domingo, março 27, 2016

A derrocada - GUSTAVO FRANCO

O Estado de S. Paulo - 27/03

A publicação do balanço da Petrobrás para 2014 abre um capítulo particularmente revelador de um desmoronamento amplo, espetacular e de dimensões históricas, mesmo que ainda incompleto. Diante dessa catástrofe, espera-se que nunca mais o País ouça sem um arrepio os conceitos que orientaram esse experimento de petro-populismo, heterodoxia fiscal e "capitalismo de quadrilhas" (na falta de melhor tradução para "crony capitalism", um fenômeno já bem identificado em outros países).

É de se esperar que esse terremoto vá bem além da candidata eleita, ou da economia, que já vinha mal, pois atacará de frente um conjunto de ideias, ou uma ordem que seria simplório designar apenas como petista, pois vai muito além dos patéticos personagens associados à tesouraria do PT, seus líderes encarcerados e amigos da empreita. O País quer um novo paradigma em matéria de política, e de política econômica, não é outra coisa o que se ouve pelas ruas e pelos botecos.

Essa rocambolesca "ascensão e queda" não é assunto novo, e já havia recebido marcos definidores nas duas capas da The Economist: em novembro de 2009, o Cristo Redentor decolava, mas em setembro de 2013, voava destrambelhado como um pacote bêbado. Diante dos acontecimentos posteriores, a segunda capa, que alguns viram como um insulto, hoje soa como uma piada de salão, quase uma gentileza. As más notícias dos últimos meses não conhecem precedente em nossa história, tanto pela torpeza quanto pelos valores.

A decadência desse império ocorreu de forma inacreditavelmente veloz, mesmo considerando os padrões do mundo hiperconectado em que vivemos, e decorre de pelo menos três pragas, a primeira, curiosamente, relacionada com uma excelente notícia, um presente da Natureza, a heroica descoberta de um tesouro petrolífero onde ninguém havia se atrevido a procurar.

A segunda foi a utilização da crise de 2008 como um pretexto para uma grande inflexão para pior na política fiscal, agora consagrada no que tem sido chamado de "escândalo das pedaladas", e o mesmo para a política industrial, com seus campeões e favoritos.

A terceira, e mais hedionda, é a da corrupção, que potencializa e explica em boa medida a vilania exibida no desenvolvimento das duas primeiras linhas de conduta, pois sua presença parece "sistemática" a partir de 2004, segundo testemunha, viciando muitos processos decisórios.

Mais detalhe sobre cada uma dessas pragas: a primeira tem a ver com o modo como Lula e o PT definiram a estratégia do País diante da descoberta do pré-sal. Reveladoramente, o debate começou pelo fim, com a vinculação dos ganhos à educação, e com a distribuição de royalties para unidades federadas, criando um mecanismo de socialização dos "rents" para servir como espinha dorsal de um "petro-populismo" semelhante aos de Venezuela e Rússia. Nesse contexto, é claro que era preciso estatizar o mais possível essa riqueza, sem muita conta sobre os investimentos que a Petrobrás teria de fazer, pois o cálculo político, este sim, muito preciso, era sobre como se usar o Tesouro para cooptar os entes federados. É fortíssimo, no Brasil, esse DNA rentista, propenso ao extrativismo, e avesso ao suor, ao individualismo e à produtividade. Que melhor redenção, ou que melhor pretexto para abandonar agendas reformistas e modernizadoras que descobrir petróleo?

Era a praga da displicência, versão caribenha do que se conhece como "doença holandesa".

A segunda maldição teve de ver com a crise de 2008 e com a sensação de que o capitalismo ocidental estava acabado, que a índole perversa dos mercados jamais poderia levar ao bem comum senão debaixo de pesada regulação e que John Maynard Keynes, como dom Sebastião, retornava triunfal das brumas do oceano na versão idealizada em Campinas. Para alguns economistas locais, cujos relógios pararam em 1936, a ocasião era perfeita para recuperar as "políticas anticíclicas", das quais não se ouvia há décadas. Disseminou-se, ademais, exaltação ao capitalismo de Estado, modelo chinês, descontaminado das liturgias ocidentais como democracia e transparência, e o conjunto definido pela Goldman Sachs como Brics começou a levar a sério suas escassas semelhanças. Era o apogeu da ilusão na existência de "vida extraterrestre" e na "ciência alternativa": eis a "Nova Matriz Macroeconômica", a praga da irresponsabilidade.

A terceira praga veio dos porões onde se definiam os aspectos operacionais do sonho petro-populista-heterodoxo: os investimentos necessários, o conteúdo nacional, os campeões, as desonerações e as pedaladas, parece pouco provável que esses assuntos tenham sido decididos por gente inocente em ambientes republicanos. As possibilidades de entrelaçamento entre interesses públicos e privados nessa "Nova Matriz" eram imensas, necessárias e inevitáveis, e assim o cordial capitalismo de laços naturalmente desceu vários andares na escala da moralidade.

O Brasil se torna um curioso caso de país ex-comunista sem nunca ter sido, e que, bastante tempo depois da Queda do Muro, procurava imitar os traços mais pervertidos de alguns países que foram socialistas por longo tempo.

Sete anos após, nem o mais neoliberal dos profetas poderia imaginar que o sonho petista petro-populista ia se converter nessa gororoba que tem assolado o noticiário diário e que ganhou do presidente da Petrobrás uma definição em uma única palavra: vergonha, disse ele, ao reconhecer mais de R$ 50 bilhões em baixas contábeis.

A publicação do balanço auditado da Petrobrás é um fato histórico, sem ser novidade, pois foi uma confissão formal e irretratável. A companhia contabilizou suas "despesas" com corrupção em R$ 6 bilhões com a aplicação do porcentual de 3%, informação proveniente das delações no âmbito da Operação Lava Jato, sobre todos os contratos com as empresas citadas na investigação durante o período que vai de 2004 a 2012. O reconhecimento oficial da desonestidade, graças a um dispositivo da legislação americana, abre imensas possibilidades, e levanta múltiplas questões.

Os números para baixas contábeis são quase 10 vezes maiores que os da corrupção, e os de perda de valor da companhia talvez 30 ou 40 vezes maiores. Lembrando do professor Mario Henrique Simonsen e de sua lógica ferina, é fácil ver que teria saído muito mais barato para os acionistas ter pago apenas as propinas e não ter implementado o "novo modelo". Ou seja, a incompetência combinada à megalomania custou muito mais que a corrupção e levou a Petrobrás a um nível de endividamento imprudente, mais ou menos onde se encontra a União nesse momento, ambas sob o imperativo de "desalavancar".

A corrupção é a parte menor na conta, é verdade, mas vale lembrar aos que estão à espera de um Fiat Elba que o modelo está fora de linha, os tempos são outros, mas se trabalharmos com o Novo Fiat Uno, custando perto de R$ 35 mil, o balanço da Petrobrás indica que a corrupção oficialmente reconhecida equivale a 171.429 automóveis Fiat Uno. É mais de dois meses de produção à plena capacidade.


Dá pra acreditar? - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S. PAULO - 27/03

O que será do Brasil se o impeachment for aprovado? E o que será, se for rejeitado? As apostas se multiplicam, mas nenhuma com previsibilidade certeira e muito menos acompanhada de uma agenda econômica confiável e capaz de pôr fim à crise política. As que preveem o afastamento de Dilma Rousseff trazem alguma esperança quanto ao futuro, mas advertem que não será rápido nem fácil reverter os males que ela plantou e fincou raízes nos últimos cinco anos. E se Dilma ficar? Aí o futuro fica turvo, embaralhado, o pessimismo se espalha, a esperança se esvai. E a quem defende sua renúncia como um gesto de grandeza ela responde com um NÃO -definitivo e sem volta.

No limbo, desgovernado e zanzando sem rumo segue o País com sua economia cada dia mais despedaçada. Este ano o PIB vai recuar entre 3,5% e 4%, o 2º pior entre 188 países listados pelo Fundo Monetário Internacional. Sem dinheiro, o investimento público minguou, o estatal afundou com o maior prejuízo da história da Petrobrás e o privado sumiu com incertezas no futuro e descrença no governo. O desemprego dispara. Segundo o IBGE, em um ano a taxa de desemprego saltou de 6,8% para 9,5%, em janeiro. De toda a população em idade ativa, só 49,8% estavam empregados em fevereiro, mês em que 174 mil trabalhadores do comércio foram demitidos em seis regiões metropolitanas (imaginem nas regiões pobres do Norte e do Nordeste). Diariamente centenas de lojas, bares e pequenos comércios fecham as portas pois não conseguem vender, os donos ficam com dívidas; os empregados, sem emprego; as famílias, ao relento. Enquanto isso, em Brasília, governantes, deputados e senadores, com seus empregos e salários garantidos, batem boca, confrontam-se, ampliam a longa lista de investigados pela polícia, incitam o ódio que alcança as ruas.

