O GLOBO - 26/06
Jogadores locais, para conseguir vaga nos times, precisam evoluir até o ponto em que estão os estrangeiros
Parece que Neymar e Song, da seleção de Camarões, são bons amigos. Antes e depois do jogo da última segunda, a TV mostrou os dois trocando abraços e se divertindo com alguma coisa que o craque brasileiro comentou.
São colegas de trabalho. Jogam no Barcelona, convivem uma temporada inteira e não seria estranho que estivessem combinando uma balada.
Os jogadores estão globalizados. Há legiões de estrangeiros por toda parte, mas, sem dúvida, os melhores do mundo atuam na Europa. E fazem partidas encantadoras o ano todo. O Manchester da Inglaterra tem nada menos que 14 jogadores espalhados por diversas seleções.
Isso é bom ou ruim? Depende. Para o público que pode acompanhar os jogos pela televisão, é um espetáculo. Para o técnico da Inglaterra, porém, a globalização prejudicou sua seleção. Ocorre, disse, que craques internacionais são os titulares dos times ingleses, colocando na reserva os locais. Logo, estes têm menos chances de aperfeiçoamento.
Supondo que ele estivesse correto, qual seria a saída? Só uma, proibir ou limitar ao extremo a entrada dos estrangeiros. Ou seja, fechar os mercados.
Funcionaria?
Certamente não. Como para qualquer outro mercado, com o perdão da palavra, o de jogadores funciona melhor com fronteiras abertas.
Como em qualquer setor, importa-se o que de melhor têm os países exportadores. Estes só conseguem colocar lá fora seus produtos mais competitivos, isso definido por uma combinação de qualidade e preço.
Só faz sentido contratar jogadores melhores do que os disponíveis internamente pagando salários mais elevados. Também faz sentido importar jogadores de qualidade pouco superior ou mesmo semelhante à dos locais, mas cuja contratação seja mais econômica.
Em qualquer caso, a consequência é a elevação da qualidade do futebol importador. Os jogadores locais, para conseguir vaga nos times, precisam evoluir até o ponto em que estão os estrangeiros com os quais passam a competir.
O caso da Espanha, em especial, é uma demonstração disso. No passado, tinha grandes times, globais, e uma seleção apenas média. Mas, de uns oito anos para cá, o time exibiu uma incrível combinação de craques. Tal foi a mudança que os jogadores espanhóis passaram também a ser exportados para outros centros de excelência.
OK, a Espanha perdeu, assim como Inglaterra e Itália, outros centros globalizados. Mas por isso o futebol é o jogo mais bonito do mundo. É difícil ganhar, mesmo sendo melhor. E, como tudo pode depender de um lance, o fator chance é decisivo.
Mas ninguém pode negar que são três ótimos times, e que têm evoluído.
Mas, vira e mexe, a cada fracasso, a discussão volta, como acaba de ser recolocada pelo técnico inglês.
O que ele reclama é a mesma coisa que pedem produtores locais de qualquer país, de qualquer setor, quando submetidos à competição com os importados. Claro que é preciso cuidado com dumping, preço vil, concorrência desleal. Mas isso é simples de administrar.
É muito diferente instalar um sistema protecionista, que bloqueia de algum modo a entrada dos importados. Isso sempre levou à estagnação econômica e a prejuízos ao consumidor, que só tem acesso a produtos piores e mais caros.
Proibir a importação de jogadores piora tudo. Ficam times piores, que oferecem espetáculos piores e, portanto, com faturamento muito menor.
Nesse mercado, o Brasil está no papel de exportador. Grande exportador, como a Argentina e, de resto, toda a América do Sul e a África. Isso tem enfraquecido o futebol local, sem craques e, pois, com menos faturamento.
Vai daí que muita gente acha que proibir a exportação, especialmente dos jovens, é uma saída. Um baita equívoco.
Primeiro, que seria uma violação à liberdade de ir e vir e de trabalhar. Então, um clube europeu oferece uma nota ao jovem pobre e ele é obrigado a jogar no Brasil por salários muito menores?
Não é justo, não é legal.
Nem eficiente. Os jogadores vão embora porque os clubes não têm dinheiro para pagar em níveis internacionais. E por que não têm dinheiro? Porque dirigentes amadores e incompetentes, para dizer o mínimo, não conseguem tornar mais rentável um negócio que empolga milhões de pessoas, que poderiam perfeitamente pagar o preço justo por espetáculos mais bem organizados.
O futebol brasileiro, como negócio, é tão pouco competitivo como a economia brasileira.
Mas há um último ponto: sendo amigos de clube, os jogadores não amoleceriam quando se encontrassem em partidas de seleção? Bom, basta acompanhar alguns minutos de qualquer jogo desta Copa para ver que ninguém alivia nada.
Eles até podem combinar uma balada para a noite de folga, mas não no campo.
quinta-feira, junho 26, 2014
Urubus em dias de festa - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 26/06
Clima fica ameno no país e gelado na economia; crédito livre encolhe, confiança ainda desaba
PARA QUEM GOSTA de futebol, apenas de Copa ou, no mínimo, da festa, o clima de repente pareceu mais ameno ou, pelo menos, apareceram distrações anestésicas das durezas normais da vida, que no entanto continuam as mesmas.
Ainda assim, o ar parece mais leve. Portanto, conversas sobre o estado da economia brasileira parecem sombrias como um vulto de urubu e ainda mais deslocadas do que de costume, pois ainda mais inoportunamente desagradáveis.
Não aparecem boas notícias. Embora a tendência de baixa fosse mais ou menos previsível, a queda é inesperadamente mais rápida e, pior, em parte gratuita.
Economias flutuam, têm ciclos de baixa, nos quais por vezes se purgam ou se corrigem problemas e excessos. Padecemos agora das agruras de um momento de baixa sem que estejamos ao menos corrigindo o básico, de modo que voltemos ao arroz com feijão.
O crédito que não é regulado pelo governo parara de crescer em abril. Em maio, passou a encolher, soube-se ontem, pelas estatísticas do Banco Central. Isto é, o total de dinheiro emprestado na modalidade "livre" era em maio de 2014 menor que em maio do ano passado.
O estoque de crédito, a quantidade total de dinheiro emprestada, cresce cada vez mais devagar, agora a 6% ao ano, em termos reais, apenas devido àquelas linhas em que há a mão do governo ou direcionamento legal do dinheiro. Isto é, empréstimos do BNDES, crédito imobiliário e crédito rural, além do consignado.
Ou seja, dinheiro que o governo toma emprestado e empresta para a banca estatal, que o repassa a juros subsidiados; dinheiro da caderneta de poupança, que em grande parte deve financiar imóveis; dinheiro subsidiado para a agricultura.
Em parte, portanto, o crédito ainda cresce porque o governo se endivida a juros altíssimos. Em parte, empresas mantêm empregos porque o governo se endivida, baixando impostos de modo a aumentar a rentabilidade das empresas. Como a receita do governo é insuficiente, há deficit, o governo fica no vermelho. A fim de cobrir o buraco, o governo toma dinheiro emprestado.
Além de outros equívocos de política econômica, é fácil perceber que esse esquema artificial de remendos não vai funcionar nem prestar, além de contrariar a política monetária, a do Banco Central, que eleva a taxa de juros justamente a fim de esfriar uma economia em que a inflação está além do conveniente.
O crédito dito "livre" secou; o restante, "direcionado" pelo governo, cresce de modo que não faz muito sentido.
Nas grandes metrópoles, ao menos, a massa salarial vem tendendo à estagnação. O emprego formal cresce a 60% do ritmo médio dos três primeiros anos do governo Dilma Rousseff.
A prévia do indicador de confiança do empresário industrial de junho foi ruim: caiu pelo sexto mês seguido, na pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas. Decerto a indústria é o setor mais avariado da economia. Mesmo assim. A indústria contamina, real ou "psicologicamente", os demais setores.
Vamos parando o carro quebrado, no meio da rua, mas no máximo vamos tentar consertá-lo com uma gambiarra, o que também não vai prestar.
Clima fica ameno no país e gelado na economia; crédito livre encolhe, confiança ainda desaba
PARA QUEM GOSTA de futebol, apenas de Copa ou, no mínimo, da festa, o clima de repente pareceu mais ameno ou, pelo menos, apareceram distrações anestésicas das durezas normais da vida, que no entanto continuam as mesmas.
Ainda assim, o ar parece mais leve. Portanto, conversas sobre o estado da economia brasileira parecem sombrias como um vulto de urubu e ainda mais deslocadas do que de costume, pois ainda mais inoportunamente desagradáveis.
Não aparecem boas notícias. Embora a tendência de baixa fosse mais ou menos previsível, a queda é inesperadamente mais rápida e, pior, em parte gratuita.
Economias flutuam, têm ciclos de baixa, nos quais por vezes se purgam ou se corrigem problemas e excessos. Padecemos agora das agruras de um momento de baixa sem que estejamos ao menos corrigindo o básico, de modo que voltemos ao arroz com feijão.
O crédito que não é regulado pelo governo parara de crescer em abril. Em maio, passou a encolher, soube-se ontem, pelas estatísticas do Banco Central. Isto é, o total de dinheiro emprestado na modalidade "livre" era em maio de 2014 menor que em maio do ano passado.
O estoque de crédito, a quantidade total de dinheiro emprestada, cresce cada vez mais devagar, agora a 6% ao ano, em termos reais, apenas devido àquelas linhas em que há a mão do governo ou direcionamento legal do dinheiro. Isto é, empréstimos do BNDES, crédito imobiliário e crédito rural, além do consignado.
Ou seja, dinheiro que o governo toma emprestado e empresta para a banca estatal, que o repassa a juros subsidiados; dinheiro da caderneta de poupança, que em grande parte deve financiar imóveis; dinheiro subsidiado para a agricultura.
Em parte, portanto, o crédito ainda cresce porque o governo se endivida a juros altíssimos. Em parte, empresas mantêm empregos porque o governo se endivida, baixando impostos de modo a aumentar a rentabilidade das empresas. Como a receita do governo é insuficiente, há deficit, o governo fica no vermelho. A fim de cobrir o buraco, o governo toma dinheiro emprestado.
Além de outros equívocos de política econômica, é fácil perceber que esse esquema artificial de remendos não vai funcionar nem prestar, além de contrariar a política monetária, a do Banco Central, que eleva a taxa de juros justamente a fim de esfriar uma economia em que a inflação está além do conveniente.
O crédito dito "livre" secou; o restante, "direcionado" pelo governo, cresce de modo que não faz muito sentido.
Nas grandes metrópoles, ao menos, a massa salarial vem tendendo à estagnação. O emprego formal cresce a 60% do ritmo médio dos três primeiros anos do governo Dilma Rousseff.
A prévia do indicador de confiança do empresário industrial de junho foi ruim: caiu pelo sexto mês seguido, na pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas. Decerto a indústria é o setor mais avariado da economia. Mesmo assim. A indústria contamina, real ou "psicologicamente", os demais setores.
Vamos parando o carro quebrado, no meio da rua, mas no máximo vamos tentar consertá-lo com uma gambiarra, o que também não vai prestar.
Mais reservas, menos caixa - CELSO MING
O ESTADO DE S.PAULO - 26/06
A União decidiu transferir sem licitação reservas de 9 bilhões a 15 bilhões de barris de petróleo para a Petrobrás, a serem exploradas com baixo risco de reservatório em regime de partilha, sendo 76,2% para a União e o restante para a Petrobrás.
Do ponto de vista econômico é importante reforço para a Petrobrás, como disse a presidente Graça Foster. Já dispunha de 16 bilhões de reservas medidas, outros 16 bilhões de reservas prováveis e terá à disposição mais 15 bilhões. Reserva é o que não falta. Tirar o petróleo de lá é que são elas.
O custo imediato é a cobrança de um bônus de R$ 15 bilhões, em parcelas anuais até 2018. Neste ano, a Petrobrás deverá recolher ao Tesouro R$ 2 bilhões, quantia que deverá reforçar o superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) do governo federal.
Alguma engenharia financeira já estava sendo esperada porque era preciso fechar um acordo sobre a tal cessão onerosa. (Só para quem não acompanhou esse assunto, cessão onerosa é o petróleo da União que já foi transferido à Petrobrás como parcela da União no aumento de capital realizado em 2010. Corresponde a 5 bilhões de barris de petróleo futuro.)
Para a exploração do petróleo da cessão onerosa, a União cedeu o Campo de Búzios (antiga área de Franco), no pré-sal da Bacia de Santos. No entanto, Búzios, mais o entorno, revelou muito mais, um total recuperável próximo dos 20 bilhões de barris (5 bilhões da cessão onerosa mais 15 bilhões da nova concessão). Embora a produção regular dessa área só deva começar em 2021, a Petrobrás não poderia equacionar seus investimentos sem conhecer as condições de exploração do campo ou do que excedesse os tais 5 bilhões de barris. O especialista em Petróleo Adriano Pires estima que os investimentos necessários para desenvolver apenas essa nova área sejam de US$ 245 bilhões a US$ 380 bilhões.
O maior complicador é que a Petrobrás, que mal vai dando conta do que já tem de fazer, não dispõe dos recursos para investir em mais esses campos. Sua capacidade de endividamento (alavancagem) chegou ao limite. A saída seria aumentar o capital. Como tem créditos a receber da Petrobrás e como tem direitos sobre o petróleo futuro (os mesmos que serão produzidos no regime de partilha), a União poderia subscrever sua parte sem tirar recursos do cofre. Bastaria transferir esses recursos futuros ao capital da Petrobrás, como aconteceu por ocasião da cessão onerosa.
O problema está na parcela a ser subscrita pelos demais acionistas, ou dos detentores dos outros 53,9% do capital. Em princípio, ninguém vai colocar nem mais um centavo em capital novo da Petrobrás se continuarem a prevalecer as atuais regras que mantêm achatadas as tarifas dos combustíveis, que estrangulam o caixa da Petrobrás e que a impedem de encontrar sócios para as refinarias que terão de ser construídas.
Já se espera certa descompressão das tarifas, mas é altamente improvável que seja anunciada antes das eleições. E mesmo se for anunciada depois, é preciso ver antes quem vai conduzir o próximo governo e que política reservará à Petrobrás e à política do petróleo.
A entrega de mais essa área exploratória para a Petrobrás exigirá outras medidas complementares. Enquanto não forem conhecidas não dá para avaliar adequadamente sua qualidade.
A União decidiu transferir sem licitação reservas de 9 bilhões a 15 bilhões de barris de petróleo para a Petrobrás, a serem exploradas com baixo risco de reservatório em regime de partilha, sendo 76,2% para a União e o restante para a Petrobrás.
Do ponto de vista econômico é importante reforço para a Petrobrás, como disse a presidente Graça Foster. Já dispunha de 16 bilhões de reservas medidas, outros 16 bilhões de reservas prováveis e terá à disposição mais 15 bilhões. Reserva é o que não falta. Tirar o petróleo de lá é que são elas.
O custo imediato é a cobrança de um bônus de R$ 15 bilhões, em parcelas anuais até 2018. Neste ano, a Petrobrás deverá recolher ao Tesouro R$ 2 bilhões, quantia que deverá reforçar o superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) do governo federal.
Alguma engenharia financeira já estava sendo esperada porque era preciso fechar um acordo sobre a tal cessão onerosa. (Só para quem não acompanhou esse assunto, cessão onerosa é o petróleo da União que já foi transferido à Petrobrás como parcela da União no aumento de capital realizado em 2010. Corresponde a 5 bilhões de barris de petróleo futuro.)
Para a exploração do petróleo da cessão onerosa, a União cedeu o Campo de Búzios (antiga área de Franco), no pré-sal da Bacia de Santos. No entanto, Búzios, mais o entorno, revelou muito mais, um total recuperável próximo dos 20 bilhões de barris (5 bilhões da cessão onerosa mais 15 bilhões da nova concessão). Embora a produção regular dessa área só deva começar em 2021, a Petrobrás não poderia equacionar seus investimentos sem conhecer as condições de exploração do campo ou do que excedesse os tais 5 bilhões de barris. O especialista em Petróleo Adriano Pires estima que os investimentos necessários para desenvolver apenas essa nova área sejam de US$ 245 bilhões a US$ 380 bilhões.
O maior complicador é que a Petrobrás, que mal vai dando conta do que já tem de fazer, não dispõe dos recursos para investir em mais esses campos. Sua capacidade de endividamento (alavancagem) chegou ao limite. A saída seria aumentar o capital. Como tem créditos a receber da Petrobrás e como tem direitos sobre o petróleo futuro (os mesmos que serão produzidos no regime de partilha), a União poderia subscrever sua parte sem tirar recursos do cofre. Bastaria transferir esses recursos futuros ao capital da Petrobrás, como aconteceu por ocasião da cessão onerosa.
O problema está na parcela a ser subscrita pelos demais acionistas, ou dos detentores dos outros 53,9% do capital. Em princípio, ninguém vai colocar nem mais um centavo em capital novo da Petrobrás se continuarem a prevalecer as atuais regras que mantêm achatadas as tarifas dos combustíveis, que estrangulam o caixa da Petrobrás e que a impedem de encontrar sócios para as refinarias que terão de ser construídas.
Já se espera certa descompressão das tarifas, mas é altamente improvável que seja anunciada antes das eleições. E mesmo se for anunciada depois, é preciso ver antes quem vai conduzir o próximo governo e que política reservará à Petrobrás e à política do petróleo.
A entrega de mais essa área exploratória para a Petrobrás exigirá outras medidas complementares. Enquanto não forem conhecidas não dá para avaliar adequadamente sua qualidade.
A volta dos alquimistas - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 26/06
Já vai terminando o mandato concedido pela presidente Dilma na eleição de 2010 e, até nos últimos meses do período regulamentar, ela continua com a mesma tática de jogo: para fechar as contas, recorre à contabilidade criativa. Nos últimos dois dias, duas novas jogadas. A primeira foi a operação com a Petrobras, que derrubou a ação da empresa, a outra, mais um cheque para o BNDES.
Para a Petrobras, é um mau negócio porque ela terá que desembolsar recursos antes de embolsar. Vai ter despesas antes de ter receitas com os quatro blocos de pré-sal. Terá que pagar o bônus de assinatura de R$ 2 bilhões este ano e continuar antecipando dinheiro à União nos próximos, antes que os blocos estejam produzindo petróleo em 2021. Ao todo, gastará cerca de R$15 bi antes dessa data. As ações da companhia, que vinham subindo com os últimos resultados das pesquisas de intenção de voto, caíram 3% na terça-feira e mais 3%, ontem.
Tudo o que a empresa não precisa agora é ter mais despesas antes das receitas e redução do seu valor de mercado na bolsa. A Petrobras está com alto endividamento em relação à sua capacidade de geração de caixa. Enfrenta o desequilíbrio provocado pelo controle dos preços da gasolina, precisa de recursos para os investimentos programados e tem que continuar tocando projetos de retorno duvidoso, como a refinaria Abreu e Lima.
O governo, no entanto, com dificuldade de cumprir a meta já reduzida de superávit primário, fez mais uma manobra para receber de imediato da empresa R$ 2 bilhões. Além disso, o fato de entregar os blocos sem licitação aumenta a incerteza sobre as regras do mercado brasileiro de exploração de petróleo. A longo prazo, pode ser um bom negócio para a estatal, mas, neste momento, tirar recursos do caixa não é o mais recomendável.
Outra manobra que o governo está fazendo é mais um daqueles cheques ao BNDES, desta vez, de R$ 30 bilhões. São, como se sabe, chamados de “empréstimos” para não aparecerem na contabilidade da dívida líquida. Na dívida bruta, no entanto, aparecem, e isso é que é levado em conta por quem sabe acompanhar a política fiscal.
O ex-presidente Lula, que vinha pedindo mais gastos, agora disse que “não cabe” levantar dúvidas sobre a seriedade fiscal do governo. Cabe sim, porque a atual equipe econômica fez uma sucessão de alterações na contabilidade pública nos últimos anos que foram tornando os dados cada vez menos confiáveis. O Brasil seguiu um longo processo de pôr em ordem as contas públicas desde o fim do governo militar até a Lei de Responsabilidade Fiscal. Continuou assim no primeiro mandato do ex-presidente Lula. Depois da crise de 2008, no entanto, o país entrou na fase da contabilidade criativa que estamos até agora.
Uma das técnicas do transformismo foi usado na energia, quando o governo determinou que um ente privado, a CCEE, pegasse um empréstimo no mercado financeiro para cobrir os rombos das distribuidoras tendo como garantia o aval da Aneel de que elas pagarão com aumento futuro de tarifa.
Tudo isso será necessário corrigir no próximo governo, mesmo que a eleita seja a própria presidente Dilma. O malabarismo fiscal está reduzindo a confiança do empresariado para investir e aumentando as dúvidas dos classificadores de risco soberano. Uma das agências já rebaixou o Brasil e outras dão alertas com frequência. O país vem retrocedendo na solidez das suas contas exatamente porque a cada dia o governo cria uma novidade para levar recursos para o Tesouro. Tem conseguido apenas acumular cada vez mais distorções.
Já vai terminando o mandato concedido pela presidente Dilma na eleição de 2010 e, até nos últimos meses do período regulamentar, ela continua com a mesma tática de jogo: para fechar as contas, recorre à contabilidade criativa. Nos últimos dois dias, duas novas jogadas. A primeira foi a operação com a Petrobras, que derrubou a ação da empresa, a outra, mais um cheque para o BNDES.
Para a Petrobras, é um mau negócio porque ela terá que desembolsar recursos antes de embolsar. Vai ter despesas antes de ter receitas com os quatro blocos de pré-sal. Terá que pagar o bônus de assinatura de R$ 2 bilhões este ano e continuar antecipando dinheiro à União nos próximos, antes que os blocos estejam produzindo petróleo em 2021. Ao todo, gastará cerca de R$15 bi antes dessa data. As ações da companhia, que vinham subindo com os últimos resultados das pesquisas de intenção de voto, caíram 3% na terça-feira e mais 3%, ontem.
