domingo, março 27, 2016

Narrativa ridícula - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/03

A tal "narrativa" que os que ainda apoiam o governo de Dilma Rousseff tentam estabelecer como verdade, de que o impeachment a ser votado no Congresso é um golpe judicial, sem tanques nas ruas, não tem encontrado muita receptividade fora do próprio círculo dos convertidos que, por interesses pessoais ou para não dar o braço a torcer no plano ideológico, continuam insistindo em que o PT representa uma solução para os mais pobres, e por isso deve-se fechar os olhos para os "malfeitos"

O artificialismo com que foi criada a rede de proteção social do petismo está sendo demonstrado pela triste realidade, consequência de uma política econômica desastrosa, e o que parecia ser uma solução milagrosa para reduzir a desigualdade não passava de um conjunto de ações populistas que não mudaram estruturalmente as condições do país, apenas mascararam nossa tragédia social.

O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, foi o terceiro ministro em seguida a desmistificar a tese de que o impeachment é um golpe contra a presidente Dilma. Antes dele, os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia já haviam se manifestado na mesma direção.

"O impeachment, numa situação dessa, é um instrumento legítimo, pelo qual se objetiva viabilizar a responsabilização política de qualquer presidente da República. Não importa quem seja, não importa qual o partido político a que essa pessoa seja filiada" afirmou Celso de Mello, que, perguntado, disse que o juiz Sérgio Moro vem trabalhando corretamente e que a Lava-Jato tem por objetivo "expurgar a corrupção que tomou conta do governo e de grandes grupos empresariais"

Também o ex-ministro do STF Eros Grau assinou uma carta para ser juntada à manifestação de advogados e juristas favoráveis ao impeachment de Dilma, em que afirma que "quem não é criminoso enfrenta com dignidade o devido processo legal". "(...) O delinquente faz de tudo procurando escapar do julgamento. Apenas o delinquente esbraveja, grita" "(...) A simples adoção desse comportamento evidencia delinquência"

Parece não estar surtindo efeito, da mesma maneira, a ideia do golpe nos mecanismos regionais, apesar da tentativa de levar o Mercosul e a Unasul a fazerem pronunciamentos contra um suposto golpe de Estado.

Apenas os bolivarianos Maduro, da Venezuela, Morales, da Bolívia, e Corrêa, do Equador, entraram nessa campanha.

Ontem, o "Washington Post" fez um editorial pedindo a renúncia de Dilma, afirmando que ela está levando o Brasil ao precipício. O "The New York Times" já havia dito, também em editorial, que a explicação sobre o convite para que o ex-presidente Lula integrasse o seu Ministério havia sido "ridícula" e que a intenção era mesmo proteger o ex-presidente de uma condenação em instâncias inferiores da Justiça brasileira.

Com a mesma interpretação, só que com rigor maior na análise, a revista britânica "The Economist" pediu a renúncia da presidente brasileira, afirmando que o convite a Lula denunciava uma clara obstrução da Justiça.

Na falta de melhores argumentos, jornalistas chapas-brancas, muitos deles sustentados por verbas publicitárias governamentais, apelam para a desgastada teoria da conspiração internacional contra nossas riquezas naturais.

Nessa versão fantasiosamente ridícula, o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, por terem estudados em universidades dos Estados Unidos, seriam instrumentos da CIA para a derrubada do governo popular e a entrega do pré-sal à sanha das grandes empresas petrolíferas internacionais. Sem se preocuparem, sequer, com a destruição da Petrobras para alimentar bolsos particulares e projetos de poder político, que, essa sim, poderia bem ser atribuída a uma traição nacional.

Trata-se, convenhamos, de uma narrativa tão antiquada quanto ridícula, que só mesmo de má-fé, ou por ignorância, é possível aceitar.


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