Seja quem suceder à presidente, é indispensável fazer um inventário dos erros e estragos cometidos por ela nos últimos cinco anos e dar a eles desdobramentos com dois propósitos: nunca voltar a repeti-los e buscar meios de corrigi-los e superá-los para seguir em frente. Não foram poucos nem irrelevantes. Estes estragos se espalham na Petrobrás, nos fundos de pensão, nos bancos públicos, em programas sociais, nas renúncias fiscais, na escolha de empresas campeãs, nas licitações públicas incompetentes que geraram atraso e afastaram investimentos privados em projetos de infraestrutura. E o erro maior, que abriu um guarda-chuva protetor e acolhedor de todos os outros erros: permitir que a corrupção se espalhasse por todos os espaços onde circula dinheiro público, da construção de uma hidrelétrica a contratos bilionários de empreiteiras com a Petrobrás, passando por obras em estádios de futebol e muitos, muitos etc...

Nesses erros sempre há a mão grande e autoritária da presidente interferindo aqui e ali, ora assustando quem deseja (e desiste de) investir, ora distribuindo favores fiscais e de crédito para empresas escolhidas,deixando a maioria de fora e mandando a conta para os brasileiros pagarem. Mas não só. Há também a vocação desmedida e sem limites para gastar dinheiro público de forma ineficaz, atabalhoada e marqueteira numa profusão de programas sociais populistas que não se sustentam no tempo e acabam no limbo, descontinuados, suspensos ou extintos por falta de verbas, como vem acontecendo neste segundo mandato. Ou penalizam aqueles de resultado positivo, como o Bolsa Família, que não foi reajustado este ano, mesmo com a inflação encostando em 10%.

Resultado: a gastança multiplicou, o dinheiro acabou, a dívida pública aumentou tanto que o Brasil teve sua classificação rebaixada e paga juros altíssimos no crédito externo, a crise fiscal se agravou porque há três anos o PIB só desaba e leva junto a receita tributária. Para mascarar essa realidade, Dilma violou a Lei Fiscal com suas pedaladas que hoje dão base para o pedido de impeachment. E como ela reage? Piora a meta fiscal para 2016, projetando gastar mais e produzindo o terceiro déficit primário anual seguido, desta vez de R$ 96 bilhões. Dá para acreditar?


Pelé chegou tarde - SAMUEL PESSOA

FOLHA DE SP - 27/03

O governo de Dilma Rousseff se aproxima do final. O impedimento da presidente é o cenário básico de 9 entre 10 consultorias de política país afora. A conversa corrente entre os consultores políticos é que somente um fato novo extremo –por exemplo, suicídio do ex-presidente Lula ou mesmo um atentado ou algo do gênero– seria suficiente para estancar o processo político de impedimento da presidente.

A crise econômica resulta da sobreposição de duas dinâmicas: o péssimo desempenho da produtividade, que resulta dos efeitos defasados do desastrado intervencionismo da nova matriz econômica, em associação a uma crise fiscal aguda que redunda em desequilíbrio estrutural das contas públicas.

Ao longo de 12 anos, de 1999 até 2010, nosso desequilíbrio fiscal ficou escondido, pois nesse período a receita recorrente real da União cresceu a 6,8% ao ano, para um produto real que crescia a 3,4% ao ano.

De 2011 até 2014, a receita real recorrente da União passou a ter um comportamento normal: cresceu à mesma velocidade da atividade econômica. Quatro anos de vida normal da receita foram suficientes para tornar o superavit de 2% em 2010 em um deficit recorrente de 1,5% em 2014.

No primeiro mandato, a presidente decidiu não enfrentar a agenda fiscal estrutural. Empurrou com a barriga quatro anos. Para esconder os problemas fiscais, utilizou diversos artifícios: receitas não recorrentes, contabilidade criativa e, por fim, pedaladas fiscais.

Para ganhar as eleições, mentiu de A a Z. Aos seus eleitores e à sociedade. Empregou políticas que, ao custo de agravar ainda mais nossos desequilíbrios, sustentaram o emprego e a renda até a eleição. Adicionalmente, protagonizou, sob a liderança de João Santana, campanha agressiva e mentirosa demonizando os adversários. Muitas pontes foram queimadas.

O volume enorme de mentiras, a alteração abrupta do desempenho econômico, as pontes queimadas na campanha, agravadas pela incompetência política aguda nos primeiros cem dias do segundo mandato, minaram qualquer capacidade de governar da presidente. O Pelé do PT foi chamado tarde demais. Talvez, há seis meses, teria dado tempo.

Em maior ou menor grau, todos praticam estelionato eleitoral. Fernando Henrique Cardoso praticou em relação ao câmbio, mas não em relação ao ajuste fiscal. Na política, a quantidade importa.

É possível argumentar que as eleições presidenciais americanas são ainda mais violentas –é verdade. Mas as instituições políticas americanas são majoritárias, não requerem no dia seguinte da eleição o nível de consorciativismo requerido por nossas instituições.

Aqui é necessário entender a lógica do sistema e jogar segundo as regras: as formais e as informais. A presidente ganhou perdendo. É presidente, mas não governa.

Em vez da bela imagem de FHC passando a faixa a um candidato oposicionista, legando uma economia crescendo pouco mais de 2% e um superavit primário de 3% do PIB, teremos a presidente saindo pelas portas dos fundos do Palácio do Planalto, que será ocupado pelo seu vice, sabe-se lá até quando, e a economia na maior depressão dos últimos 120 anos.

O erro do PT foi jogar o jogo da política sem se preparar para o retorno à oposição. Pagar qualquer preço para se perpetuar no poder é, do ponto de vista do longo prazo de um partido, estratégia desastrosa. Persistir na estratégia de alongar esse governo somente aumentará os custos para o país e para o PT.

O tempo de Temer está acabando - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 27/03

Quanta paciência haverá com um governo de Michel Temer? Qual o risco de que atole na sarneyzação, incapaz de tomar medidas decisivas, limitado a administrar o desastre até a eleição de 2018?

Será um governo que tentará sair do pântano econômico enquanto forma coalizão capaz de aprovar "reformas" de imediato (se vier com desconversa, haverá sarneyzação).

Tal tentativa deve ocorrer no seguinte ambiente:

1) Líderes políticos ainda serão abatidos pela Justiça. Caso Temer não nomeie com cuidado, ministros podem cair, o que seria desastroso. Calar a Operação Lava Jato causará outras crises;

2) A campanha eleitoral pode tornar o Congresso mais avesso a mudanças impopulares;

3) É possível que "as ruas" antipetistas refluam; é provável que "as ruas" da esquerda ainda convulsionem o ambiente;

4) O Congresso será o mesmo que ajudou a dinamitar as contas públicas. No momento, não tem lideranças conscientes da crise fiscal e capazes de organizar as forças políticas, ora bandos livres de saqueadores legais ou ilegais de fundos públicos;

5) Entre essa gente, há expectativa de repetir o padrão de negócio político que chegou ao presente extremo de degradação. Lotear o governo entre oportunistas ineptos ou coisa pior não vai prestar;

6) Pode haver afobação liberalizante, exagero insensível e contraproducente na dose; há uma onda algo populista contra impostos, que podem ser necessários até para atenuar a crise social;

7) O Judiciário está falando demais, cada vez mais, fora dos autos, o que piora a confusão.

Ouve-se que a mera saída da presidente daria cabo do temor de malfeitos adicionais na economia. Daí a dizer que apenas a troca de guarda vai incentivar a retomada de investimento é especulação alegre. Outras consequências econômicas imediatas da queda de Dilma Rousseff devem ser tênues.

Não virá estímulo de gastos do governo. O fim dos choques de confiança causados por Dilma 2 deve ter efeito marginal no aumento do consumo das famílias.

Na oposição pensante, espera-se que Temer apresente um grande plano reformista liberal, de implementação e efeitos de médio a longo prazo, que, porém, incutiria confiança no futuro, destravando desde já os negócios. Pode ser que uma privatização agressiva ajude o investimento em 2017.

Que seja: isso leva tempo. Caso Temer assuma em maio e convença os donos do dinheiro de que vai agir para valer, as empresas que não estão avariadas começarão a pensar em mudar de ideia lá pelo último trimestre. De prático (investir), viria algo em 2017.

Ressalte-se o "empresas que não estão avariadas". Petrobras e empreiteiras chegaram perto da ruína, para ficar no óbvio. A crise e o dólar endividaram muita empresa boa. Os bancos avisam que vão sentir a onda de inadimplência a partir da segunda metade do ano; a Caixa está em situação difícil. De onde virá crédito?

O desemprego deve passar dos 9,5% de agora para 13% no fim do ano. A baixa da renda será inédita em quase década e meia. A dor social aumentará; pode ser intensificada com a frustração de ver que a troca de governo não promove logo melhorias.

Esse diagnóstico não é destino. Há curas possíveis. Mas o tempo de Michel Temer já está acabando.


Falsos dilemas - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 27/03

O drama do país é a criação de dois grupos que defendem ideias complementares, mas que estão postas como inimigas. Um defende avanço social. O outro, a estabilização. O primeiro crê que só houve progresso social em governos petistas. O outro, que só o PSDB sabe manter a inflação e as contas em ordem. Um acredita que conquistas sociais vêm antes do equilíbrio fiscal. O outro não vê vantagens de certos gastos.

