de ficção. Um dos tópicos, intitulado Os 12 anos que transformaram o Brasil, é constrangedor. Ali, a mentira parece adquirir status de verdade histórica.
O que primeiro choca é a incongruência entre o título do programa (Mais mudanças, mais futuro) e o conteúdo proposto. Era de esperar que, com resultados tão pífios - reconhecidos não apenas por analistas econômicos, mas, como as pesquisas têm indicado, pela população em geral, que já percebeu qual é a qualidade do atual governo -, o leitor do programa se deparasse com algo diferente do que viu nos últimos anos. Mas o que lá está é mais do mesmo, com a reedição de "programas" pontuais e desconexos, sem uma visão ampla do que o Brasil precisa. Vê-se logo que é um programa feito pró-forma, em que o País é um simples acessório.
Furtando-se de analisar os seus anos de governo - o que seria mais honesto -, sempre que pode Dilma inclui os oito anos de Lula nas suas comparações. Disso resultam afirmações que se chocam com a verdade. Por exemplo, "ao final de três mandatos, todos os indicadores do período são positivos e sempre muito melhores do que os vigentes em 2002". Haja criatividade nos números para tamanha miopia!
Em relação ao seu calcanhar de aquiles - a inflação -, não tendo o que apresentar, usa bravatas pouco convincentes. "Entendemos o poder devastador da inflação (...) e por isso jamais transigiríamos ou transigiremos com um elemento da política econômica com esse potencial desorganizador da vida das pessoas e da economia". Se de fato Dilma entendeu o poder devastador da inflação, seus anos de governo são um exercício explícito de má-fé. O que ela de fato compreendeu foi o efeito político da inflação, daí a manipulação de números e os preços e tarifas administrados.
Há passagens que são a mais deslavada mentira. "Os governos do PT assumiram a histórica tarefa de investir na infraestrutura logística brasileira. (...) O Brasil dos governos do PT e de seus aliados ficará marcado como o período da história recente com mais entregas de grandes obras de infraestrutura." Será uma piada de mau gosto? Se há um setor onde existe uma distância abissal entre o que o País necessita - e o governo prometeu - e a administração petista entregou, este é o da infraestrutura. É dessa forma que a Mãe do PAC vê os resultados pífios do seu mandato?
No programa, renova-se a "profissão de fé do PT" no seu modelo de desenvolvimento. Informa que ele está assentado em dois pilares - a solidez econômica e a amplitude das políticas sociais - e que ganhará no próximo governo um terceiro sustentáculo: a competitividade produtiva. Infelizmente, não houve, como afirma o documento, "defesa intransigente da solidez macroeconômica". É fato de domínio público. Sobre as políticas sociais, também é conhecido como o PT entende o seu maior trunfo: repasse de verba, sem acompanhamento de resultados efetivos. "Social", para o governo atual, é sinônimo de voto. Na sua lógica, se deu voto, houve transformação social. E o terceiro pilar é algo de que o PT pouco entende, como já se viu. No máximo, sabe dar incentivos pontuais, de alcance duvidoso, sem uma política de governo séria e responsável, que garanta a confiança no ambiente dos negócios.
Para aparecer bem na foto, o PT não tem escrúpulos de editar a imagem real. No programa, afirma-se que "a tarefa de combater a extrema pobreza (...) foi superada". Confundem o título de programa social, "Brasil sem Miséria", com a realidade vivida. Afronta a sensibilidade humana fazer campanha eleitoral ignorando a realidade de tantos brasileiros e brasileiras que ainda vivem em condições sub-humanas.
Não foi o PT quem inventou certa "flexibilidade" nos programas de governo. Já existia antes dele. Mas o atual governo pôs em outro patamar o nível de descaramento. Eleições merecem respeito, porque o cidadão merece respeito. Há limites até mesmo para o que se põe no papel, ainda que na ética petista tudo aquilo que o mantenha no poder seja visto como legítimo. O Brasil merece outra ética, outra política.
