terça-feira, dezembro 03, 2013

Descaso põe em risco o patrimônio - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 03/12
O incêndio no Memorial da América Latina causa indignação, mas não surpreende. Trata-se de mais um episódio da monótona novela sobre o descaso com o patrimônio nacional. Prédios sem manutenção são convite a goteiras, desabamentos e curtos-circuitos. Falta de segurança abre as portas para furtos e vandalismos. Altares vazios e peças danificadas são espetáculo comum em igrejas barrocas e modernas vítimas de bandidos de colarinho branco ou encardido.
Negligência não constitui exclusividade desta ou daquela unidade da Federação. Nem tem relação com riqueza ou pobreza. Nem com modernidade ou antiguidade. É democrática. São Paulo, Rio, Brasília, Goiás, Bahia, Pernambuco, Pará têm tristes histórias para contar. Sítios tombados não gozam de melhor sorte. O Pelourinho, joias de Ouro Preto ou Pirenópolis padecem do mesmo mal do Museu de Arte de Brasília (MAB).

Cercado de mato por todos os lados, o MAB é deprimente amostra de abandono e deterioração. Com menos de 50 anos, a instituição, que abriga importante acervo de artistas brasileiros e estrangeiros, mantém as portas fechadas e as obras entregues à própria sorte. Insetos, mofo, seca, poeira e umidade cumprem o inexorável papel imposto pelo desleixo governamental que, aliado ao natural desgaste do tempo, joga no ralo parte da memória da cidade.

Em 2007, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) anunciou o roubo de duas importantes telas - o Lavrador de café, de Cândido Portinari, e Retrato de Suzanne Bloch, de Pablo Picasso. Apesar do valor estimado em R$ 200 milhões, as obras não estavam seguradas. O museu paulistano volta agora às manchetes. O vão do prédio, tombado pelo patrimônio histórico, candidata-se a se tornar a nova cracolândia paulistana. No cartão-postal da Avenida Paulista, estão acampados drogados e moradores de rua.

A irresponsabilidade atingiu o Memorial da América Latina na sexta-feira. Chamas destruíram o Auditório Simón Bolívar. O fogo devorou cadeiras, carpetes, forrações acústicas e tapeçaria desenhada pela centenária Tomie Ohtake. Concretizada a tragédia, descobriu-se que o monumento projetado por Oscar Niemeyer funcionava sem alvará. Perícia dará a palavra final sobre a causa imediata do incêndio.

Embora figure entre as 10 maiores economias do planeta, o Brasil conserva mentalidade subdesenvolvida no trato dos bens culturais. Considera "dinheiro jogado fora" investimento em museus, arquivos, bibliotecas. O Memorial da América Latina é a vítima mais recente. Outras virão. É o preço salgado que o país paga pela miopia do atraso.

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