terça-feira, dezembro 03, 2013

A black friday fiscal - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 03/12

O Brasil "está muito bem nesta foto do primário", disse ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, referindo-se ao resultado previsto para as contas públicas. Detalhe: para conseguir o superávit primário "elevado e sólido" prometido pelo ministro, o governo federal terá de acumular R$ 39,6 bilhões de superávit primário em novembro e dezembro. O esforço vai dar certo, garantiu o secretário do Tesouro, Arno Augustin, ao apresentar o balanço de janeiro a outubro. Será uma proeza e tanto chegar ao fim de dezembro com R$ 73 bilhões economizados para o pagamento de juros da dívida pública. Em dez meses o governo central só conseguiu um excedente primário de R$ 33,4 bilhões - 45,5% da meta oficial de 2013. Essa meta, já bem menor que a original, foi fixada graças à aplicação de vários descontos autoconcedidos. A black friday fiscal começou no primeiro semestre e é difícil de dizer se os abatimentos já terminaram.

As contas públicas vão bem e as agências de classificação de risco sabem disso, assegurou o secretário, desmentindo avaliações conhecidas no mercado e preocupações confessadas - quem diria? - pelo ministro da Fazenda, uma semana antes, a políticos da base governista.

O magro resultado obtido pelo governo central tem sido muito pior que o do ano anterior. Para fechar o balanço de 2012 a equipe econômica recorreu a descontos, receitas extraordinárias e a outros procedimentos incomuns, compondo um pacote celebrizado como contabilidade criativa. De janeiro a outubro deste ano a receita foi 8,4% maior que a do ano anterior, nos meses correspondentes, mas a despesa ficou 14% acima da realizada no período anterior. O resultado primário de outubro, de R$ 5,4 bilhões, foi o pior para o mês desde 2004, quando ficou em R$ 4,4 bilhões. O superávit acumulado em dez meses foi 48,2% inferior ao de janeiro a outubro de 2012.

A deterioração das contas federais é explicável pela concessão de benefícios tributários a alguns setores, pelo aumento de gastos e pela tentativa de controlar os índices de inflação. Os benefícios servem para estimular a economia, principalmente pelo incentivo ao consumo.

Essa política obviamente fracassou, porque o consumo cresceu, mas a produção industrial continuou estagnada, e isso se reflete no baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A despesa, habitualmente excessiva, tem sido ampliada pelas transferências de recursos ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com pouca influência no nível geral de investimento e no fortalecimento da economia, porque as prioridades têm sido mal escolhidas.

Finalmente, as tentativas de administrar os índices de inflação levaram o governo a assumir despesas para compensar a contenção política das tarifas de energia. Essa conta chegou a R$ 6,4 bilhões até outubro e poderá atingir uns R$ 10 bilhões em 12 meses. Apesar disso e da contenção das tarifas de transporte público e dos preços dos combustíveis, a inflação está novamente acelerada e deve aproximar-se de 6% em 2013, repetindo a do ano passado. A gestão frouxa das contas públicas, com excesso de gastos e estímulo ao consumo, contribui para a alta de preços.

O conjunto do setor público também está longe da meta. O objetivo inicial, de R$ 156 bilhões, foi reduzido para R$ 111 bilhões, mas provavelmente nem esse será atingido. União, Estados, municípios e estatais conseguiram até outubro um superávit primário de R$ 51,2 bilhões, por causa do desempenho dos governos estaduais e municipais. O resultado até outubro de 2012 havia sido de R$ 88,2 bilhões.

Antes de conhecidos os novos números, a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já haviam decidido cuidar só do objetivo do governo central (R$ 73 bilhões), deixando de responsabilizar-se pelo alcance da meta geral. Para isso conseguiram aprovação do Congresso. O resultado final, ainda incerto, será inflado com receitas extraordinárias, como as prestações do Refis, o refinanciamento de dívidas tributárias, e bônus de concessão de infraestrutura. Seriedade na gestão das contas públicas é algo muito diferente.

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