domingo, junho 07, 2020

Fábrica de crises do Planalto inaugura um departamento de maquiagem - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 07/06


Sob Jair Bolsonaro, o Palácio do Planalto especializou-se na produção de crises. Mas o presidente enxergou na pandemia uma oportunidade para diversificar as atividades do seu governo. Instalou ao lado do departamento de crises uma seção de maquiagem. Ideia de gênio. Num setor, magnifica-se o flagelo sanitário. Noutro, ajeitam-se as estatísticas para sumir com um pedaço da pilha de mais de 35 mil cadáveres.

Estava entendido que, no Brasil, um país onde o sujeito "mergulha no esgoto e não pega nada", a crise do coronavírus não passaria de uma "gripezinha". Quando parecia que estava tudo bem —a PF dominada, um engavetador na PGR, o centrão na retaguarda, a pandemia no colo dos governadores, o Weintraub cuidando do circo, a boiada do Salles passando—, surgiram os cadáveres.

Num cenário em que a crise sanitária era "histeria" da imprensa, não havia espaço para mortos. Mas eles passaram a existir. Se existissem em pequena quantidade, seriam toleráveis. O problema é que começaram a existir em grande número, um acinte. A coisa foi longe demais.

Num claro desafio à autoridade presidencial, os cadáveres saltaram das planilhas eletrônicas de secretarias de Saúde dos estados para os formulários padronizados do governo federal. Dezenas de milhares de mortos invadiram as estatísticas compiladas pelo Ministério da Saúde. Em muitos casos, a invasão ocorria de tocaia, antes das 19h.

Finalmente, os mortos deixaram de lado qualquer escrúpulo. Cometeram um crime imperdoável: viraram notícia. Foram pendurados em tempo real nos portais da internet. O Jornal Nacional despejou-os no tapete da sala. Surgiram na mesa do café da manhã, pendurados de ponta-cabeça nas manchetes. Eles estão em toda parte —no celular, no rádio, na TV, nos jornais, defronte da janela.

A conjuntura cobrava uma reação. Até o amigo Donald Trump passou a achincalhar o Brasil. A criação do departamento de maquiagem tornou-se algo imperativo. A iniciativa é tão extraordinária que não pode ficar restrita à área da Saúde. Já imaginou que país maravilhoso seria o Brasil se um surto de camuflagem se abatesse sobre as estatísticas nacionais?

Não se pode limitar os retoques à contagem dos cadáveres incômodos. A experiência deve ser estendida a todos os setores. É preciso restaurar o direito do brasileiro ao otimismo. A pandemia trouxe à luz problemas que todos fingiam não existir. A desigualdade social, por exemplo. De resto, o vírus agravou a ruína econômica.

Com um bom programa de camuflagem, miseráveis e desempregados podem ser reintegrados à paisagem, deixando de saltar aos olhos. Pode-se estudar —atenção, general Braga Netto, um grupo de trabalho, rápido— a criação de um programa inovador, o Bolsa Maquiagem.

Todos os brasileiros receberiam um kit de maquiagem. Conteria base branca para tingir o rosto, batom para a pintar uma boca engraçada e uma bola vermelha para realçar o nariz. Por último, o Gabinete do Ódio se encarregaria de difundir nas suas redes antissociais uma hashtag: #somostodospalhacos.

Os crimes de Bolsonaro, Pazuello e Wizard: alô, Aras e demais procuradores - REINALDO AZEVEDO

UOL - 07/06




Carlos Wizard e general Eduardo Pazuello: há crimes de várias naturezas sendo cometidos. Augusto Aras e outros procuradores têm de entrar em açãoImagem: Marcos Correia/Divulgação


A decisão de esconder os dados da Covid-19 implica várias esferas de ações criminosas, e urge que as instituições e a sociedade civil organizada reajam. Não vai haver golpe, mas não podemos viver como se o golpe já tivesse acontecido.

Diga-se desde logo: ao determinar a manipulação dos dados sobre a doença — e a ordem partiu do Ministério da Saúde, obedecendo a determinação do presidente — , estamos falando de crimes tipificados no Código Penal, de improbidade administrativa e de agressão flagrante aos direitos humanos.

CÓDIGO PENAL

Mais uma vez, o procurador-geral da República, Augusto Aras, será testado: ou entra para a história como aquele que se opôs a ação criminosa de homens públicos contra a população ou serve de capacho aos interesses do Executivo. O que o sr. Eduardo Pazuello, general da ativa que comanda a Saúde, está fazendo, sob as ordens do presidente, está devidamente tipificado como crime no Código Penal, a saber:

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.


Aras está obrigado a determinar que a Polícia Federal abra imediatamente inquérito contra o general Pazuello e, por óbvio, tem de pedir ao STF autorização para que se investigue também o presidente da República. Afinal, Bolsonaro confessou que a mudança de critério busca exclusivamente condicionar o noticiário segundo o seu interesse. Nada tem a ver com uma política de saúde pública.

A mais nova celebridade do Ministério da Saúde, o tal Carlos Wizard — notável por ser bilionário, o que não lhe dá o direito de esconder mortos —, também tem de entrar na mira do procurador-geral. Afirma sobre a mudança de critério: "Eu acredito que vai ter um dado mais real, porque o número que temos hoje está fantasioso ou manipulado".

Diz isso com a notável autoridade que a condição de bilionário lhe confere.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Chegou a hora de o Ministério Público Federal acordar da letargia -- a menos que esteja preparado para caçar corruptos, mas não para caçar homicidas da burocracia.

Presidente da República e ministros de Estados não respondem, na esfera cível, por improbidade administrativa. Entende jurisprudência do Supremo ainda em vigor que atos de improbidade estão caracterizados na Lei 1.079, que definem os crimes de responsabilidade desses agentes.

As demais autoridades da Saúde, no entanto, diretamente ligadas à tentativa de falsificar os dados sobre a Covid-19, atentam também contra a probidade da administração, segundo dispõe a Lei 8.429, a começar deste buliçoso sr. Wizard, que, do alto de sua ignorância específica, resolveu se comportar como professor de Deus.

A maquiagem dos números está caracterizada no Artigo 11 da Lei de Improbidade: atos que atentam contra os princípios da administração pública. Reproduzo:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo


O Inciso III do Artigo 12 da Lei da Improbidade traz a punição para quem incidir na transgressão prevista no Arrigo 11:
"III - Na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos."

A iniciativa, no caso da Lei da Improbidade, é do Ministério Público Federal de primeira instância. Cabe a qualquer procurador da República. Não depende de Augusto Aras.

Sim, é fato: será a sociedade civil organizada a dar o "basta" político à fascistização do poder promovida pelo presidente Jair Bolsonaro. Trata-se de luta política.

Mas é preciso que o Estado legal reaja aos desmandos. E tem de ser já, não daqui a pouco.

TAMBÉM CRIME COMUM

E que se note: no caso dos quadros da Saúde notoriamente comprometidos com a maquiagem dos números -- e Wizard é o exemplo mais saliente --, também há as imputações na esfera penal. Pode, iguialmente, ser enquadrado nos Artigos 319 e 313 A e B do Código Penal.

E isso não depende de Aras.

Poetas e as virtudes públicas - LEANDRO KARNAL

ESTADÃO - 07/06

As elegias eróticas de Ovídio eram muito populares. O governo de Augusto tinha outras metas


O poeta latino Ovídio nasceu no ano de 43 a.C., em Sulmona, atual província italiana de Áquila. Era de família aristocrática e sua infância ocorreu em meio às turbulências políticas após o assassinato de Júlio César. Foi enviado para estudar em Roma com o irmão. O desejo paterno encontrou um obstáculo forte: Ovídio tinha pouco pendor para o Direito, ele queria fazer poesia.

A juventude do escritor coincidiu com a estabilidade dos anos de Augusto. As letras floresciam e os patrocinadores das artes tornaram-se uma instituição. Ovídio frequentou o “Círculo de Messala” (do general Marcus Valerius Messala Corvinus). Outro suporte da cultura foi o famoso Mecenas (hoje metonímia de patrocinador). Ao redor desses ricos patrícios, gênios como Ovídio, Horácio e Virgílio orbitavam e produziam.

Os versos de Ovídio encontraram receptividade. Nós lembramos dele, em particular, pelas Metamorfoses, narrativas mitológicas envolvendo histórias de desejos e de transformações. O livro influenciou uma enorme quantidade de artistas posteriores, de Dante ao escultor Bernini, de Shakespeare ao pintor Delacroix. Ao observar as quatro pinturas deste último no Masp, salta aos olhos a influência do romano sobre o romântico francês. Em grande parte, o esforço da cultura é a compreensão das fontes e permanentes “revisitações” que cada obra traz. O filósofo Montaigne chegou a dizer que não fazemos nada senão mútuos comentários. (“Nous ne faisons que nous entregloser.”)