Essa armadilha em que o debate entrou simplifica as várias complexidades do país. O Brasil não é simples, não cabe em reducionismos. É como se quem fizesse parte da ideia de que a economia deve permanecer estável e os gastos públicos sob controle tivesse que abandonar o sonho de viver num país com menos desigualdades, mais justo, com um processo virtuoso de inclusão de negros, pobres e mais poder para as mulheres. E tudo se passa como se um grupo político fosse o dono absoluto destas conquistas sociais e outro fosse o dono do processo que nos levou a derrotar a hiperinflação.

A briga pró e contra o impeachment aprisionou esses sonhos coletivos e a cada cidadão é dada a chance de fazer apenas uma escolha nesses dois conjuntos de virtudes. Quem acompanha a cena brasileira sabe que a vitória sobre a hiperinflação tornou possível a engenharia de políticas públicas eficazes no combate à pobreza, desigualdade e exclusão. Há continuidade.

As estatísticas mostram que a inclusão de negros na universidade começa a aumentar em 1998, e o processo ganhou força no governo do PT e com a ajuda das cotas. As ações afirmativas começaram a ser postas em prática na virada do século, mas ganharam mais intensidade no governo Lula. Apesar de todo o debate que houve na época sobre as cotas — no qual fiquei a favor dessa política — elas acabaram sendo aprovadas por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal. O apoio às cotas foi mais amplo do que se supõe vendo o maniqueísmo político-partidário de hoje.

As políticas de transferências de renda também começaram antes dos governos do PT e ganharam celeridade durante esses governos. Elas não poderiam acontecer sem a estabilização da economia, e seus efeitos são anulados, em parte, pela recessão, pelo desemprego e pela inflação que se vive atualmente. O Índice de Gini, que mede a desigualdade, começou a cair em 2001 e continuou em queda até que parou de cair e começou a subir nos últimos anos de crise econômica.

A crise surgiu do desprezo do atual governo pelos fundamentos deste círculo virtuoso, ao ser leniente no controle da inflação e expandir os gastos públicos de forma irresponsável. Criam-se então contradições. O governo que comandou parte fundamental dos avanços sociais está reduzindo a renda e o emprego por ter produzido a pior recessão da nossa história. Por outro lado, o partido que fez as reformas para controlar os gastos públicos e comandou a derrubada da hiperinflação defende projetos no Congresso que aumentam gastos e derrubam as reformas que fez. Estão os dois lados ofendendo suas próprias histórias, traindo seus legados.

A polarização política vai convencendo as pessoas que só existem dois lados. Se você é contra o governo tem que ser contra as políticas sociais e os inegáveis avanços dos últimos anos. Se você é a favor do governo tem que achar que inflação subindo e gastos escalando não têm importância alguma. Certas despesas do governo beneficiaram alguns grupos privilegiados. Parte da dívida pública foi feita para dar empréstimos subsidiados aos grandes grupos empresariais ou conceder benefícios fiscais. Agora que o cofre ficou vazio, os mesmos grupos são contra o governo. A Fiesp e CNI que estavam como mariposas circulando em torno da luz do governo, agora botam o bloco na rua. Ou o pato.

A grande luta agora é para o Brasil dar um novo avanço e combater a corrupção. É disso que se trata. Pode-se ser a favor da estabilização, dos avanços sociais, e apoiar o combate à corrupção que está ocorrendo no Brasil. A luta é contra a corrupção. Não se pode ficar no dilema de revogar conquistas passadas. O complexo e árduo momento atual está tirando pedaços da inteligência coletiva do país. Estamos ficando prisioneiros de falsos dilemas.

Como dois e dois são quatro - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 27/03

A delação premiada de Delcídio Amaral teve seu impacto atenuado pela condução coercitiva que obrigou Lula a depor na Operação Lava Jato e ocupou o noticiário.



A publicação pela revista "Isto É", naquela semana, assustou de tal modo a presidente Dilma Rousseff que ela convocou seus ministros e, numa espécie de pronunciamento solene, afirmou que tudo o que Delcídio dissera a seu respeito era mentira.

E sublinhou que ele o fizera para se vingar dela e de seu governo que não o apoiaram quando foi preso pela Operação Lava Jato.

Todo mundo esperava que ela armara aquele pronunciamento solene para solidarizar-se com Lula, mas não foi.

Sobre sua condução coercitiva, ela disse apenas algumas palavras; o resto de seu pronunciamento foi para desacreditar a delação de Delcídio.

Sim, porque o que ele afirmara a respeito dela a compromete seriamente mostrando-a, sem dúvida, implicada em várias trapaças na Petrobras.

Uma delas é a compra da refinaria de Pasadena, quando Dilma era presidente do Conselho da empresa.

Revelado o escândalo, ela afirmou que concordara com a compra da refinaria porque a informação submetida a sua apreciação omitia os dados que ocasionaram o prejuízo.

Delcídio, em sua delação, afirmou que Dilma sabia do esquema de superfaturamento que envolveu a compra da refinaria, o que, aliás, foi confirmado por Nestor Cerveró, gestor da compra. Essa trapaça causou à Petrobras um prejuízo de 792 milhões de dólares.

Nestor Cerveró que, antes de ser preso, garantia ter a compra da refinaria obedecido a critérios objetivos e honestos, mais tarde, em delação premiada, admitiu que a transação baseou-se em um resumo técnico falho, sem informações fundamentais.

Apesar dessa compra desastrosa, Dilma –segundo afirmou Delcídio– fez tudo para manter Cerveró na diretoria internacional de Petrobras, da qual foi demitido por pressão do PMDB.

Segundo Delcídio, Dilma lhe teria telefonado várias vezes a fim de que Cerveró fosse nomeado para a diretoria da BR Distribuidora, o que aconteceu.

Tudo isso indica que, ao contrário do que procurou mostrar, na qualidade de presidente do Conselho da Petrobras, Dilma fazia valer sua autoridade, mesmo porque, conforme todos sabiam, fora posta ali por decisão pessoal do então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Hoje, está claro que, quando chefe do governo, Lula mandava e desmandava na Petrobras. Ele não só aprovou a compra da refinaria de Pasadena, como também determinou a aquisição de outra refinaria, no Japão, transação igualmente desastrosa para a estatal.

Também, por decisão sua, a empresa assumiu o compromisso de montar refinarias no Maranhão, no Ceará e em Pernambuco.

As duas primeiras, que não saíram do papel, resultaram no entanto em prejuízo de mais de R$ 2 bilhões. Dessas refinarias, só uma foi construída, a de Pernambuco, com resultados igualmente lamentáveis.

Tudo isso nos leva a supor que a nomeação de Dilma Rousseff para o Conselho da Petrobras fez parte do projeto de Lula para ter nas mãos a grande empresa estatal.

A ser isso verdade, era inevitável que ela, como representante do presidente da República, não só estava par dessas compras, como opinava em nome de Lula.

Tal hipótese se justifica em face das delações feitas por Delcídio Amaral.

A gravidade dessas delações é tanto maior se se considera que Delcídio era o representante da presidente Dilma no Senado e, como todos sabiam, homem de confiança dela e de Lula.

Por isso mesmo, estava a par do que os dois pensavam, faziam ou o usavam para fazer.

Tentar agora apresentá-lo como alguém que não merece qualquer credibilidade, não convence ninguém.

Ou devemos crer que eles escolheram um mau caráter para representá-los no Senado da República?

Em tempo: lamentável o modo chulo como Lula se referiu às mulheres filiadas a seu partido. E pensar que ele foi presidente da República do Brasil e acaba de ser nomeado superministro!

Material para autocrítica - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/03

O PT teve dois traços positivos bem marcantes. Em seus primeiros anos, ele era o partido que participava de todas as denúncias de escândalos e que não estava envolvido em nenhuma. Numa fase posterior, já no poder, destacou-se como uma legenda que dava a devida atenção à questão social.

Isso ficou no passado. Depois do mensalão e do petrolão, o PT já não ousa brandir a aura de incorruptível. Ao contrário, hoje procura defender-se das acusações que lhe são imputadas dizendo que não fez nada que outros partidos não tenham feito. O próprio Lula, símbolo-mor da sigla, enfrenta dificuldades para explicar o que seria seu patrimônio pessoal.

No que diz respeito à sensibilidade social, a questão é menos caricata, mas, talvez, mais complicada. Durante os dois mandatos de Lula, a situação dos mais pobres melhorou bastante, com o país registrando avanços tanto nos rendimentos per capita como na redução da desigualdade. É preciso, porém, frisar que isso ocorreu num momento em que os ventos da economia internacional favoreciam bastante o Brasil, permitindo a Lula distribuir agrados para todos os setores da sociedade, pobres, classe média, ricos e trilhardários –daí os mais de 80% de popularidade que ele atingiu.

Hoje a situação é bem diferente. A alta nas commodities que beneficiava países em desenvolvimento foi revertida. Só isso já seria ruim, mas o quadro foi muito agravado pelos graves erros cometidos pelo governo Dilma na condução da política econômica. O resultado, que vivemos na pele, é o que provavelmente será a pior recessão da história do país, na qual boa parte dos ganhos sociais obtidos sob Lula serão anulados. Talvez o PT consiga manter a imagem de sigla preocupada com a questão social, mas agora com o contrapeso de ter sido incompetente na gestão da coisa pública. É bastante material para a autocrítica que o partido terá de fazer nos próximos anos.