Tudo o que a empresa não precisa agora é ter mais despesas antes das receitas e redução do seu valor de mercado na bolsa. A Petrobras está com alto endividamento em relação à sua capacidade de geração de caixa. Enfrenta o desequilíbrio provocado pelo controle dos preços da gasolina, precisa de recursos para os investimentos programados e tem que continuar tocando projetos de retorno duvidoso, como a refinaria Abreu e Lima.
O governo, no entanto, com dificuldade de cumprir a meta já reduzida de superávit primário, fez mais uma manobra para receber de imediato da empresa R$ 2 bilhões. Além disso, o fato de entregar os blocos sem licitação aumenta a incerteza sobre as regras do mercado brasileiro de exploração de petróleo. A longo prazo, pode ser um bom negócio para a estatal, mas, neste momento, tirar recursos do caixa não é o mais recomendável.
Outra manobra que o governo está fazendo é mais um daqueles cheques ao BNDES, desta vez, de R$ 30 bilhões. São, como se sabe, chamados de “empréstimos” para não aparecerem na contabilidade da dívida líquida. Na dívida bruta, no entanto, aparecem, e isso é que é levado em conta por quem sabe acompanhar a política fiscal.
O ex-presidente Lula, que vinha pedindo mais gastos, agora disse que “não cabe” levantar dúvidas sobre a seriedade fiscal do governo. Cabe sim, porque a atual equipe econômica fez uma sucessão de alterações na contabilidade pública nos últimos anos que foram tornando os dados cada vez menos confiáveis. O Brasil seguiu um longo processo de pôr em ordem as contas públicas desde o fim do governo militar até a Lei de Responsabilidade Fiscal. Continuou assim no primeiro mandato do ex-presidente Lula. Depois da crise de 2008, no entanto, o país entrou na fase da contabilidade criativa que estamos até agora.
Uma das técnicas do transformismo foi usado na energia, quando o governo determinou que um ente privado, a CCEE, pegasse um empréstimo no mercado financeiro para cobrir os rombos das distribuidoras tendo como garantia o aval da Aneel de que elas pagarão com aumento futuro de tarifa.
Tudo isso será necessário corrigir no próximo governo, mesmo que a eleita seja a própria presidente Dilma. O malabarismo fiscal está reduzindo a confiança do empresariado para investir e aumentando as dúvidas dos classificadores de risco soberano. Uma das agências já rebaixou o Brasil e outras dão alertas com frequência. O país vem retrocedendo na solidez das suas contas exatamente porque a cada dia o governo cria uma novidade para levar recursos para o Tesouro. Tem conseguido apenas acumular cada vez mais distorções.
O PT fora do eixo - JOSÉ SERRA
O ESTADO DE S.PAULO - 26/06
O PT não é um partido muito tolerante já a partir de seus próprios pressupostos originais e de seu nome: quem se pretende um partido "dos" trabalhadores, não "de" trabalhadores, já ambiciona de saída a condição de monopolista de um setor da sociedade. Mais ainda: reivindica o poder de determinar quem pertence, ou não, a essa categoria em particular. Assim, um operário que não vota no PT, por exemplo, não estará, pois, entre "os" trabalhadores; do mesmo modo, o partido tem conferido a "carteirinha" de operário padrão a pessoas que jamais ganharam o sustento com o fruto do próprio trabalho.
A fórmula petista é conhecida: a máquina partidária suja ou lava reputações a depender de suas necessidades objetivas. Os chamados bandidos de ontem podem ser convertidos à condição de heróis e um herói do passado pode passar a ser tratado como bandido. A única condição para ganhar a bênção é estabelecer com o ente partidário uma relação de subordinação. A partir daí não há limites. Foi assim que o PT promoveu o casamento perverso do patrimonialismo "aggiornado", traduzido pela elite sindical, com o patrimonialismo tradicional, de velha extração.
Afirmei no final de 2003 o que nem todos compreenderam bem, que o petismo era o "bolchevismo sem utopia". Aproxima-se do bolchevismo nos métodos, no propósito de tentar se estabelecer, se possível, como partido único; nas instâncias decisórias aproxima-se do chamado "centralismo democrático", que nada mais é do que a ditadura da direção central do partido. É bolchevista também na certeza de que determinadas ações até podem ser ruins para o Brasil, mas serão implementadas se parecerem boas para o partido. Como se considera que é ele que conduz a História do Brasil, não contrário, tem-se por certo que o que é bom para o partido será, no longo prazo, bom para o País e para o povo. Nesse sentido particular os petistas ainda são bastante leninistas.
Quando afirmei que lhes faltava a dimensão utópica, não estava emprestando um valor necessariamente positivo a essa utopia. Na minha ação política miro a terra que há, não a Terra do Nunca. E nela procuro sempre ampliar aquilo que é percebido como os limites do possível. De todo modo, é inegável que o bolchevismo tinha um devir, uma prefiguração, um sonho de um outro amanhã, ainda que isso tenha desembocado na tragédia e no horror stalinista. Mas isso não muda a crença genuína de muitos que se entregaram àquela luta. Isso o PT não tem. E chega a ser piada afirmar que o partido, de alguma maneira e em alguma dimensão, no que concerne à economia é socialista ou mesmo de esquerda. Muitas correntes de esquerda são autoritárias, mas convém não confundir o autoritarismo petista com socialismo. O socialismo tem sido só a fachada que o PT utiliza para lavar o seu autoritarismo - associado, infelizmente, a uma grande inépcia para governar, de que tenho tratado sempre nesta página.
Quero chamar a atenção é para o recrudescimento da face intolerante do partido. Como também já abordei aqui, vivemos o fim de um ciclo, que faz cruzar, episodicamente, a História do Brasil e a do PT. As circunstâncias que permitiram ao petismo sustentar o modelo que aí está - que nunca foi "de desenvolvimento", mas de administração oportunista de fatores que não eram de sua escolha - se esgotaram. Na, infelizmente, longa agonia desse fim de ciclo temos a economia semiestagnada, os baixos investimentos e a desindustrialização, os déficits do balanço de pagamentos em alta e a inflação reprimida. E, nota-se, o partido nada tem a oferecer a não ser a pregação terrorista de que qualquer mudança implicará desgraça nacional.
Não tendo mais auroras a oferecer, não sabendo por que governa nem por que pretende governar o País por mais quatro anos, e percebendo que amplos setores da sociedade desconfiam dessa eterna e falsa luta do "nós" contra "eles", o petismo começa a adentrar terrenos perigosos. Se a prática não chega a ameaçar a democracia - tomara que não! -, é certo que gera turbulências na trajetória do País. No apagar das luzes deste mandato, a presidente Dilma Rousseff decide regulamentar, por decreto - quando poderia fazê-lo por projeto de lei -, os "conselhos populares". Não por acaso, bane o Congresso do debate, verticalizando essa participação, num claro mecanismo de substituição da democracia representativa pela democracia direta. Na Constituição elas são complementares, não excludentes. Por incrível que pareça - mas sempre afinado com o bolchevismo sem utopia -, o modelo previsto no Decreto 8.243 procura substituir a democracia dos milhões pela democracia dos poucos milhares - quase sempre atrelados ao partido. É como se o PT pretendesse tomar o lugar da sociedade.
Ainda mais detestável: o partido não se inibe de criar uma lista negra de jornalistas - na primeira fornada estão Arnaldo Jabor, Augusto Nunes, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Guilherme Fiuza, Danilo Gentili, Marcelo Madureira, Demétrio Magnoli e Lobão -, satanizando-os e, evidentemente, expondo-os a riscos. É desnecessário dizer que tenho diferenças, às vezes severas, com vários deles. Isso é parte do jogo. É evidente que o regime democrático não comporta listas negras, sejam feitas pelo Estado, por partidos ou por entidades. Mormente porque, por mais que se possa discordar do ponto de vista de cada um, em que momento eles ameaçaram a democracia? Igualmente falsa - porque há evidência dos fatos - é que sejam tucanos ou "de oposição". Não são. Mas, e se fossem? Num país livre não se faz esse tipo de questionamento.
Acuado pelos fatos, com receio de perder a eleição, sem oferecer uma resposta para os graves desafios postos no presente e inexoravelmente contratados para o futuro, o PT resolveu acionar a tecla da intolerância para tentar resolver tudo no grito. Cumpre aos defensores da democracia contrariar essa prática e essa perspectiva. Não foi assim que construímos um regime de liberdades públicas no Brasil. O PT está perdendo o eixo e tende a voltar à sua própria natureza.
O PT não é um partido muito tolerante já a partir de seus próprios pressupostos originais e de seu nome: quem se pretende um partido "dos" trabalhadores, não "de" trabalhadores, já ambiciona de saída a condição de monopolista de um setor da sociedade. Mais ainda: reivindica o poder de determinar quem pertence, ou não, a essa categoria em particular. Assim, um operário que não vota no PT, por exemplo, não estará, pois, entre "os" trabalhadores; do mesmo modo, o partido tem conferido a "carteirinha" de operário padrão a pessoas que jamais ganharam o sustento com o fruto do próprio trabalho.
A fórmula petista é conhecida: a máquina partidária suja ou lava reputações a depender de suas necessidades objetivas. Os chamados bandidos de ontem podem ser convertidos à condição de heróis e um herói do passado pode passar a ser tratado como bandido. A única condição para ganhar a bênção é estabelecer com o ente partidário uma relação de subordinação. A partir daí não há limites. Foi assim que o PT promoveu o casamento perverso do patrimonialismo "aggiornado", traduzido pela elite sindical, com o patrimonialismo tradicional, de velha extração.
Afirmei no final de 2003 o que nem todos compreenderam bem, que o petismo era o "bolchevismo sem utopia". Aproxima-se do bolchevismo nos métodos, no propósito de tentar se estabelecer, se possível, como partido único; nas instâncias decisórias aproxima-se do chamado "centralismo democrático", que nada mais é do que a ditadura da direção central do partido. É bolchevista também na certeza de que determinadas ações até podem ser ruins para o Brasil, mas serão implementadas se parecerem boas para o partido. Como se considera que é ele que conduz a História do Brasil, não contrário, tem-se por certo que o que é bom para o partido será, no longo prazo, bom para o País e para o povo. Nesse sentido particular os petistas ainda são bastante leninistas.
Quando afirmei que lhes faltava a dimensão utópica, não estava emprestando um valor necessariamente positivo a essa utopia. Na minha ação política miro a terra que há, não a Terra do Nunca. E nela procuro sempre ampliar aquilo que é percebido como os limites do possível. De todo modo, é inegável que o bolchevismo tinha um devir, uma prefiguração, um sonho de um outro amanhã, ainda que isso tenha desembocado na tragédia e no horror stalinista. Mas isso não muda a crença genuína de muitos que se entregaram àquela luta. Isso o PT não tem. E chega a ser piada afirmar que o partido, de alguma maneira e em alguma dimensão, no que concerne à economia é socialista ou mesmo de esquerda. Muitas correntes de esquerda são autoritárias, mas convém não confundir o autoritarismo petista com socialismo. O socialismo tem sido só a fachada que o PT utiliza para lavar o seu autoritarismo - associado, infelizmente, a uma grande inépcia para governar, de que tenho tratado sempre nesta página.
Quero chamar a atenção é para o recrudescimento da face intolerante do partido. Como também já abordei aqui, vivemos o fim de um ciclo, que faz cruzar, episodicamente, a História do Brasil e a do PT. As circunstâncias que permitiram ao petismo sustentar o modelo que aí está - que nunca foi "de desenvolvimento", mas de administração oportunista de fatores que não eram de sua escolha - se esgotaram. Na, infelizmente, longa agonia desse fim de ciclo temos a economia semiestagnada, os baixos investimentos e a desindustrialização, os déficits do balanço de pagamentos em alta e a inflação reprimida. E, nota-se, o partido nada tem a oferecer a não ser a pregação terrorista de que qualquer mudança implicará desgraça nacional.
Não tendo mais auroras a oferecer, não sabendo por que governa nem por que pretende governar o País por mais quatro anos, e percebendo que amplos setores da sociedade desconfiam dessa eterna e falsa luta do "nós" contra "eles", o petismo começa a adentrar terrenos perigosos. Se a prática não chega a ameaçar a democracia - tomara que não! -, é certo que gera turbulências na trajetória do País. No apagar das luzes deste mandato, a presidente Dilma Rousseff decide regulamentar, por decreto - quando poderia fazê-lo por projeto de lei -, os "conselhos populares". Não por acaso, bane o Congresso do debate, verticalizando essa participação, num claro mecanismo de substituição da democracia representativa pela democracia direta. Na Constituição elas são complementares, não excludentes. Por incrível que pareça - mas sempre afinado com o bolchevismo sem utopia -, o modelo previsto no Decreto 8.243 procura substituir a democracia dos milhões pela democracia dos poucos milhares - quase sempre atrelados ao partido. É como se o PT pretendesse tomar o lugar da sociedade.
Ainda mais detestável: o partido não se inibe de criar uma lista negra de jornalistas - na primeira fornada estão Arnaldo Jabor, Augusto Nunes, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Guilherme Fiuza, Danilo Gentili, Marcelo Madureira, Demétrio Magnoli e Lobão -, satanizando-os e, evidentemente, expondo-os a riscos. É desnecessário dizer que tenho diferenças, às vezes severas, com vários deles. Isso é parte do jogo. É evidente que o regime democrático não comporta listas negras, sejam feitas pelo Estado, por partidos ou por entidades. Mormente porque, por mais que se possa discordar do ponto de vista de cada um, em que momento eles ameaçaram a democracia? Igualmente falsa - porque há evidência dos fatos - é que sejam tucanos ou "de oposição". Não são. Mas, e se fossem? Num país livre não se faz esse tipo de questionamento.
Acuado pelos fatos, com receio de perder a eleição, sem oferecer uma resposta para os graves desafios postos no presente e inexoravelmente contratados para o futuro, o PT resolveu acionar a tecla da intolerância para tentar resolver tudo no grito. Cumpre aos defensores da democracia contrariar essa prática e essa perspectiva. Não foi assim que construímos um regime de liberdades públicas no Brasil. O PT está perdendo o eixo e tende a voltar à sua própria natureza.
Nem vítimas nem algozes - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 26/06
Muito embora o plenário do Supremo tribunal Federal (STF) tenha reformado a decisão monocrática do ministro Joaquim Barbosa com relação à exigência de cumprimento de 1/6 da pena para que o condenado no regime semiaberto possa ter um trabalho externo, não aconteceu o que os militantes petistas tanto queriam, uma desmoralização do presidente demissionário, identificado por eles como um perseguidor dos mensaleiros condenados.
A começar pela manutenção da negativa de prisão domiciliar para o ex-presidente do PT José Genoino, o plenário do STF analisou as decisões de Barbosa referentes à execução das penas do processo do mensalão dando-lhe razão em alguns casos e discordando em outros, sempre ressaltando, por praticamente todos os membros, que a lei de execuções penais compreende diversas interpretações, não sendo nenhuma das decisões de Joaquim Barbosa questionável por ilegal ou despropositada.
Não há no caso nem vítimas nem algozes, como ressaltou o decano do Supremo, o ministro Celso de Mello, que fez questão de ressaltar a justeza das condenações e o caráter antidemocrático dos atos praticados pelos réus do mensalão.
O caso de Genoino se transformou em emblemática questão política, já que petistas utilizaram todos os meios para espalhar a ideia de que o ex-presidente do PT, contra o que dizem diversos laudos médicos, corre risco de vida se não for liberada sua prisão domiciliar.
O ministro Luís Roberto Barroso, que assumiu a relatoria das execuções penais com a demissão de Barbosa, desde o primeiro momento que participou do julgamento do mensalão parece constrangido em condenar Genoino, e ontem voltou a elogiá-lo. No primeiro momento, lamentou condenar um homem que participou da resistência à ditadura no Brasil, em um tempo em que isso exigia abnegação e envolvia muitos riscos .
Esse discurso elogioso provocou a reação de diversos ministros na ocasião. A Ministra Cármen Lúcia disse que o juiz, infelizmente, não julga histórias, porque as histórias às vezes são feitas de desvios que seriam impensáveis de serem praticados em outra circunstância .
Ontem, Barroso classificou Genoino de símbolo do republicanismo e do igualitarismo antes de negar o pedido para que a prisão fosse transformada em domiciliar. Mas, sem que a questão estivesse em pauta, lembrou que Genoino cumpre 1/6 da pena em dois meses, dando a entender que a partir daí poderá ir para casa.
A questão do cumprimento de 1/6 das penas para a autorização de trabalho externo suscitou uma boa discussão sobre o sistema penitenciário e demonstrou que Barbosa não estava exagerando ao interpretar ao pé da letra a exigência do Código Penal.
Celso de Mello foi o único voto a apoiar Barbosa, mas não é o único a considerar que a jurisprudência do STF deve prevalecer sobre a do STJ, que desde 1999 vem admitindo o trabalho externo sem o cumprimento mínimo da pena. Mesmo os que votaram contra a posição de Barbosa, a começar pelo relator Barroso, admitiram que a situação do sistema penitenciário é um descalabro, e que a flexibilização da lei é necessária para conviver com nossa triste realidade.
A tese vencedora foi que a razoabilidade exige interpretação mais generosa da legislação, sendo lembrado que o Rio Grande do Sul já definiu que os presos em semiaberto devem ir para prisão domiciliar por falta de vagas compatíveis com o tipo de condenação. Esse assunto será levado ao plenário do STF pelo ministro Gilmar Mendes para que haja deliberação sobre essa decisão da justiça gaúcha.
Ficou claro que o estilo centralizador e autoritário do presidente demissionário Joaquim Barbosa não é o da preferência do plenário, tanto que a execução das penas será transferida para Vara de Execuções Penais de Brasília, e não centralizada pelo novo relator.
Mas ficou evidenciado que Barbosa não abusou de seu poder nem tomou decisões sem o apoio da lei. E certamente há um pensamento majoritário na sociedade, já detectado por pesquisas: o mensalão petista só levou poderosos para a cadeia e os manteve lá pelo estilo centralizador e autoritário de Barbosa, amplamente aprovado pela população, a ponto de uma parcela representativa querê-lo como candidato à Presidência.
O real, 20 anos depois - GILMAR MENDES LOURENÇO
GAZETA DO POVO - PR - 26/06
A moeda brasileira, o real, nascida em 1.º de julho de 1994, completa 20 anos de existência absolutamente carente da viga mestra representada por uma abrangente e consistente orientação macroeconômica e apoiada apenas em retórica e prática populistas, represadoras de um conjunto apreciável de problemas que, por certo, emitirá a fatura maior depois das eleições.
Não é segredo para ninguém que a aliança hegemônica de poder que administra a nação desde 2003, ao surfar nas ondas radicais produzidas pelas altas cotações das commodities em escala global, foi gradativamente abandonando o tripé da estabilização, aplicado a partir de 1999, formado por câmbio flutuante, superávits fiscais primários e metas de inflação, e, o que é pior, apostando todas as fichas na dupla CC (crédito e consumo do governo e das famílias), especialmente com o auge do pânico da crise internacional, em setembro de 2008.
De 2011 para cá o governo Dilma Rousseff alardeia o emprego de uma nova matriz econômica, amparada em crédito oficial subsidiado e incentivos tributários para os “eleitos do senhor” e pronunciado intervencionismo nas regras de operação e precificação de importantes atividades públicas e privadas, ensejando estrondosas perdas corporativas e sacrificando investimentos.
De esforços estruturantes sobraram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que está mais para um empreendimento imobiliário, por causa da destinação de 55% dos recursos para o Minha Casa, Minha Vida; o Plano Brasil Maior, que em vez de política industrial horizontal é um festival de desonerações fiscais para ramos escolhidos por critérios vagos; e as privatizações (ou concessões, como quer o governo), que esbarram em toda a sorte de interferências públicas.
Como resultado, o Brasil colhe o retorno de embaraços considerados superados, como déficits externos recordes; elevação dos desequilíbrios nas finanças públicas; inflação próxima do teto da meta de 6,5% ao ano, fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), apesar do represamento dos reajustes dos preços dos combustíveis, energia elétrica e transporte coletivo; estagnação dos níveis de atividade econômica, causada, sobretudo, pela desidratação da indústria; dentre outros.
As trapalhadas com os elementos conjunturais têm sido ladeadas pela ausência de um projeto de expansão econômica sustentada, baseado na negociação política da segunda geração das reformas institucionais, incluindo a tributária, a fiscal, a trabalhista, a previdenciária, a patrimonial, a financeira e o pacto federativo, redefinindo receitas e responsabilidades entre União, estados e municípios.
Lembre-se de que o primeiro estágio de mudanças concentrou-se nos anos 1990 e começo da década de 2000, com a abertura comercial, a desestatização, a regulamentação das concessões dos serviços públicos, a flexibilização dos monopólios e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sendo timidamente ampliado, nos tempos recentes, com o crédito consignado, o cadastro positivo e a Lei de Falências.
Aos 20 anos, o real está debilitado. O revigoramento e os muitos anos de vida saudável da moeda brasileira dependem da ação de um verdadeiro estadista transformador, menos ocupado com as demandas eleitorais e mais preocupado com o futuro do país. Uma revisita ao princípio do governo Itamar Franco, em 1992-1993, seria um belo começo.
A moeda brasileira, o real, nascida em 1.º de julho de 1994, completa 20 anos de existência absolutamente carente da viga mestra representada por uma abrangente e consistente orientação macroeconômica e apoiada apenas em retórica e prática populistas, represadoras de um conjunto apreciável de problemas que, por certo, emitirá a fatura maior depois das eleições.
Não é segredo para ninguém que a aliança hegemônica de poder que administra a nação desde 2003, ao surfar nas ondas radicais produzidas pelas altas cotações das commodities em escala global, foi gradativamente abandonando o tripé da estabilização, aplicado a partir de 1999, formado por câmbio flutuante, superávits fiscais primários e metas de inflação, e, o que é pior, apostando todas as fichas na dupla CC (crédito e consumo do governo e das famílias), especialmente com o auge do pânico da crise internacional, em setembro de 2008.