Além das incontornáveis Metamorfoses, nosso autor foi famoso pela Arte de Amar, um verdadeiro manual de sedução erótica. Ovídio indica lugares para seduzir mulheres em Roma, o uso do vinho no processo de conquista e a advertência sobre a variedade dos tipos femininos. Em época pouco afeita a discursos de igualdade de gênero, ele diz: “É assim que, às vezes, a mulher que tem medo de se entregar a um homem honesto se deixa cair, vergonhosamente, nos braços de alguém que não a merece”. Alguns conselhos de Ovídio parecem eternos, especialmente quando ele recomenda nunca perguntar a idade da mulher que está sendo conquistada. Há trechos em que parece que se lê a velha cantilena machista e histórica e, em outros, surpreendentes, o poeta parece aconselhar as mulheres a usar de recursos variados para enganar aqueles homens que se supunham caçadores.

As elegias eróticas de Ovídio eram muito populares. O governo de Augusto tinha outras metas. Queria uma cidade mais moral e que exaltasse os valores tradicionais. Símbolo da sua construção de austeridade, o líder romano exilou a neta Júlia (a jovem) por adultério e ainda ordenou que a criança bastarda fosse abandonada à morte ao nascer. Na mesma cantilena, mandou Ovídio para um ponto do longínquo Mar Negro, em uma cidade que hoje pertence à Romênia (Constança), na época chamada pelo nome grego de Tomis.

Não sabemos detalhes, na verdade. Ovídio disse que havia feito um verso errado. Não identifica qual. Alguns acham que é pelo conjunto da obra que entrou em choque com o ideal do Principado de Otávio. Outros imaginam que tivesse cometido alguma indiscrição literária sobre a família do governante. O escritor desnudara o amor como um jogo erótico; Augusto queria casamentos sólidos e formais. Teria sido um choque de mundos? Em livro clássico, John Thibault (The Mistery of Ovid’s Exile, Berkeley, 1964) enumera todas as teorias levantadas desde o Renascimento para explicar o castigo duríssimo.

Do exílio, o famoso poeta escreveu cartas tentando reverter o decreto de banimento. Ali, próximo ao delta do Rio Danúbio, Ovídio morreu longe da sua cosmopolita Roma. Está enumerado entre os autores fundadores da literatura... romena.

A figura de um homem culto entre bárbaros ou do intelectual perseguido pela liberdade tem apelo artístico poderoso. Cantar a si na melancolia do estrangeiro, voluntário ou não, atraiu também Camões e Gonçalves Dias. Do solo rude e estranho brotaria um “miasma” de estranheza. Ovídio se defende alegando que algum barbarismo possa ter penetrado sua poesia por influência da distância da civilização. Camões (em Ceuta, Goa ou Macau) deseja voltar a Portugal. Gonçalves Dias estava na terra de Camões e queria voltar para o Brasil, onde as aves teriam gorjeios superiores. Ovídio morreu entre estranhos. Gonçalves Dias afogou-se perto do litoral do seu Maranhão. Camões conseguiu morrer em Portugal, no momento em que sua pátria deixava de ter autonomia e se submetia a 60 anos de controle espanhol. Morrer longe da pátria, perto dela ou com ela: o exílio é uma narrativa importante.

Ovídio morreu no ano 17 da Era Cristã. Quando fechou os olhos, Jesus já era um jovem trabalhando na carpintaria do pai. Augusto tinha morrido três anos antes. Roma, sob os imperadores Tibério e Calígula, transformaria os poemas eróticos de Ovídio em narrativas conservadoras e pueris. O amor da literatura seria superado pela vida real. Alguns poetas sofrem perseguição por descreverem os desejos dos homens. Arte incomoda o poder. Boa semana para todos.

Manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários - REINALDO AZEVEDO

UOL - 07/06

"Manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários", diz Mendes


Gilmar Mendes, ministro do Supremo, foi ao ponto em sua conta no Twitter:

"A manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários. Tenta-se ocultar os números da #COVID19 para reduzir o controle social das políticas de saúde. O truque não vai isentar a responsabilidade pelo eventual genocídio. #CensuraNao #DitaduraNuncaMais"

Na mosca!

É precisamente de crimes contra a humanidade que tratam os posts acima: são cometidos tanto por Jair Bolsonaro e seus subordinados como pelo Estado brasileiro.

Chega a ser espantoso!

Sempre que Bolsonaro é protagonista em algum assunto, comete-se um erro ao achar que ele chegou ao limite da estupidez. O "Mito" sempre pode mais.

Informa O Globo:
O presidente Jair Bolsonaro comentou, na manhã deste sábado, a demora na divulgação de dados da Covid-19 no país. "Para evitar subnotificação e inconsistências, o Ministério da Saúde optou pela divulgação às 22h, o que permite passar por esse processo completo. A divulgação entre 17h e 19h, ainda havia risco subnotificação. Os fluxos estão sendo padronizados e adequados para a melhor precisão", escreveu ele no Twitter, citando nota do Ministério da Saúde.

Em reação às mudanças do governo na política de divulgação dos dados sobre a Covid-19 no Brasil, o Congresso e o Tribunal de Contras da União (TCU) preparam um sistema paralelo de contabilidade dos números da doença. A ideia consiste em reunir os dados das secretarias estaduais de Saúde. O ministro da Corte de Contas Bruno Dantas anunciou que cogita "propor ao TCU e aos tribunais de contas estaduais que requisitemos e consolidemos dados estaduais para divulgação diária até 18h".

Registra ainda o jornal:
A declaração foi criticada por pesquisadores, médicos e ex-integrantes do ministério.

— Não faz sentido recontar dados. Fala mostra a inexperiência na gestão do Ministério da Saúde. Não tem sentido fazer essa revisão. os países quando fazem a revisão, o número em geral aumenta. Ninguém faria um aumento propositado, é impensável - afirmou o médico João Gabbardo, ex-secretário-executivo do ministério na gestão de Luiz Henrique Mandetta.

Mandetta também criticou as mudanças e a ameaça de revisão dos dados. Ele também fez analogias com problemas semelhantes ocorridos durante a ditadura militar.

— Em 1975, no regime militar, houve epidemia de meningite e aquilo foi escondido, até a hora que se teve que fazer uma campanha de vacinação à jato porque o número de mortes era escondido. E quando eclode, não tem jeito, porque a morte é um fato, não tem como esconder. É uma tragédia o desmanche da informação - afirmou Mandetta, em transmissão pela internet do Instituto de Direito Público (IDP).

RETOMO

Bolsonaro e os psicopatas com os quais se aconselhou erraram todas. A "gripezinha", mesmo com o distanciamento social posto em prática por governadores, pode ultrapassar a marca de 160 mil mortos em agosto, no que será a maior tragédia da história brasileira e uma das maiores do mundo em qualquer tempo.

Fosse por ele, o país experimentaria uma hecatombe.

Ainda que não morresse mais ninguém, o desastre já é gigantesco.

Resta, então, tentar esconder os números.

A propósito, por onde anda o grande pensador e sábio das esferas Osmar Terra?

Sim, senhores! Estamos falando de crimes contra a humanidade.

Falta ao capitão bom senso, não relatório da Abin - JOSIAS DE SOUZA

UOL 07/06


Jair Bolsonaro se queixa da má qualidade dos serviços de informação do governo. Na fatídica reunião de 22 de abril, ele insinuou que deseja dos agentes de inteligência comportamento análogo ao de um pai desconfiado —do tipo que encosta a orelha atrás da porta para não descobrir tarde demais que a filha engravidou ou que o filho "encheu os cornos de droga".

Trazidos à luz pelo Estadão, os relatórios da Agência Brasileira de Inteligência sobre a situação caótica que o coronavírus provocou nos cemitérios brasileiros mostram que há um problema mais grave do que a precariedade dos relatórios de inteligência. Precisos ou imprecisos, os dados sobre a realidade sempre serão inúteis quando manuseados por um governante que fez opção preferencial por negar a realidade.

Ironicamente, o negacionismo embutido na tese da "gripezinha" não trouxe nenhuma vantagem para Bolsonaro. Ao contrário. Até o suposto amigo Donald Trump, outro negacionista, escorou seu insucesso no Brasil. Na visão de Trump, o Brasil está "seguindo o exemplo da Suécia", país que passa "por um momento terrível". Trump declarou: "Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido um milhão, um milhão e meio, talvez até dois milhões de vidas."

Bolsonaro, de fato, mencionou a Suécia em entrevistas como exemplo a ser seguido. Mas estados e municípios foram noutra direção. Por isso, a despeito de Bolsonaro, o Brasil lidou com a pandemia de forma menos precária que os Estados Unidos. Convive com um número menor de mortos —em números absolutos e também em termos proporcionais. Mas graças ao negacionismo de Bolsonaro, até Trump se anima a sapatear sobre a tragédia brasileira.

Quanto custa? - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 07/06

O economista apresenta os custos de um programa; implementá-lo é decisão política


Há duas semanas, escrevi sobre proposta de renda básica de cidadania de Rozane Siqueira e José Ricardo, professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Apresentei os benefícios: eliminação da pobreza e redução da desigualdade equivalente ao dobro da observada entre 2002 e 2014.

Na semana passada, apresentei a conta: alíquota linear de 35,7% de imposto sobre todas as rendas desde o primeiro real, além da eliminação de todas as deduções do IRPF.

É possível pensarmos outras possibilidades. Tratei de alguma delas na coluna da semana passada.