Xingamentos e a estratégia do ressentimento - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 13/07
Insultos à presidente são inaceitáveis, e esperamos que não ocorram hoje. Mas Lula e outros petistas vêm cultivando o “nós contra eles” há muito tempo
Duas grandes perguntas envolvem a final que será disputada nesta tarde, no Maracanã – o grande templo do futebol mundial em que a seleção brasileira nem botou os pés, por arrogância da organização –, entre Alemanha e Argentina. A primeira é óbvia e interessa a todo o mundo: quem conquistará a Copa mais uma vez? A segunda diz mais respeito aos brasileiros: a presidente Dilma Rousseff, que já garantiu sua presença e deve entregar a taça ao capitão da equipe vencedora, será recebida com a mesma hostilidade que enfrentou em São Paulo, no dia da abertura da Copa?
Se a vaia até faz parte do jogo, xingamentos como o que Dilma ouviu na Arena Corinthians são inaceitáveis, indignos de uma sociedade que se pretende civilizada. Não há justificativa para esse tipo de atitude e esperamos sinceramente que o episódio não se repita hoje. Mas nem por isso deixaremos de lembrar que tal reação é fruto de um ambiente cultivado, em grande parte, por diversos membros do PT, inclusive por seu grande líder, o ex-presidente Lula, que se mostrou escandalizado com os insultos a Dilma apesar de ele ter feito o mesmo contra Itamar Franco em 1993.
A própria reação ao caso do Itaquerão mostrou como funciona o modus operandi dessas pessoas. Chefões do partido e até comentaristas esportivos alinhados com sua ideologia recorreram a clivagens de gênero, socioeconômicas e até raciais para condenar o ato. Em vez de dizer o óbvio e o certo – que o insulto é um desrespeito atroz, independentemente de quem o profere e de quem o recebe –, o discurso predominante condenava a “elite branca” que estaria no estádio e seria a responsável pelos xingamentos.
Ricos contra pobres, brancos contra negros, homens contra mulheres, em resumo, “nós contra eles” – a estratégia de fomentar o ressentimento é clássica. O próprio Lula, que mesmo na presidência não tinha exatamente o vocabulário polido que agora cobra dos demais, disse inúmeras vezes que os ricos não desejavam a prosperidade dos pobres. “As pessoas não estão perdendo nada, só não querem que os pobres cheguem igual a eles”, afirmou a militantes negros em 2007; “Eles se incomodam. Eles preferiam um avião vazio, com meia dúzia de ricos”, afirmou dias atrás, comentando os insultos a Dilma. A presidente, aliás, aprendeu bem a lição do mentor e rebateu os xingamentos com um vídeo no qual afirmava que o Brasil “é um país em que mulheres, negros, jovens e crianças, a maioria mais pobre, passaram a ter direitos que sempre foram negados. É isso que vaiam e xingam. É isso que não suportam”.
Além do vitimismo e do estímulo ao ressentimento, até a agressão física já fez parte do cardápio dos líderes petistas. “Eles têm de apanhar nas ruas e nas urnas”, gritava José Dirceu a grevistas em 2000 – o agora mensaleiro condenado se referia aos tucanos paulistas. O governador Mario Covas, dias depois, seria agredido com paus, pedras e laranjas ao tentar entrar na Secretaria de Estado da Educação, que tinha sua entrada bloqueada por professores em greve. “Covas sentou em cima de um formigueiro”, foi a reação de Lula à agressão, comprovando não só que o clima agressivo vem sendo cultivado há muito tempo, mas também que a indignação de Lula é seletiva, dependendo do alvo do ataque.
A mistura entre esporte e política não é exclusiva desta ou daquela corrente ideológica. As ditaduras argentina e brasileira se aproveitaram do futebol, e os regimes totalitários de Cuba, da Cortina de Ferro e da China sempre usaram o sucesso de seus atletas como ferramenta de propaganda do socialismo. Dilma quis embarcar na campanha do hexa, posou para fotos imitando Neymar e organizou até um chat com internautas sobre a Copa, tentando colar sua imagem a um evento que se tornou a “Copa das Copas” não por fatores políticos, mas pelo desempenho das seleções em campo e pela festa das torcidas. No bate-papo, chegou a igualar o pessimismo com a organização da Copa ao pessimismo com a economia. Claro, não é por isso, e nem pelo histórico lulopetista de fomentar a divisão, que se deve xingar a presidente da República. Mas posar de vítima inocente diante da grosseria alheia nada mais é que cinismo.
