sexta-feira, julho 05, 2013

Despindo um santo para vestir outro - ROBERTO FENDT

O ESTADÃO - 05/07

Há a um evidente desconforto com o rumo que está tomando o comércio exterior neste ano. Nos primeiros cinco meses de 2013, as exportações estão em queda, relativamente ao mesmo período do ano passado. Pior: estão em queda tanto os preços como as quantidades exportadas, E estão em queda tanto as vendas de manufaturados como as exportações de produtos básicos e semi-manufaturados. Do lado das importações, os valores são recordes para a última década A expectativa corrente, e de um saldo da ordem de US$ 6 bilhões este ano, comparado com valores da ordem de US$ 30 bilhões em 2011 e US$ 20 bilhões em 2012.
Alguém poderá alegar que esses resultados são transitórios e explicáveis por fatores conjunturais que estão afetando nosso comércio exterior somente no curto prazo. Entre esses fatores, a expansão da liquidez internacional teve como principal efeito a valorização das moedas da maioria dos países emergentes. Essa valorização penalizou as exportações e incentivou as importações, deteriorando o saldo comercial. Também se poderá atribuir parte da queda das nossas exportações à desaceleração do crescimento da economia chinesa. Tudo isso é verdadeiro, exceto a conclusão de que os efeitos negativos serão passageiros e que não afetarão a inserção competitiva da produção nacional nas cadeias internacionais de valor. Infelizmente, nos entraves estruturais à inserção competitiva do Brasil residem as maiores ameaças que enfrentaremos no futuro.
Ao longo das últimas décadas, as trocas internacionais, dominadas pelo comércio de bens finais, foram se transmutando gradualmente para uma participação crescente de partes, peças e componentes no total dos fluxos de comércio. Essa mudança ocorreu pelo aumento do comércio intrafirmas, entre partes relacionadas e dentro de cadeias produtivas. Contribuíram para esses desenvolvimentos as expressivas reduções nos custos de transporte e das comunicações. O resultado final foi uma crescente desagregação e dispersão geográfica da produção.
Grandes mercados internos, um dos principais ativos das economias espacialmente maiores, vão perdendo importância à medida que cresce a interdependência dos processos produtivos e o; acesso ao maior dos mercados, o mercado internacional.
É o reconhecimento desses fatos novos que levou a China a buscar integrar-se às cadeias de valor internacional. O grande salto para a frente da economia chinesa baseia-se na rejeição do modelo autárquico de desenvolvimento em favor da alternativa de inserção competitiva no comércio internacional contemporâneo. Seu desenvolvimento é orientado para e pelo mercado externo e voltado para a exportação.
Infelizmente, estamos na contramão dessas tendências. Está em vigor desde outubro do ano passado a Resolução Camex n.° 70, que determina o aumento temporário da alíquota do imposto de importação para 100 itens produzidos no País. Por decisão da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM39/11), o Brasil foi formalmente autorizado a adotar a medida. Pleiteia-se agora, a ampliação da medida para outros 100 itens da pauta de importação.
O objetivo apontado da medida foi o permitir uma maior margem de manobra para lidar com a crise econômica internacional. Ocorre que o grupo de 100 itens que sofreram aumento de tarifas incluiu insumos, bens intermediários e também bens de capital e suas partes. Segundo a Abiplast, o aumento da tarifa de importação sobre insumos já pressiona o custo de produção e tirou a competitividade da indústria doméstica. O mesmo está se passando em outros segmentos de nossa indústria.
Reconhece-se que a proteção deve ser temporária para não resultar em falta de eficiência e dê competitividade. Mas o País tem uma longa tradição de medidas transitórias que se eternizam, penalizando a inserção das empresas brasileiras nas cadeias internacionais de valor. Medidas dessa natureza abrem perigoso precedente. Elas têm claro caráter protecionista e, como tal, despem um santo para vestir outro. No longo prazo, pela ineficiência que geram, prejudicam a todos. Especialmente os consumidores, os ignorados em todos os processos protecionistas.

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