A questão importante é que não é atribuição de um profissional de economia avaliar ou não a oportunidade de um programa dessa natureza. O motivo é que ele apresenta custos e benefícios que são de difícil comparação. Envolve juízo de valor, e o conhecimento econômico não permite esse tipo de avaliação.

O que podemos fazer é o inventário dos custos e dos benefícios e oferecê-lo à sociedade. Esta, por meio do Congresso Nacional, decide.

Uma possibilidade de financiamento sobre a qual meus leitores sempre me perguntam é o imposto sobre grandes fortunas (IGF). Aplica-se uma alíquota sobre a riqueza das pessoas.

Há pelo menos três problemas com o IGF. Primeiro, representa bitributação, visto que riqueza é renda acumulada, e a renda já foi tributada. Segundo, tem elevadíssimo custo de processamento. Terceiro, incide sobre uma riqueza ilíquida. A pessoa teria que vender o patrimônio para pagar o imposto.

A experiência recente é que, dos 12 países da OCDE que tinham essa modalidade de imposto há algumas décadas, somente 3, Suíça, Espanha e Noruega, o mantêm. A capacidade máxima de arrecadação foi de 1% do PIB na Suíça, 0,2% na Espanha e 0,4% na Noruega.

Mais informações em dois posts no ótimo Observatório de Política Fiscal do Ibre, a cargo do meu colega Manoel Pires (bit.ly/37bTe2n).

A constatação inicial dos dois pesquisadores da UFPE, de que uma alíquota de imposto sobre a renda de 35,7% financia o programa, resulta de uma análise contábil. É sempre o primeiro passo.

O segundo passo é avaliarmos como as pessoas irão se comportar com a nova alíquota. É por isso que economia é uma disciplina social: as pessoas alteram seu comportamento de acordo com as regras.

Além disso, o mercado reage às alterações do comportamento das pessoas. Minha colega Monica de Bolle, em sua coluna às quartas no jornal o Estado de São Paulo, argumentou que parte do gasto com um programa dessa natureza retorna aos cofres públicos por meio dos impostos embutidos nos bens e serviços adquiridos pelos beneficiados.

O problema é que, numa economia como a brasileira, que apresenta estruturalmente situação de excesso de demanda sobre oferta e na qual, portanto, há juros reais consistentemente superiores às taxas de crescimento da economia —não tem sido assim nos últimos três anos, mas certamente é a exceção, e não a regra—, o aumento das transferências públicas pressionará a inflação e, com ela, os juros. O custo da dívida pública se eleva.

Não que esse seja motivo para desistirmos de um programa dessa natureza, somente o ganho alegado será mitigado ou até revertido.

É absolutamente legítimo o desejo da sociedade de ações mais incisivas de combate à pobreza e à desigualdade. A atribuição dos profissionais de economia é apresentar o inventário de custos e benefícios. A decisão ficará sempre a cargo de alguma esfera política, que pode comparar custos e benefícios quando envolvem juízo de valor.

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

Precisamos respirar - MARTHA MEDEIROS

O GLOBO - 07/06

A cena brutal que aconteceu em Minneapolis (e que ocorre de diferentes formas no Brasil, diariamente) ainda exige muita mobilização

Na sexta da semana anterior, vi as imagens nauseantes do policial que se ajoelhou sobre o pescoço de George Floyd por quase nove minutos, sem compaixão diante dos apelos do detido: "Não consigo respirar!". Horas depois, George estaria morto, e os Estados Unidos explodiam em convulsão por mais um ato criminoso de racismo.

Na mesma noite, assisti ao documentário sobre o genial Quincy Jones, que iniciou carreira como trompetista e virou o maior produtor musical de todos os tempos, responsável pelas orquestrações dos discos de Frank Sinatra e de álbuns históricos como Thriller, de Michael Jackson. Ele colocou a música negra no mapa, abrindo portas para todos os gêneros, incluindo o hip hop. Amigo íntimo de Ray Charles, admirado por Mandela, Obama, Oprah e outros expoentes da raça, Quincy Jones virou lenda e, aos 87 anos, mereceu esta retrospectiva emocionante. Mas sua infância não foi um passeio de carrossel.

Viu a mãe ser arrancada de casa numa camisa de força quando tinha sete anos. O pai era um delinquente. Criado na rua, Quincy queria ser um gângster quando crescesse - era a única realidade que o menino conhecia. Por sorte, um dia ele chegou perto de um piano e descobriu que podia ser outra coisa.

Em 1951, aos 18 anos, excursionou pela primeira vez com uma banda de jazz composta só por negros. O racismo era tão intenso que o motorista do ônibus tinha que ser branco para poder comprar comida para a trupe - negros não podiam entrar em restaurantes. No início dos anos 1960, artistas como Sammy Davis Jr. e Harry Belafonte faziam grande sucesso em Las Vegas, mas tinham que jantar na cozinha, pois negros eram proibidos de frequentar os salões. Quando Sinatra soube, ameaçou não cantar mais na cidade se os cassinos mantivessem a segregação, e só então a situação melhorou.

A situação melhorou?

Melhorou, mas a cena brutal que aconteceu em Minneapolis (e que ocorre de diferentes formas no Brasil, diariamente) ainda exige muita mobilização. O silêncio não move nada. É preciso, sim, junção de vozes, povo na rua, tudo isso que assusta, mas que transforma.

E arte, o tempo inteiro. O documentário sobre Quincy Jones está focado em sua brilhante carreira, mas estão ali, também, as fissuras de uma sociedade escravagista que ainda tem muito a evoluir antes de se definir como civilizada. Quincy não é apenas um artista, mas um artista negro, e como tal, sabe que a luta deve ser constante, ou o preconceito continuará evidenciando nossa falência moral. O que ainda estamos esperando? Sejamos empáticos, vamos dar um sentido profundo às nossas vidas, valorizemos mais músicos do que gângsters. Só assim respiraremos aliviados, sem ter nenhuma vergonha atravessada na garganta.

Quão essencial é a religião? - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de S. Paulo 07/06

Questionamento pode ser respondido sob diversas perspectivas


Um dos itens que sempre provocam polêmica quando se discute o cronograma de reabertura são as igrejas. Quão essencial é a religião?

A pergunta pode ser respondida sob diversas perspectivas. Num plano mais teológico, supondo que exista mesmo uma entidade onisciente, benevolente e que faça questão de ser adorada por humanos, ela certamente compreenderá o momento de excepcionalidade pandêmica que vivemos e aceitará preces e orações feitas em qualquer lugar. O fiel não perderá pontos por rezar fora da igreja.

Há quem sustente que templos devem ter prioridade na retomada porque a religião e seus cultos teriam o dom de tornar as pessoas mais éticas, o que seria socialmente relevante no momento. Não há, porém, nenhuma evidência empírica de que isso seja verdade. Pelo contrário, pesquisas sugerem que a religião não é um fator relevante quando se avaliam as atitudes morais e o nível de altruísmo das pessoas.

Há, por fim, a perspectiva do bem-estar. Aqui, a ciência está do lado dos religiosos. Dados de milhares de estudos mostram uma clara correlação positiva entre frequência a templos e indicadores subjetivos de felicidade, satisfação com a vida e até de saúde e longevidade. Ocorre que a maior parte desses efeitos pode ser atribuída à rede de interações sociais positivas e frequentes que a religião promove. Por essa lógica, igrejas deveriam reabrir quando reabrissem os clubes, centros de convivência e grêmios esportivos, que também proporcionam satisfação e saúde a seus usuários.

A maior parte das autoridades religiosas mundiais parece conformada com a ideia de que os cultos só devem ser retomados quando for seguro fazê-lo. Algumas lideranças neopentecostais, porém, pressionam governantes a colocar as igrejas no alto das prioridades. Por quê? Minha hipótese é que a arrecadação dos dízimos funciona melhor ao vivo que pela internet, mas, claro, é só uma hipótese.

O número do golpe - GUSTAVO NOGY

GAZETA DO POVO - PR - 07/06

Diz o artigo 142 da Constituição Federal que as Forças Armadas são instituições permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República e, destaque meu, destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

O que se lê não é convite para “intervenção militar constitucional”. Porque se é intervenção militar, não pode ser constitucional. Se garante os poderes constitucionais, ipso facto garante – e não suprime ou suspende – o Legislativo e o Judiciário. E se promete garantir a lei e a ordem, a lei e a ordem só estarão garantidas no âmbito constitucional – nunca fora dele.

Também equivocada é a ideia de que as Forças Armadas representam o poder moderador da República. Não é esse o seu lugar na Constituição de 88. Não é isso o que está escrito. O poder moderador da República é o próprio texto constitucional. Podemos não gostar dele, mas precisamos compreendê-lo como é.

Os textos legais, mesmo quando suficientemente abertos a ponto de confundir em decisões difíceis, são objetivos o bastante para que tiremos deles o sentido que têm, e não o que nós lhes atribuímos a depender da conveniência política. Isso vale, por óbvio, às liberalidades que partem do próprio STF – de cada um dos onze STF’s.