De 2011 para cá o governo Dilma Rousseff alardeia o emprego de uma nova matriz econômica, amparada em crédito oficial subsidiado e incentivos tributários para os “eleitos do senhor” e pronunciado intervencionismo nas regras de operação e precificação de importantes atividades públicas e privadas, ensejando estrondosas perdas corporativas e sacrificando investimentos.
De esforços estruturantes sobraram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que está mais para um empreendimento imobiliário, por causa da destinação de 55% dos recursos para o Minha Casa, Minha Vida; o Plano Brasil Maior, que em vez de política industrial horizontal é um festival de desonerações fiscais para ramos escolhidos por critérios vagos; e as privatizações (ou concessões, como quer o governo), que esbarram em toda a sorte de interferências públicas.
Como resultado, o Brasil colhe o retorno de embaraços considerados superados, como déficits externos recordes; elevação dos desequilíbrios nas finanças públicas; inflação próxima do teto da meta de 6,5% ao ano, fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), apesar do represamento dos reajustes dos preços dos combustíveis, energia elétrica e transporte coletivo; estagnação dos níveis de atividade econômica, causada, sobretudo, pela desidratação da indústria; dentre outros.
As trapalhadas com os elementos conjunturais têm sido ladeadas pela ausência de um projeto de expansão econômica sustentada, baseado na negociação política da segunda geração das reformas institucionais, incluindo a tributária, a fiscal, a trabalhista, a previdenciária, a patrimonial, a financeira e o pacto federativo, redefinindo receitas e responsabilidades entre União, estados e municípios.
Lembre-se de que o primeiro estágio de mudanças concentrou-se nos anos 1990 e começo da década de 2000, com a abertura comercial, a desestatização, a regulamentação das concessões dos serviços públicos, a flexibilização dos monopólios e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sendo timidamente ampliado, nos tempos recentes, com o crédito consignado, o cadastro positivo e a Lei de Falências.
Aos 20 anos, o real está debilitado. O revigoramento e os muitos anos de vida saudável da moeda brasileira dependem da ação de um verdadeiro estadista transformador, menos ocupado com as demandas eleitorais e mais preocupado com o futuro do país. Uma revisita ao princípio do governo Itamar Franco, em 1992-1993, seria um belo começo.
Aparências, nada mais - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 26/06
Na condição de secretário-geral da Presidência da República, interlocutor do governo junto aos movimentos sociais e braço avançado de Lula no Palácio do Planalto, Gilberto Carvalho não seria quem é nem estaria onde está se andasse ou falasse em completa desconexão com os mandamentos do "projeto".
Quando pareceu divergir do tom ufanista do PT estava dourando a pílula, contornando na superfície um discurso que no conteúdo reforça o lema central de ataque escolhido pelo partido para essas eleições. Senão, vejamos.
Num primeiro movimento, disse que os insultos dirigidos à presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa do Mundo não eram coisa só da "elite branca". Deu a impressão de que fazia uma análise realista e ponderada do cenário. O PT reagiu negativamente.
Cinco dias depois, no segundo movimento, em entrevista à Folha de S. Paulo, o ministro detalhou o tema. Foi bastante específico ao dizer que o partido se ilude ao achar que "o povo pensa que está tudo bem". Na opinião dele, "um erro de diagnóstico" que impede a aplicação do "bom remédio".
Em tese haveria ali matéria-prima para polêmica, mas o PT não reagiu. Motivo para se voltar à entrevista. Relendo com lupa, logo se vê a razão do silêncio: justamente o diagnóstico detalhado de Gilberto Carvalho, que isenta o governo de qualquer responsabilidade pelo que não vai bem. A julgar por seu retrato da cena, é uma vítima.
Não faz ali referência alguma à necessidade de correção nessa ou naquela política governamental. Nada diz sobre inflação, baixo crescimento, inoperância, má qualidade de serviços públicos e tudo o que nas pesquisas aparece como motivo da crescente má avaliação do governo.
Para o ministro, a origem do mal estar é uma só: "Um pensamento conservador que se expressa fortemente por meio dos veículos de comunicação e que opera um cerco contra nós". O "cerco", segundo ele, "tem dado resultado na medida em que ganha amplitude".
A receita dele para ganhar as eleições, construir "pontes" com toda a sociedade, não é corrigir o que não anda bem. É, antes, "furar esse grande bloqueio, para mostrar ao País num debate aberto, sem mediações, o que de fato foi e está sendo realizado".
Quer dizer, "de fato" está tudo bem; errados estão os meios de comunicação que resolveram montar um "cerco" ao governo e, na base de mentiras, tem levado os brasileiros a pensar que algo não vai bem. Aqui a análise do ministro se coaduna perfeitamente com o lema do PT de que a imprensa independente é o inimigo a ser combatido.
O discurso é coincidente até nas pinceladas de autocrítica, as mesmas de sempre quando o PT se vê de frente para a adversidade: reconhecimento dos erros de "alguns", admissão de que o vírus da "velha política" contaminou o PT, burocratização da estrutura partidária, necessidade de produção de um "grande debate interno" e, claro, a indefectível reforma política.
Não há, portanto, divergência. Há, sim, convergência de fundo no velho truque de transferir a culpa pela má notícia ao mensageiro e de eleger um foco de hostilidade a fim de distrair a plateia dos problemas concretos.
Deu certo outras vezes. Pode ser que dê de novo. A conferir se diagnóstico e remédio vão dialogar de maneira eficaz. Primeiro entre si e depois com o eleitorado.
Obsequioso. A versão oficial do PSD para a manutenção da aliança com a presidente é o dever de gratidão. Pelo fato de Dilma ter ajudado com apoio político e logístico o partido em seu processo de criação.
Além disso, ao contrário do PSDB, o PT ficou ao lado do PSD na luta judicial (ganha) pelo direito ao tempo de televisão e dinheiro do fundo partidário.
O agradecimento, contudo, limita-se à figura do ex-prefeito Gilberto Kassab. Em atenção a ele o partido não submeteu a decisão a votos. Para evitar constrangimento.
Na condição de secretário-geral da Presidência da República, interlocutor do governo junto aos movimentos sociais e braço avançado de Lula no Palácio do Planalto, Gilberto Carvalho não seria quem é nem estaria onde está se andasse ou falasse em completa desconexão com os mandamentos do "projeto".
Quando pareceu divergir do tom ufanista do PT estava dourando a pílula, contornando na superfície um discurso que no conteúdo reforça o lema central de ataque escolhido pelo partido para essas eleições. Senão, vejamos.
Num primeiro movimento, disse que os insultos dirigidos à presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa do Mundo não eram coisa só da "elite branca". Deu a impressão de que fazia uma análise realista e ponderada do cenário. O PT reagiu negativamente.
Cinco dias depois, no segundo movimento, em entrevista à Folha de S. Paulo, o ministro detalhou o tema. Foi bastante específico ao dizer que o partido se ilude ao achar que "o povo pensa que está tudo bem". Na opinião dele, "um erro de diagnóstico" que impede a aplicação do "bom remédio".
Em tese haveria ali matéria-prima para polêmica, mas o PT não reagiu. Motivo para se voltar à entrevista. Relendo com lupa, logo se vê a razão do silêncio: justamente o diagnóstico detalhado de Gilberto Carvalho, que isenta o governo de qualquer responsabilidade pelo que não vai bem. A julgar por seu retrato da cena, é uma vítima.
Não faz ali referência alguma à necessidade de correção nessa ou naquela política governamental. Nada diz sobre inflação, baixo crescimento, inoperância, má qualidade de serviços públicos e tudo o que nas pesquisas aparece como motivo da crescente má avaliação do governo.
Para o ministro, a origem do mal estar é uma só: "Um pensamento conservador que se expressa fortemente por meio dos veículos de comunicação e que opera um cerco contra nós". O "cerco", segundo ele, "tem dado resultado na medida em que ganha amplitude".
A receita dele para ganhar as eleições, construir "pontes" com toda a sociedade, não é corrigir o que não anda bem. É, antes, "furar esse grande bloqueio, para mostrar ao País num debate aberto, sem mediações, o que de fato foi e está sendo realizado".
Quer dizer, "de fato" está tudo bem; errados estão os meios de comunicação que resolveram montar um "cerco" ao governo e, na base de mentiras, tem levado os brasileiros a pensar que algo não vai bem. Aqui a análise do ministro se coaduna perfeitamente com o lema do PT de que a imprensa independente é o inimigo a ser combatido.
O discurso é coincidente até nas pinceladas de autocrítica, as mesmas de sempre quando o PT se vê de frente para a adversidade: reconhecimento dos erros de "alguns", admissão de que o vírus da "velha política" contaminou o PT, burocratização da estrutura partidária, necessidade de produção de um "grande debate interno" e, claro, a indefectível reforma política.
Não há, portanto, divergência. Há, sim, convergência de fundo no velho truque de transferir a culpa pela má notícia ao mensageiro e de eleger um foco de hostilidade a fim de distrair a plateia dos problemas concretos.
Deu certo outras vezes. Pode ser que dê de novo. A conferir se diagnóstico e remédio vão dialogar de maneira eficaz. Primeiro entre si e depois com o eleitorado.
Obsequioso. A versão oficial do PSD para a manutenção da aliança com a presidente é o dever de gratidão. Pelo fato de Dilma ter ajudado com apoio político e logístico o partido em seu processo de criação.
Além disso, ao contrário do PSDB, o PT ficou ao lado do PSD na luta judicial (ganha) pelo direito ao tempo de televisão e dinheiro do fundo partidário.
O agradecimento, contudo, limita-se à figura do ex-prefeito Gilberto Kassab. Em atenção a ele o partido não submeteu a decisão a votos. Para evitar constrangimento.
"Bacanal eleitoral" - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 26/06
BRASÍLIA - Dilma reagiu no segundo tempo e emplacou o apoio oficial do Pros, do PP e do PSD e deu a alma, além dos Transportes, para segurar o PR. Trocou um baiano por outro e ficou com o PR, ou melhor, com o tempo de TV do partido.
Dilma também conseguiu uma brecha para minimizar as perdas no Rio para Aécio Neves. O prefeito Eduardo Paes (PMDB) rebelou-se contra seus múltiplos criadores, criticou a "bacanal eleitoral" e tenta mobilizar prefeitos em torno de Dilma.
A campanha da presidente registra ainda que há resistência de parte do PTB à aliança com Aécio e que o partido, independentemente da decisão da cúpula nacional, segue com o PT em um terço dos Estados.
Pode-se dizer, portanto, que Dilma tende a sair desta semana melhor do que entrou, mas isso implica enormes custos políticos, administrativos e até emocionais (ter de engolir em seco e trocar ministro sem querer...). E é só uma parte de toda a história.
Quando se fala em "apoio oficial", deve-se ter cuidado para traduzir corretamente. Significa que os partidos dão seu tempo de TV para Dilma, Aécio ou Eduardo Campos durante a propaganda eleitoral dita gratuita. Mas não, necessariamente, que esse apoio e esse tempo de TV vão converter em palanques estaduais. Muitíssimo menos, em fidelidade. Fidelidade em política? Que bicho é esse?
O PMDB deu o seu enorme tempo de TV para Dilma e ganhou em troca a manutenção de Michel Temer como vice na chapa. Enquanto isso, os pemedebistas se esbaldam nas mais variadas alianças estaduais e assumem o namoro com Aécio ou Eduardo Campos no Rio, na Bahia, no Piauí, no Rio Grande do Sul.
O PR cobra caro, o PSD é o PSD, no PP a decisão teve de ser a portas fechadas, Dilma prega a "paz", mas o Pros já chega atacando Marina Silva, e o PDT tem o Ministério do Trabalho quando o emprego formal em maio é o pior para o mês em 22 anos. Todos eles "estão", mas não "são" exatamente Dilma e PT.
BRASÍLIA - Dilma reagiu no segundo tempo e emplacou o apoio oficial do Pros, do PP e do PSD e deu a alma, além dos Transportes, para segurar o PR. Trocou um baiano por outro e ficou com o PR, ou melhor, com o tempo de TV do partido.
Dilma também conseguiu uma brecha para minimizar as perdas no Rio para Aécio Neves. O prefeito Eduardo Paes (PMDB) rebelou-se contra seus múltiplos criadores, criticou a "bacanal eleitoral" e tenta mobilizar prefeitos em torno de Dilma.
A campanha da presidente registra ainda que há resistência de parte do PTB à aliança com Aécio e que o partido, independentemente da decisão da cúpula nacional, segue com o PT em um terço dos Estados.
Pode-se dizer, portanto, que Dilma tende a sair desta semana melhor do que entrou, mas isso implica enormes custos políticos, administrativos e até emocionais (ter de engolir em seco e trocar ministro sem querer...). E é só uma parte de toda a história.
Quando se fala em "apoio oficial", deve-se ter cuidado para traduzir corretamente. Significa que os partidos dão seu tempo de TV para Dilma, Aécio ou Eduardo Campos durante a propaganda eleitoral dita gratuita. Mas não, necessariamente, que esse apoio e esse tempo de TV vão converter em palanques estaduais. Muitíssimo menos, em fidelidade. Fidelidade em política? Que bicho é esse?
O PMDB deu o seu enorme tempo de TV para Dilma e ganhou em troca a manutenção de Michel Temer como vice na chapa. Enquanto isso, os pemedebistas se esbaldam nas mais variadas alianças estaduais e assumem o namoro com Aécio ou Eduardo Campos no Rio, na Bahia, no Piauí, no Rio Grande do Sul.
O PR cobra caro, o PSD é o PSD, no PP a decisão teve de ser a portas fechadas, Dilma prega a "paz", mas o Pros já chega atacando Marina Silva, e o PDT tem o Ministério do Trabalho quando o emprego formal em maio é o pior para o mês em 22 anos. Todos eles "estão", mas não "são" exatamente Dilma e PT.
Retinas fatigadas - SÍLVIO RIBAS
CORREIO BRAZILIENSE - 26/06
Deu no New York Times: Brasília é um espetáculo de civilidade, nem parece uma cidade do Brasil. Nada como uma Copa do Mundo para o olhar gringo descobrir o belo e o inesperado fora dos limites do seu cotidiano. É interessante para nós, brasileiros, ler registros como esse do influente jornal norte-americano, mesmo que venham carregados de imprecisões e exageros, alguns acidentais e outros intencionais. Considerar as mansões do Lago Paranoá mais luxuosas do que as dos astros bilionários de Beverly Hills só pode ser piada.
Mas o que mais me impressiona é verificar como o maior evento esportivo do planeta está coroando um fenômeno tecnológico e social sem precedentes na história humana, ditado pela mobilidade da internet. É difícil encontrar lugares em que cidadãos, em movimento ou parados, não estejam com os olhos grudados em smarthones ou tablets, na maioria das vezes conferindo mensagens rasas recebidas de outras pessoas. É fácil ser instado a comentar um trocadilho ou uma gafe cometidos por alguma celebridade consolidada ou recém-criada.
A tal mídia social, como os especialistas agora classificam as redes sociais, ocupou um espaço desmedido. Foge de toda lógica até então ditada pelos mestres das comunicações de massa, transformando qualquer um em marqueteiro das próprias coisas ou dono de seu canal de expressão global. As assembleias de enfoques banais se formam rápido e tornam o teoricamente fraco em um forte e o comprovadamente forte em um alvo do ridículo. O boato on-line consegue virar notícia na mídia convencional e o velho rigor jornalístico precisa lutar ainda mais pelo reconhecimento da maioria.
As aberrações e os inconvenientes criados pelo conteúdo viral da internet, elaborado pelo povo conectado e endereçado a ele mesmo, ocorrem com cada vez mais frequência. Tem gente morrendo em acidentes, distraída ao fazer um selfie. Há jovens que se deprimem quando suas amenidades publicadas na web não ficam entre as mais curtidas. Há fatos relevantes que passam batidos, sem encontrar ressonância on-line.
Há muito para ser visto na rede mundial de computadores, e as retinas fatigadas buscam cada vez mais imagens impactantes e textos curtíssimos. Onde essa manada de internautas famintos por piscadas eletrônicas vai parar? Ninguém sabe. O importante é a imprensa preservar, dentro e fora do meio virtual, os conceitos que a definem, em defesa da verdade e do interesse coletivo.
Mas o que mais me impressiona é verificar como o maior evento esportivo do planeta está coroando um fenômeno tecnológico e social sem precedentes na história humana, ditado pela mobilidade da internet. É difícil encontrar lugares em que cidadãos, em movimento ou parados, não estejam com os olhos grudados em smarthones ou tablets, na maioria das vezes conferindo mensagens rasas recebidas de outras pessoas. É fácil ser instado a comentar um trocadilho ou uma gafe cometidos por alguma celebridade consolidada ou recém-criada.
A tal mídia social, como os especialistas agora classificam as redes sociais, ocupou um espaço desmedido. Foge de toda lógica até então ditada pelos mestres das comunicações de massa, transformando qualquer um em marqueteiro das próprias coisas ou dono de seu canal de expressão global. As assembleias de enfoques banais se formam rápido e tornam o teoricamente fraco em um forte e o comprovadamente forte em um alvo do ridículo. O boato on-line consegue virar notícia na mídia convencional e o velho rigor jornalístico precisa lutar ainda mais pelo reconhecimento da maioria.
As aberrações e os inconvenientes criados pelo conteúdo viral da internet, elaborado pelo povo conectado e endereçado a ele mesmo, ocorrem com cada vez mais frequência. Tem gente morrendo em acidentes, distraída ao fazer um selfie. Há jovens que se deprimem quando suas amenidades publicadas na web não ficam entre as mais curtidas. Há fatos relevantes que passam batidos, sem encontrar ressonância on-line.
Há muito para ser visto na rede mundial de computadores, e as retinas fatigadas buscam cada vez mais imagens impactantes e textos curtíssimos. Onde essa manada de internautas famintos por piscadas eletrônicas vai parar? Ninguém sabe. O importante é a imprensa preservar, dentro e fora do meio virtual, os conceitos que a definem, em defesa da verdade e do interesse coletivo.
Prejuízo nos tribunais - MAURO SAMPAIO
O GLOBO - 26/06
Um mal a prejudicar severamente o crescimento das empresas chama-se risco jurídico
Três perguntas que deveriam estar presentes nas reuniões de diretoria das empresas, especialmente as que atendem grande número de consumidores e possuem muitos empregados: 1 - “Quantos processos ativos na Justiça realmente temos?”; 2 - “Em que fase processual se encontram esses processos?”; 3 - “Os processos estão sendo efetivamente acompanhados?”
Um dos males a prejudicar severamente o crescimento das nossas empresas chama-se risco jurídico, obrigando-as a fazer um provisionamento para eventuais perdas das causas nos tribunais — e isso deve constar em seus balanços. Esses recursos ficam imobilizados, reduzindo portanto a capacidade de investimento das organizações. Quem contabilizar a quantidade de processos contra as empresas e os valores envolvidos certamente vai se assustar diante dos gigantescos números, cuja tradução em reais atinge algo entre 8% e 10% do PIB brasileiro, considerando um ciclo médio de quatro anos por processo.
A diretoria que não tiver a resposta certa para as três perguntas lá de cima, pode estar jogando no ralo muito dinheiro da companhia. Isso é fácil de imaginar. Uma empresa que tem uns mil processos (algumas se encontram em situação bem pior) pode estar mal informada sobre o andamento de muitos deles. Não é raro acontecer, por exemplo, casos em que um processo já está concluído e a empresa, sem essa informação, continua fazendo o provisionamento à espera de sua conclusão.
No ano passado, o Conselho Nacional de Justiça dava conta de que havia na Justiça cerca de 70 milhões de processos judiciais. Esse contencioso envolve, em sua esmagadora maioria, as cerca de seis milhões de empresas ativas no país. Por isso, o entendimento, o correto dimensionamento e o acompanhamento do risco jurídico tornam-se primordiais para a saúde das organizações — e até do mercado — pelos valores envolvidos e pelo impacto nos resultados e margens dos negócios.
Quando a empresa tem a garantia da qualidade das informações jurídicas, ela consegue diminuir os valores a serem provisionados, reduz os riscos de multas e o risco de julgamentos à revelia. Além de poder construir um diagnóstico eficiente de riscos, que facilitará a implementação de ações preventivas e a recuperação, no tempo certo, de eventuais créditos judiciais.
A identificação correta das fases em que se encontram os processos judiciais proporcionam, além desses citados, muitos outros benefícios. Por exemplo, contribui significativamente para a melhoria do desempenho da empresa.
A informação exata do tipo de reclamação jurídica contra um produto ou uma decisão administrativa — e em que região do país elas acontecem com mais frequência — é fundamental para o alinhamento do setor jurídico da empresa com suas estratégias de atuação, de venda inclusive.
Um mal a prejudicar severamente o crescimento das empresas chama-se risco jurídico
Três perguntas que deveriam estar presentes nas reuniões de diretoria das empresas, especialmente as que atendem grande número de consumidores e possuem muitos empregados: 1 - “Quantos processos ativos na Justiça realmente temos?”; 2 - “Em que fase processual se encontram esses processos?”; 3 - “Os processos estão sendo efetivamente acompanhados?”
Um dos males a prejudicar severamente o crescimento das nossas empresas chama-se risco jurídico, obrigando-as a fazer um provisionamento para eventuais perdas das causas nos tribunais — e isso deve constar em seus balanços. Esses recursos ficam imobilizados, reduzindo portanto a capacidade de investimento das organizações. Quem contabilizar a quantidade de processos contra as empresas e os valores envolvidos certamente vai se assustar diante dos gigantescos números, cuja tradução em reais atinge algo entre 8% e 10% do PIB brasileiro, considerando um ciclo médio de quatro anos por processo.