Na bacia das almas - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 27/03

Pouca gente notou, mas o país está sem ministro do Esporte. O cargo era ocupado por George Hilton, deputado do PRB e pastor da Universal. Como o partido e a igreja romperam com o governo, o ministro foi despejado. Em seu lugar entrou um interino, que também não deve ficar muito tempo por lá.

A nomeação de Hilton tem lugar garantido na lista de erros mais desastrosos do governo Dilma –o que já pode ser considerado o primeiro milagre do pastor. No discurso de posse, ele declarou que podia não entender de esporte, mas entendia de gente. Virou piada nacional antes de estrear no "Diário Oficial".

A gestão do ministro foi o vexame que se esperava. A bolsa de auxílio aos atletas atrasou. Os centros de treinamento não ficaram prontos. A Universal aparelhou a pasta, ocupando dezenas de cargos federais com bispos, pastores e obreiros.

Na semana passada, Hilton foi avisado de que seria demitido. Não por seu mau desempenho, mas como represália ao PRB, que passou a apoiar o impeachment. Para tentar sobreviver, o ministro se filiou ao Pros. Não funcionou. O Planalto preferiu deixar o posto vago, à espera de uma barganha mais promissora.

O caso do pastor ajuda a ilustrar o fracasso da articulação política do governo. Depois de se reeleger, Dilma escalou um dos piores ministérios da história. A ideia era sacrificar a gestão em troca de apoio no Congresso. O único resultado foi elevar o preço da chantagem parlamentar.

Às vésperas da votação do impeachment, o Planalto dobrou a aposta no fisiologismo. Acaba de entregar a Fundação Nacional de Saúde ao PTN, uma legenda nanica de políticos desconhecidos. Se eles fizerem o que se espera, vamos sentir saudade do escândalo dos sanguessugas.

Para quem negocia a saúde na bacia das almas, a pasta do Esporte poderia parecer um detalhe. Não é. O Brasil está prestes a sediar sua primeira Olimpíada. Com ou sem ministro, ela começa daqui a quatro meses.


Impeachment, celeridade, salvação - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 27/03

Vivemos severa crise econômica e progressivo desemprego. O governo Dilma, ao segurar os preços dos combustíveis e da energia e esticar o crédito, aumentou artificialmente o consumo acima da capacidade de pagamento das famílias. Para empurrar o PAC, endividou o Tesouro - estamos a beirar uma dívida pública de 80% do PIB se nada for feito - pondo em risco nossas reservas, justamente quando assistimos ao início de fuga anunciada de capitais do país, por causa da persistente crise política. Se houver impeachment, rapidamente as coisas se resolvem pela reversão das expectativas dos agentes econômicos. Em caso contrário, afundaremos no abismo sem fundo do caos (desinvestimento, desemprego, depressão e inflação).

É por essa ótica que as empresas e seus responsáveis enxergam a situação. O impeachment, por estar previsto na Constituição, é para ser usado quando necessário; portanto, não é golpe político, à margem da lei. Incompreensível enxergar racionalidade no PT ao chamá-lo de golpe constitucional. Das duas, uma: ou são mentes confusas, ou agem, deliberadamente, de má-fé.

Dilma se diz grampeada, quanto até o porteiro do palácio sabe que o grampo era nos telefones de Lula. Má-fé? Quem falasse com ele ficava marcado na escuta judicialmente determinada. Pela escuta, soube-se que a presidente, antes de dar posse e exercício a Lula, sem o quê ninguém se torna ministro, mandou o sr. Messias entregar-lhe termo de posse assinado por ela, "caso fosse necessário", para livrá-lo da prisão. E lá vem ela, para se desculpar, dizer que o documento não tinha a sua assinatura. Sem ela, nada valeria. Com isso cometeu o crime de prevaricação e atentou contra a probidade administrativa, que o art. 85 da Constituição diz constituir crime de responsabilidade. Agiu para proteger terceiros da prisão usando o cargo.

Lula se diz do povo, mas seus amigos malfeitores são apenas de dois estamentos: os companheiros do sindicato e os maiores e mais ricos empresários de engenharia do país. Juntaram-se, empreiteiros e os sindicalistas, para saquearem as estatais, principalmente a Petrobras e as obras do PAC, refinarias e usinas hidroelétricas, em prejuízo do povo, acorrentado como animal faminto às migalhas do Bolsa Família e aos financiamentos à sonhada casa própria, às custas do Tesouro e do FGTS.

Esse é um governo honesto? É um governo socialista? É um governo eficaz? Como podem os intelectuais de esquerda ser tão crédulos, a ponto de tentar tampar o sol com peneira? Não se dão conta que pactuam com a corrupção, a roubalheira, a podridão moral? Acham que as delações são falsas? A Operação Lava-Jato recuperou milhões dos dólares furtados dos cofres públicos. São notas falsas ou provas inequívocas do esquema criminoso dos governos do PT? Acusam o impoluto juiz Moro de prender preventivamente - por razões jurídicas - senão os tribunais não as manteriam, com o fito de forçar os réus a confessarem seus crimes impatrióticos. Dizem que direitos humanos estão sendo violados. Não fossem as delações, jamais saberíamos das tenebrosas transações do PT e das empreiteiras. Nossos direitos é o que vale.

Lula jamais foi socialista, tampouco democrata; não passa de sindicalista esperto desde São Bernardo, um aproveitador de mentes viciadas na esquerda, por causa da luta comum contra a ditadura. Seu lugar na história é ao lado dos grandes demagogos e merece - apurados os fatos - pagar seus crimes na cadeia se os tiver praticado.

O panorama da intelectualidade brasileira de esquerda, mormente nas universidades, nas áreas de humanas e sociais, é de assustadora pobreza. Não se dão conta de que o mundo de amanhã já superou, faz mais de 40 anos, a dicotômica divisão esquerda versus direita. Ela não existe mais. O futuro está a exigir ética no governo, nos negócios e um Estado regulador. Todos os países têm técnicas anticorrupção e existem redes de tratados internacionais sobre o assunto. O Brasil passa ao largo desse debate, como Burkina Faso e a Guiné equatorial. A crise da representatividade política e o estanque da crescente desigualdade econômico-social que frequentam os debates nas democracias europeias não se fazem presentes em nosso país, por causa do baixo nível de sua intelectualidade universitária (sociologia, ciência política e antropologia).

As classes abastadas e média do Brasil procuram cada vez mais se fixar nos EUA e Portugal, como que atestando a desilusão com o país, sem solução. A emigração tem vários motivos. Outrora, irlandês, galegos e italianos emigravam, fugindo da fome. Ingleses e alemães das perseguições religiosas. Libaneses em busca de oportunidades. Hoje, sírios, iraquianos e afegãos, pela destruição dos seus países. Argentinos, venezuelanos e, agora, brasileiros, se vão por não mais acreditarem em seus países, suprema vergonha, dolorosa desilusão. E dizer que nada disso precisava acontecer.


Vai ter debandada - DORA KRAMER

ESTADÃO - 27/03

Sejamos fiéis ao fato: o PMDB desembarcou do governo Dilma Rousseff faz tempo. Desde quando o presidente do partido, Michel Temer, conseguiu aprovar a fórceps e, em boa medida em causa própria, a renovação da aliança pela reeleição enquanto parte significativa da legenda propunha a ruptura. Isso há dois anos.

Portanto, a reunião do Diretório Nacional marcada para terça-feira tem como pauta exatamente a tomada de uma decisão. Trata-se antes de avalizar uma constatação. A de que o PMDB prefere um lugar no bote salva-vidas da oposição a um gabinete de luxo no Titanic comandado por Dilma e conduzido por Luiz Inácio da Silva. A analogia com o naufrágio é de autoria do senador Romero Jucá, que foi líder do governo no primeiro mandato da presidente e, em 2014, cabo eleitoral do candidato oposicionista em 2014, Aécio Neves.

De lá para cá o distanciamento só fez se aprofundar, consolidando um cenário desenhado ao longo do primeiro mandato da sucessora de Lula. Por diversas vezes o PMDB externou sua insatisfação, cuja culminância foi uma carta do vice Michel Temer dirigida à presidente, objeto de uma ofensiva de desqualificação por parte do PT.

No lugar de levar em conta que Temer era presidente do maior partido de sustentação e representava a voz da maioria, o Planalto preferiu encarar a manifestação com desdém e apostar que o fisiologismo prevaleceria ao sentido de sobrevivência do das experientes lideranças. Errou. Ainda que na terça-feira não se dê a ruptura oficial e o partido construa uma solução formalmente intermediária, não há volta: o PMDB está fora e com isso terá início a debandada.

Alerta ignorado. Há mais de um ano, a presidente Dilma Rousseff foi alertada pelo senador Delcídio Amaral sobre os riscos e consequências da Operação Lava Jato para o governo. Ele antecipou, passo a passo, o que a partir de então acabou acontecendo e sugeriu que Dilma tomasse precauções.