O Estado de direito pressupõe certa estabilidade semântica dos textos legais. Um texto diz uma coisa e não todas as coisas. O ordenamento jurídico não é um samba hermenêutico feito para ser dançado por esses políticos ruins da cabeça e doentes do pé. Juiz nenhum pode criar a lei em vez de aplicá-la; um presidente, menos ainda.

Por isso é uma pena que Ives Gandra Martins tenha se prestado ao indigno papel de oferecer lustro jurídico às tentações antijurídicas do chefe do Executivo, com sua tese de que “pontualmente” a intervenção se justificaria. Não se justifica: a teoria ensina e a história registra que a intervenção das Forças Armadas costuma ser o toque de recolher da democracia.

Ora, fosse tão simples, se o artigo de fato sugerisse o que não sugere, seria razoável interpretá-lo também em desfavor do presidente. O 142 afirma que qualquer um dos poderes constitucionais pode convocar as Forças Armadas para garantir a lei e a ordem. Portanto, ao STF seria legítimo acionar os militares contra um presidente irresponsável e autoritário. Quem topa?

Mas, repito, não é disso que se trata. Qualquer tentativa de ler o dispositivo como fundamento para suspensão de direitos ou invasão de um poder sobre o outro é má leitura. Pior: é leitura de má-fé. A missão do Exército é garantir a segurança e a coexistência dos poderes para a vida civil, sem medidas pontuais contra ou a favor de qualquer um deles.

O que assusta, em meios a tais especulações, é que têm sido feitas num contexto mais amplo, não apenas de crise institucional e protestos acirrados nas ruas, mas de propostas para armar a população contra prefeitos e governadores, além da formação de grupos como os 300 de Brasília, liderado por Sara Winter.

Hugo Chávez ficaria orgulhoso.

Me engana que eu gosto - ELIANE CANTANHÊDE


O Estado de S.Paulo - 07/06

Bolsonaro esconde números, mas Trump conta ao mundo o fracasso do Brasil na pandemia


Além de negar a pandemia, o presidente Jair Bolsonaro quer esconder os balanços de mortos, contaminados e recuperados, achincalhando o Ministério da Saúde. Demitiu um ministro, expeliu outro, nomeou um general intendente como interino, descartou o isolamento, empurrou a cloroquina garganta abaixo de médicos e especialistas e agora isso: sonegar os números.

Pois vamos a eles: são mais de 35 mil mortos (35 mil!) e quase 650 mil contaminados (650 mil!), numa expansão macabra, fora de controle. O presidente dá de ombros para os mortos – “E daí?” – e os governadores relaxam atabalhoadamente o isolamento para abrir lojas e serviços na pior hora. Logo, vai piorar.

O “amigão” Donald Trump fala mais uma vez do fracasso brasileiro e informa ao mundo que os EUA teriam não 108 mil, mas até 2,5 milhões de mortos, se tivessem agido como o Brasil e a Suécia – país, aliás, que Bolsonaro citou como referência no combate à pandemia, contra o isolamento, com tudo aberto, e hoje é um exemplo mundial de derrota.

Assim, o Brasil divide o pódio de mortos: EUA em primeiro lugar, Reino Unido em segundo, Brasil em terceiro, perto de chegar ao segundo. O que os três têm em comum? O negacionismo de Trump, Boris Johnson e Bolsonaro. Com uma diferença, literalmente, vital: Trump e Johnson (que pegou a covid-19) ridicularizaram e negaram, mas voltaram atrás, enquanto Bolsonaro continua obstinadamente negacionista.

A pandemia mata inclemente, mas o presidente só pensa e age numa direção: a política. Para salvar seu mandato e armar sua reeleição, com o cerco se fechando no Supremo (PF e fakenews, que pode chegar ao “gabinete do ódio”), no Congresso (CPMI das fakenews e 30 pedidos de impeachment) e TSE (oito ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão). O temor do Planalto é que elas afunilem e um pressione o outro. Uma rede, uma máquina do mal.

O que o presidente não entende é que essas ações isoladas só terão chance se confluir para um movimento único contra seu mandato com um empurrão decisivo: o total fracasso pessoal dele na condução – e percepção – do coronavírus, com efeito na economia, nas empresas, nos empregos e, portanto, na estabilidade social. O destino de Bolsonaro não depende das cinco frentes de investigações e, sim, como seus erros gritantes vão potencializá-las.

De jet-ski, helicóptero ou a cavalo, brincando de tiro ao alvo e animando shows antidemocráticos sem usar máscara, Bolsonaro não governa o País, não dá uma palavra sobre o combate ao vírus, nem sobre a economia, nem sobre a articulação federativa. É o oposto. Quando abre a boca sobre a pandemia, reclama da “histeria” e diz “e daí?”, “é o destino de todo mundo”. Sobre a economia, ou joga para Paulo Guedes (que submergiu) ou culpa os governadores, “esses m....”, “bostas” e “estrumes”, capazes de fazer tudo isso só para prejudicá-lo. Uma confusão mental.

Diante das condições adversas, Bolsonaro corre para setores católicos (com verbas de mídia), consolida o apoio evangélico (com uma forcinha da Receita), dá aumento para as polícias e centenas de cargos para o Centrão. Pela mesma janela que a Lava Jato saiu com Sérgio Moro, entram os alvos da Lava Jato com Roberto Jefferson, Valdemar da Costa Neto, Arthur Lira.

Não há pesquisa sobre a “posição das Forças Armadas”, mas a cúpula do Exército abre canais com Judiciário e Legislativo, enquanto milhares de oficiais fecham olhos e ouvidos para os absurdos de Bolsonaro e dividem alegremente os nacos de poder com o Centrão. O discurso para defender o indefensável na pandemia, na economia e na política ainda é a esquerda e o liberalismo de costumes. Mas é só pretexto. No fundo, o toma-lá-dá-cá é uma delícia, tentador. Me engana que eu gosto.

Domingo, o dia D - VERA MAGALHÃES

O Estado de S.Paulo - 07/06

Bolsonaro busca pretexto para golpe enquanto comete crimes em série


A questão atual não é se Jair Bolsonaro cometeu ou não crimes de responsabilidade desde que resolveu rasgar a fantasia de democrata ainda em janeiro, mas notadamente a partir do início da pandemia do novo coronavírus.

É notório que o presidente da República usa a crise de saúde e econômica para afrontar os demais Poderes, avacalhar as instituições, avançar em seu projeto armamentista e de cooptação das Forças Armadas e das polícias militares para defendê-lo das tentativas de contenção constitucional dos demais Poderes.

A cada fim de semana, o Brasil agrava seu estado de anomia, caminhando de forma perigosa, sob o beneplácito de muitos dos que teriam obrigação legal de agir, para algo próximo de uma ruptura. Este domingo pode fornecer o pretexto que o presidente busca, mas não é este o único risco colocado diante de uma nação perplexa, apavorada e, em grande medida, ainda inerte.

Na última semana, o presidente resolveu incluir outro crime no rol dos que já cometeu: atentado à saúde pública. Diz o artigo 267 do Código Penal que é crime contra a saúde pública causar uma epidemia. Isso pode se dar por ação ou omissão, e ao verbo “causar” pode-se incluir ações para agravar uma epidemia em curso.

Bolsonaro determinou a revisão do horário e da metodologia de divulgação de dados da covid-19. Pior: depois de efetivar um general como interino na pasta, de coalhá-la de militares e exonerar técnicos em massa e de estabelecer, por medida provisória, um “excludente de ilicitude” para ações de servidores ao longo da pandemia, pressiona pela revisão de todos os dados até agora. O site do Ministério Interino da Saúde também passou a omitir dados divulgados desde o início da crise.

Tudo isso configura atentado oficial, deliberado e com documentação contra um País que vive um pico desordenado de covid-19 enquanto seus governantes discutem uma reabertura prematura e também ela criminosa.

Para agravar o que já é uma situação-limite, neste domingo, tudo conspira para que haja confrontos entre manifestantes e que esse seja o pretexto que Bolsonaro aguarda para tentar medidas ainda mais autoritárias.

Opositores do governo, com pautas justificadas, organizam atos em várias cidades contra o racismo e o fascismo. Mas o fazem também eles ignorando a necessidade de distanciamento social e não percebendo que levar o enfrentamento do governo para esse campo é tudo que a natureza golpista e belicosa do bolsonarismo quer neste momento.

Não por outra razão o presidente e seus 300 fanáticos afrontam mais de 70% da população do País semana após semana. O que o presidente, o vice, os filhos do presidente, as milícias bolsonaristas e os deputados teleguiados querem é que haja violência que justifique tentar enquadrar grupos antigoverno na Lei Antiterrorismo, num claro movimento de cerceamento ao direito de manifestação e sem tratar com o mesmo critério aqueles que pedem intervenção militar ou fechamento do Congresso e do Supremo.

O domingo pode fornecer a desculpa que o presidente está buscando para tentar empastelar as investigações do STF, impedir que elas cheguem à Justiça Eleitoral e calar ainda mais um Congresso que já está com o rabo entre as pernas enquanto os partidos do Centrão vão às compras nas gôndolas, antes fechadas a eles, do bolsonarismo.