A diretoria que não tiver a resposta certa para as três perguntas lá de cima, pode estar jogando no ralo muito dinheiro da companhia. Isso é fácil de imaginar. Uma empresa que tem uns mil processos (algumas se encontram em situação bem pior) pode estar mal informada sobre o andamento de muitos deles. Não é raro acontecer, por exemplo, casos em que um processo já está concluído e a empresa, sem essa informação, continua fazendo o provisionamento à espera de sua conclusão.
No ano passado, o Conselho Nacional de Justiça dava conta de que havia na Justiça cerca de 70 milhões de processos judiciais. Esse contencioso envolve, em sua esmagadora maioria, as cerca de seis milhões de empresas ativas no país. Por isso, o entendimento, o correto dimensionamento e o acompanhamento do risco jurídico tornam-se primordiais para a saúde das organizações — e até do mercado — pelos valores envolvidos e pelo impacto nos resultados e margens dos negócios.
Quando a empresa tem a garantia da qualidade das informações jurídicas, ela consegue diminuir os valores a serem provisionados, reduz os riscos de multas e o risco de julgamentos à revelia. Além de poder construir um diagnóstico eficiente de riscos, que facilitará a implementação de ações preventivas e a recuperação, no tempo certo, de eventuais créditos judiciais.
A identificação correta das fases em que se encontram os processos judiciais proporcionam, além desses citados, muitos outros benefícios. Por exemplo, contribui significativamente para a melhoria do desempenho da empresa.
A informação exata do tipo de reclamação jurídica contra um produto ou uma decisão administrativa — e em que região do país elas acontecem com mais frequência — é fundamental para o alinhamento do setor jurídico da empresa com suas estratégias de atuação, de venda inclusive.
A imprensa de chuteiras - EUGÊNIO BUCCI
O ESTADO DE S.PAULO - 26/06
Da imprensa brasileira pode-se dizer que os pés lhe subiram à cabeça. Não os próprios pés, não os pés da imprensa, mas os pés enchuteirados que dão de bico, de chaleira, de lambreta, de bicicleta, de chapa e de voleio em nome do País. Pés de jornalistas não dão conta disso tudo. Quando muito, vão sujar sapatos baratos em ruelas de terra e depois voltam para a redação orgulhosos da reportagem que palmilharam. Pés de jornalistas não chegam ao chinelo. Não, os pés que subiram à cabeça da imprensa não são os dela, mas os lúdicos pés do ludopédio.
A podolatria reinante faria corar o poeta Glauco Mattoso, aquele que ousou declarar amor ao chulé: "Não basta o pé, precisa ser fedido". Diante do que estamos vendo, Glauco Mattoso não dá para o cheiro. Basta ver a adoração em torno das novas chuteiras do jovem atleta do time da CBF, de nome Neymar Jr., apresentadas na televisão no início da semana. São obscenamente douradas, como se fossem uma coroa - ou um par de coroas, melhor dizendo. Aliás, são mesmo coroas de verdade, coroas reais: não só por emularem a realeza das mais glamourosas monarquias, mas principalmente porque representam o que pode haver de mais material, de mais concreto ou de mais "real" naquilo que comumente chamamos de realidade: um par de pés.
O pintor Candido Portinari via nos pés de seus modelos a raiz materialista da humanidade. Gostava de representar seus trabalhadores braçais com mãozonas do tamanho de pés e pezões do tamanho de estádios. Se fosse retratar um jogador de bola hoje, talvez Portinari o enquadrasse apenas dos tornozelos para baixo. O novo par de "coroas" de Neymar Jr. é feito sob medida não para sua cabeça, mas para os seus pés (cujas dimensões simbólicas não caberiam nem mesmo numa tela de Portinari). No cocuruto ele usa apenas um penteado mutante que o faz parecido com alguém que anda de costas numa motocicleta a 200 quilômetros por hora (sem capacete, claro). Há luzes douradas nos cabelos de Neymar, mas o brilho que realmente conta lhe vai nos pés. No esporte a que nos referimos, como na classe operária de Portinari, gol de cabeça é exceção.
Jornais, noticiários de TV, revistas e portais de notícias vão no mesmo embalo. Supostamente responsáveis por informar a sociedade com alguma (ou quase nenhuma) dose de isenção, com o tão decantado "distanciamento crítico", vão aos poucos abrindo mão de seus parâmetros e se deixando embriagar pelo frêmito podofutebolístico. Espalhafatosamente. Fartamente. Aos olhos da imprensa, sem a menor dúvida, esta já é mesmo "a Copa das Copas". Haja celebração.
Na primeira página dos diários, as tais letras garrafais torcem e distorcem. Zombam de atletas de times que não são o brasileiro (chamam o português Cristiano Ronaldo de "playboy", por exemplo), enquanto se derramam em reverências, mesuras e genuflexões aos donos de pés titulares do time da CBF, vulgarmente chamado apenas de "o Brasil". No telejornal, o apresentador adota a primeira pessoa do plural - "nós" - e assim se funde e se confunde com os protagonistas dos jogos e com a torcida pátria. Tal resultado, diz o âncora, "é bom para nós". O artifício fácil de linguagem o ajuda a se irmanar com a "torcida inteira" (para usar aqui a expressão daquele jingle de um comercial de banco). O "nós" do telejornal quer dizer "nós, o Brasil". Os "nossos" pés unidos jamais serão vencidos. Os pés somos nós, nossa força e nossa voz.
A mesma imprensa que se desdobra para cultivar a frieza e a objetividade em relação a qualquer acontecimento que seja - do assassinato torpe de crianças ao mais infame surto de corrupção, da tortura nas delegacias e nas UPPs às mais sádicas arbitrariedades de um eventual presidente do STF - não tem sido capaz de olhar como observadora crítica a massiva festividade industrializada (formatada pela publicidade) a que vulgarmente se chama de Copa do Mundo. É como se o seu próprio pensamento começasse a brotar dos pés coroados. A "podocefalia" apodera-se de todos os espaços. Pés pensantes viram sujeitos históricos. Em seu "balé de resultados", fazem balançar as redes, fazem vibrar os corações, fazem "reacender as esperanças", etc. Pés com "astúcias de mãos", alguém já disse, pés que "manejam" e "manipulam" o itinerário da bola e, consequentemente, manufaturam o andamento da "nossa" própria História (um "nossa" que, como se vê, inclui não só os profissionais do ludopédio e seus fãs em transe, como também os praticantes do jornalismo).
Claro: dos pés idolatrados depende também o destino dos políticos. Estes, com seu oportunismo de artilheiro, vão se precipitando dentro do "nós" do telejornal como aqueles devotos ocasionais de Iemanjá que se atiram nas águas do mar durante os festejos de ano-novo. Os candidatos à Presidência da República fantasiam-se de camisa amarela e fazem pose em dia de jogo. Um deles, Aécio Neves, apareceu numa fotografia de punho erguido e sorriso rijo assistindo pela TV a um jogo do time da CBF contra o México. Acontece que, durante a partida, não houve nenhum gol. O que, então, festejavam os fotografados? Foi mera encenação? A pergunta passou em branco pelos repórteres, ocupados demais em torcer "junto" com Aécio, dentro do "nós" totalizante. Podem não ter chuteiras na cabeça (isso seria demais), mas estão com a cabeça no mesmo par de chuteiras.
Lula e Dilma também se acomodam no "nós" esfuziante. O primeiro até declarou: "Nós vamos ganhar este caneco porque o Brasil está precisando" (Estado de ontem, página A4). Como é mesmo? O Brasil precisa? Ou são eles, do governo, que precisam? Quem é o "nós" que vai "ganhar o caneco"? E quem é "o Brasil" que "está precisando"? Ao se misturar com todos eles no aconchego ideológico do mesmo "nós", a imprensa perde potência para ir atrás dessas perguntas, enquanto se deixa fascinar pelas chuteiras novinhas, douradas e dotadas de poderes mágicos.
Da imprensa brasileira pode-se dizer que os pés lhe subiram à cabeça. Não os próprios pés, não os pés da imprensa, mas os pés enchuteirados que dão de bico, de chaleira, de lambreta, de bicicleta, de chapa e de voleio em nome do País. Pés de jornalistas não dão conta disso tudo. Quando muito, vão sujar sapatos baratos em ruelas de terra e depois voltam para a redação orgulhosos da reportagem que palmilharam. Pés de jornalistas não chegam ao chinelo. Não, os pés que subiram à cabeça da imprensa não são os dela, mas os lúdicos pés do ludopédio.
A podolatria reinante faria corar o poeta Glauco Mattoso, aquele que ousou declarar amor ao chulé: "Não basta o pé, precisa ser fedido". Diante do que estamos vendo, Glauco Mattoso não dá para o cheiro. Basta ver a adoração em torno das novas chuteiras do jovem atleta do time da CBF, de nome Neymar Jr., apresentadas na televisão no início da semana. São obscenamente douradas, como se fossem uma coroa - ou um par de coroas, melhor dizendo. Aliás, são mesmo coroas de verdade, coroas reais: não só por emularem a realeza das mais glamourosas monarquias, mas principalmente porque representam o que pode haver de mais material, de mais concreto ou de mais "real" naquilo que comumente chamamos de realidade: um par de pés.
O pintor Candido Portinari via nos pés de seus modelos a raiz materialista da humanidade. Gostava de representar seus trabalhadores braçais com mãozonas do tamanho de pés e pezões do tamanho de estádios. Se fosse retratar um jogador de bola hoje, talvez Portinari o enquadrasse apenas dos tornozelos para baixo. O novo par de "coroas" de Neymar Jr. é feito sob medida não para sua cabeça, mas para os seus pés (cujas dimensões simbólicas não caberiam nem mesmo numa tela de Portinari). No cocuruto ele usa apenas um penteado mutante que o faz parecido com alguém que anda de costas numa motocicleta a 200 quilômetros por hora (sem capacete, claro). Há luzes douradas nos cabelos de Neymar, mas o brilho que realmente conta lhe vai nos pés. No esporte a que nos referimos, como na classe operária de Portinari, gol de cabeça é exceção.
Jornais, noticiários de TV, revistas e portais de notícias vão no mesmo embalo. Supostamente responsáveis por informar a sociedade com alguma (ou quase nenhuma) dose de isenção, com o tão decantado "distanciamento crítico", vão aos poucos abrindo mão de seus parâmetros e se deixando embriagar pelo frêmito podofutebolístico. Espalhafatosamente. Fartamente. Aos olhos da imprensa, sem a menor dúvida, esta já é mesmo "a Copa das Copas". Haja celebração.
Na primeira página dos diários, as tais letras garrafais torcem e distorcem. Zombam de atletas de times que não são o brasileiro (chamam o português Cristiano Ronaldo de "playboy", por exemplo), enquanto se derramam em reverências, mesuras e genuflexões aos donos de pés titulares do time da CBF, vulgarmente chamado apenas de "o Brasil". No telejornal, o apresentador adota a primeira pessoa do plural - "nós" - e assim se funde e se confunde com os protagonistas dos jogos e com a torcida pátria. Tal resultado, diz o âncora, "é bom para nós". O artifício fácil de linguagem o ajuda a se irmanar com a "torcida inteira" (para usar aqui a expressão daquele jingle de um comercial de banco). O "nós" do telejornal quer dizer "nós, o Brasil". Os "nossos" pés unidos jamais serão vencidos. Os pés somos nós, nossa força e nossa voz.
A mesma imprensa que se desdobra para cultivar a frieza e a objetividade em relação a qualquer acontecimento que seja - do assassinato torpe de crianças ao mais infame surto de corrupção, da tortura nas delegacias e nas UPPs às mais sádicas arbitrariedades de um eventual presidente do STF - não tem sido capaz de olhar como observadora crítica a massiva festividade industrializada (formatada pela publicidade) a que vulgarmente se chama de Copa do Mundo. É como se o seu próprio pensamento começasse a brotar dos pés coroados. A "podocefalia" apodera-se de todos os espaços. Pés pensantes viram sujeitos históricos. Em seu "balé de resultados", fazem balançar as redes, fazem vibrar os corações, fazem "reacender as esperanças", etc. Pés com "astúcias de mãos", alguém já disse, pés que "manejam" e "manipulam" o itinerário da bola e, consequentemente, manufaturam o andamento da "nossa" própria História (um "nossa" que, como se vê, inclui não só os profissionais do ludopédio e seus fãs em transe, como também os praticantes do jornalismo).
Claro: dos pés idolatrados depende também o destino dos políticos. Estes, com seu oportunismo de artilheiro, vão se precipitando dentro do "nós" do telejornal como aqueles devotos ocasionais de Iemanjá que se atiram nas águas do mar durante os festejos de ano-novo. Os candidatos à Presidência da República fantasiam-se de camisa amarela e fazem pose em dia de jogo. Um deles, Aécio Neves, apareceu numa fotografia de punho erguido e sorriso rijo assistindo pela TV a um jogo do time da CBF contra o México. Acontece que, durante a partida, não houve nenhum gol. O que, então, festejavam os fotografados? Foi mera encenação? A pergunta passou em branco pelos repórteres, ocupados demais em torcer "junto" com Aécio, dentro do "nós" totalizante. Podem não ter chuteiras na cabeça (isso seria demais), mas estão com a cabeça no mesmo par de chuteiras.
Lula e Dilma também se acomodam no "nós" esfuziante. O primeiro até declarou: "Nós vamos ganhar este caneco porque o Brasil está precisando" (Estado de ontem, página A4). Como é mesmo? O Brasil precisa? Ou são eles, do governo, que precisam? Quem é o "nós" que vai "ganhar o caneco"? E quem é "o Brasil" que "está precisando"? Ao se misturar com todos eles no aconchego ideológico do mesmo "nós", a imprensa perde potência para ir atrás dessas perguntas, enquanto se deixa fascinar pelas chuteiras novinhas, douradas e dotadas de poderes mágicos.
Luta de classes canarinho - ALAN GRIPP
FOLHA DE SP - 26/06
SÃO PAULO - Depois dos xingamentos a Dilma, a polêmica copeira da vez é o comportamento chocho da torcida brasileira nos estádios, que levou olé dos mexicanos em Fortaleza e periga tomar um baile dos chilenos em Belo Horizonte.
Para a decepção dos turistas e da imprensa estrangeira, que nos têm como um povo musical, os brasileiros exibem um repertório pobre, quase sempre limitado ao enfadonho "eu sou brasileiro...".
Pior ainda se comparado ao vasto cancioneiro de nossos hermanos, que, para nos provocar, inventaram até uma musiquinha cantada a plenos pulmões para dizer que "Maradona es más grande que Pelé", como se isso fosse possível.
Segundo versão corrente, a pasmaceira se explica pelo preço dos ingressos, que encheu as arenas padrão Fifa de bem-nascidos e seu comportamento monótono.
Era só o que faltava: introduzir o clássico povo vs. elite na polêmica do canto de torcidas nas arquibancadas, ou melhor, cadeiras numeradas.
Quem acompanha minimamente futebol sabe que a melodia entoada na abertura da Copa, em São Paulo, ou num amistoso a preços populares em qualquer lugar é a mesma.
Mas por que então não conseguimos cantar algo além de "com muito orgulho, com muito amor" diante da seleção? Pitacos despretensiosos:
Nossa vocação é clubística, gostamos da seleção mais porque ela reúne os craques dos times que aprendemos a amar desde criancinha, e menos por amor à pátria.
Até por essa razão, torcedores nunca se organizaram em torno da seleção. Não há a Canarinhos da Fiel, a Raça Brasil ou algo parecido com os barra bravas argentinos --a despeito de todos os males que causam, as organizadas ditam a cantoria.
Mais: o Brasil joga mais no mundo árabe do que em seu país, dificultando uma identificação com o torcedor.
Provavelmente há muitas outras razões. Só não dá para transformar o tema na luta de classes da semana.
SÃO PAULO - Depois dos xingamentos a Dilma, a polêmica copeira da vez é o comportamento chocho da torcida brasileira nos estádios, que levou olé dos mexicanos em Fortaleza e periga tomar um baile dos chilenos em Belo Horizonte.
Para a decepção dos turistas e da imprensa estrangeira, que nos têm como um povo musical, os brasileiros exibem um repertório pobre, quase sempre limitado ao enfadonho "eu sou brasileiro...".
Pior ainda se comparado ao vasto cancioneiro de nossos hermanos, que, para nos provocar, inventaram até uma musiquinha cantada a plenos pulmões para dizer que "Maradona es más grande que Pelé", como se isso fosse possível.
Segundo versão corrente, a pasmaceira se explica pelo preço dos ingressos, que encheu as arenas padrão Fifa de bem-nascidos e seu comportamento monótono.
Era só o que faltava: introduzir o clássico povo vs. elite na polêmica do canto de torcidas nas arquibancadas, ou melhor, cadeiras numeradas.
Quem acompanha minimamente futebol sabe que a melodia entoada na abertura da Copa, em São Paulo, ou num amistoso a preços populares em qualquer lugar é a mesma.
Mas por que então não conseguimos cantar algo além de "com muito orgulho, com muito amor" diante da seleção? Pitacos despretensiosos:
Nossa vocação é clubística, gostamos da seleção mais porque ela reúne os craques dos times que aprendemos a amar desde criancinha, e menos por amor à pátria.
Até por essa razão, torcedores nunca se organizaram em torno da seleção. Não há a Canarinhos da Fiel, a Raça Brasil ou algo parecido com os barra bravas argentinos --a despeito de todos os males que causam, as organizadas ditam a cantoria.
Mais: o Brasil joga mais no mundo árabe do que em seu país, dificultando uma identificação com o torcedor.
Provavelmente há muitas outras razões. Só não dá para transformar o tema na luta de classes da semana.
Orgia partidária deturpa política - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 26/06
São várias as causas do show de infidelidades, de raízes históricas e culturais a falhas de legislação. Mas tudo foi anabolizado pelo fisiologismo petista
A infidelidade partidária, tendo como pano de fundo o toma lá dá cá fisiológico, se firmou como uma das marcas registradas da política brasileira. Mas as alianças com vistas às eleições deste ano prometem atingir níveis ainda mais baixos de descompromisso com projetos efetivos de governo e poder, até mesmo em termos de cinismo com o eleitor.
O que aconteceu nos últimos dias no Rio de Janeiro, tachado com propriedade de orgia política, espelha bem o estilhaçamento do quadro partidário do país, diante de um eleitorado sem entender como adversários históricos, com desavenças que resvalaram para o plano pessoal, aparecem aos abraços para constituir palanques regionais que nada têm a ver com entendimentos nacionais. Ou vice-versa.
A adesão do ex-prefeito Cesar Maia (DEM) à chapa “Aezão”, nome fantasia criado para designar a aliança de boa parte do PMDB ao PSDB , no apoio à candidatura a presidente de Aécio Neves em dobradinha com a campanha do vice-governador Luiz Fernando Pezão ao Palácio Guanabara, significa colocar a política fluminense de cabeça para baixo. Significa dizer para o eleitorado que todo tiroteio entre Cesar Maia, Sérgio Cabral, Pezão e respectivos liderados era de mentirinha, deve ser esquecido. Tudo é muito ruim para a democracia representativa.
A deflagradora da barafunda foi a adesão do PSB, do candidato a presidente Eduardo Campos, ao PT de sua adversária Dilma Rousseff, na aproximação dos partidos para sustentar a candidatura em perigo do senador petista Lindbergh Farias ao governo do estado. Em resposta, PMDB, DEM, PSDB e PPS engordaram o “Aezão”. E estimularam o prefeito Eduardo Paes, adversário (ainda) de Cesar Maia, de quem foi pupilo, a fundar o “Dilmão”, para apoiar Dilma, sem sair do palanque de Pezão.
Na prática, desmonta-se no estado e na cidade do Rio de Janeiro uma aliança, cantada em prosa e verso nos últimos anos por Sérgio Cabral, Paes, Dilma e Lula, entre PMDB e PT, entendida como a que viabilizou uma série de investimentos na região metropolitana carioca, enfim beneficiada — era dito com insistência — pelo raro entendimento político entre estado, município e Executivo federal.
As causas desta e outras orgias que transcorrem pelo país, em ritmo frenético na contagem regressiva do prazo para a realização de convenções partidárias, são várias. Há desde a perspectiva de o poder mudar de donos em 2015, no Planalto, fator de excitação de políticos, a raízes históricas e culturais, bem como graves falhas na legislação político-eleitoral. Além do anabolizante das mazelas constituído pelas práticas petistas do fisiologismo.
Espera-se que no ano que vem, enfim, o Palácio, com ou sem Dilma, leve a sério a imperiosa necessidade de uma reforma política efetiva. Mas sem bravatas, voluntarismos, assembleias constituintes e golpismos do tipo.
São várias as causas do show de infidelidades, de raízes históricas e culturais a falhas de legislação. Mas tudo foi anabolizado pelo fisiologismo petista
A infidelidade partidária, tendo como pano de fundo o toma lá dá cá fisiológico, se firmou como uma das marcas registradas da política brasileira. Mas as alianças com vistas às eleições deste ano prometem atingir níveis ainda mais baixos de descompromisso com projetos efetivos de governo e poder, até mesmo em termos de cinismo com o eleitor.
O que aconteceu nos últimos dias no Rio de Janeiro, tachado com propriedade de orgia política, espelha bem o estilhaçamento do quadro partidário do país, diante de um eleitorado sem entender como adversários históricos, com desavenças que resvalaram para o plano pessoal, aparecem aos abraços para constituir palanques regionais que nada têm a ver com entendimentos nacionais. Ou vice-versa.
A adesão do ex-prefeito Cesar Maia (DEM) à chapa “Aezão”, nome fantasia criado para designar a aliança de boa parte do PMDB ao PSDB , no apoio à candidatura a presidente de Aécio Neves em dobradinha com a campanha do vice-governador Luiz Fernando Pezão ao Palácio Guanabara, significa colocar a política fluminense de cabeça para baixo. Significa dizer para o eleitorado que todo tiroteio entre Cesar Maia, Sérgio Cabral, Pezão e respectivos liderados era de mentirinha, deve ser esquecido. Tudo é muito ruim para a democracia representativa.