Além dos dois, estava no gabinete o então ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que logo em seguida, quando o senador saiu da sala, tratou de convencer Dilma do contrário. “Meu erro foi ter falado na frente dele”, diz Delcídio, que soube depois o seguinte: Mercadante argumentou que ela não deveria articular qualquer composição, pois acusações e punições recairiam exclusivamente sobre os políticos e Dilma sairia não só ilesa, como a heroína da história por ter se mantido distante deles, em cujas mãos está seu destino.

Querer e poder. A julgar pela nota do Ministério Público, não basta que a Odebrecht se ofereça para colaborar com as investigações para que a empresa e seus dirigentes sejam premiados com a redução de penalidades. É preciso que tenha, no entender dos procuradores, dados novos e fundamentais para o esclarecimento da materialidade e da autoria dos crimes em processo de apuração.

Marcos Valério, o operador do mensalão, tentou entrar em acordo com a promotoria em 2012 quando o caso já estava em julgamento no Supremo Tribunal Federal e ele percebeu que não poderia contar com a prometida proteção “de cima”. Na ocasião, tanto o MP quanto o Supremo recusaram a proposta porque, ao juízo deles, Valério nada teria a acrescentar que pudesse mudar o rumo da ação penal.

Resultado, Marcos Valério pegou 37 anos de prisão. Denunciado pelo senador Delcídio Amaral como receptor de suborno para silenciar sobre possível envolvimento direto de Lula, pode ainda estar sujeito a receber nova condenação. A menos que agora queira (e consiga) dar informações que justifiquem obtenção de benefício.

Brasil na mira - NATUZA NERY - COLUNA PAINEL

Folha de São Paulo - 27/03

A força-tarefa constituída na Suíça para tocar as investigações sobre a corrupção na Petrobras foi estruturada nos moldes da que desbaratou o esquema de corrupção na Fifa e é tratada como prioridade no momento, dizem as autoridades do país europeu. Os procuradores suíços esperam que o caso enfatize a estratégia de combate a crimes econômicos e financeiros — bandeira eleita como marca da atual gestão do Ministério Público do país.


Vá comemorando 

Um petista graúdo projeta um cenário turbulento num eventual governo Michel Temer em relação aos protestos.

De um lado só 
Para ele, os grupos que hoje defendem a petista continuarão nas ruas contra Temer, mas os que querem o impeachment não sairão para apoiá-lo.

Virei pessimildo? 
Durante um jantar na semana passada, um dos maiores defensores do governo na Câmara disse que não passam de 20 os votos pró-Dilma na comissão do impeachment.

Fora de foco 
No meio da crise, um ministro parou para assistir, pela TV, ao encontro de Barack Obama e Raúl Castro. “A gente tem de arrumar alguma alegria em alguma coisa”, disse o petista.

In Lula, we trust 
O desânimo não é absoluto. No Planalto, há quem aposte no encontro de Lula com Michel Temer para que haja uma decisão menos contundente do PMDB na reunião de terça.

Como nuvem 
“Nada é definitivo, menos ainda quando se trata de PMDB”, lembra um influente ministro.

Meio cheio 
Para aliados de Eduardo Cunha, se o Supremo negar seu afastamento, o deputado ganha um “salvo conduto” para que o Conselho de Ética não casse seu mandato.

Meio vazio 
Já uma decisão de Sergio Moro contra sua mulher ou sua filha antes da votação pode criar o efeito contrário e agravar o cenário.

Vem todo mundo 
Fernando Francischini (SD-PR) mantém guardado um requerimento para convocar, de uma vez, Lula e FHC à comissão do impeachment. Diz que vai fazer pressão para colocá-lo em pauta caso Dilma insista na tese de que as pedaladas eram prática também dos governos anteriores.

Mal-estar 
A delação de Pedro Corrêa ampliou a contrariedade com o ministro Augusto Nardes entre colegas do TCU. Alguns avaliaram que as denúncias contra ele são “consistentes”.

Fique aí 
Ex-mulher de Valdemar Costa Neto, Maria Christina Mendes Caldeira pediu ao STF que não concedesse a extinção da pena do ex-deputado, condenado no mensalão. Diz que há inquéritos em curso contra ele em delegacias da mulher por ameaças de morte.

É isso mesmo? 
Rodrigo Janot pediu informações à Justiça em São Paulo sobre o ex-dirigente do PR.

De fininho 
Com o excesso de atividades da Polícia Federal no Golden Tulip, hotel próximo ao Palácio da Alvorada, em Brasília, parlamentares que alugavam flats por lá estão de mudança. Outros já buscam outros lugares para ficar.

Nuvens negras 
O corte nos contratos de sondas planejado pela Petrobras deve complicar ainda mais a vida da endividada Odebrecht.

Tempestade 
Executivos da estatal avaliam que dificilmente a Odebrecht Óleo e Gás ficará fora da lista das afetadas. A companhia, que já teve um aluguel rescindido, tenta há meses fechar um acordo com credores, sem sucesso.

Vai ter fim? 
Acionistas da Sete Brasil se reunirão nesta segunda mais uma vez. O BB, que assumiu as negociações com a Petrobras, promete apresentar nova proposta para tentar salvar a companhia.

TIROTEIOO governo que surge do impeachment é uma responsabilidade de todos os que votaram a favor. Ninguém pode se furtar a participar.

DO DEPUTADO ROBERTO FREIRE (PPS-SP), presidente nacional da sigla, sobre a participação dos partidos de oposição em um eventual governo Michel Temer.

CONTRAPONTO

Que fase
Aproveitando a sequência de desdobramentos negativos para Dilma Rousseff e o aprofundamento da crise, o pedetista Zezé Perrella (MG) discursava no Senado disparando fortes críticas ao governo federal.
O tucano Cássio Cunha Lima (PB) — ele também acostumado a alvejar o Planalto da tribuna — olhou para a petista Gleisi Hoffmann (PR), que se senta ao seu lado no plenário, esperando uma reação.
A senadora, que mantém uma relação cordial com o vizinho de mesa, desabafou:
— Veja a que ponto chegamos, senador Cássio. Estamos apanhando até do Zezé Perrella…

Temer é solução porque evita a eleição - ELIO GASPARI

O GLOBO - 27/03

A Odebrecht enriqueceu o idioma politico nacional quando um de seus cleptotécnicos chamou de "Setor de Operações Estruturadas" seu departamento de pixulecos. As planilhas onde a empresa listou 316 maganos que amamentava apressaram a montagem de outro setor de operações estruturadas, poderoso e multipartidário.

Seu objetivo principal é obter a ascensão de Michel Temer à Presidência. Vale ressaltar que na planilha da Odebrecht estão os nomes de todos os marqueses dos grandes partidos, menos o dele.

Temer é um estuário de esperanças. Junta os cidadãos que detestam o PT, os eleitores que passaram a detestar a doutora Dilma, os empresários atônitos com a paralisia do Estado e sobretudo os políticos e fornecedores do governo, aterrorizados com a atividade do Ministério Público.

Temer é acima de tudo conveniente. Vota-se o impedimento da doutora, ele assume, reduz a tensão, forma um ministério de celebridades, consegue uma trégua (sobretudo na imprensa), leva para o governo gente que perdeu a eleição e impõe seu estilo tolerante, tranquilizando os comissários depostos. Se for possível, ajuda a preservar a vida pública de seus correligionários que temem a chegada dos rapazes da Federal. Essas seriam as esperanças.

Outra coisa é aquilo que o caminho do impedimento garante. Se não houver a deposição da doutora, haverá o risco da cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, que levaria à convocação de uma eleição presidencial imediata e direta. Isso não interessa à oligarquia ferida pela Lava Jato nem ao andar de cima da vida nacional. Não interessa porque não tem candidato à mão e porque a banda oposicionista que está encalacrada na Lava Jato sabe que deve evitar a avenida Paulista e o julgamento popular.

Temer convém por muitos motivos, sobretudo porque evita a eleição. A serviço dessa circunstância move-se o setor de operações estruturadas. Ele não funciona como o da Odebrecht. Não tem sede, comando nem agenda detalhada. Toca de ouvido e conversa em silêncio. Quando foi necessário, aprendeu a conviver com o PT, dando-lhe conforto. Ele só não consegue conviver com a Lava Jato.

Ninguém quer rogar praga contra um eventual governo Temer, mas que tal um advogado de empreiteiras no círculo dos marqueses do Planalto ou mesmo no Ministério da Justiça?

ODEBRECHT

Em outubro de 2014, quando o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa contou suas traficâncias ao Ministério Público, Marcelo Odebrecht assinou uma "nota de esclarecimento" na qual queixou-se de "alguns veículos" da imprensa por tratarem como verdadeira a "denúncia vazia de um criminoso confesso que é 'premiado' por denunciar a major quantidade possível de empresas e pessoas".

Uma verdadeira aula.

Na semana passada a Odebrecht anunciou sua disposição de prestar "colaboração definitiva com as investigações da Operação Lava Jato." Quem souber o que vem a ser "colaboração definitiva" ganha um fim de semana em Angra, com direito a tornozeleira.

Continuando em seu tom professoral de 2014 a empresa diz que a Lava Jato revelou "a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral do país".