É preciso que os líderes dos movimentos de oposição entendam a armadilha e orientem seus seguidores a não caírem em provocações e não deem pretexto para policiais simpatizantes do presidente agirem com truculência. Os governadores também precisam comandar suas polícias efetivamente, sob pena de serem as primeiras vítimas de um golpe que, se vier, terá nas PMs a força motriz.

Dívida bruta ou dívida líquida - AFFONSO CELSO PASTORE

ESTADÃO - 07/06

A dívida bruta pode ser um péssimo indicador da verdadeira situação fiscal


Recentemente o BC sugeriu aos investidores estrangeiros que usem o conceito de dívida líquida, e não o de dívida bruta ao analisar o Brasil. Concordo e vou além: deveríamos abandonar o conceito brasileiro de dívida bruta e adotar o de dívida líquida. Ao final de 2019 a dívida bruta se aproximava de 78% e a dívida líquida de 55% do PIB, com o valor em reais das reservas internacionais explicando a diferença.

A taxa de juros relevante nos cálculos de dinâmica de dívida é a taxa de juros implícita da dívida (o fluxo de juros pagos dividido pelo estoque da respectiva dívida), que é obviamente maior para a dívida líquida. Feitas as contas, no entanto, o superávit primário que estabiliza a dívida bruta é semelhante ao que estabiliza a dívida líquida, o que do ponto de vista da solvência do País faria pouca diferença em usar um conceito ou outro.

Mas há diferenças mais importantes. Suponhamos que em um período de elevados superávits no balanço de pagamentos – como entre 2010 e 2012 – o governo acumule reservas. Se o Banco Central comprasse as reservas e não esterilizasse seus efeitos monetários, a injeção de liquidez derrubaria a taxa de juros, aumentando a inflação que naqueles anos era alta. Para evitar este resultado o Banco Central utilizou as operações “compromissadas”, que na definição brasileira integram a dívida bruta, fazendo com que esta tivesse um crescimento que nada tem a ver com os déficits primários. Porém, como o valor em reais do montante gasto pelo Banco Central para acumular reservas é igual ao valor em reais das compromissadas, a dívida bruta teve um crescimento igual ao valor das reservas acumuladas, enquanto a dívida líquida permaneceu constante. Quando há acumulação de reservas, a dívida bruta dá uma visão distorcida do desequilíbrio fiscal, enquanto a dívida líquida fornece o retrato exato.

Devido aos gastos com a pandemia a dívida bruta deverá crescer. A estimativa é que ao final de 2019 chegue próximo de 100% do PIB. Não havia como evitar tal gasto, mas com isso o esforço fiscal para estabilizar a relação dívida/PIB será maior do que antes da pandemia. Admitindo que de 2021 em diante o PIB cresça a uma taxa anual de 2% e que o governo cumpra o teto de gastos, a dívida bruta cresceria até 2029, quando atingiria mais de 110% do PIB, e como aumentou o risco de solvência do governo, tende a aumentar a saída de capitais nos investimentos em carteira. Abordei este assunto em meu último artigo, e enfatizei que a intensidade desta “fuga de capitais” será tanto maior quanto maior for o grau de expansão fiscal. Já há uma saída de capitais em portfólio, em torno de US$ 60 bilhões nos últimos 12 meses, mas com grande concentração nos últimos 3 meses.

Suponhamos, agora, que a recessão seja mais profunda do que a queda projetada de 7% do PIB para 2020, o que junto com o desemprego elevado aumente as pressões para o crescimento dos gastos primários, levando ao descumprimento do teto de gastos. O aumento do risco de solvência aceleraria a saída de capitais, e mesmo com um superávit nas contas correntes chegaríamos a um déficit no balanço de pagamentos. Teríamos uma situação perfeitamente simétrica à da acumulação de reservas, mas com o sinal trocado. Se o Banco Central não esterilizasse os efeitos monetários da venda de reservas a taxa de juros de mercado subiria em um momento no qual estamos em recessão profunda. Seria um lamentável erro, e para evitá-lo ele é obrigado a inverter as operações compromissadas, com os títulos públicos retornando à sua carteira própria, o que reduz a dívida bruta.

Caminhemos para um extremo no qual o populismo se instale no governo aliado à fisiologia do Congresso, e que a consequência sejam mais gastos. Quanto maiores forem os estímulos fiscais mais intensas serão a saída de capitais e o déficit na balança de pagamentos, magnificando a queda de reservas, com a contrapartida de uma redução no estoque da dívida bruta no conceito brasileiro. Um economista bem informado saberia que houve uma deterioração da situação fiscal que causou a queda das reservas e da dívida bruta, mas um observador desinformado – e há muitos em Brasília – julgaria que, afinal, o problema fiscal não é tão sério, dado que a dívida bruta ou está crescendo menos, ou até caindo.

Dependendo da situação do balanço de pagamentos, a dívida bruta é um péssimo indicador da verdadeira situação fiscal do país. Melhor é usar a dívida líquida.

Perdidos e achados - LYA LUFT

ZERO HORA - RS - 07/06


Penso que nos avisos e placas o termo é Achados e Perdidos. Não faz mal, eu quero aqui realçar os achados, que são o bom da vida. E, apesar de tudo, da pandemia, dos horrores, das contradições e contrariedades, da chatice suprema, dos cuidados (sou altíssimo risco...), da saudade de uma vidinha meio normal, e do dinheirinho encolhendo, ainda acredito que se acham coisas boas no fim de tudo.

Tenho pensado em amizades: aquelas boas, de uma vida inteira, que duram apesar de altos e baixos, e nos baixos se fortalecem porque a gente confia um no outro. Porque não sente ciúme nem suspeitas; porque, havendo alguma contrariedade, a gente se explica e acaba dando risada; e porque apesar dos anos, décadas, continuamos por aqui para nos lamentar, para nos divertir, para dividir um vinho branco - cada uma do seu lado do Skype -, para existirmos uma para a outra.

Tem as amizades que estão entre os achados recentes: tenho algumas, não muitas, amizades deliciosas, que são de poucos anos atrás, mas a raiz está lá, no tempo sem, tempo das coisas boas. Se forem mais jovens que eu, melhor ainda, menos chance de perder mais alguém, embora recentemente tenha-se ido a minha amada Lou Borghetti, no esplendor da maturidade, e ainda não me acostumei.

Entre os perdidos: estão esses que se foram pelos corredores do mistério, e só sabemos deles que ainda os amamos e lembramos. Talvez, assim, nunca se tenham de verdade perdido.

Os tempos da infância e juventude com o que tinham de bom, alegre, amoroso, luminoso, nem sei onde os colocaria, porque se perderam no concreto, mas na memória, sempre que procuro, estão logo ali. Aqui. Dentro de mim, então não foram, mesmo perdidos. (Afinal, pouca coisa se perde.)

Alguns momentos da infância é bom perder, os castigos, as briguinhas bobas que para uma criança são tragédias, as ausências, como quando o pai viajava a trabalho e eu ficava pela casa feito uma pequena alma penada... a partida cruel quando aos 11 ou 10 anos me botaram num internato... ótimo, aliás, mas uma antessala do exílio que nunca se apagou em mim com sua sensação de que, ou eu tinha feito algo muito errado sem saber, para merecer aquilo, ou meus pais não me queriam.

Onze anos, muita imaginação e um horror de separação justificavam todos os dramas. Por sorte minha e compaixão de meu pai, lá fiquei dois meses e voltei para casa de trem, com o pai, porque havia uma enchente grave a as balsas que ligavam a cidade do colégio à minha estavam paradas. Aquela viagem foi dos grandes, maravilhosos achados da minha vida, e quando por alguma razão fico mais triste, às vezes revivo aquela sensação de que estava salva, acolhida, devolvida. Todos temos perdidos e achados, e às vezes, como nesse episódio do internato, algo pode ser as duas coisas ao mesmo tempo.

Hoje, com essa pandemia, essa Peste mundial, essas incertezas, contradições e desequilíbrio entre receio, alívio, ilusão e morbidez, nem sei se estamos perdidos: mas espero que em breve, quando houver alguma normalidade (o que é isso, afinal?), voltemos a nos achar.

Aposta na insubordinação - BRUNO BOGHOSSIAN

Folha de S. Paulo - 07/06

Bolsonaro tenta atropelar governadores e incentiva repressão a protestos


Jair Bolsonaro lançou as bases para um novo conflito com governadores. Depois de sabotar medidas de isolamento contra o coronavírus para satisfazer seu projeto de poder, o presidente agora mira as polícias estaduais e as ações desses agentes durante os protestos que acontecem em algumas capitais.

Nos últimos dias, Bolsonaro fez acenos às forças de segurança comandadas pelos governos locais. Estimulou a repressão a manifestantes e disse esperar que policiais militares “façam seu devido trabalho se porventura esses marginais extrapolarem os limites da lei”.

Com essa sinalização, o presidente atropela a autoridade de governadores e tenta reforçar ainda mais seus laços com essas corporações, onde a simpatia pelo nome de Bolsonaro vem de seus tempos como deputado. De quebra, ele aposta em potenciais confrontos nas ruas para alimentar sua propaganda contra os protestos organizados por seus opositores.