A deflagradora da barafunda foi a adesão do PSB, do candidato a presidente Eduardo Campos, ao PT de sua adversária Dilma Rousseff, na aproximação dos partidos para sustentar a candidatura em perigo do senador petista Lindbergh Farias ao governo do estado. Em resposta, PMDB, DEM, PSDB e PPS engordaram o “Aezão”. E estimularam o prefeito Eduardo Paes, adversário (ainda) de Cesar Maia, de quem foi pupilo, a fundar o “Dilmão”, para apoiar Dilma, sem sair do palanque de Pezão.
Na prática, desmonta-se no estado e na cidade do Rio de Janeiro uma aliança, cantada em prosa e verso nos últimos anos por Sérgio Cabral, Paes, Dilma e Lula, entre PMDB e PT, entendida como a que viabilizou uma série de investimentos na região metropolitana carioca, enfim beneficiada — era dito com insistência — pelo raro entendimento político entre estado, município e Executivo federal.
As causas desta e outras orgias que transcorrem pelo país, em ritmo frenético na contagem regressiva do prazo para a realização de convenções partidárias, são várias. Há desde a perspectiva de o poder mudar de donos em 2015, no Planalto, fator de excitação de políticos, a raízes históricas e culturais, bem como graves falhas na legislação político-eleitoral. Além do anabolizante das mazelas constituído pelas práticas petistas do fisiologismo.
Espera-se que no ano que vem, enfim, o Palácio, com ou sem Dilma, leve a sério a imperiosa necessidade de uma reforma política efetiva. Mas sem bravatas, voluntarismos, assembleias constituintes e golpismos do tipo.
Fim à fraude das demissões na Câmara - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 26/06
Eles fazem as leis e dão um jeitinho de compensar o que não é legal, com o agravante de nem se importarem em onerar os cofres públicos, metendo a mão no dinheiro dos impostos recolhidos a duras penas do contribuinte brasileiro. Apenas por esse ponto de vista, já é para lá de comprometedora a atitude de parlamentares que fraudam demissões na Câmara, com justificativas esdrúxulas, como a de que seria espécie de contrapartida a funcionários comissionados, sem direito a indenizações trabalhistas.
Embora a comprovação desse tipo de conduta seja suficiente para que recebam algum tipo de punição, há indícios de crime. É, pois, imperativo que se levante, investigue e puna todos os casos. Afinal, a sociedade precisa saber o que, de fato, motiva um deputado a aumentar em até 1.300% o salário de um servidor, exonerá-lo poucos dias depois - obrigando o Estado a pagar indenização superfaturada - e recontratá-lo em seguida, com vencimentos anteriores ao estranho presente de despedida.
Até aqui, pelo menos quatro gabinetes da Câmara foram flagrados pelo Correio nessa prática, que, numa interpretação bastante benevolente, se não é ilegal, no mínimo é imoral. É o que pensa, por exemplo, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes. Mas já há outros adjetivos para defini-la: seria "sorrateira", segundo o corregedor da Casa, Átila Lins (PSD-AM), e "fraude coletiva", nas palavras do secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Augusto Nardes, Átila Lins e Castello Branco não só condenam o caso, cada qual a seu modo, como estão de comum acordo quanto à necessidade de apurar a fundo esse novo esquema de desvio de recursos públicos descoberto no Congresso. A propósito, apenas nos últimos 12 meses, a sangria pode ter ultrapassado o montante de R$ 1,1 milhão nos cofres públicos, conforme levantamento feito pelo Centro de Coordenação e Documentação da Câmara, a pedido do Correio, com base na Lei de Acesso à Informação.
O trabalho identificou 422 casos de funcionários que tiveram vencimentos aumentados. Desses, 198 foram dispensados dois meses após o reajuste, retornando ao cargo após o prazo de 90 dias estipulado pela Câmara para a recontratação. Um exemplo gritante, pelo tamanho do reajuste, foi o de servidora que, em 8 de dezembro do ano passado, teve o salário aumentado de R$ 940 para R$ 12.940, máximo pago a secretários parlamentares na Casa, sendo demitida apenas três dias depois.
Outra servidora ganhou reajuste de 359% em agosto de 2013. Dois dias depois de ver o salário passar de R$ 2.220 para R$ 10.190, foi demitida. Mais três meses, e estava novamente contratada, pelos mesmos R$ 2.220 de antes. Também teve aumento de 712% às vésperas de demissão. Enfim, os percentuais variam, mas a má conduta repete-se impunemente. Estranha-se que não tenha vindo logo à tona. Agora, a esperança é que seja punida e tenha fim tão exemplar que jamais ousem ressuscitá-la.
Embora a comprovação desse tipo de conduta seja suficiente para que recebam algum tipo de punição, há indícios de crime. É, pois, imperativo que se levante, investigue e puna todos os casos. Afinal, a sociedade precisa saber o que, de fato, motiva um deputado a aumentar em até 1.300% o salário de um servidor, exonerá-lo poucos dias depois - obrigando o Estado a pagar indenização superfaturada - e recontratá-lo em seguida, com vencimentos anteriores ao estranho presente de despedida.
Até aqui, pelo menos quatro gabinetes da Câmara foram flagrados pelo Correio nessa prática, que, numa interpretação bastante benevolente, se não é ilegal, no mínimo é imoral. É o que pensa, por exemplo, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes. Mas já há outros adjetivos para defini-la: seria "sorrateira", segundo o corregedor da Casa, Átila Lins (PSD-AM), e "fraude coletiva", nas palavras do secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Augusto Nardes, Átila Lins e Castello Branco não só condenam o caso, cada qual a seu modo, como estão de comum acordo quanto à necessidade de apurar a fundo esse novo esquema de desvio de recursos públicos descoberto no Congresso. A propósito, apenas nos últimos 12 meses, a sangria pode ter ultrapassado o montante de R$ 1,1 milhão nos cofres públicos, conforme levantamento feito pelo Centro de Coordenação e Documentação da Câmara, a pedido do Correio, com base na Lei de Acesso à Informação.
O trabalho identificou 422 casos de funcionários que tiveram vencimentos aumentados. Desses, 198 foram dispensados dois meses após o reajuste, retornando ao cargo após o prazo de 90 dias estipulado pela Câmara para a recontratação. Um exemplo gritante, pelo tamanho do reajuste, foi o de servidora que, em 8 de dezembro do ano passado, teve o salário aumentado de R$ 940 para R$ 12.940, máximo pago a secretários parlamentares na Casa, sendo demitida apenas três dias depois.
Outra servidora ganhou reajuste de 359% em agosto de 2013. Dois dias depois de ver o salário passar de R$ 2.220 para R$ 10.190, foi demitida. Mais três meses, e estava novamente contratada, pelos mesmos R$ 2.220 de antes. Também teve aumento de 712% às vésperas de demissão. Enfim, os percentuais variam, mas a má conduta repete-se impunemente. Estranha-se que não tenha vindo logo à tona. Agora, a esperança é que seja punida e tenha fim tão exemplar que jamais ousem ressuscitá-la.
A sangria das estatais - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 26/06
Incapaz de cuidar direito das próprias contas, o governo continua usando as estatais para abastecer o Tesouro e disfarçar suas más condições financeiras. Essa manobra foi usada nos últimos dois anos e continua em pauta em 2014. A melhor explicação para o novo lance, desta vez com a Petrobrás, é a evidente piora do balanço do setor público. Algo parecido ocorreu na década de 1980, quando a administração central, sem crédito na praça, usou as empresas federais como canal de financiamento. O resultado foi desastroso. Quase todas estavam em péssimo estado quando foram privatizadas. O quadro fiscal é hoje bem melhor do que naquela época, apesar da gastança e do mau uso do dinheiro público. Mas o governo, sem disposição para resolver seus problemas da maneira correta, prefere lançar mão de expedientes de baixa qualidade. Uma das saídas é recorrer às estatais para abastecer seu caixa, assim como tem recorrido à política de controle de preços e tarifas para disfarçar a inflação.
Desta vez, o sinal de alerta soou quando foi divulgado o novo arranjo com a Petrobrás - uma concessão de quatro áreas do pré-sal, sem licitação, em troca de pagamentos de R$ 2 bilhões neste ano e mais R$ 13 bilhões entre 2015 e 2018. A reação no mercado financeiro foi imediata e mais uma vez despencou o preço das ações da empresa. Em Brasília, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, negou qualquer motivação de ordem fiscal para a iniciativa do governo. Esqueceu-se, no entanto, de apresentar qualquer explicação mais convincente.
A presidente da estatal, Graça Foster, classificou como "ótima oportunidade" o contrato direto, sem disputa com outros possíveis interessados, e mencionou a redução do risco exploratório como uma das vantagens. Também se dispensou de informar por que o acordo foi proposto neste momento, de forma aparentemente improvisada, e de contar se algo semelhante estava previsto nos planos financeiros e operacionais da companhia.
A explicação mais simples e mais evidente se impõe. A curto prazo, o contrato com a Petrobrás garante ao Tesouro uma receita adicional de R$ 2 bilhões. A maior parte do dinheiro, reservada para o período até 2018, representa um pequeno seguro para o próximo governo, talvez ainda sob a chefia - esta é a aposta mais importante no Planalto - da presidente Dilma Rousseff. Os R$ 2 bilhões previstos para este ano podem parecer uma soma pequena, mas, considerando-se o tenebroso quadro das finanças públicas, serão muito bem-vindos.
Adiantar esse dinheiro será mais um sacrifício para a Petrobrás, mas atender aos interesses fiscais e político-partidários do governo já é uma rotina para a empresa. De passagem, a presidente da companhia, Graça Foster, mencionou o reajuste de preços como uma das condições para a empresa enfrentar as novas tarefas e, obviamente, os novos desembolsos.
A manobra do governo mantém a política de improvisações fiscais dos últimos anos. Em 2013, receitas extraordinárias garantiram a maior parte do superávit primário de R$ 77,07 bilhões contabilizado pelo governo central. Só as receitas de concessões e as prestações iniciais do novo Refis, o programa de parcelamento de dívidas tributárias, proporcionaram 56,9% daquele resultado. Com os dividendos, R$ 17,14 bilhões, a soma dos três itens equivaleria a 79,16% do superávit primário, o dinheiro separado para o pagamento de juros.
Neste ano, até abril, concessões e dividendos garantiram R$ 9,22 bilhões, 31% do resultado primário do período. Os bônus de concessões foram 297,4% maiores que os de um ano antes, enquanto a soma proporcionada pelos dividendos foi 716,4% superior à de janeiro a abril de 2013. Seria escárnio classificar como normal esse aumento de dividendos.
Com a economia em passo de tartaruga, a arrecadação de impostos deverá continuar fraca. Sem coragem para controlar os gastos e para podar benefícios fiscais ineficazes para o conjunto da economia, mas vantajosos para alguns setores, o governo continuará recorrendo a expedientes para ajeitar suas contas. O acordo com a Petrobrás é só mais um lance desse jogo.
Incapaz de cuidar direito das próprias contas, o governo continua usando as estatais para abastecer o Tesouro e disfarçar suas más condições financeiras. Essa manobra foi usada nos últimos dois anos e continua em pauta em 2014. A melhor explicação para o novo lance, desta vez com a Petrobrás, é a evidente piora do balanço do setor público. Algo parecido ocorreu na década de 1980, quando a administração central, sem crédito na praça, usou as empresas federais como canal de financiamento. O resultado foi desastroso. Quase todas estavam em péssimo estado quando foram privatizadas. O quadro fiscal é hoje bem melhor do que naquela época, apesar da gastança e do mau uso do dinheiro público. Mas o governo, sem disposição para resolver seus problemas da maneira correta, prefere lançar mão de expedientes de baixa qualidade. Uma das saídas é recorrer às estatais para abastecer seu caixa, assim como tem recorrido à política de controle de preços e tarifas para disfarçar a inflação.
Desta vez, o sinal de alerta soou quando foi divulgado o novo arranjo com a Petrobrás - uma concessão de quatro áreas do pré-sal, sem licitação, em troca de pagamentos de R$ 2 bilhões neste ano e mais R$ 13 bilhões entre 2015 e 2018. A reação no mercado financeiro foi imediata e mais uma vez despencou o preço das ações da empresa. Em Brasília, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, negou qualquer motivação de ordem fiscal para a iniciativa do governo. Esqueceu-se, no entanto, de apresentar qualquer explicação mais convincente.
A presidente da estatal, Graça Foster, classificou como "ótima oportunidade" o contrato direto, sem disputa com outros possíveis interessados, e mencionou a redução do risco exploratório como uma das vantagens. Também se dispensou de informar por que o acordo foi proposto neste momento, de forma aparentemente improvisada, e de contar se algo semelhante estava previsto nos planos financeiros e operacionais da companhia.
A explicação mais simples e mais evidente se impõe. A curto prazo, o contrato com a Petrobrás garante ao Tesouro uma receita adicional de R$ 2 bilhões. A maior parte do dinheiro, reservada para o período até 2018, representa um pequeno seguro para o próximo governo, talvez ainda sob a chefia - esta é a aposta mais importante no Planalto - da presidente Dilma Rousseff. Os R$ 2 bilhões previstos para este ano podem parecer uma soma pequena, mas, considerando-se o tenebroso quadro das finanças públicas, serão muito bem-vindos.
Adiantar esse dinheiro será mais um sacrifício para a Petrobrás, mas atender aos interesses fiscais e político-partidários do governo já é uma rotina para a empresa. De passagem, a presidente da companhia, Graça Foster, mencionou o reajuste de preços como uma das condições para a empresa enfrentar as novas tarefas e, obviamente, os novos desembolsos.
A manobra do governo mantém a política de improvisações fiscais dos últimos anos. Em 2013, receitas extraordinárias garantiram a maior parte do superávit primário de R$ 77,07 bilhões contabilizado pelo governo central. Só as receitas de concessões e as prestações iniciais do novo Refis, o programa de parcelamento de dívidas tributárias, proporcionaram 56,9% daquele resultado. Com os dividendos, R$ 17,14 bilhões, a soma dos três itens equivaleria a 79,16% do superávit primário, o dinheiro separado para o pagamento de juros.
Neste ano, até abril, concessões e dividendos garantiram R$ 9,22 bilhões, 31% do resultado primário do período. Os bônus de concessões foram 297,4% maiores que os de um ano antes, enquanto a soma proporcionada pelos dividendos foi 716,4% superior à de janeiro a abril de 2013. Seria escárnio classificar como normal esse aumento de dividendos.
Com a economia em passo de tartaruga, a arrecadação de impostos deverá continuar fraca. Sem coragem para controlar os gastos e para podar benefícios fiscais ineficazes para o conjunto da economia, mas vantajosos para alguns setores, o governo continuará recorrendo a expedientes para ajeitar suas contas. O acordo com a Petrobrás é só mais um lance desse jogo.
O preço do populismo tarifário - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 26/06
Para entender o aumento de 35% na conta de energia elétrica, autorizado pela Aneel, é preciso retroceder à canetada presidencial que baixou a tarifa na marra
Na véspera do Dia da Independência do Brasil, em 2012, a presidente Dilma Rousseff foi à televisão avisar aos brasileiros que a tarifa de energia elétrica iria baixar em 2013. “Vou ter o prazer de anunciar a mais forte redução de que se tem notícia, neste país, nas tarifas de energia elétrica das indústrias e dos consumidores domésticos”, disse, na ocasião, sobre a redução média de 16,2% para consumidores residenciais e 28% para o setor produtivo. Em janeiro de 2013, novamente em cadeia nacional de rádio e televisão, ela voltou a anunciar a redução na tarifa, após assinar um decreto e uma medida provisória sobre o tema. Para conseguir a “colaboração” das distribuidoras de energia elétrica, o governo usou como moeda de troca a prorrogação de concessões que incluem usinas e linhas de transmissão. Sem retroceder a essa canetada governamental, é impossível analisar o aumento de 35% na conta de energia elétrica que a Agência Nacional de Energia Elétrica autorizou na terça-feira, a pedido da Companhia Paranaense de Energia (Copel).
A redução unilateral da tarifa, determinada por Dilma, causou um efeito cascata no setor elétrico nacional e, no fim, acabou sendo o contribuinte brasileiro a pagar pelo foguetório governamental – anunciado, também é bom recordar, perto das eleições municipais de 2012. As empresas que não tinham certeza de que suas concessões seriam renovadas já tinham colocado seus investimentos em marcha lenta, e o resultado pode ser visto nos vários apagões que volta e meia deixam grandes áreas às escuras. A tarifa mais baixa não ajudou as companhias a investir mais. A Eletrobras topou o negócio proposto por Dilma ao reduzir o preço da energia em troca da renovação das concessões, e não só perdeu cerca de R$ 20 bilhões em valor de mercado desde então, como também viu um lucro líquido de R$ 3,7 bilhões em 2011 virar prejuízos de R$ 6,9 bilhões em 2012 e R$ 6,3 bilhões em 2013. A Copel, a mineira Cemig e a paulista Cesp não aceitaram os termos do governo, mas suas tarifas foram reduzidas da mesma forma.
E, enquanto os consumidores pagavam menos na conta, a energia ficava cada vez mais cara. Com as usinas hidrelétricas mais recentes sendo construídas “a fio d’água” – ou seja, sem grandes reservatórios –, qualquer estiagem já força a ativação das usinas termelétricas, cuja operação é mais cara, elevando o preço final da energia. A conta definitivamente não fecha, e, se essa diferença não estava sendo bancada pelo usuário que paga a conta de luz, alguém deveria estar arcando com o prejuízo – no caso, o Tesouro Nacional, ou seja, o contribuinte brasileiro, independentemente de quanta energia ele consuma. Em 2013, o subsídio foi de R$ 22 bilhões. Em 2014, segundo a consultoria PSR, serão mais R$ 25,6 bilhões.
A falta de investimentos causada pela insegurança em torno da renovação dos contratos e a canetada governamental para reduzir a tarifa de energia na marra bagunçaram o setor elétrico nacional. Agora, consertar o estrago exige um preço alto – e impopular. Foi a própria Copel que pediu à Aneel autorização para um reajuste médio de 32,4%, e o governador Beto Richa disse que trabalharia para evitar um grande impacto para os consumidores, adiando ou escalonando o reajuste. Aqui, pesa o cálculo político, pois Richa, da oposição ao governo federal, colheria em ano eleitoral as consequências de um grande aumento na conta de luz, apesar de todo o cenário que levou à situação atual ter sido desenhado pelo Planalto.
Não foi apenas o setor elétrico que sofreu com a política governamental de represar preços administrados. Basta ver como a Petrobras foi prejudicada com a resistência em permitir que os preços da gasolina reflitam as variações do mercado internacional. Tudo para manter a inflação sob controle – e, por “controle”, leia-se “perigosamente perto do limite superior da meta do Banco Central”. Mas, mais cedo ou mais tarde, a fatura do populismo aparece. E quem paga é sempre o cidadão.
Para entender o aumento de 35% na conta de energia elétrica, autorizado pela Aneel, é preciso retroceder à canetada presidencial que baixou a tarifa na marra
Na véspera do Dia da Independência do Brasil, em 2012, a presidente Dilma Rousseff foi à televisão avisar aos brasileiros que a tarifa de energia elétrica iria baixar em 2013. “Vou ter o prazer de anunciar a mais forte redução de que se tem notícia, neste país, nas tarifas de energia elétrica das indústrias e dos consumidores domésticos”, disse, na ocasião, sobre a redução média de 16,2% para consumidores residenciais e 28% para o setor produtivo. Em janeiro de 2013, novamente em cadeia nacional de rádio e televisão, ela voltou a anunciar a redução na tarifa, após assinar um decreto e uma medida provisória sobre o tema. Para conseguir a “colaboração” das distribuidoras de energia elétrica, o governo usou como moeda de troca a prorrogação de concessões que incluem usinas e linhas de transmissão. Sem retroceder a essa canetada governamental, é impossível analisar o aumento de 35% na conta de energia elétrica que a Agência Nacional de Energia Elétrica autorizou na terça-feira, a pedido da Companhia Paranaense de Energia (Copel).
A redução unilateral da tarifa, determinada por Dilma, causou um efeito cascata no setor elétrico nacional e, no fim, acabou sendo o contribuinte brasileiro a pagar pelo foguetório governamental – anunciado, também é bom recordar, perto das eleições municipais de 2012. As empresas que não tinham certeza de que suas concessões seriam renovadas já tinham colocado seus investimentos em marcha lenta, e o resultado pode ser visto nos vários apagões que volta e meia deixam grandes áreas às escuras. A tarifa mais baixa não ajudou as companhias a investir mais. A Eletrobras topou o negócio proposto por Dilma ao reduzir o preço da energia em troca da renovação das concessões, e não só perdeu cerca de R$ 20 bilhões em valor de mercado desde então, como também viu um lucro líquido de R$ 3,7 bilhões em 2011 virar prejuízos de R$ 6,9 bilhões em 2012 e R$ 6,3 bilhões em 2013. A Copel, a mineira Cemig e a paulista Cesp não aceitaram os termos do governo, mas suas tarifas foram reduzidas da mesma forma.
E, enquanto os consumidores pagavam menos na conta, a energia ficava cada vez mais cara. Com as usinas hidrelétricas mais recentes sendo construídas “a fio d’água” – ou seja, sem grandes reservatórios –, qualquer estiagem já força a ativação das usinas termelétricas, cuja operação é mais cara, elevando o preço final da energia. A conta definitivamente não fecha, e, se essa diferença não estava sendo bancada pelo usuário que paga a conta de luz, alguém deveria estar arcando com o prejuízo – no caso, o Tesouro Nacional, ou seja, o contribuinte brasileiro, independentemente de quanta energia ele consuma. Em 2013, o subsídio foi de R$ 22 bilhões. Em 2014, segundo a consultoria PSR, serão mais R$ 25,6 bilhões.