Tudo bem, antes da Lava Jato os doutores não sabiam de nada. Nem depois, visto que em novembro passado, com Marcelo na cadeia, continuavam aspergindo capilés.

O Ministério Público informa que não há negociação em andamento para se obter a colaboração definitiva ou provisória da Odebrecht.

RECORDAR É VIVER

Diante da planilha do "Setor de Operações Estruturadas" da Odebrecht é bom lembrar que em 1995 caiu no colo do tucanato a "Pasta Rosa", com a contabilidade político-eleitoral da Federação Brasileira dos Bancos. Ela era muito mais rica e mais bem documentada do que a papelada da Odebrecht.

O tucanato sentou gloriosamente em cima da pasta, passaram-se 20 anos e continua fingindo que não houve nada.

EXAGEROS

A doutora Dilma diz que o juiz Sérgio Moro colocou "em risco a soberania nacional" ao divulgar telefonemas em que ela estava na outra ponta da linha.

Falso como depoimento de comissário. A conversa da doutora com Lula não tratou de assunto relacionado com a soberania do país. Também não envolveu qualquer recurso criptográfico. Se Moro tivesse divulgado um trecho de telegrama secreto, esticando-se a corda, o argumento da soberania poderia ter algum valor.

Quem grampeou a soberania do Brasil foi o companheiro Obama, mas essa é outra história.

Já o juiz Moro diz que os grampos divulgados por ele defendiam o interesse público. Algum dia o doutor poderá explicar que interesse público havia na divulgação do telefonema 80829474, de 9 de março.

Nele Lula e sua filha Lurian combinam que tomarão café da manhã juntos no dia seguinte. Nada mais. Dessa rápida conversa resulta apenas uma curiosidade, a senhora chama Lula de "gato".

DILMA E TALLEYRAND

Coxo, Talleyrand caminhava com um aparelho ortopédico. Seduziu tout Paris, encantando a alma de mulheres e o bolso dos homens. (Ele seria o pai do pintor Delacroix.)

Atribui-se a Talleyrand uma frase que teria sido útil para os comissários que acabaram presos por causa dos pixulecos.

Um sujeito lhe disse:

"Dou-lhe vinte mil francos e não conto a ninguém".
Ele respondeu:

"Dê-me quarenta mil e conte a quem quiser".

O NÚMERO MÁGICO É 342 E NÃO 171

A ideia de que o governo precisa de 171 votos para barrar o impedimento da doutora Dilma é verdadeira, mas incompleta. Ela é repetida com frequência, inclusive aqui.

O processo de impeachment requer dois terços dos votos da Câmara (342) para ir em frente. O número mágico é esse.

O governo não precisa de 171 votos a favor de Dilma. Essa condição seria suficiente, mas não é necessária. O que ele precisa é que a maioria favorável ao impedimento não chegue a 342.

Isso pode ser conseguido com votos contra a iniciativa (na qual o deputado se expõe), pela abstenção e sobretudo pela simples ausência. Assim, se 152 deputados ficarem a favor da doutora (19 abaixo dos 171 do terço), mas 19 outros não aparecerem na hora da votação, o pedido de impeachment vai ao arquivo.

Foi isso que aconteceu em 1984 com a emenda que restabelecia as eleições diretas. Ela precisava do voto de 320 deputados. Quem decidiu a parada foram as ausências (113). Contra, votaram apenas 65 deputados. Com 298 votos, a emenda morreu. Na hora de a onça beber água o governo pressionava deputados pedindo-lhes que não comparecessem.

No caso do impedimento de Collor, quando rompeu-se o dique de proteção ao governo eram necessários 336 votos e 441 deputados decidiram afastá-lo.

Os anti-intelectuais - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 27/03

Mesmo diante das volumosas evidências de que o lulopetismo é autoritário por natureza, mesmo que abundem provas de que o chefão Luiz Inácio Lula da Silva e seus seguidores tramam à luz do dia contra as instituições republicanas, mesmo que seja clara a ânsia da tigrada de calar a imprensa livre e favorecer o jornalismo companheiro a serviço do pensamento único, ainda assim há intelectuais – ao menos é assim que eles se identificam – que se dispõem a defender, em nome de um suposto espírito democrático, um governo e um partido cada vez mais identificados com tudo aquilo que ofende a democracia e os padrões morais de uma sociedade civilizada.

Pululam manifestos assinados por esses assim chamados pensadores, acompanhados de artistas e outros profissionais cujo trabalho depende da mais ampla liberdade de expressão e opinião, todos devotados à denúncia do que qualificam de “golpe” contra a presidente Dilma Rousseff e contra o “governo popular” do PT.

Um dos mais recentes produtos desse ponto de vista é um tal Manifesto do Livro, em que mais de mil intelectuais, escritores, editores e profissionais ligados ao setor livreiro dizem que estão “ameaçadas” as “normas constitucionais vigentes”.

Eles não se referem à escandalosa transformação do Estado em balcão de negócios criminosos, que, ao beneficiar partidos, políticos e empresários amigos de Lula e da presidente, dilapidou o patrimônio de todos os brasileiros, a começar pelos mais pobres. Tampouco se preocupam com o aviltamento da política promovido pelo partido de Dilma e de Lula, com a conversão do Congresso em armazém de secos e molhados. Os signatários do manifesto também não fazem menção aos ataques que Lula e Dilma estão desferindo, dia e noite, contra o Judiciário e a imprensa livre e independente, a quem acusam de tramar o tal “golpe”.

Nada disso aparece no libelo desses, digamos assim, pensadores. No texto, eles preferem denunciar o “abuso de poder”, a “violação dos direitos” e o “desrespeito sistemático” do Estado de Direito por parte de “setores do Poder Judiciário” – uma clara referência às autoridades policiais e judiciais que fazem avançar a Operação Lava Jato até Dilma e Lula. Para os signatários, as conquistas democráticas, diante disso, estão “ameaçadas” – e seguem-se as já banalizadas referências à ditadura militar.

Esse manifesto respeita o padrão dos tantos outros que apareceram desde que surgiram as evidências de que Dilma havia cometido crime de responsabilidade ao “pedalar” as contas públicas, o que justifica seu impeachment, e de que Lula é o chefe do bando que tomou o Estado de assalto assim que o PT chegou ao poder. Primeiro, eles negam a realidade, atribuindo a divulgação dos escabrosos fatos a um complô da “direita” mancomunada com juízes “partidários” e uma imprensa “golpista”. Depois, exumam a ditadura militar para usá-la como epíteto do movimento que pretende expulsar do poder aqueles que, estes sim, conspurcam a Constituição e escarnecem da Justiça.

A adesão de intelectuais à verdade emanada do partido no poder, como mostram diversos exemplos na história, é o primeiro passo para legitimar a destruição da democracia. Quando vozes de destaque na sociedade disseminam a tese de que são “golpistas” aqueles que fazem respeitar a lei e que trabalham para que os governantes delinquentes paguem pelos crimes que cometeram, é sinal de que a confusão moral está instalada no País. Quando esses autoproclamados “pensadores” hostilizam todos aqueles que se recusam a renunciar à razão em favor da fé estatal e partidária, atribuindo-lhes planos maquiavélicos para a tomada do poder, negam a liberdade que tanto dizem defender.

Assim, para os intelectuais que venderam sua alma ao lulopetismo – alguns porque venderam também algo mais, outros porque acreditam mesmo na balela segundo a qual Lula salvou os pobres e, portanto, está acima da lei dos homens –, a defesa da democracia, que é de todos, se reduz à mera defesa do PT, de seu projeto autoritário e de seu caudilho fanfarrão.


Narrativa ridícula - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/03

A tal "narrativa" que os que ainda apoiam o governo de Dilma Rousseff tentam estabelecer como verdade, de que o impeachment a ser votado no Congresso é um golpe judicial, sem tanques nas ruas, não tem encontrado muita receptividade fora do próprio círculo dos convertidos que, por interesses pessoais ou para não dar o braço a torcer no plano ideológico, continuam insistindo em que o PT representa uma solução para os mais pobres, e por isso deve-se fechar os olhos para os "malfeitos"

O artificialismo com que foi criada a rede de proteção social do petismo está sendo demonstrado pela triste realidade, consequência de uma política econômica desastrosa, e o que parecia ser uma solução milagrosa para reduzir a desigualdade não passava de um conjunto de ações populistas que não mudaram estruturalmente as condições do país, apenas mascararam nossa tragédia social.

O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, foi o terceiro ministro em seguida a desmistificar a tese de que o impeachment é um golpe contra a presidente Dilma. Antes dele, os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia já haviam se manifestado na mesma direção.