Sem surpresas, Bolsonaro replica um item da cartilha de Donald Trump diante das manifestações contra o racismo nos EUA. Numa videoconferência com governadores, o presidente americano incentivou uma reação agressiva das polícias locais a esses atos. “Se vocês não dominarem, eles vão passar por cima de vocês, e vocês vão parecer um bando de babacas”, declamou.

No caso brasileiro, as provocações de Bolsonaro metem os governadores numa cilada. Em caso de repressão violenta, eles serão responsabilizados pela brutalidade. Se deixarem de responder a algum tumulto, serão alvo de insatisfação nas polícias e se tornarão peças de exploração política por parte do presidente.

Além de intimidar adversários, a retórica de Bolsonaro tende a inflamar o ânimo de forças que estão fora do alcance de seu poder, já que as PMs obedecem às ordens dos governadores. Se os agentes decidirem escutar as recomendações do Palácio do Planalto, a insubordinação se instala e o presidente ganha uma tropa de choque política nos estados. Ele parece contar com isso.

Três cenários de horror e uma saída para o mundo depois da pandemia - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 07/06

Acemoglu pinta panoramas de opressão estatal e privada, mas aponta saída progressista



O mundo pode continuar no caminho da degradação até o ponto de surgir algo ainda pior do que desigualdade, descrença na democracia e nacionalismo populista. Pode sucumbir à tentação de adotar um despotismo eficaz como o da China. Talvez se renda à opressão privada das empresas gigantes de tecnologia.

Daron Acemoglu pinta esses cenários para um mundo depois da pandemia. Saída: retomar os avanços da social-democracia, prejudicada pela maré conservadora que subiu nos anos 1980.

Economista, historiador e professor do MIT, Acemoglu ficou mais conhecido pelo livro “Por que as Nações Fracassam”, que escreveu com James Robinson. Cedo ou tarde, deve ganhar um Nobel por algum dos seus trabalhos teóricos, um monte impressionante. Na idiotice do debate brasileiro, seria chamado de “ortodoxo”. Publicou no site Project Syndicate um artigo sobre o Estado no pós-Covid.

A pandemia é o que chama de “momento crítico”, um dos raros abalos que tiram a história dos países de certo movimento inercial. As consequências desses choques são incertas, mas pequenas diferenças nas decisões ou oportunidades de como enfrentá-los levam a desenvolvimentos muito diferentes e dificilmente reversíveis no longo prazo. O abalo atual é o enorme aumento do papel do governo (mais gasto, mais intervenções, mais vigilância) e/ou a necessidade de governança maior e mais competente.

No cenário “business as usual trágico”, não há mudança institucional. A desigualdade social e econômica se torna endêmica, assim como o desprezo por especialistas e ciência. A polarização e a descrença nas instituições democráticas se agravam.

Assim, governos mais poderosos e maiores, mas incapazes de lidar com a crise socioeconômica, provocam mais revolta ou mais indiferença pela vida pública. A tragédia é a desintegração da política democrática, como já se vê.

No cenário “China de Leve”, insegurança e incerteza podem levar as pessoas a querer um Leviatã. Pelo menos a pandemia indica que um governo forte é necessário para lidar com emergências.

A China seria um exemplo: sua infraestrutura política e técnica de controle social deu resposta mais rápida e eficaz à desgraça do vírus. Democracias seriam tidas como ineficientes e lerdas para lidar com crises tais e um mundo globalizado.

Aos poucos, o poder ampliado dos governos e a imitação de exemplos do despotismo opressivo mais eficaz dos chineses levariam os EUA a serem uma versão “bastarda” da China, sem as competências burocráticas tradicionais, um “Detran” atrapalhado por tuítes presidenciais.

No cenário “servidão digital”, as grandes empresas de tecnologia substituem cada vez mais o governo. Começam por testar e rastrear doentes; dão soluções à administração remota de fábricas e escritórios. Quanto mais indispensáveis, mais poderosas, dadas a subserviência e a inoperância dos governos.

O público deixaria de vez de se opor à coleta e à mercantilização de seus dados; à manipulação de seu comportamento. A economia da inteligência artificial seguiria na sua toada, que não é inevitável: produz desigualdade e obriga trabalhadores a viver da ninharia da renda básica.

A saída é pela social-democracia. Por que tal movimento não ocorreu até agora, se a tensão social e econômica fervilha ou explode, como nos protestos nos EUA? Acemoglu não diz. A crise é uma oportunidade de reorganizar a campanha por mais seguros sociais e regulação mais inteligente até para domar a iniciativa privada da inteligência artificial, de modo a criar mais empregos.

O governo, maior depois da epidemia, tem de ser controlado por novos meios de participação política democrática. Já aconteceu, depois da Grande Depressão e da Segunda Guerra. É preciso fazer política para que dê certo de novo.

Propostas às cegas podem resultar em tiro no pé - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 07/06

Aumentar a tributação pode acarretar efeitos colaterais inesperados


Propostas de política pública devem ser avaliadas com cuidado, afinal podem ocorrer efeitos colaterais inesperados.

No caso da saúde, existem protocolos bem definidos de testes aleatorizados com grupo de controle para avaliar os impactos de novos tratamentos, de modo a evitar desastres como o da talidomida. No Brasil, entretanto, alguns parecem achar que bastam boas intenções para justificar suas propostas.

O Congresso anda abarrotado de projetos que se baseiam em dados antigos para aumentar a tributação. A renda do setor privado neste ano, no entanto, pode cair mais de 10%, com queda bem maior do lucro das empresas, o que significa que as projeções de arrecadação estão superestimadas.

Além de dificultar a recuperação da economia, essas propostas não analisam seus efeitos indiretos sobre a produção. Trabalhadores e firmas reagem às mudanças na tributação e cabe à análise econômica utilizar as bases de dados e as técnicas da estatística para estimar suas consequências.

A dificuldade reside em conseguir uma estratégia que permita identificar os efeitos das medidas, algo equivalente ao que a medicina faz com os grupos de controle para testar medicamentos.

Esta coluna utiliza alguns exemplos das estimativas sobre o impacto da contribuição sobre a folha de salários para ilustrar como os problemas são mais sutis do que muitos acham.

Haanwinckel e Soares estimam que cada 1 p.p. a mais de contribuição sobre a folha salarial aumenta em 0,27 p.p. o número de trabalhadores sem carteira no Brasil. Paula e Scheinkman, por sua vez, calculam que o aumento da informalidade eleva o custo do capital das empresas em 30% e reduz a produtividade.

Os detalhes da política pública importam. A contribuição sobre a folha salarial incide legalmente sobre as empresas, porém a conta pode ser paga integralmente pelos trabalhadores.

No caso do Chile, documenta Gruber, a redução da contribuição levou ao aumento dos salários reais, sem impacto sobre o emprego, mas isso não ocorreu em países emergentes ou desenvolvidos com políticas públicas um pouco diferentes.

Haanwinckel e Soares indicam que, no Brasil, a redução da contribuição tem impacto maior sobre a formalização do emprego do que uma transferência de renda para os trabalhadores com carteira, como o abono salarial.

Esses são apenas alguns exemplos da extensa pesquisa aplicada sobre os efeitos colaterais das diversas formas de intervenção pública.

Por aqui, no entanto, fazemos propostas sem análises detalhadas das suas consequências. Existem na economia muitas variantes da cloroquina.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

Do Central Park a Alphaville - ELIO GASPARI

O Globo/Folha de S. Paulo - 07/06

Duas cenas, uma em cada um desses lugares, chamaram atenção nos últimos dias


Adiante vão duas cenas dos últimos dias. Uma aconteceu no Central Park, em Nova York. A outra no bairro de Alphaville, em São Paulo (R$ 5.700 por metro quadrado).

25 de maio: Amy Cooper, com MBA pela universidade de Chicago, chefe do setor de seguros de uma firma de investimentos (US$ 70 mil anuais) passeava seu cachorro, solto, pelo parque. Christian Cooper (nenhum parentesco) disse-lhe que devia prender a coleira do bicho. Negro, ele vinha com um binóculo e observava os passarinhos. Ela se descontrolou, sacou o celular e chamou a polícia, dizendo que “um afro-americano está ameaçando minha vida”. Christian diplomou-se por Harvard em Ciencia Política. Também sacou o celular e gravou a cena. (O vídeo seria visto por 40 milhões de pessoas.)

No dia 28 Amy foi demitida. Desculpou-se, mas Christian recusou-se a encontrá-la.

Nesse mesmo dia o cabo Edson, da PM paulista, foi enviado a uma casa de Alphaville, atendendo a uma denúncia de violência doméstica. Enquanto conversava com a mulher, apareceu o marido, o joalheiro Ivan Storel. Em bolsonarês castiço, que repeliu o cabo:

“Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano”,

“Eu ganho R$ 300 mil por mês”, “você é um merda de um PM que ganha R$ 1 mil.”

“Tenho uns 50 caras pra enfrentar você.”

Uma policial (que também foi insultada) registrou a cena.

Seis dias depois, Storel gravou um vídeo, reconheceu seu erro, revelou que está em tratamento psiquiátrico e que agiu sob o efeito de álcool e remédios. Disse que se envolveu “numa polêmica” com a polícia e pediu “perdão” a todos os policiais, inclusive aos que ofendeu.