A falta de investimentos causada pela insegurança em torno da renovação dos contratos e a canetada governamental para reduzir a tarifa de energia na marra bagunçaram o setor elétrico nacional. Agora, consertar o estrago exige um preço alto – e impopular. Foi a própria Copel que pediu à Aneel autorização para um reajuste médio de 32,4%, e o governador Beto Richa disse que trabalharia para evitar um grande impacto para os consumidores, adiando ou escalonando o reajuste. Aqui, pesa o cálculo político, pois Richa, da oposição ao governo federal, colheria em ano eleitoral as consequências de um grande aumento na conta de luz, apesar de todo o cenário que levou à situação atual ter sido desenhado pelo Planalto.
Não foi apenas o setor elétrico que sofreu com a política governamental de represar preços administrados. Basta ver como a Petrobras foi prejudicada com a resistência em permitir que os preços da gasolina reflitam as variações do mercado internacional. Tudo para manter a inflação sob controle – e, por “controle”, leia-se “perigosamente perto do limite superior da meta do Banco Central”. Mas, mais cedo ou mais tarde, a fatura do populismo aparece. E quem paga é sempre o cidadão.
Grau de trabalho - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 26/06
Maio tem pior desempenho na criação de empregos desde 1992, e mau desempenho evidente da economia sugere que a situação se agravará
O surpreendente descompasso do mercado de trabalho começa a ser corrigido, mas não de maneira favorável. Registra-se, desde 2012, um descolamento entre o baixo crescimento da economia, de um lado, e os altos níveis de emprego, de outro. Nos últimos meses, porém, surgiram evidências de piora na geração de vagas.
São ruins os dados recém-divulgados pelo Ministério do Trabalho. Foram criados 58,8 mil empregos formais em maio, o pior saldo para o mês desde 1992.
Estão na indústria, como sempre, as maiores dificuldades: fecharam-se 28,5 mil postos de trabalho. O setor de serviços, provavelmente impulsionado por contratações temporárias ligadas à Copa do Mundo, teve desempenho positivo, com abertura de 38,8 mil vagas.
Essa é, porém, apenas uma parte do quadro, pois as informações do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) se referem aos empregos formais, contabilizados pelas empresas. Outras fontes revelam sinais ambíguos.
Um exemplo é a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (PME), realizada em uma amostra de domicílios em seis capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Salvador). O levantamento mede a geração de vagas formais e informais, a taxa de desemprego e a renda do trabalho.
Pela PME, a perda de dinamismo também é patente; há vários meses a ocupação não cresce. Por outro lado, a taxa de desemprego permanece no menor nível da história (4,9%) --sobretudo porque muitas pessoas têm desistido de pleitear um posto de trabalho.
Maior acesso ao ensino superior --que atrasa a busca por emprego--, desalento pelas dificuldades do país e menor expansão populacional são alguns dos motivos.
Quanto ao crescimento da renda, seu ritmo atual, cerca de 3% ao ano acima da inflação, é bem inferior ao de períodos recentes e insuficiente para sustentar fortes altas no consumo. O contexto, vale lembrar, é de elevado endividamento das famílias.
Neste ano, o IBGE passou a divulgar uma nova pesquisa, a Pnad Contínua, abrangendo 3.464 municípios. De acordo com essa métrica, o desempenho é melhor, com crescimento da população ocupada até o primeiro trimestre (o último dado disponível).
O mercado de trabalho, hoje, está em algum ponto entre morno e frio, a depender do observador.
Em qualquer caso, o mau desempenho evidente em outros indicadores --queda da confiança de empresas e consumidores, redução das intenções de investimento, estoques excessivos na indústria-- sugere que a situação dos empregos continuará a esfriar.
Maio tem pior desempenho na criação de empregos desde 1992, e mau desempenho evidente da economia sugere que a situação se agravará
O surpreendente descompasso do mercado de trabalho começa a ser corrigido, mas não de maneira favorável. Registra-se, desde 2012, um descolamento entre o baixo crescimento da economia, de um lado, e os altos níveis de emprego, de outro. Nos últimos meses, porém, surgiram evidências de piora na geração de vagas.
São ruins os dados recém-divulgados pelo Ministério do Trabalho. Foram criados 58,8 mil empregos formais em maio, o pior saldo para o mês desde 1992.
Estão na indústria, como sempre, as maiores dificuldades: fecharam-se 28,5 mil postos de trabalho. O setor de serviços, provavelmente impulsionado por contratações temporárias ligadas à Copa do Mundo, teve desempenho positivo, com abertura de 38,8 mil vagas.
Essa é, porém, apenas uma parte do quadro, pois as informações do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) se referem aos empregos formais, contabilizados pelas empresas. Outras fontes revelam sinais ambíguos.
Um exemplo é a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (PME), realizada em uma amostra de domicílios em seis capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Salvador). O levantamento mede a geração de vagas formais e informais, a taxa de desemprego e a renda do trabalho.
Pela PME, a perda de dinamismo também é patente; há vários meses a ocupação não cresce. Por outro lado, a taxa de desemprego permanece no menor nível da história (4,9%) --sobretudo porque muitas pessoas têm desistido de pleitear um posto de trabalho.
Maior acesso ao ensino superior --que atrasa a busca por emprego--, desalento pelas dificuldades do país e menor expansão populacional são alguns dos motivos.
Quanto ao crescimento da renda, seu ritmo atual, cerca de 3% ao ano acima da inflação, é bem inferior ao de períodos recentes e insuficiente para sustentar fortes altas no consumo. O contexto, vale lembrar, é de elevado endividamento das famílias.
Neste ano, o IBGE passou a divulgar uma nova pesquisa, a Pnad Contínua, abrangendo 3.464 municípios. De acordo com essa métrica, o desempenho é melhor, com crescimento da população ocupada até o primeiro trimestre (o último dado disponível).
O mercado de trabalho, hoje, está em algum ponto entre morno e frio, a depender do observador.
Em qualquer caso, o mau desempenho evidente em outros indicadores --queda da confiança de empresas e consumidores, redução das intenções de investimento, estoques excessivos na indústria-- sugere que a situação dos empregos continuará a esfriar.
Orgia partidária - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 26/06
É perturbador o painel das alianças que mobilizam líderes partidários às vésperas da eleição, repetindo de forma ampliada uma prática consagrada pela política brasileira. Em todos os níveis, e envolvendo governistas e oposição, disseminam-se acordos que denunciam oportunismos, incoerência e posturas desrespeitosas em relação ao eleitor e às suas expectativas. Registre-se, como exemplo recente de movimento de acomodação de interesses, o afastamento do ministro dos Transportes, César Borges (PR), porque seu partido passou a desconsiderá-lo como representativo para ocupar cargo tão importante no Executivo. O ministro chegara ao posto como beneficiário de um acordo, e não necessariamente por sua habilitação, para uma das mais importantes pastas do governo. Caiu, não porque passou a ter sua competência questionada, mas para que a agremiação a que pertence se aproprie de uma vaga que considera sua na Esplanada dos Ministérios.
Espaços políticos, como o citado, deixaram de ser compartilhados por afinidades programáticas. Negocia-se tudo e com os mais variados objetivos. Num primeiro momento, um acordo pode significar mais tempo na propaganda eleitoral na TV. Mais adiante, com as definições do poder, significa cargos, acesso à gestão de verbas, favorecimentos a apadrinhados nas chamadas bases partidárias e, com frequência, tráfico de influência e corrupção. Com 32 partidos em atividade, um exagero em qualquer democracia, o Brasil vem ampliando, ao invés de reduzir, o número de siglas. Não há racionalidade política capaz de pôr ordem em tantos interesses, muitos dos quais sem nenhuma relação com as demandas do país. Registre-se que a orgia que se repete este ano não poupa os chamados grandes partidos e não distingue as práticas de situação e oposição. Em nome de um falso pragmatismo, o vale-tudo contagia a todos, com as exceções que apenas confirmam a prevalência de um comportamento condenável, sob todos os aspectos.
As combinações, dentro e fora do governo, por mais esdrúxulas que sejam, estão dentro da lei, o que apenas comprova que a inconsistência da representação política brasileira se sustenta num lastro legal. O que falta é base moral aos atos dos líderes, acentuados a três meses do pleito. Os brasileiros merecem, para fortalecimento da democracia, partidos que se sustentem em programas tornados públicos e postos em prática, e não em interesses imediatistas. A incoerência chegou ao ponto de unir desiguais ideológicos em todos os níveis e de criar alianças regionais conflitantes com os conchavos nacionais. São distorções que poderiam ser pelo menos reduzidas com uma reforma política. Mas seria ingênuo demais pretender que os protagonistas dos acertos de ocasião conspirem contra o mercado de transações que os sustenta.
É perturbador o painel das alianças que mobilizam líderes partidários às vésperas da eleição, repetindo de forma ampliada uma prática consagrada pela política brasileira. Em todos os níveis, e envolvendo governistas e oposição, disseminam-se acordos que denunciam oportunismos, incoerência e posturas desrespeitosas em relação ao eleitor e às suas expectativas. Registre-se, como exemplo recente de movimento de acomodação de interesses, o afastamento do ministro dos Transportes, César Borges (PR), porque seu partido passou a desconsiderá-lo como representativo para ocupar cargo tão importante no Executivo. O ministro chegara ao posto como beneficiário de um acordo, e não necessariamente por sua habilitação, para uma das mais importantes pastas do governo. Caiu, não porque passou a ter sua competência questionada, mas para que a agremiação a que pertence se aproprie de uma vaga que considera sua na Esplanada dos Ministérios.
Espaços políticos, como o citado, deixaram de ser compartilhados por afinidades programáticas. Negocia-se tudo e com os mais variados objetivos. Num primeiro momento, um acordo pode significar mais tempo na propaganda eleitoral na TV. Mais adiante, com as definições do poder, significa cargos, acesso à gestão de verbas, favorecimentos a apadrinhados nas chamadas bases partidárias e, com frequência, tráfico de influência e corrupção. Com 32 partidos em atividade, um exagero em qualquer democracia, o Brasil vem ampliando, ao invés de reduzir, o número de siglas. Não há racionalidade política capaz de pôr ordem em tantos interesses, muitos dos quais sem nenhuma relação com as demandas do país. Registre-se que a orgia que se repete este ano não poupa os chamados grandes partidos e não distingue as práticas de situação e oposição. Em nome de um falso pragmatismo, o vale-tudo contagia a todos, com as exceções que apenas confirmam a prevalência de um comportamento condenável, sob todos os aspectos.
As combinações, dentro e fora do governo, por mais esdrúxulas que sejam, estão dentro da lei, o que apenas comprova que a inconsistência da representação política brasileira se sustenta num lastro legal. O que falta é base moral aos atos dos líderes, acentuados a três meses do pleito. Os brasileiros merecem, para fortalecimento da democracia, partidos que se sustentem em programas tornados públicos e postos em prática, e não em interesses imediatistas. A incoerência chegou ao ponto de unir desiguais ideológicos em todos os níveis e de criar alianças regionais conflitantes com os conchavos nacionais. São distorções que poderiam ser pelo menos reduzidas com uma reforma política. Mas seria ingênuo demais pretender que os protagonistas dos acertos de ocasião conspirem contra o mercado de transações que os sustenta.
Contabilidade criativa usa a Petrobras - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 26/06
Governo continua a utilizar o petróleo com fins políticos. Agora, cede mais áreas à empresa, para receber bônus e melhorar a situação do Tesouro nas eleições
É difícil acreditar que tenha sido absolutamente técnica a decisão do governo de estender as áreas hoje exploradas pela Petrobras, sob a forma de cessão onerosa, na camada do pré-sal da Bacia de Santos. Considerando-se os precedentes de uso de técnicas de contabilidade criativa para que as contas públicas atinjam os parâmetros que o próprio governo se compromete a alcançar nas diretrizes orçamentárias, é provável que tal recurso esteja sendo novamente utilizado pelas autoridades, para que no exercício de 2014 — um ano de eleições gerais — os números apareçam bem na fotografia. Afinal, a ampliação das áreas implica a transferência de recursos da estatal para o Tesouro a título de bônus de assinatura — R$ 2 bilhões, para oxigenar combalidas contas públicas.
A Petrobras alega que faz bom negócio. E, de fato, a potencialidade dos campos que vêm sendo explorados na camada do pré-sal da Bacia de Santos indica que a empresa poderá ampliar significativamente suas reservas — seria um acréscimo de 10 bilhões a 14 bilhões de barris. A justificativa técnica para a decisão do governo é que os campos da cessão onerosa estão entrando na fase de desenvolvimento, e os reservatórios contêm volumes de óleo e gás muito superiores aos previstos inicialmente.
Faria, então, sentido que a Petrobras já planejasse a instalação de equipamentos e infraestrutura prevendo aumento futuro da produção. Para que a União seja remunerada por esses volumes que deverão ser extraídos no futuro, o governo se baseou nas condições do leilão do campo de Libra (arrematado pelo único consórcio que ofereceu lance na licitação).
Mas há outras questões que devem ser observadas. A Petrobras não tem sobra de caixa. Ao contrário, a empresa já reconheceu que este ano precisará aumentar o já elevado endividamento para levar adiante seu plano de negócios. Somente a partir do próximo exercício, com o esperado aumento de produção, é que os investimentos serão financiados pela geração de caixa, sem necessidade de recorrer a mais endividamento. É o que se diz oficialmente.
Depois do leilão de Libra, a avaliação dos analistas é que a Petrobras ficou sem condições financeiras de assumir novos grandes riscos. Porém, a arquitetura financeira da transação anunciada na terça atende mais as necessidades de curto prazo do Tesouro (daí as ações da estatal terem caído com o anúncio da operação). É sintomático que Graça Foster, presidente da empresa, ao comentar a medida, tenha deixado claro que mais do que nunca a companhia precisa que os preços internos dos combustíveis sejam alinhados aos externos. Em suma, a Petrobras está transferindo para o Tesouro recursos que hoje não tem, e não há previsão, ou promessa, de que os terá.
Fica óbvio que a decisão foi muito mais política do que técnica. Ainda com outra decorrência negativa, a de representar um aprofundamento da ingerência do Estado no setor.
Governo continua a utilizar o petróleo com fins políticos. Agora, cede mais áreas à empresa, para receber bônus e melhorar a situação do Tesouro nas eleições
É difícil acreditar que tenha sido absolutamente técnica a decisão do governo de estender as áreas hoje exploradas pela Petrobras, sob a forma de cessão onerosa, na camada do pré-sal da Bacia de Santos. Considerando-se os precedentes de uso de técnicas de contabilidade criativa para que as contas públicas atinjam os parâmetros que o próprio governo se compromete a alcançar nas diretrizes orçamentárias, é provável que tal recurso esteja sendo novamente utilizado pelas autoridades, para que no exercício de 2014 — um ano de eleições gerais — os números apareçam bem na fotografia. Afinal, a ampliação das áreas implica a transferência de recursos da estatal para o Tesouro a título de bônus de assinatura — R$ 2 bilhões, para oxigenar combalidas contas públicas.
A Petrobras alega que faz bom negócio. E, de fato, a potencialidade dos campos que vêm sendo explorados na camada do pré-sal da Bacia de Santos indica que a empresa poderá ampliar significativamente suas reservas — seria um acréscimo de 10 bilhões a 14 bilhões de barris. A justificativa técnica para a decisão do governo é que os campos da cessão onerosa estão entrando na fase de desenvolvimento, e os reservatórios contêm volumes de óleo e gás muito superiores aos previstos inicialmente.
Faria, então, sentido que a Petrobras já planejasse a instalação de equipamentos e infraestrutura prevendo aumento futuro da produção. Para que a União seja remunerada por esses volumes que deverão ser extraídos no futuro, o governo se baseou nas condições do leilão do campo de Libra (arrematado pelo único consórcio que ofereceu lance na licitação).
Mas há outras questões que devem ser observadas. A Petrobras não tem sobra de caixa. Ao contrário, a empresa já reconheceu que este ano precisará aumentar o já elevado endividamento para levar adiante seu plano de negócios. Somente a partir do próximo exercício, com o esperado aumento de produção, é que os investimentos serão financiados pela geração de caixa, sem necessidade de recorrer a mais endividamento. É o que se diz oficialmente.
Depois do leilão de Libra, a avaliação dos analistas é que a Petrobras ficou sem condições financeiras de assumir novos grandes riscos. Porém, a arquitetura financeira da transação anunciada na terça atende mais as necessidades de curto prazo do Tesouro (daí as ações da estatal terem caído com o anúncio da operação). É sintomático que Graça Foster, presidente da empresa, ao comentar a medida, tenha deixado claro que mais do que nunca a companhia precisa que os preços internos dos combustíveis sejam alinhados aos externos. Em suma, a Petrobras está transferindo para o Tesouro recursos que hoje não tem, e não há previsão, ou promessa, de que os terá.
Fica óbvio que a decisão foi muito mais política do que técnica. Ainda com outra decorrência negativa, a de representar um aprofundamento da ingerência do Estado no setor.
Triste espetáculo - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 26/06
É constrangedor - para não dizer humilhante - o espetáculo do poder público, em todos os seus níveis, dobrando-se às vontades e caprichos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Primeiro o prefeito Fernando Haddad, depois a presidente Dilma Rousseff e agora o governador Geraldo Alckmin vêm cedendo à chantagem do coordenador desse movimento, Guilherme Boulos, cada vez mais afoito e seguro de si, que começou ameaçando todos com manifestações capazes de tumultuar a Copa do Mundo em São Paulo, se seus desejos não forem satisfeitos, e agora está literalmente sitiando a Câmara Municipal com o mesmo objetivo.
O MTST prometeu realizar uma ocupação de novos terrenos por dia, sem falar nas manifestações que estão virando rotina, até que a Câmara vote o projeto de revisão do Plano Diretor, que prevê - como resultado de pressão dele - a transformação em Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), para nelas serem construídas moradias populares, de quatro áreas ocupadas pelo movimento: Faixa de Gaza, em Paraisópolis; Nova Palestina, em M'Boi Mirim; Dona Deda, no Parque Ipê; e Capadócia, no Jardim Ingá.
A elas foi acrescentada a Ocupação Copa do Povo, em terreno situado, não por acaso, a apenas 4 km do Estádio Itaquerão, na zona leste. Como a inclusão dessa Zeis no projeto do Plano poderia complicar sua aprovação, já que bom número de vereadores com isso não concorda, optou-se - para atender a mais essa exigência do MTST - por fazer isso por meio de projeto de lei separado.
Como se não bastasse a ameaça de mais ocupações e manifestações, o movimento sitiou a Câmara na terça-feira e diz que os 9 mil sem-teto - mil segundo a PM, mas o número a essa altura pouco importa - que se encontram acampados em frente ao prédio, com colchões, cobertores e cozinha improvisada, dali só sairão quando os vereadores aprovarem tudo que lhes interessa.
Ou seja, o MTST se julga no direito de comandar a pauta do Legislativo municipal, não apenas nela colocando matérias de seu interesse, como estabelecendo prazos para sua aprovação. Nesse caso, com a agravante de que faz isso por meio de manipulação do Plano Diretor, matéria da maior importância, porque deve orientar o desenvolvimento urbano de São Paulo, mas que está sendo transformado em reles instrumento para a satisfação de interesses de grupos aguerridos, sempre prontos a recorrer à violência.
A essa altura restam poucas dúvidas de que o MTST conseguirá tudo, ou quase, que deseja. Uma indicação segura de que o sítio da Câmara já está funcionando é que na própria terça-feira o seu presidente, José Américo (PT), recebeu uma comitiva do movimento para negociar a data para a votação das matérias de seu interesse.
Américo não fez mais do que seguir o caminho aberto por Haddad e Dilma Rousseff, que numa de suas visitas à capital paulista abriu espaço em sua agenda para receber Boulos, a quem prometeu incluir a área da Ocupação Copa do Povo no programa Minha Casa, Minha Vida. Dupla de governantes à qual acaba de se juntar o governador Alckmin. Ele também se encontrou com Boulos, que saiu triunfante de reunião de uma hora e meia. Entre outras coisas, obteve a promessa de criação de uma comissão estadual de mediação de conflitos urbanos, que ele certamente pretende usar para sacramentar suas invasões.
A coisa está chegando a tal ponto que Boulos disse ter tratado com Alckmin também de transportes na região metropolitana e até da falta de água nas regiões sul e leste. Até onde ele e seu movimento irão? Bem longe, certamente, porque uma característica da chantagem é que a ela não se cede uma vez só. O chantagista é insaciável.
Outra grave consequência dessa rendição do poder público aos arreganhos do MTST é que, como alertam membros do Ministério Público Estadual, as ocupações semeiam entre as 130 mil pessoas há muito inscritas nos vários programas habitacionais da capital o medo de que os invasores de Boulos passem em sua frente. O que já está acontecendo.
É constrangedor - para não dizer humilhante - o espetáculo do poder público, em todos os seus níveis, dobrando-se às vontades e caprichos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Primeiro o prefeito Fernando Haddad, depois a presidente Dilma Rousseff e agora o governador Geraldo Alckmin vêm cedendo à chantagem do coordenador desse movimento, Guilherme Boulos, cada vez mais afoito e seguro de si, que começou ameaçando todos com manifestações capazes de tumultuar a Copa do Mundo em São Paulo, se seus desejos não forem satisfeitos, e agora está literalmente sitiando a Câmara Municipal com o mesmo objetivo.
O MTST prometeu realizar uma ocupação de novos terrenos por dia, sem falar nas manifestações que estão virando rotina, até que a Câmara vote o projeto de revisão do Plano Diretor, que prevê - como resultado de pressão dele - a transformação em Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), para nelas serem construídas moradias populares, de quatro áreas ocupadas pelo movimento: Faixa de Gaza, em Paraisópolis; Nova Palestina, em M'Boi Mirim; Dona Deda, no Parque Ipê; e Capadócia, no Jardim Ingá.