"O impeachment, numa situação dessa, é um instrumento legítimo, pelo qual se objetiva viabilizar a responsabilização política de qualquer presidente da República. Não importa quem seja, não importa qual o partido político a que essa pessoa seja filiada" afirmou Celso de Mello, que, perguntado, disse que o juiz Sérgio Moro vem trabalhando corretamente e que a Lava-Jato tem por objetivo "expurgar a corrupção que tomou conta do governo e de grandes grupos empresariais"

Também o ex-ministro do STF Eros Grau assinou uma carta para ser juntada à manifestação de advogados e juristas favoráveis ao impeachment de Dilma, em que afirma que "quem não é criminoso enfrenta com dignidade o devido processo legal". "(...) O delinquente faz de tudo procurando escapar do julgamento. Apenas o delinquente esbraveja, grita" "(...) A simples adoção desse comportamento evidencia delinquência"

Parece não estar surtindo efeito, da mesma maneira, a ideia do golpe nos mecanismos regionais, apesar da tentativa de levar o Mercosul e a Unasul a fazerem pronunciamentos contra um suposto golpe de Estado.

Apenas os bolivarianos Maduro, da Venezuela, Morales, da Bolívia, e Corrêa, do Equador, entraram nessa campanha.

Ontem, o "Washington Post" fez um editorial pedindo a renúncia de Dilma, afirmando que ela está levando o Brasil ao precipício. O "The New York Times" já havia dito, também em editorial, que a explicação sobre o convite para que o ex-presidente Lula integrasse o seu Ministério havia sido "ridícula" e que a intenção era mesmo proteger o ex-presidente de uma condenação em instâncias inferiores da Justiça brasileira.

Com a mesma interpretação, só que com rigor maior na análise, a revista britânica "The Economist" pediu a renúncia da presidente brasileira, afirmando que o convite a Lula denunciava uma clara obstrução da Justiça.

Na falta de melhores argumentos, jornalistas chapas-brancas, muitos deles sustentados por verbas publicitárias governamentais, apelam para a desgastada teoria da conspiração internacional contra nossas riquezas naturais.

Nessa versão fantasiosamente ridícula, o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, por terem estudados em universidades dos Estados Unidos, seriam instrumentos da CIA para a derrubada do governo popular e a entrega do pré-sal à sanha das grandes empresas petrolíferas internacionais. Sem se preocuparem, sequer, com a destruição da Petrobras para alimentar bolsos particulares e projetos de poder político, que, essa sim, poderia bem ser atribuída a uma traição nacional.

Trata-se, convenhamos, de uma narrativa tão antiquada quanto ridícula, que só mesmo de má-fé, ou por ignorância, é possível aceitar.


O golpe de Dilma contra o próprio governo - ROLF KUNTZ

O Estado de S. Paulo - 27/03

Se escapar do impeachment e das investigações da Polícia Federal, a presidente Dilma Rousseff terá perdido até o fim do ano 50% do segundo mandato, atolada nos problemas criados por ela mesma numa longa história de incompetência e de irresponsabilidade. A perspectiva de mais um ano de recessão e de frustração de receitas levou o governo a rever, mais uma vez, os planos para o Orçamento federal. A ambição, agora, é qualquer resultado entre um ridículo superávit de R$ 2,8 bilhões e um déficit de R$ 96,65 bilhões nas contas primárias, sem considerar, portanto, os juros da dívida. O novo cenário apresentado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento inclui um produto interno bruto (PIB) 3,05% menor que o do ano anterior e uma inflação de 7,44%.

Outro governo talvez pudesse usar o mau estado da economia como desculpa, mesmo precária, para as dificuldades fiscais. Política e moralmente essa manobra está vedada ao grupo instalado no poder central. Se os negócios vão mal, a produção diminui, o desemprego aumenta e a receita tributária encolhe, ninguém pode atribuir a desgraça a uma crise global nem apontar a fatalidade de um fenômeno cíclico.

A maior parte do mundo cresce, embora de maneira desigual, e nenhuma outra economia exibe uma combinação semelhante de recessão, inflação e crise fiscal. No caso da crise brasileira, a culpa é mesmo de uma administração com um currículo quase inacreditável de erros e desmandos.

Barbaridades foram cometidas tanto na gestão orçamentária quanto no apoio fiscal e financeiro a grupos e setores e na política oficial de investimentos. As impressões do governo são visíveis tanto no desarranjo de suas contas quanto na paralisia dos negócios.

Mesmo sem a pilhagem da Petrobrás e de outras áreas do setor público, os danos às finanças federais e ao sistema produtivo teriam sido enormes. Não se chega por acidente, nas contas do governo geral, a um déficit nominal superior a 9% do PIB, mais que o triplo do limite aceito na União Europeia. Mas seria um erro tratar do saque da Petrobrás como um problema à parte. O assalto à empresa, tanto quanto seu prejuízo de R$ 34,83 bilhões em 2015, está associado a um estilo de governo e de ocupação do Estado.

Não há como separar, quando se trata de entender o drama brasileiro, o desastre fiscal, os erros da política de crescimento e a devastação da maior estatal do País. Até a transformação da Petrobrás em instrumento de política industrial – um brutal erro administrativo – abriu espaço a desmandos e a perdas bilionárias.

O mau começo de 2016 e a perspectiva de mais um ano muito ruim são desdobramentos de uma história iniciada antes do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Não há grande surpresa no quadro econômico. O desemprego de 9,5% da força de trabalho, no trimestre de novembro a janeiro, é consequência dos erros cometidos entre 2011 e 2014 e agravados em 2015. A desocupação incluiu nesse período 9,62 milhões de pessoas, segundo a Pnad, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o mais amplo levantamento das condições do emprego.

A mais nova informação do IBGE, relativa apenas às seis maiores áreas metropolitanas, aponta uma piora do cenário em fevereiro, quando a desocupação nesse universo mais limitado passou de 7,6% para 8,2%. A mesma tendência deve ter sido observada na área coberta pela Pnad, a julgar pela evolução de outros indicadores.

O governo já incorporou ao cenário oficial a perspectiva de mais um ano ruim. Reduziu a expectativa de arrecadação e ao mesmo tempo decidiu rebaixar mais uma vez a meta fiscal. Só um otimismo incomum poderia levar alguém a prever para 2016 um saldo orçamentário positivo ou mesmo equilibrado. Tudo aponta, por enquanto, mais um ano com déficit primário e com maior endividamento. Economistas do mercado já previam em fevereiro um resultado fiscal bem pior que o admitido pelo governo. Naquele momento, a mediana das projeções já correspondia a um déficit primário de R$ 79,47 bilhões. Com a nova revisão de seus planos, o governo ampliou o limite para R$ 96,65 bilhões.

Mas o balanço final poderá ser pior, porque as previsões oficiais ainda incluem receitas muito incertas, como R$ 13,64 bilhões da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Os congressistas ainda vão decidir se aprovam a recriação desse tributo, extinto em 2007. Muitos têm falado contra essa proposta. Enquanto o governo conta votos para saber se será possível matar a ameaça de impeachment, parece um despropósito calcular se haverá apoio suficiente ao projeto da CPMF.

Por enquanto, a recessão produziu dois efeitos positivos. O primeiro é a melhora das contas externas, principalmente por causa da redução das importações e dos gastos menores no exterior. As exportações de manufaturados continuam fracas e só as vendas de produtos básicos ainda têm algum dinamismo. O outro efeito positivo é a desaceleração da alta de preços, em grande parte atribuível ao enfraquecimento da demanda. Como as contas públicas devem permanecer muito desajustadas, um dos principais fatores inflacionários continuará sem solução ainda por um bom tempo.

O governo permanece preso na armadilha criada por ele mesmo. Não há outro culpado pela recessão, nem pela crise fiscal, nem pela recessão como fator agravante do problema das contas públicas. Sem credibilidade, a presidente e sua equipe dificilmente poderão justificar um ajuste gradual, com espaço para medidas de estímulo aos negócios.

Se o processo de impeachment for extinto, a Lava Jato continuará assombrando o governo. A presidente poderá manter as acusações de golpismo. Acreditará quem já estiver inclinado a aceitar esse palavrório. Por enquanto, só se pode falar de um golpe: aquele aplicado pela presidente contra ela mesma com sua política incompetente e irresponsável.

Impeachment já - ALENCAR BURTI

FOLHA DE SP - 27/03

Os indicadores da economia brasileira revelam que a recessão iniciada em 2015 se aprofunda, com exceção dos relativos à agricultura e à balança comercial. E com um agravante: a queda sistemática e acentuada dos investimentos aponta para a continuidade da desaceleração ao longo de 2016.

A brutal crise, combinada com a elevada inflação, atinge as empresas e os trabalhadores, que enfrentam um desemprego crescente e não têm esperança de uma nova colocação. Famílias perdem renda e precisam reduzir de forma significativa seu padrão de vida.

O sonho de ascensão de milhões de brasileiros que ingressaram no mercado de consumo nos últimos anos se transforma em pesadelo pela inadimplência crescente e pela falta de perspectivas.

Ainda mais grave que a crise política é o cenário de incertezas que abala a economia e a sociedade, gerando paralisação dos investimentos, redução da produção e retração do consumo. Esses fatos tenebrosos, no entanto, parecem não sensibilizar os políticos sobre a urgência de soluções que possam restabelecer a governabilidade, a confiança e a esperança.

Vemos apenas disputas de poder e de posições, como se fosse irrelevante tomar atitudes que afetem as atividades econômicas e a vida dos cidadãos. No Brasil, agora, deve ser tempo de decisões. Não se pode mais esperar que os interesses pessoais, partidários ou de grupos mantenham a nação em suspense.