Fica combinado assim. Tanto Amy Cooper como Ivan Storel vocalizaram preconceitos. Ela, de cor. Ele, de classe. Como o vírus, são preconceitos transmissíveis e estão por aí.

Entrevistado no programa de Fátima Bernardes, o cabo Edson mostrou-se surpreso pela viralização do vídeo e revelou que “não quis mostrar para a minha esposa e nem para os meus filhos porque não sabia como ia ser a reação deles”.

Intervenção militar

Num país com os mortos da Covid passando de 30 mil, mais de 12 milhões de desempregados, numa recessão histórica, “lunáticos” (palavras de Gilmar Mendes, falam em intervenção militar.

Tudo bem, mas vale lembrar uma cena ocorrida há alguns anos em Brasília.

Um çábio defendia seu projeto e tirou da manga o que supunha ser um grande argumento:

“Se fizermos isso, o Paraguai fica na nossa mão”.

Respondeu-lhe um sábio:

“E você faz o que com ele?”

Cansaço

Se o ministro da Esducassão reclamar de cansaço e pedir para ir embora, seu motivo será entendido.

Cerco

O governador Wilson Witzel (Harvard Fake ‘15), deve se preocupar com possíveis confissões premiadas de pessoas que trabalharam no seu governo, ou mesmo de gente que bicava no entorno.
Seu nome está na roda desde janeiro, colocado por um atravessador de negócios paraibano.

Profeta armado

O doutor Pedro Guimarães, presidente da Caixa, é um homem valente e tem 15 armas em casa.

O benefício de R$ 600 para os invisíveis foi aprovado no fim de março e só no fim de junho a Caixa se comprometeu a providenciar cadeiras para as pessoas que vão para as filas diante de suas agências.

E levaram três meses para perceber que os bípedes sentam.

As cores de Aras

O procurador-geral Augusto Aras fará história pelas suas falas e pelos seus silêncios, mas já conseguiu animar Brasília pela policromia de suas gravatas.

Com um presidente que usa casaca de gola redonda, a única curiosidade da indumentária dos hierarcas estava nos patacões que carregam nos pulsos. Os ministros Braga Netto e Augusto Heleno têm relógios de astronauta. O embaixador Ernesto Araújo carrega um patacão que parece ter até horóscopo. Chique, só o da ministra Tereza Cristina, de aço, que parece ser um Cartier.

Duas faces

Existem empresários e empresários. O restaurante La Casserole, tradicional casa de pasto do andar de cima, está comemorando seu 66º aniversário com uma campanha para arrecadar recursos, destinandos a fornecer refeições para 6.600 necessitados do Centro de São Paulo. Cada R$ 20 doados servirão para cobrir os custos de uma refeição. A iniciativa ajudará também as famílias de 50 funcionários, parceiros e fornecedores.

Com 192 doadores, já conseguiram R$ 52 mil. Um freguês deu R$ 4 mil.

Na outra ponta fica a Enel, concessionária de energia de São Paulo. Tendo retirado das ruas os funcionários que liam os relógio do consumo, cobrou R$ 7 mil ao Casserole, que está parado. A conta não deveria ter chegado a R$ 100, mas ela se baseou no consumo médio do último ano. Apanhada, ela promete compensar suas vítimas.

Astro rei

Lula recusou-se a assinar os manifestos em defesa da democracia e explicou: “Eu, sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas”.

Gleisi Hoffmann, presidente do PT, deu nome aos bois: Lula não poderia assinar um manifesto junto com Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, que não assinou coisa alguma.

Cada um assina o que quer, mas em 1941, quando a Alemanha invadiu a União Soviética, o primeiro ministro inglês Winston Churchill aliou-se imediatamente a Stalin e disse:

“Se Hitler invadisse o inferno, eu diria uma boa palavra a respeito do Diabo na Câmara dos Comuns.”

Churchill tinha horror aos comunistas e, uma semana depois, proibiu que a BBC tocasse seu hino, a Internacional.

Quem fez o edital?

Depois do vexame da nomeação e da exoneração do presidente do Banco do Nordeste do Brasil, Bolsonaro e sua Nova Política entregou ao Centrão as presidências da Fundação Nacional da Saúde e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Juntos, movimentam R$ 57 bilhões.

Com menos de dois anos de governo, o capitão está no quarto presidente do FNDE e até agora ninguém explicou quem preparou o edital viciado para a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks ao custo de R$ 3 bilhões. Pelo seu desenho, os 255 alunos de uma escola da rede pública mineira receberiam 300.020 laptops.

Outro dia o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu as negociações com o Centrão e disse que “compete aos organismos de fiscalização cumprir seu papel e o ministro da área ficar em cima disso aí, para que está aí a Controladoria-Geral da União?”

Bingo. Foi a CGU que sentiu cheiro de queimado no edital e provocou a sua revogação. Continua faltando contar quem e como botou aquele jabuti na forquilha.

Tempos incertos - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

ESTADÃO/O GLOBO - 07/06

O que nos tem faltado é quem inspire confiança em nós mesmos, em lugar de ódio e rancor


Os tempos modernos caracterizam-se pela racionalização crescente, dizem os cientistas sociais. Se é verdade que nas culturas mais simples as crenças ditavam o que se devia fazer, com a complexidade do mundo contemporâneo, sobretudo pós-industrialização, a ciência substituiu as crenças. Se isso não vale para o transcendental, devia valer como baliza para as decisões, em especial as que implicam responsabilidade pública.

A ciência serve de guia para recomendar o provado, não elimina a necessidade de juízo político e moral sobre decisões a tomar. Dilemas difíceis chegam em situações de grande incerteza, como agora, pois não só o futuro parece indefinido, mas o presente se mostra volátil. Nestas horas é que mais se requerem lideranças para responder a desafios que exigem soluções complexas. É tarefa de todos ajudar nos resultados a partir do que se alcançou com o conhecimento. Mas os rumos são de responsabilidade moral dos que lideram. Cabe a eles decidir com base no conhecimento, pensando no que é bom ou mau para as pessoas.

Comentaristas repetem que enfrentamos uma “tempestade perfeita”. Chove e venta copiosamente: o coronavírus é pandêmico, a economia mundial está capenga, para não dizer paralisada ou regredindo, e em muitos países os donos do poder creem em mitos – que não são como os dos primitivos, aos quais não havia saber que se contrapusesse.

Assustados com a tempestade, os que, além de crer neles, pensam encarnar mitos, assumem ares de valentia. Na verdade, receiam que sua força se esvaia no confronto com a realidade, que não compreendem. Buscam culpados e inimigos, em vez de diálogo e convergência para atravessar o temporal com o menor dano possível para a economia e as pessoas, sobretudo as do andar de baixo.

Os que mandam nem sempre entendem os sinais de outros setores da sociedade. Desde que inventaram o “nós” contra “eles”, o adversário virou inimigo. E com inimigo não se conversa, se destrói. A menos que se renda e, ajoelhado, repudie suas ideias “subversivas”, que corroem a “ordem”. Não foi o atual governo que nos enredou e se amarrou nessa disjuntiva sinistra, mas a responsabilidade por sua solução é também de quem nos governa.

Em nosso país, com uma tempestade perfeita, o “nós” contra “eles” é criminoso. A vítima é a estabilidade da democracia, conquista civilizatória que nos tem permitido resolver os conflitos políticos de modo pacífico. Quem a põe em xeque ou silencia ante vozes autoritárias não é conservador, é atrasado, tem teias de aranha na alma. É promotor da instabilidade e conivente com o retrocesso civilizatório. Alguns são cultores da violência, do fanatismo e da ignorância. Subversivos são os que assim procedem, não quem ergue a voz para preservar o patrimônio comum de todos os brasileiros: a democracia que construímos.

Esta consideração alcança todos, mulheres e homens, civis e militares, conservadores, liberais ou progressistas. Só os reacionários, que têm no atraso sua bússola, não veem a distinção entre inimigos e adversários. Estes podem ter visões e objetivos diferentes dos que prevalecem nos que mandam, mas, se respeitadas as decisões da maioria, as leis e a Constituição, a diversidade, a diferença, fazem parte do jogo da democracia. Quando se substitui esta noção pela distinção entre “bons” e “maus” como se houvesse uma guerra permanente, começa-se por querer eliminar os “inimigos” e se termina por matar a democracia.

São tempos incertos os que vivemos. Neles a liderança deve apelar à racionalidade, ao bom senso, ao sentimento de solidariedade e de unidade nacional, admitir que não há caminhos fáceis nem soluções mágicas, e o País deve buscá-los de braços dados. O Brasil tem vulnerabilidades, como os grandes aglomerados urbanos onde milhões vivem do trabalho informal em moradias precárias. Sem falar dos desempregados e dos que perderam condições de se empregar. Tem limitações fiscais, que podem e devem ser flexibilizadas num momento de emergência social e econômica, mas não podem ser desconsideradas. E tem ativos como o SUS, instituições de pesquisa científica como a Fiocruz, universidades como a USP e outras, epidemiologistas de categoria internacional, militares e funcionários devotados ao serviço público, uma sociedade civil ativa, governadores e prefeitos que arregaçaram as mangas para enfrentar o desafio, uma imprensa atenta e instituições públicas de controle a zelar pelo bem comum, etc.