A elas foi acrescentada a Ocupação Copa do Povo, em terreno situado, não por acaso, a apenas 4 km do Estádio Itaquerão, na zona leste. Como a inclusão dessa Zeis no projeto do Plano poderia complicar sua aprovação, já que bom número de vereadores com isso não concorda, optou-se - para atender a mais essa exigência do MTST - por fazer isso por meio de projeto de lei separado.
Como se não bastasse a ameaça de mais ocupações e manifestações, o movimento sitiou a Câmara na terça-feira e diz que os 9 mil sem-teto - mil segundo a PM, mas o número a essa altura pouco importa - que se encontram acampados em frente ao prédio, com colchões, cobertores e cozinha improvisada, dali só sairão quando os vereadores aprovarem tudo que lhes interessa.
Ou seja, o MTST se julga no direito de comandar a pauta do Legislativo municipal, não apenas nela colocando matérias de seu interesse, como estabelecendo prazos para sua aprovação. Nesse caso, com a agravante de que faz isso por meio de manipulação do Plano Diretor, matéria da maior importância, porque deve orientar o desenvolvimento urbano de São Paulo, mas que está sendo transformado em reles instrumento para a satisfação de interesses de grupos aguerridos, sempre prontos a recorrer à violência.
A essa altura restam poucas dúvidas de que o MTST conseguirá tudo, ou quase, que deseja. Uma indicação segura de que o sítio da Câmara já está funcionando é que na própria terça-feira o seu presidente, José Américo (PT), recebeu uma comitiva do movimento para negociar a data para a votação das matérias de seu interesse.
Américo não fez mais do que seguir o caminho aberto por Haddad e Dilma Rousseff, que numa de suas visitas à capital paulista abriu espaço em sua agenda para receber Boulos, a quem prometeu incluir a área da Ocupação Copa do Povo no programa Minha Casa, Minha Vida. Dupla de governantes à qual acaba de se juntar o governador Alckmin. Ele também se encontrou com Boulos, que saiu triunfante de reunião de uma hora e meia. Entre outras coisas, obteve a promessa de criação de uma comissão estadual de mediação de conflitos urbanos, que ele certamente pretende usar para sacramentar suas invasões.
A coisa está chegando a tal ponto que Boulos disse ter tratado com Alckmin também de transportes na região metropolitana e até da falta de água nas regiões sul e leste. Até onde ele e seu movimento irão? Bem longe, certamente, porque uma característica da chantagem é que a ela não se cede uma vez só. O chantagista é insaciável.
Outra grave consequência dessa rendição do poder público aos arreganhos do MTST é que, como alertam membros do Ministério Público Estadual, as ocupações semeiam entre as 130 mil pessoas há muito inscritas nos vários programas habitacionais da capital o medo de que os invasores de Boulos passem em sua frente. O que já está acontecendo.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Não tem por que abrir mão do meu sigilo bancário”
Sergio Gabrielli,ex-presidente da Petrobras, sem explicar por que teme a verificação
PLANALTO TENTA REVERTER APOIO DO PTB A AÉCIO
Pegos de surpresa com a decisão do PTB de romper com a presidente Dilma, os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini entraram em campo para tentar reverter apoio da sigla ao tucano Aécio Neves para a Presidência. Procurado pelos ministros, o líder Jovair Arantes (PTB-GO) se reuniu ontem com a bancada para buscar uma saída, mas concluiu que o leite foi derramado: já não adianta chorar.
QUEM MANDA
A bancada do PTB vê “chance zero” de mudar a decisão na convenção de sexta-feira (27), onde os delegados devem seguir a orientação da cúpula.
ORELHA ARDEU
Deputados do PTB, que planejam manter apoio a Dilma Rousseff, não poupam críticas ao presidente do partido, Benito Gama.
MÃOS ATADAS
O Planalto também recorreu ao senador Armando Monteiro (PTB-PE), candidato ao governo de Pernambuco com apoio do PT. Inutilmente.
ESPELHO MEU
O apoio do PTB ao presidenciável tucano Aécio Neves foi antecipado nesta coluna com exclusividade.
DILMA ODIOU SER CHAMADA POR LULA DE ‘CRIATURA’
Assessores de Dilma afirmam que só depois “caiu a ficha”, mas ela ficou muito irritada com uma frase do Lula, durante a convenção nacional do PT, dia 21. Ao discursar, ele se definiu como “criador” e a chamou de “criatura”, como a novelista americana Mary Shelley batizou o Dr. Frankstein e sua criatura aterrorizante. Lula ainda disse que o governo é dele e de Dilma, ratificando acusação de adversários.
ELE NÃO SABIA
Amigos dizem que Lula não sabia da conotação negativa da expressão “criador e criatura”, assim como chama autoestima de “alta estima”.
UM ANO
Sucessor de Carlos Ayres Britto, o ministro Luís Roberto Barroso completa nesta quinta seu primeiro ano no Supremo Tribunal Federal.
ISOLA?
A presidente Dilma Rousseff se confundiu e bateu na mesa, em vez de aplaudir, quando dirigentes do PSD disseram ontem que o Brasil ganhará a Copa.
TEMPOS MUITO ESTRANHOS
Em atitude de inspiração fascista, o MST invadiu a rádio Xodó FM, em N.S. das Graças (Sergipe), tiraram o locutor Anselmo Tavares e discursaram ao microfone, fazendo elogios rasgados ao PT.
TORCIDA SOB CENSURA
Torcedores foram obrigados a mostrar faixas e cartazes que levavam ao jogo Brasil x Camarões, no Estádio Mané Garrincha. “Deixa ver se tem alguma coisa contra Dilma!”, ordenava o policial. Uma torcedora se irritou, desfraldando sua bandeira: “Tem só ‘Ordem e Progresso’...”.
PARTIDO RICO
O marqueteiro João Santana preparou show milionário para lançar Lindbergh Farias (PT) ao governo do Rio, na convenção do PCdoB, nesta quinta. Com direito a telão de 8m de altura.
AFANO A BORDO
Advogado importante de Brasília viajava a Paris na classe executiva da Air France, dia 18, com a mulher e o filho, e foram vítimas de furto. Ela cochilava quando lhe surrupiaram a pashmina (espécie de cachecol) da Louis Vuitton. Aeromoças e passageiros, claro, nada viram.
NEM NA DITADURA
Os jornalistas, agora, têm restrições para circular no 2º andar do Palácio do Planalto, exatamente a área de Imprensa e entrevistas. No regime militar, circulavam até no 3º andar, onde fica o gabinete presidencial.
IMPROBIDADE
A pedido do deputado Joe Valle (PDT), presidente da Comissão de Fiscalização da Câmara Legislativa, o Ministério Público vai denunciar à Justiça, por improbidade, o ex-diretor do DF-Trans, órgão fiscalizador do transporte público de Brasília, Marco Antônio Campanella.
NITROGLICERINA
Assinado pelo jornalista e cineasta Jorge Oliveira, o programa do PPS na TV, que vai ao ar nesta quinta-feira à noite, em rede, faz a pregação da mudança aplicando impressionante pancadaria no governo Dilma.
JOGADO AOS LEÕES
A oposição saiu convencida ontem da CPI mista da Petrobras de que o PT fará do ex-presidente Sérgio Gabrielli o novo bode expiatório, com objetivo de blindar a sucessora Graça Foster e a presidente Dilma.
PENSANDO BEM...
...estranha, a doença de José Genoino. Só melhora quando toma remédios em casa, para onde espera ir logo com ajuda do Supremo.
PODER SEM PUDOR
ATENÇÃO AO MICROFONE...
A história é lembrada por Valdir Vaz, leitor da Paraíba com talento de escritor, que lembrou um causo dos idos de 1960, quando, logo após a sua eleição, e em meio às comemorações, o vice-presidente João Goulart subiu ao palanque e perguntou a um assessor:
- O que é que eu falo para esse povinho de merda?
A resposta foi incontinente:
- Se eu fosse o senhor, começava pedindo desculpas, porque o microfone está ligado...
Sergio Gabrielli,ex-presidente da Petrobras, sem explicar por que teme a verificação
PLANALTO TENTA REVERTER APOIO DO PTB A AÉCIO
Pegos de surpresa com a decisão do PTB de romper com a presidente Dilma, os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Ricardo Berzoini entraram em campo para tentar reverter apoio da sigla ao tucano Aécio Neves para a Presidência. Procurado pelos ministros, o líder Jovair Arantes (PTB-GO) se reuniu ontem com a bancada para buscar uma saída, mas concluiu que o leite foi derramado: já não adianta chorar.
QUEM MANDA
A bancada do PTB vê “chance zero” de mudar a decisão na convenção de sexta-feira (27), onde os delegados devem seguir a orientação da cúpula.
ORELHA ARDEU
Deputados do PTB, que planejam manter apoio a Dilma Rousseff, não poupam críticas ao presidente do partido, Benito Gama.
MÃOS ATADAS
O Planalto também recorreu ao senador Armando Monteiro (PTB-PE), candidato ao governo de Pernambuco com apoio do PT. Inutilmente.
ESPELHO MEU
O apoio do PTB ao presidenciável tucano Aécio Neves foi antecipado nesta coluna com exclusividade.
DILMA ODIOU SER CHAMADA POR LULA DE ‘CRIATURA’
Assessores de Dilma afirmam que só depois “caiu a ficha”, mas ela ficou muito irritada com uma frase do Lula, durante a convenção nacional do PT, dia 21. Ao discursar, ele se definiu como “criador” e a chamou de “criatura”, como a novelista americana Mary Shelley batizou o Dr. Frankstein e sua criatura aterrorizante. Lula ainda disse que o governo é dele e de Dilma, ratificando acusação de adversários.
ELE NÃO SABIA
Amigos dizem que Lula não sabia da conotação negativa da expressão “criador e criatura”, assim como chama autoestima de “alta estima”.
UM ANO
Sucessor de Carlos Ayres Britto, o ministro Luís Roberto Barroso completa nesta quinta seu primeiro ano no Supremo Tribunal Federal.
ISOLA?
A presidente Dilma Rousseff se confundiu e bateu na mesa, em vez de aplaudir, quando dirigentes do PSD disseram ontem que o Brasil ganhará a Copa.
TEMPOS MUITO ESTRANHOS
Em atitude de inspiração fascista, o MST invadiu a rádio Xodó FM, em N.S. das Graças (Sergipe), tiraram o locutor Anselmo Tavares e discursaram ao microfone, fazendo elogios rasgados ao PT.
TORCIDA SOB CENSURA
Torcedores foram obrigados a mostrar faixas e cartazes que levavam ao jogo Brasil x Camarões, no Estádio Mané Garrincha. “Deixa ver se tem alguma coisa contra Dilma!”, ordenava o policial. Uma torcedora se irritou, desfraldando sua bandeira: “Tem só ‘Ordem e Progresso’...”.
PARTIDO RICO
O marqueteiro João Santana preparou show milionário para lançar Lindbergh Farias (PT) ao governo do Rio, na convenção do PCdoB, nesta quinta. Com direito a telão de 8m de altura.
AFANO A BORDO
Advogado importante de Brasília viajava a Paris na classe executiva da Air France, dia 18, com a mulher e o filho, e foram vítimas de furto. Ela cochilava quando lhe surrupiaram a pashmina (espécie de cachecol) da Louis Vuitton. Aeromoças e passageiros, claro, nada viram.
NEM NA DITADURA
Os jornalistas, agora, têm restrições para circular no 2º andar do Palácio do Planalto, exatamente a área de Imprensa e entrevistas. No regime militar, circulavam até no 3º andar, onde fica o gabinete presidencial.
IMPROBIDADE
A pedido do deputado Joe Valle (PDT), presidente da Comissão de Fiscalização da Câmara Legislativa, o Ministério Público vai denunciar à Justiça, por improbidade, o ex-diretor do DF-Trans, órgão fiscalizador do transporte público de Brasília, Marco Antônio Campanella.
NITROGLICERINA
Assinado pelo jornalista e cineasta Jorge Oliveira, o programa do PPS na TV, que vai ao ar nesta quinta-feira à noite, em rede, faz a pregação da mudança aplicando impressionante pancadaria no governo Dilma.
JOGADO AOS LEÕES
A oposição saiu convencida ontem da CPI mista da Petrobras de que o PT fará do ex-presidente Sérgio Gabrielli o novo bode expiatório, com objetivo de blindar a sucessora Graça Foster e a presidente Dilma.
PENSANDO BEM...
...estranha, a doença de José Genoino. Só melhora quando toma remédios em casa, para onde espera ir logo com ajuda do Supremo.
PODER SEM PUDOR
ATENÇÃO AO MICROFONE...
A história é lembrada por Valdir Vaz, leitor da Paraíba com talento de escritor, que lembrou um causo dos idos de 1960, quando, logo após a sua eleição, e em meio às comemorações, o vice-presidente João Goulart subiu ao palanque e perguntou a um assessor:
- O que é que eu falo para esse povinho de merda?
A resposta foi incontinente:
- Se eu fosse o senhor, começava pedindo desculpas, porque o microfone está ligado...
terça-feira, junho 24, 2014
Algemas verdes - RODRIGO CONSTANTINO
O GLOBO - 24/06
Os ambientalistas são uma seita que mascara profundo desprezo pelo avanço capitalista e tenta monopolizar a legítima preocupação com o meio ambiente
Nosso planeta está na iminência de derreter e, para salvá-lo, é preciso mudar radicalmente nosso estilo de vida, abandonar o progresso industrial e delegar poder absoluto aos governos. Ao menos é isso que muita gente quer que acreditemos. São os ambientalistas, uma seita que mascara profundo desprezo pelo avanço capitalista e tenta monopolizar a legítima preocupação com o meio ambiente.
Contra essa ameaça, o ex-presidente da República Tcheca Vaclav Klaus escreveu o excelente livro “Planeta azul em algemas verdes”, afirmando que é a liberdade, não o clima, que corre verdadeiro perigo atualmente. Klaus considera o risco “verde” mais sério do que o comunismo, e isso, vindo de alguém que sofreu intensamente sob o regime comunista, é algo que merece atenção.
“O aquecimento global tornou-se símbolo e exemplo da luta entre a verdade e a propaganda. A verdade politicamente correta já foi estabelecida e não é fácil opor-se a ela”, diz ele. A postura de muitos ambientalistas remete àquela de seitas religiosas fanáticas. Há uma “verdade” absoluta revelada, os “profetas” (como Al Gore e companhia), e os “hereges”, que adotam posição mais cética e demandam cautela.
O regozijo pessoal que vem com a sensação de superioridade moral apenas por pertencer a esse grupo de “escolhidos” que deseja “salvar o planeta” fica acima dos fatos e da razão, impedindo qualquer debate construtivo. É preciso atacar o “inimigo”, rotular com adjetivos chulos aqueles que não aceitam sem reservas o catastrofismo vendido pelos ambientalistas.
No começo, muitos se mostraram preocupados com os rumos dos “debates”, com o excesso de pânico infundado que foi incutido nos mais leigos, com a politização oportunista da ciência. Hoje, como confessa Vaclav Klaus, a preocupação deu lugar à fúria, pois é revoltante ver como a coisa desandou, transformando-se em uma perigosa ideologia coletivista que asfixia nossas liberdades.
O tcheco, que é economista, afirma que o problema com as mudanças climáticas tem mais a ver com as ciências sociais do que com as naturais. Citando os austríacos Hayek e Mises, o ex-presidente lembra que a “arrogância fatal” e o “cientificismo” ofuscam toda a ignorância das autoridades e dos especialistas em relação a um fenômeno complexo como o clima. A analogia com os planejadores centrais comunistas em relação à economia é evidente demais.
A “ordem espontânea” está no centro dos ataques dos ambientalistas, da mesma forma que faziam os marxistas. Eles rejeitam as liberdades individuais e depositam uma fé ingênua e absurda nos “clarividentes” e “onipotentes” tecnocratas e políticos. O modelo capitalista se tornou o principal alvo da ideologia ambientalista. Klaus resume: “Se levarmos o raciocínio dos ambientalistas a sério, descobriremos que defendem uma ideologia anti-humana. Essa ideologia vê como causa fundamental dos problemas do mundo a própria evolução do homo sapiens”.
Para concentrar cada vez mais poder e recursos no estado, a sensação de grande perigo precisa ser constante. Somente assim se justificam medidas drásticas que ignoram completamente qualquer relação de custo e benefício, qualquer alternativa mais racional para o uso de recursos escassos. Se o que está em jogo é “salvar o planeta” que será destruído a qualquer momento, então pro inferno até com a democracia, bolas!
S. Fred Singer, físico atmosférico da Universidade de Virgínia, faz uma pergunta importante: “Por que deveríamos dedicar nossos escassos recursos ao que é, em essência, um não problema, e ignorar os problemas reais que o mundo enfrenta: a fome, as doenças, o desrespeito aos direitos humanos — isso para não mencionar as ameaças de terrorismo e guerras nucleares?”
A imprensa, que vende mais quando há desgraças e catástrofes iminentes, ajuda a disseminar o medo infundado. Não chegam aos leigos fatos importantes, como a enorme quantidade de cientistas renomados que rejeitam as mensagens e a linguagem catastrofista do IPCC, ligado à ONU. Tampouco há a consciência de que existem muitos interesses em jogo, já que os próprios governos financiam boa parte das pesquisas que dão respaldo às soluções propostas de mais poder aos governos.
Václav Klaus conclui: “O atual debate sobre o aquecimento global é, portanto, essencialmente um debate sobre a liberdade. Os ambientalistas adorariam subjugar todos os aspectos possíveis (e impossíveis) de nossas vidas.” Se quisermos preservar nossas liberdades e o progresso capitalista, então é preciso combater a histeria dos ambientalistas.
Os ambientalistas são uma seita que mascara profundo desprezo pelo avanço capitalista e tenta monopolizar a legítima preocupação com o meio ambiente
Nosso planeta está na iminência de derreter e, para salvá-lo, é preciso mudar radicalmente nosso estilo de vida, abandonar o progresso industrial e delegar poder absoluto aos governos. Ao menos é isso que muita gente quer que acreditemos. São os ambientalistas, uma seita que mascara profundo desprezo pelo avanço capitalista e tenta monopolizar a legítima preocupação com o meio ambiente.
Contra essa ameaça, o ex-presidente da República Tcheca Vaclav Klaus escreveu o excelente livro “Planeta azul em algemas verdes”, afirmando que é a liberdade, não o clima, que corre verdadeiro perigo atualmente. Klaus considera o risco “verde” mais sério do que o comunismo, e isso, vindo de alguém que sofreu intensamente sob o regime comunista, é algo que merece atenção.
“O aquecimento global tornou-se símbolo e exemplo da luta entre a verdade e a propaganda. A verdade politicamente correta já foi estabelecida e não é fácil opor-se a ela”, diz ele. A postura de muitos ambientalistas remete àquela de seitas religiosas fanáticas. Há uma “verdade” absoluta revelada, os “profetas” (como Al Gore e companhia), e os “hereges”, que adotam posição mais cética e demandam cautela.
O regozijo pessoal que vem com a sensação de superioridade moral apenas por pertencer a esse grupo de “escolhidos” que deseja “salvar o planeta” fica acima dos fatos e da razão, impedindo qualquer debate construtivo. É preciso atacar o “inimigo”, rotular com adjetivos chulos aqueles que não aceitam sem reservas o catastrofismo vendido pelos ambientalistas.
No começo, muitos se mostraram preocupados com os rumos dos “debates”, com o excesso de pânico infundado que foi incutido nos mais leigos, com a politização oportunista da ciência. Hoje, como confessa Vaclav Klaus, a preocupação deu lugar à fúria, pois é revoltante ver como a coisa desandou, transformando-se em uma perigosa ideologia coletivista que asfixia nossas liberdades.
O tcheco, que é economista, afirma que o problema com as mudanças climáticas tem mais a ver com as ciências sociais do que com as naturais. Citando os austríacos Hayek e Mises, o ex-presidente lembra que a “arrogância fatal” e o “cientificismo” ofuscam toda a ignorância das autoridades e dos especialistas em relação a um fenômeno complexo como o clima. A analogia com os planejadores centrais comunistas em relação à economia é evidente demais.
A “ordem espontânea” está no centro dos ataques dos ambientalistas, da mesma forma que faziam os marxistas. Eles rejeitam as liberdades individuais e depositam uma fé ingênua e absurda nos “clarividentes” e “onipotentes” tecnocratas e políticos. O modelo capitalista se tornou o principal alvo da ideologia ambientalista. Klaus resume: “Se levarmos o raciocínio dos ambientalistas a sério, descobriremos que defendem uma ideologia anti-humana. Essa ideologia vê como causa fundamental dos problemas do mundo a própria evolução do homo sapiens”.
Para concentrar cada vez mais poder e recursos no estado, a sensação de grande perigo precisa ser constante. Somente assim se justificam medidas drásticas que ignoram completamente qualquer relação de custo e benefício, qualquer alternativa mais racional para o uso de recursos escassos. Se o que está em jogo é “salvar o planeta” que será destruído a qualquer momento, então pro inferno até com a democracia, bolas!
S. Fred Singer, físico atmosférico da Universidade de Virgínia, faz uma pergunta importante: “Por que deveríamos dedicar nossos escassos recursos ao que é, em essência, um não problema, e ignorar os problemas reais que o mundo enfrenta: a fome, as doenças, o desrespeito aos direitos humanos — isso para não mencionar as ameaças de terrorismo e guerras nucleares?”
A imprensa, que vende mais quando há desgraças e catástrofes iminentes, ajuda a disseminar o medo infundado. Não chegam aos leigos fatos importantes, como a enorme quantidade de cientistas renomados que rejeitam as mensagens e a linguagem catastrofista do IPCC, ligado à ONU. Tampouco há a consciência de que existem muitos interesses em jogo, já que os próprios governos financiam boa parte das pesquisas que dão respaldo às soluções propostas de mais poder aos governos.