Insultos à presidente são inaceitáveis, e esperamos que não ocorram hoje. Mas Lula e outros petistas vêm cultivando o “nós contra eles” há muito tempo
Duas grandes perguntas envolvem a final que será disputada nesta tarde, no Maracanã – o grande templo do futebol mundial em que a seleção brasileira nem botou os pés, por arrogância da organização –, entre Alemanha e Argentina. A primeira é óbvia e interessa a todo o mundo: quem conquistará a Copa mais uma vez? A segunda diz mais respeito aos brasileiros: a presidente Dilma Rousseff, que já garantiu sua presença e deve entregar a taça ao capitão da equipe vencedora, será recebida com a mesma hostilidade que enfrentou em São Paulo, no dia da abertura da Copa?
Se a vaia até faz parte do jogo, xingamentos como o que Dilma ouviu na Arena Corinthians são inaceitáveis, indignos de uma sociedade que se pretende civilizada. Não há justificativa para esse tipo de atitude e esperamos sinceramente que o episódio não se repita hoje. Mas nem por isso deixaremos de lembrar que tal reação é fruto de um ambiente cultivado, em grande parte, por diversos membros do PT, inclusive por seu grande líder, o ex-presidente Lula, que se mostrou escandalizado com os insultos a Dilma apesar de ele ter feito o mesmo contra Itamar Franco em 1993.
A própria reação ao caso do Itaquerão mostrou como funciona o modus operandi dessas pessoas. Chefões do partido e até comentaristas esportivos alinhados com sua ideologia recorreram a clivagens de gênero, socioeconômicas e até raciais para condenar o ato. Em vez de dizer o óbvio e o certo – que o insulto é um desrespeito atroz, independentemente de quem o profere e de quem o recebe –, o discurso predominante condenava a “elite branca” que estaria no estádio e seria a responsável pelos xingamentos.
Ricos contra pobres, brancos contra negros, homens contra mulheres, em resumo, “nós contra eles” – a estratégia de fomentar o ressentimento é clássica. O próprio Lula, que mesmo na presidência não tinha exatamente o vocabulário polido que agora cobra dos demais, disse inúmeras vezes que os ricos não desejavam a prosperidade dos pobres. “As pessoas não estão perdendo nada, só não querem que os pobres cheguem igual a eles”, afirmou a militantes negros em 2007; “Eles se incomodam. Eles preferiam um avião vazio, com meia dúzia de ricos”, afirmou dias atrás, comentando os insultos a Dilma. A presidente, aliás, aprendeu bem a lição do mentor e rebateu os xingamentos com um vídeo no qual afirmava que o Brasil “é um país em que mulheres, negros, jovens e crianças, a maioria mais pobre, passaram a ter direitos que sempre foram negados. É isso que vaiam e xingam. É isso que não suportam”.
Além do vitimismo e do estímulo ao ressentimento, até a agressão física já fez parte do cardápio dos líderes petistas. “Eles têm de apanhar nas ruas e nas urnas”, gritava José Dirceu a grevistas em 2000 – o agora mensaleiro condenado se referia aos tucanos paulistas. O governador Mario Covas, dias depois, seria agredido com paus, pedras e laranjas ao tentar entrar na Secretaria de Estado da Educação, que tinha sua entrada bloqueada por professores em greve. “Covas sentou em cima de um formigueiro”, foi a reação de Lula à agressão, comprovando não só que o clima agressivo vem sendo cultivado há muito tempo, mas também que a indignação de Lula é seletiva, dependendo do alvo do ataque.
A mistura entre esporte e política não é exclusiva desta ou daquela corrente ideológica. As ditaduras argentina e brasileira se aproveitaram do futebol, e os regimes totalitários de Cuba, da Cortina de Ferro e da China sempre usaram o sucesso de seus atletas como ferramenta de propaganda do socialismo. Dilma quis embarcar na campanha do hexa, posou para fotos imitando Neymar e organizou até um chat com internautas sobre a Copa, tentando colar sua imagem a um evento que se tornou a “Copa das Copas” não por fatores políticos, mas pelo desempenho das seleções em campo e pela festa das torcidas. No bate-papo, chegou a igualar o pessimismo com a organização da Copa ao pessimismo com a economia. Claro, não é por isso, e nem pelo histórico lulopetista de fomentar a divisão, que se deve xingar a presidente da República. Mas posar de vítima inocente diante da grosseria alheia nada mais é que cinismo.