O que nos tem faltado é quem inspire, em vez de ódio e rancor, confiança em nós mesmos. Esta requer serenidade de quem busca despertá-la nos compatriotas; exige compostura, capacidade de convencer pelas ideias, e não pela ameaça.

O Brasil já contou com políticas e políticos que despertavam confiança. Convivi com Tancredo Neves, homem de fala mansa, mas de valores firmes. Foi um político de diálogo, atento à necessidade de buscar denominadores comuns em momentos críticos. E com Ulysses Guimarães, que sabia aliar ao diálogo a firmeza, quando necessário. E assim outros.

Que sua lembrança nos inspire a fazer frente aos arreganhos autoritários com firmeza e serenidade. E novos líderes encarnem o espírito enérgico e conciliador que marcou boa parte de nossa liderança, para em 2022 não se repetir a escolha trágica de quatro anos atrás.

*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Manipulação de dados - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 07/06

Seremos um dos únicos países do mundo em que a curva dos infectados será derrubada por uma canetada


Teremos em poucas dias mais confusão estatística provocada pela obsessão do governo Bolsonaro de manipular os números oficiais. O aumento das queimadas na Amazônia e na Mata Atlântica foi negado pelo ministério do Meio-Ambiente, a ponto de haver uma intervenção no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até que a realidade ficou patente.

Agora, teremos várias contagens dos mortos e infectados pela Covid-19, pois o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Congresso estão dispostos a colher os dados diretamente das fontes estaduais para obter um número mais próximo da verdade possível, enquanto o ministério da Saúde pretende esconde-los.

O governo é tão desorganizado que deixou evidente desde o inicio sua intenção de não revelar os dados da Covid-19 para grande parte da população, depois que os ministros técnicos - Luis Henrique Mandetta e Nelson Teich - saíram por absoluta impossibilidade de trabalhar.

Atrasou a divulgação dos dados para que eles não fossem anunciados pelo Jornal Nacional, mas quando a má-fé ficou evidenciada, o jornalismo da Rede Globo decidiu noticiar os números oficiais na hora em que fossem divulgados, o que fez com que a novela fosse interrompida para o anúncio, com uma audiência muito maior.

A jogada seguinte foi anunciar que os números oficiais seriam revisados, sob a alegação do governo de que são maiores que na realidade. O ministério da Saúde tentar camuflar os dados de infectados e mortos pelo Covid-19 é de uma ousadia poucas vezes vista.

O único plano para combater o novo coronavírus é uma oficialização da subnotificação que, como se sabe, é muito grande no Brasil, quantificada por especialistas em pelo menos cinco vezes o número oficial.

Além de alterar os critérios, o governo já mudou a tabela de divulgação dos dados, omitindo o total geral de mortos e infectados pela doença. Seremos um dos únicos países do mundo em que a curva dos infectados será derrubada por uma canetada, como se isso resolvesse os problemas da população.

Nos igualaremos a países como a China, a Rússia, a Coréia do Norte, a Bielorrússia, cujos dados oficiais são ridicularizados mundialmente. A ideia foi do secretário de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde, Carlos Wizard, que, ignorando a subnotificação existente, quer acabar com o que considera ser uma supernotificação, alegando que os governadores aumentam as notificações para aumentar as verbas publicas que recebem para combater a Covid-19.

Sua declaração foi considerada pelo conjunto dos secretários de saúde dos Estados “grosseira, falaciosa, desprovida de qualquer senso ético, de humanidade e de respeito, merece nosso profundo desprezo, repúdio e asco”. O ministro do TCU Bruno Dantas, baseado no fato de que em matéria de saúde há uma obrigação do Estado de divulgar estatísticas que viabilizem decisões de políticas públicas, está entrando em contato com os tribunais de contas estaduais para viabilizar uma contagem que seria consolidada pelo TCU, cujo presidente José Múcio já autorizou o trabalho conjunto.

Cada TCE pode requisitar, sob pena de multa aos gestores, os dados das secretarias estaduais. A divulgação local também pode ser feita por cada TCE e a nacional (que nada mais é do que a soma dos dados estaduais) pela própria ATRICON, a associação que congrega ministros do TCU e conselheiros de TCEs de caráter nacional.

A ideia é bastante simples, mas precisa do engajamento dos tribunais de contas estaduais, porque são eles que têm poder para requisitar os dados das secretarias de saúde dos Estados, e não existe subordinação entre eles e o TCU.

Diante do perigo que é o país não ter os indicadores corretos para realizar as politicas públicas adequadas, pior mesmo é não ter ter um ministro da Saúde há 22 dias. Tendo um General como interino na pasta todo esse tempo, no auge da pandemia, Bolsonaro resolveu imitar seu “amigo, irmão” Trump e está em litígio com a Organização MUndial de Saúde. Ao criticar seu diretor-geral Tedros Adhanon Ghebreyesus, saiu-se com essa:” Nem médico é”.

Democracia defensiva - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 07/06

Estado brasileiro precisa ser profundamente reformado para que o cidadão dele se sinta participante integral, com direitos e deveres, sob auspícios da Constituição


Ante a perspectiva sombria de que o País mergulhe na violência, como resultado da escalada retórica autoritária do presidente Jair Bolsonaro e da disposição belicosa de seus camisas pardas, emerge um debate crucial sobre os mecanismos por meio dos quais a democracia se defende dos extremistas que, maliciosamente, exploram as liberdades constitucionais para tentar arruiná-la.

A Alemanha, por exemplo, construiu, logo depois da 2.ª Guerra, um arcabouço legal e cívico para proteger sua democracia da ação insidiosa dos herdeiros do nazismo. O objetivo explícito era impedir que a democracia liberal que se pretendia construir fosse arruinada pelo extremismo, como aconteceu com a República de Weimar, que o nazismo pôs abaixo em 1933.

Na reconstrução do Estado alemão, o papel dos partidos – isto é, da representação da vontade política dos alemães – foi reforçado, enquanto a formação de partidos extremistas, tanto de direita como de esquerda, foi proibida. No mesmo sentido, não se confundiu a liberdade de expressão com o discurso de ódio, que foi proibido.

Além disso, o Tribunal Constitucional – que fica em Karlsruhe, a 670 km da capital, Berlim, e portanto geograficamente distante das pressões das autoridades federais – conquistou o apreço de todo o país por defender os cidadãos das injunções do poder e por transformar o respeito à Constituição em demonstração de patriotismo. A reverência à lei substituiu a antiga devoção alemã às autoridades fortes, de modo que a Constituição se tornou o elemento de coesão entre os cidadãos. Uma democracia com essas características é muito mais sólida, mesmo diante da ameaça constante do extremismo.

O Brasil não teve nada parecido com o nazismo, e sua democracia já passou com louvor por testes de estresse bastante significativos desde o fim do regime militar. Mas talvez a ameaça de ruptura desta vez tenha alcançado um patamar tal que torne inevitável articular mecanismos para proteger a democracia de seus inimigos, cada vez mais desabridos. E, assim como aconteceu na Alemanha, será preciso fazer uma reforma do Estado que vá muito além da simples reorganização administrativa.

Essa reforma precisa reduzir o tempo da burocracia, excruciante para os cidadãos que esperam valer seus direitos, tornando o Estado mais eficiente e responsivo. A lentidão estatal, que serve a propósitos obscuros, colabora decisivamente para que os cidadãos percam a confiança na administração pública – e a descrença cresce à medida que, por outro lado, esse mesmo Estado se mostre rápido para despachar demandas de quem tem poder ou se relaciona bem com as autoridades.

É a impotência do cidadão ante esse Leviatã, a despeito dos amplos direitos que a Constituição lhe assegura, que alimenta a desilusão cívica que pode resultar na aceitação, quando não no desejo, de uma solução antidemocrática.

Esse cidadão desencantado é o mesmo que não se reconhece no Estado, e portanto não se sente participante de sua construção e de seu funcionamento. Foi isso o que historicamente facilitou a ascensão dos regimes totalitários na Europa no passado recente. Uma reforma do Estado deve almejar, portanto, uma reconexão com os cidadãos, para que a democracia faça sentido de novo.

Para isso, esse Estado reformulado – necessariamente menor e menos dispendioso do que é hoje – deve se voltar para a execução eficiente de políticas públicas em áreas como segurança, saúde, educação e saneamento básico. Deve, também, ter mecanismos que ensejem uma fiscalização ampla e transparente dos funcionários públicos e das autoridades eleitas, responsabilizando-os pelas suas falhas. Por fim, mas não menos importante, deve ser capaz de estabelecer parcerias com a iniciativa privada, para transformar ações estatais em ações cidadãs. Um exemplo bem-sucedido desse modelo, no Brasil, é o Comitê Gestor da Internet, que alcançou ótimos resultados ao unir Estado e sociedade.

Em resumo, o Estado brasileiro precisa ser profundamente reformado para que o cidadão dele se sinta participante integral, com direitos e deveres, sob os auspícios da Constituição – esta sim, fonte de toda a autoridade e da coesão nacional. Somente assim a democracia ganhará músculos para se defender de seus inimigos.