Precisamos de soluções para a crise política que se arrasta indefinidamente e impede a necessária adoção de medidas para a retomada da economia.

As associações comercias são entidades políticas, mas não partidárias. O partido delas é o da liberdade de empreender, da democracia, da liberdade individual, do respeito à lei e da igualdade de direitos e oportunidades. Por isso, elas cobram decisões há bastante tempo.

Não foi por omissão que evitamos fazer qualquer manifestação antes sobre soluções específicas, mas sim por entendermos que não cabia às entidades julgar pessoas ou fatos apurados pelos órgãos competentes.

Todavia, não podemos continuar testemunhando a deterioração da economia, o enfraquecimento das instituições e a passividade dos que têm poder de decisão -sejam do Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Assiste-se, até agora, à adoção de medidas que buscam apenas os jogos de poder e os interesses pessoais ou de grupos. Enquanto isso, empresas fecham, o desemprego aumenta, a renda cai, a economia se desestrutura.

A forma como a crise política vem sendo enfrentada, com suas consequências econômicas e sociais, exige que nos posicionemos mais fortemente, na esperança de sermos ouvidos. Procuramos mostrar nossa preocupação e indignação nas manifestações do dia 13. As respostas que vemos do governo, contudo, apenas reforçam as razões que nos levaram às ruas.

A gravidade do momento nos levou a apelar para que a presidente Dilma, em um gesto de grandeza, e pelo bem do país e do povo brasileiro, renunciasse a seu cargo. Acreditamos que esse seria o caminho mais rápido para debelar a crise política.

As últimas atitudes do Planalto, infelizmente, apontam que não haverá renúncia no curto prazo. Diante disso, apelamos ao Congresso Nacional para que agilize o processo e aprove o impeachment, abreviando o quanto antes o cenário desolador que castiga o país.

A Facesp e as associações comercias irão acompanhar o posicionamento dos senhores parlamentares durante o processo e manterão os empresários e a população informados da atuação de cada um.

A palavra de ordem das associações comerciais passa a ser "impeachment já".

ALENCAR BURTI, 85, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp)

Delírios estatistas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/03

A história da criação da Petrobras, no segundo governo Getúlio, no início da década de 50, converteu a estatal em símbolo da nação. E por isso mesmo, por ter surgido de uma saga nacionalista, ela se presta a muita manipulação. O resultado tem sido desastroso, principalmente nestes tempos de PT no Planalto.

Na gestão Lula, tudo era motivo para comemorações encharcadas de patriotismo, e sempre atentas ao calendário eleitoral. Na reeleição de Lula (2006) e na primeira vitória de Dilma (2010), o petróleo do pré-sal foi um dos abre-alas de campanha.

Na primeira metade do governo inicial de Dilma, emergiu o projeto megalomaníaco lulopetista de converter o pré-sal no pilar de uma ambiciosa política de substituição de importações, inspirada no modelo — que já não dera certo — da ditadura militar, no governo Geisel.

Para isso, foi estabelecido o monopólio da estatal na operação dos campos no pré-sal. Ao mesmo tempo, criou-se uma participação compulsória da empresa em no mínimo um terço dos consórcios, com o modelo de partilha. Regras restritivas e que, além do mais, fizeram retardar a primeira licitação sob as novas normas, enquanto o petróleo estava na faixa de US$ 100 o barril. Por isso, era bastante atraente investir em novas áreas, mesmo tecnicamente difíceis como as do pré-sal.

O preço começou a cair e, assim, o leilão do grande campo de Libra, em 2013, foi um fracasso. Não houve competição, por falta de interessados. Só um consórcio ofereceu lance, composto pela Petrobras, associada à Total, à Shell e a duas estatais chinesas (CNPC e CNOOC).

Na visão estatista de mundo, seria uma operação infalível: monopolista na operação no pré-sal e dona de no mínimo um terço de todos os consórcios, a Petrobras encomendaria o máximo de equipamentos no mercado interno, e com isso fomentaria o surgimento de forte base industrial no setor, incluindo estaleiros, robustecidos por encomendas de navios de apoio e plataformas.

Mas tudo sem maiores cuidados com produtividade e custos. Uma industrialização à la China maoista.

Os lulopetistas na Petrobras deram asas à criatividade e imaginaram a mirabolante Sete Brasil, superempresa com a participação da estatal, de bancos privados e públicos (Bradesco, Santander, BTG e Caixa Econômica), além de fundos de pensão também da área pública. Outro fracasso bilionário.

O escândalo do petrolão veio apenas acelerar a falência deste megaprojeto lulopetista. Também ajudada, nesse trabalho de desmonte, pelo ciclo de vertiginosa baixa do preço mundial do petróleo. Com a maior dívida empresarial do mundo, de meio trilhão de reais, a empresa precisa vender ativos. Ou seja, por ironia, o PT tem sido o agente da privatização da companhia. Tudo por miopia ideológica, além da avidez por financiar um projeto de poder por meio de corrupção, dentro do lema de que “os fins justificam os meios”. Na segunda, a empresa anunciou um prejuízo recorde, de R$ 34,8 bilhões, no ano passado.

Um Nero mambembe - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 27/03

Em uma das conversas gravadas recentemente pela Polícia Federal, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva gaba-se de ser “a única pessoa que poderia incendiar o País”. Eis aí a ameaça nada velada do chefão petista de provocar distúrbios caso o cerco judicial e político se feche de vez contra ele e contra seus apaniguados. É claro que se deve levar a sério qualquer movimentação da tigrada para causar abalos à ordem pública, a título de defender o ex-presidente do que considera uma injustiça. Mas que não se exagere o poder de Lula – pois, neste momento, pode-se dizer que as únicas coisas que o autoproclamado Nero consegue reduzir a cinzas são sua própria biografia, o pouco que restou da Presidência de Dilma Rousseff e o PT.

Lula é um líder político que se diz “popular”, mas hoje não pode sair às ruas sem correr o risco de levar estrepitosa vaia. Também não viaja em aviões de carreira – prefere o conforto e a privacidade de jatinhos emprestados ou alugados, diz-se que pelo Instituto Lula, que, na verdade, é seu escritório político. Lula, ademais, só consegue comparecer a eventos estritamente controlados, em que a entrada é limitada àqueles que seguramente urrarão a cada bravata proferida no palanque.

Esse isolamento se traduz por sua crescente impopularidade. Segundo o Datafolha, a rejeição a Lula chegou a 57% dos eleitores. Nas classes mais pobres, reduto do voto lulopetista, já são 49% os que repudiam o ex-presidente.

O poder de Lula se restringe cada vez mais à voz de comando que tem sobre um punhado de sindicalistas e líderes de movimentos sociais, que, a título de proteger o genial guia da “perseguição” judicial, ameaçam transformar em milícias as organizações que chefiam, afrontando ainda mais a lei e ameaçando diretamente a democracia. Tudo para defender um projeto que transformou o Estado em fonte da preciosa boquinha que sustenta essa turma de ergofóbicos.

Os sequazes do lulopetismo são minoritários, como provou a manifestação do dia 18. Naquela oportunidade, menos de 300 mil pessoas em todo o País atenderam à convocação da CUT e de movimentos sociais em ato de “desagravo” a Lula. O número não chegou a 10% do total de manifestantes que saíram às ruas no dia 13 para exigir o impeachment de Dilma e expressar seu desapreço por Lula e pelo PT. Considerando-se que a CUT diz ter quase 8 milhões de trabalhadores associados, sua capacidade de mobilização para ajudar Lula, mesmo apenas entre seus filiados, provou-se muito limitada.

Ademais, pode-se especular que, se não fosse o chamamento da CUT – que sempre vem acompanhado de pagamento de cachê, de transporte gratuito e de fornecimento dos já tradicionais sanduíches de mortadela para os manifestantes –, muito provavelmente a afluência teria sido ainda menor.

É certo que ainda há quem se disponha a defender Lula sem receber nada em troca. Com convicção comovente, dizem tratar-se de um grande líder, o primeiro político neste país a olhar para os pobres e, portanto, merecedor de consideração mesmo por parte daqueles que não votaram nele.

Diante de tudo o que o País hoje sabe a respeito de Lula, no entanto, pergunta-se: como é possível defendê-lo? Como acreditar no discurso de alguém que critica as “elites” ao mesmo tempo que come, bebe, dorme e se diverte à custa de favores de empreiteiros? Como acreditar nas juras de inocência de um homem que chefia com mão de ferro o partido que é o principal beneficiário do maior esquema de corrupção da história brasileira? Como enxergar em Lula o republicano que ele diz ser enquanto, ao mesmo tempo, está claro que ele procurou sabotar as instituições republicanas no momento em que estas o flagraram com a boca na botija?

É preciso ser um seguidor muito fanático para não perceber que Lula é uma farsa, hoje devidamente exposta para todo o País. E de fanáticos não se deve esperar nada sensato. Por isso, se Lula realmente quiser tocar fogo no Brasil, é possível que ele tenha uns quantos sectários a apoiá-lo. Seria, no entanto, o último ato da grande bufonaria lulopetista.