domingo, junho 07, 2020

Propostas às cegas podem resultar em tiro no pé - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 07/06

Aumentar a tributação pode acarretar efeitos colaterais inesperados


Propostas de política pública devem ser avaliadas com cuidado, afinal podem ocorrer efeitos colaterais inesperados.

No caso da saúde, existem protocolos bem definidos de testes aleatorizados com grupo de controle para avaliar os impactos de novos tratamentos, de modo a evitar desastres como o da talidomida. No Brasil, entretanto, alguns parecem achar que bastam boas intenções para justificar suas propostas.

O Congresso anda abarrotado de projetos que se baseiam em dados antigos para aumentar a tributação. A renda do setor privado neste ano, no entanto, pode cair mais de 10%, com queda bem maior do lucro das empresas, o que significa que as projeções de arrecadação estão superestimadas.

Além de dificultar a recuperação da economia, essas propostas não analisam seus efeitos indiretos sobre a produção. Trabalhadores e firmas reagem às mudanças na tributação e cabe à análise econômica utilizar as bases de dados e as técnicas da estatística para estimar suas consequências.

A dificuldade reside em conseguir uma estratégia que permita identificar os efeitos das medidas, algo equivalente ao que a medicina faz com os grupos de controle para testar medicamentos.

Esta coluna utiliza alguns exemplos das estimativas sobre o impacto da contribuição sobre a folha de salários para ilustrar como os problemas são mais sutis do que muitos acham.

Haanwinckel e Soares estimam que cada 1 p.p. a mais de contribuição sobre a folha salarial aumenta em 0,27 p.p. o número de trabalhadores sem carteira no Brasil. Paula e Scheinkman, por sua vez, calculam que o aumento da informalidade eleva o custo do capital das empresas em 30% e reduz a produtividade.

Os detalhes da política pública importam. A contribuição sobre a folha salarial incide legalmente sobre as empresas, porém a conta pode ser paga integralmente pelos trabalhadores.

No caso do Chile, documenta Gruber, a redução da contribuição levou ao aumento dos salários reais, sem impacto sobre o emprego, mas isso não ocorreu em países emergentes ou desenvolvidos com políticas públicas um pouco diferentes.

Haanwinckel e Soares indicam que, no Brasil, a redução da contribuição tem impacto maior sobre a formalização do emprego do que uma transferência de renda para os trabalhadores com carteira, como o abono salarial.

Esses são apenas alguns exemplos da extensa pesquisa aplicada sobre os efeitos colaterais das diversas formas de intervenção pública.

Por aqui, no entanto, fazemos propostas sem análises detalhadas das suas consequências. Existem na economia muitas variantes da cloroquina.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

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