Václav Klaus conclui: “O atual debate sobre o aquecimento global é, portanto, essencialmente um debate sobre a liberdade. Os ambientalistas adorariam subjugar todos os aspectos possíveis (e impossíveis) de nossas vidas.” Se quisermos preservar nossas liberdades e o progresso capitalista, então é preciso combater a histeria dos ambientalistas.
Tiroteio a esmo - DORA KRAMER
O ESTADÃO - 24/06
A julgar pelos discursos dos três oradores que importavam na convenção nacional do PT - considerando que Michel Temer estava ali por honra da firma -, Rui Falcão, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff, por ordem de entrada em cena, o partido ainda não chegou a um acordo sobre qual a abordagem mais eficaz junto ao eleitor de 2014.
Cada qual foi numa direção diferente, não raro dizendo uma coisa em oposição a outra. Um exemplo: Falcão, o presidente do partido, avaliou que essa será a eleição mais difícil que o PT já enfrentou e pregou a guerra contra a oposição "homofóbica, odienta e fundamentalista".
Lula, o presidente de honra, afirmou que é preciso parar de dizer que a eleição será difícil; Dilma, presidente da República, pregou uma campanha "da paz", sem rancor. Eram três personagens encarnando três papéis diversos no palco. Sim, são pessoas diferentes, mas do roteiro de um partido que procura um mesmo objetivo espera-se ao menos unidade de pensamento. Não foi o que se viu no último sábado.
Rui Falcão entrou para, como se dizia antigamente, botar fogo na roupa, fazer do ressentimento um motor do entusiasmo genuinamente inexistente pela candidata. O que faltava de ardor por Dilma sobrava no clamor do grito "mídia fascista, sensacionalista", quando Falcão apontou os meios de comunicação como "arautos do mau humor que levam o negativismo para dentro da casa do povo".
Pode-se argumentar que o objetivo era mobilizar a militância. Dois problemas nesse argumento. Primeiro, o pequeno número de militantes ali presentes, devido à opção de fazer uma convenção em recinto acanhado, com a finalidade principal de produzir cenas para o programa de TV. Não seria dali que sairiam hordas de guerreiros.
Segundo problema: as propostas apresentadas como palavras de ordem para a militância são de fato palavras ao vento - por inexequíveis -, e a direção partidária sabe disso. Falou-se no plebiscito para a reforma política por meio de Constituinte exclusiva, marcando até data, 7 de setembro próximo - sugestão já devidamente morta e enterrada.
Voltou-se a falar na "democratização dos meios de comunicação", sabendo-se que tal proposta não tem aceitação entre nenhum dos partidos com representação no Congresso além do PT. Ou seja, convidou-se a militância a enxugar gelo.
Em seguida, falou Lula. Uma apoteose. Ali se viu quem o partido queria realmente como candidato, a quem o PT segue e venera. Foi o Lula de sempre, das metáforas, da quase lógica, da mistura de alhos com bugalhos, das mistificações, mas um exímio animador de auditórios.
Ao fim e ao cabo ficou a impressão de que vai jogar na tese de que inventou o Brasil Maravilha e que a ele os brasileiros devem toda sua gratidão. Além de dizer que a eleição não será assim tão difícil, mas "sui generis", avisou aos adversários "que se preparem", pois o PT se elegeu primeiro por quatro anos, depois por mais quatro e mais quatro, "e pode ficar no poder até a metade do século 21". Deve ter um plano e, pelo jeito, passa pela máquina do Estado.
Para encerrar a convenção, a presidente Dilma. Em ritmo de anticlímax, com um discurso cansativo que provocou dispersão na plateia e visível tédio em petistas sentados às duas mesas montadas no palco. Contrariando o tom dos antecessores e a própria personalidade, acenou com a "paz". Por uma hora enumerou seus feitos naquele conhecido tom maçante. "Produção de conteúdo para o horário eleitoral", justificava a assessoria. Mas, se aborreceu os correligionários ao ponto de enrolarem suas bandeiras, deixarem o recinto para lanchar ou comprar na lojinha do PT nas salas ao lado e os que ficaram preferirem conversar, esse conteúdo é capaz de não entusiasmar muito o eleitorado.
Ao contrário, porém, do "jingle" da campanha, "Coração valente", um forrozinho bom que só.
A julgar pelos discursos dos três oradores que importavam na convenção nacional do PT - considerando que Michel Temer estava ali por honra da firma -, Rui Falcão, Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff, por ordem de entrada em cena, o partido ainda não chegou a um acordo sobre qual a abordagem mais eficaz junto ao eleitor de 2014.
Cada qual foi numa direção diferente, não raro dizendo uma coisa em oposição a outra. Um exemplo: Falcão, o presidente do partido, avaliou que essa será a eleição mais difícil que o PT já enfrentou e pregou a guerra contra a oposição "homofóbica, odienta e fundamentalista".
Lula, o presidente de honra, afirmou que é preciso parar de dizer que a eleição será difícil; Dilma, presidente da República, pregou uma campanha "da paz", sem rancor. Eram três personagens encarnando três papéis diversos no palco. Sim, são pessoas diferentes, mas do roteiro de um partido que procura um mesmo objetivo espera-se ao menos unidade de pensamento. Não foi o que se viu no último sábado.
Rui Falcão entrou para, como se dizia antigamente, botar fogo na roupa, fazer do ressentimento um motor do entusiasmo genuinamente inexistente pela candidata. O que faltava de ardor por Dilma sobrava no clamor do grito "mídia fascista, sensacionalista", quando Falcão apontou os meios de comunicação como "arautos do mau humor que levam o negativismo para dentro da casa do povo".
Pode-se argumentar que o objetivo era mobilizar a militância. Dois problemas nesse argumento. Primeiro, o pequeno número de militantes ali presentes, devido à opção de fazer uma convenção em recinto acanhado, com a finalidade principal de produzir cenas para o programa de TV. Não seria dali que sairiam hordas de guerreiros.
Segundo problema: as propostas apresentadas como palavras de ordem para a militância são de fato palavras ao vento - por inexequíveis -, e a direção partidária sabe disso. Falou-se no plebiscito para a reforma política por meio de Constituinte exclusiva, marcando até data, 7 de setembro próximo - sugestão já devidamente morta e enterrada.
Voltou-se a falar na "democratização dos meios de comunicação", sabendo-se que tal proposta não tem aceitação entre nenhum dos partidos com representação no Congresso além do PT. Ou seja, convidou-se a militância a enxugar gelo.
Em seguida, falou Lula. Uma apoteose. Ali se viu quem o partido queria realmente como candidato, a quem o PT segue e venera. Foi o Lula de sempre, das metáforas, da quase lógica, da mistura de alhos com bugalhos, das mistificações, mas um exímio animador de auditórios.
Ao fim e ao cabo ficou a impressão de que vai jogar na tese de que inventou o Brasil Maravilha e que a ele os brasileiros devem toda sua gratidão. Além de dizer que a eleição não será assim tão difícil, mas "sui generis", avisou aos adversários "que se preparem", pois o PT se elegeu primeiro por quatro anos, depois por mais quatro e mais quatro, "e pode ficar no poder até a metade do século 21". Deve ter um plano e, pelo jeito, passa pela máquina do Estado.
Para encerrar a convenção, a presidente Dilma. Em ritmo de anticlímax, com um discurso cansativo que provocou dispersão na plateia e visível tédio em petistas sentados às duas mesas montadas no palco. Contrariando o tom dos antecessores e a própria personalidade, acenou com a "paz". Por uma hora enumerou seus feitos naquele conhecido tom maçante. "Produção de conteúdo para o horário eleitoral", justificava a assessoria. Mas, se aborreceu os correligionários ao ponto de enrolarem suas bandeiras, deixarem o recinto para lanchar ou comprar na lojinha do PT nas salas ao lado e os que ficaram preferirem conversar, esse conteúdo é capaz de não entusiasmar muito o eleitorado.
Ao contrário, porém, do "jingle" da campanha, "Coração valente", um forrozinho bom que só.
Depois da Copa - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 24/06
País toma anestesia local, não geral, faz festa com o futebol, mas o eleitor continua insatisfeito
A BRISA ALEGRE da Copa até agora festiva dissipou os miasmas que deixavam o clima pesado até faz muito pouco: 12 dias. Mas os maus humores terão escorrido para o ralo? O que será quando a Copa acabar, o que, esperamos, ocorrerá com vitória em 13 de julho?
A anestesia futebolística não foi geral, mas local. Os insatisfeitos com governo, política e economia ganharam adesões, dizem as pesquisas. Mas até para militantes é difícil viver em tensão permanente. A maioria de nós parece ter resolvido fazer um pouco de festa; não mudou de opinião.
Nos últimos meses, falamos muito de política e governo por meio de símbolos tais como a Copa ou, entre minorias, na guerra "ideológica" desencadeada por questões que foram dos rolezinhos aos insultos contra Dilma Rousseff.
Pouco antes, foi comum se tratar de insatisfações diversas, quando não adversárias, por meio da crítica genérica dos "políticos", de um Estado distante, que não oferece serviços públicos, quando não é apenas fonte de opressão física.
No rescaldo de um ano de revolta, os partidos e candidatos maiores apareceram mais desprestigiados que de costume, vide a quantidade de "votos de protesto" (nulo, branco, nem aí etc).
Findo o show da Copa, começa sem mais o show da eleição. Se a insatisfação de fundo continuar, contra governos e políticos em geral, quais contornos terá? Ainda haverá "rua"? Militantes, como os sem-teto e os do passe livre, em São Paulo, não vão submergir sem mais. Difícil é, a princípio, imaginar que o combustível das manifestações não tenha diminuído desde junho do ano passado e depois da Copa.
Os fatores de irritação mais difusa, cotidiana, não desapareceram, pelo contrário. Ainda que o mau humor econômico tenha sido exagerado em abril e maio, a economia real declina de fato e mais do que o esperado, inclusive no emprego. A mais recente previsão dos economistas privados estima que o PIB deve crescer menos que 1,2%, quase estagnação.
Há chance razoável de notícias simbolicamente ruins em julho e agosto (não serão boas de modo algum, mas devem soar ainda pior): inflação talvez acima do teto da meta, PIB zero, demissões em indústrias visíveis, com sindicatos fortes. Haverá algum motivo e muita oportunidade para o acirramento de ânimos políticos.
O governo decerto vai contra-atacar. Vai lançar o Minha Casa, Minha Vida fase 3 ainda em julho. Vai trombetear para o público menos informado e pobre os programas sociais que patrocinou, muito extensos, goste-se ou não deles.
Para o eleitorado minoritário mais dado à política-politiqueira, haverá mais motivos para decepção ou nojo, dada a barafunda de alianças cruzadas entre partidos. A oposição federal alia-se regionalmente a aliados nacionais do governo, entre outras indignidades. Pequenos e provincianos, os candidatos maiores não se dão conta do tamanho da repulsa que realimentam.
Não há motivos para acreditar que a fervura baixe. Está mais difícil de saber como tal desgosto vai se expressar. Em ano de eleição nacional, era de esperar que partidos maiores dessem sentido às revoltas mais comuns, ao menos. Só que não. Ainda, ao menos.
País toma anestesia local, não geral, faz festa com o futebol, mas o eleitor continua insatisfeito
A BRISA ALEGRE da Copa até agora festiva dissipou os miasmas que deixavam o clima pesado até faz muito pouco: 12 dias. Mas os maus humores terão escorrido para o ralo? O que será quando a Copa acabar, o que, esperamos, ocorrerá com vitória em 13 de julho?
A anestesia futebolística não foi geral, mas local. Os insatisfeitos com governo, política e economia ganharam adesões, dizem as pesquisas. Mas até para militantes é difícil viver em tensão permanente. A maioria de nós parece ter resolvido fazer um pouco de festa; não mudou de opinião.
Nos últimos meses, falamos muito de política e governo por meio de símbolos tais como a Copa ou, entre minorias, na guerra "ideológica" desencadeada por questões que foram dos rolezinhos aos insultos contra Dilma Rousseff.
Pouco antes, foi comum se tratar de insatisfações diversas, quando não adversárias, por meio da crítica genérica dos "políticos", de um Estado distante, que não oferece serviços públicos, quando não é apenas fonte de opressão física.
No rescaldo de um ano de revolta, os partidos e candidatos maiores apareceram mais desprestigiados que de costume, vide a quantidade de "votos de protesto" (nulo, branco, nem aí etc).
Findo o show da Copa, começa sem mais o show da eleição. Se a insatisfação de fundo continuar, contra governos e políticos em geral, quais contornos terá? Ainda haverá "rua"? Militantes, como os sem-teto e os do passe livre, em São Paulo, não vão submergir sem mais. Difícil é, a princípio, imaginar que o combustível das manifestações não tenha diminuído desde junho do ano passado e depois da Copa.
Os fatores de irritação mais difusa, cotidiana, não desapareceram, pelo contrário. Ainda que o mau humor econômico tenha sido exagerado em abril e maio, a economia real declina de fato e mais do que o esperado, inclusive no emprego. A mais recente previsão dos economistas privados estima que o PIB deve crescer menos que 1,2%, quase estagnação.
Há chance razoável de notícias simbolicamente ruins em julho e agosto (não serão boas de modo algum, mas devem soar ainda pior): inflação talvez acima do teto da meta, PIB zero, demissões em indústrias visíveis, com sindicatos fortes. Haverá algum motivo e muita oportunidade para o acirramento de ânimos políticos.
O governo decerto vai contra-atacar. Vai lançar o Minha Casa, Minha Vida fase 3 ainda em julho. Vai trombetear para o público menos informado e pobre os programas sociais que patrocinou, muito extensos, goste-se ou não deles.
Para o eleitorado minoritário mais dado à política-politiqueira, haverá mais motivos para decepção ou nojo, dada a barafunda de alianças cruzadas entre partidos. A oposição federal alia-se regionalmente a aliados nacionais do governo, entre outras indignidades. Pequenos e provincianos, os candidatos maiores não se dão conta do tamanho da repulsa que realimentam.
Não há motivos para acreditar que a fervura baixe. Está mais difícil de saber como tal desgosto vai se expressar. Em ano de eleição nacional, era de esperar que partidos maiores dessem sentido às revoltas mais comuns, ao menos. Só que não. Ainda, ao menos.
A herança para 2015 - EDITORIAL O ESTADÃO
O ESTADO DE S.PAULO - 24/06
Quem vencer a eleição presidencial no fim do ano terá de pensar, com urgência, em como carregar a desastrosa herança econômica deixada pelo atual governo. Se for reeleita, a presidente Dilma Rousseff precisará mudar muito mais do que prometeu no discurso de lançamento de sua candidatura. A parte mais visível da herança está indicada nas projeções de inflação alta, crescimento baixo e contas externas ainda em mau estado formuladas por economistas de uma centena de instituições financeiras e consultorias. Essas projeções são coletadas semanalmente pelo Banco Central (BC) na pesquisa Focus.
Na pesquisa divulgada ontem, a inflação estimada para 2014 continuou em 6,46%, muito perto do limite de tolerância, 6,50%, mas o número previsto para o próximo ano subiu ligeiramente, de 6,08% para 6,10%. A variação pode parecer pequena, mas está longe de ser insignificante. Na mesma sondagem, a alta projetada para os preços administrados chegou a 7%. Na semana anterior, a taxa estimada era 6,85%. Quatro semanas antes, 6,50%.
A mensagem contida nesses números parece muito clara. Economistas do mercado continuam prevendo um forte ajuste, em 2015, dos preços e tarifas contidos politicamente. Esse grupo inclui preços de combustíveis e tarifas de energia elétrica e de transporte público.
Parte desses valores tem sido corrigida neste ano, mas em proporção insuficiente para eliminar o atraso.
Com a correção, a defasagem poderá até desaparecer. Dificilmente serão compensadas, no entanto, as perdas acumuladas pelas empresas prestadoras de serviços e pela Petrobrás, vítima habitual do controle político dos preços de combustíveis.
O primeiro ano de um mandato - novo ou renovado - é em geral o mais propício, politicamente, para medidas duras na área econômica. Mas o governo terá de ser muito mais severo e ambicioso do que tem sido há muito anos. Se quiser, de fato, conduzir a inflação à meta, 4,5%, terá de cuidar mais seriamente das contas públicas, cortar a gastança e ser muito mais seletivo na concessão de benefícios fiscais.
Os incentivos concedidos a partir da crise de 2008 foram inúteis para estimular o crescimento geral ou perderam eficácia muito rapidamente. As contas nacionais deixam pouca ou nenhuma dúvida quanto a isso. Não há, portanto, como defender tecnicamente a manutenção dessa estratégia.
O governo deveria saber disso, mas prorrogou na semana passada parte dos incentivos. Reafirmou, assim, a disposição de continuar trabalhando com remendos tributários, em vez de batalhar por uma efetiva reforma do sistema. Para mudar de rumo, as autoridades terão de mostrar coragem, afastar-se do populismo e exibir imaginação e competência.
Quanto mais séria a política fiscal, menos o BC precisará elevar os juros para conter os preços. De todo modo, uma política monetária menos sujeita a interferências da cúpula governamental poderá ser mais eficaz. Quanto maior a credibilidade do BC, maior tende a ser o efeito de suas ações. Isso tem sido comprovado pela experiência internacional.
As projeções do mercado indicam, também, uma piora das expectativas de crescimento. O quadro geral inclui, além da inflação elevada neste e no próximo ano, estimativas menores de expansão econômica. Em uma semana a previsão para 2014 caiu de 1,24% para 1,16%. Para 2015, a redução foi de 1,73% para 1,60%, mesmo sem a expectativa de ações muito mais duras contra a inflação.
Para a produção industrial neste ano, a mudança foi de um crescimento de 0,51%, abaixo de medíocre, para uma contração de 0,14%. Para 2015, a expansão prevista aumentou de 2,25% para 2,30%, um número ainda muito ruim e explicável, pelo menos em parte, pela base de comparação muito baixa.
O quadro se completa com um desempenho fraco no comércio exterior, com superávits previstos de US$ 2 bilhões neste ano e US$ 10 bilhões no próximo. São resultados muito baixos para as necessidades do País, por causa do déficit estrutural em serviços e rendas.
Quem vencer a eleição presidencial no fim do ano terá de pensar, com urgência, em como carregar a desastrosa herança econômica deixada pelo atual governo. Se for reeleita, a presidente Dilma Rousseff precisará mudar muito mais do que prometeu no discurso de lançamento de sua candidatura. A parte mais visível da herança está indicada nas projeções de inflação alta, crescimento baixo e contas externas ainda em mau estado formuladas por economistas de uma centena de instituições financeiras e consultorias. Essas projeções são coletadas semanalmente pelo Banco Central (BC) na pesquisa Focus.
Na pesquisa divulgada ontem, a inflação estimada para 2014 continuou em 6,46%, muito perto do limite de tolerância, 6,50%, mas o número previsto para o próximo ano subiu ligeiramente, de 6,08% para 6,10%. A variação pode parecer pequena, mas está longe de ser insignificante. Na mesma sondagem, a alta projetada para os preços administrados chegou a 7%. Na semana anterior, a taxa estimada era 6,85%. Quatro semanas antes, 6,50%.
A mensagem contida nesses números parece muito clara. Economistas do mercado continuam prevendo um forte ajuste, em 2015, dos preços e tarifas contidos politicamente. Esse grupo inclui preços de combustíveis e tarifas de energia elétrica e de transporte público.
Parte desses valores tem sido corrigida neste ano, mas em proporção insuficiente para eliminar o atraso.
Com a correção, a defasagem poderá até desaparecer. Dificilmente serão compensadas, no entanto, as perdas acumuladas pelas empresas prestadoras de serviços e pela Petrobrás, vítima habitual do controle político dos preços de combustíveis.
O primeiro ano de um mandato - novo ou renovado - é em geral o mais propício, politicamente, para medidas duras na área econômica. Mas o governo terá de ser muito mais severo e ambicioso do que tem sido há muito anos. Se quiser, de fato, conduzir a inflação à meta, 4,5%, terá de cuidar mais seriamente das contas públicas, cortar a gastança e ser muito mais seletivo na concessão de benefícios fiscais.
Os incentivos concedidos a partir da crise de 2008 foram inúteis para estimular o crescimento geral ou perderam eficácia muito rapidamente. As contas nacionais deixam pouca ou nenhuma dúvida quanto a isso. Não há, portanto, como defender tecnicamente a manutenção dessa estratégia.
O governo deveria saber disso, mas prorrogou na semana passada parte dos incentivos. Reafirmou, assim, a disposição de continuar trabalhando com remendos tributários, em vez de batalhar por uma efetiva reforma do sistema. Para mudar de rumo, as autoridades terão de mostrar coragem, afastar-se do populismo e exibir imaginação e competência.
Quanto mais séria a política fiscal, menos o BC precisará elevar os juros para conter os preços. De todo modo, uma política monetária menos sujeita a interferências da cúpula governamental poderá ser mais eficaz. Quanto maior a credibilidade do BC, maior tende a ser o efeito de suas ações. Isso tem sido comprovado pela experiência internacional.
As projeções do mercado indicam, também, uma piora das expectativas de crescimento. O quadro geral inclui, além da inflação elevada neste e no próximo ano, estimativas menores de expansão econômica. Em uma semana a previsão para 2014 caiu de 1,24% para 1,16%. Para 2015, a redução foi de 1,73% para 1,60%, mesmo sem a expectativa de ações muito mais duras contra a inflação.
Para a produção industrial neste ano, a mudança foi de um crescimento de 0,51%, abaixo de medíocre, para uma contração de 0,14%. Para 2015, a expansão prevista aumentou de 2,25% para 2,30%, um número ainda muito ruim e explicável, pelo menos em parte, pela base de comparação muito baixa.
O quadro se completa com um desempenho fraco no comércio exterior, com superávits previstos de US$ 2 bilhões neste ano e US$ 10 bilhões no próximo. São resultados muito baixos para as necessidades do País, por causa do déficit estrutural em serviços e rendas.