quarta-feira, janeiro 23, 2013

Para quem só tem martelo... - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 23/01


O governo crê que pode sacrificar a estabilidade em troca de mais crescimento, mas colhe só mais inflação


Tudo é prego. Se tivesse que resumir as várias tentativas fracassadas para reviver a economia, acho que nada descreveria melhor o insucesso do que a imagem de alguém tentando resolver um problema com instrumentos inadequados e, pior, sem perceber o desajuste.

Na verdade, da mesma forma que dizem que os generais sempre lutam a última guerra, o governo parece resolvido a lidar com as dificuldades de hoje recorrendo aos instrumentos que usou para superar a recessão de 2008-09.

Ocorre que, na época, a natureza do problema era outra. Naquele momento a crise financeira levou

a uma recessão mundial sincronizada, traduzida, por exemplo, em quedas de dois dígitos na produção industrial em qualquer meridiano ou paralelo que se olhasse. Era um caso clássico de insuficiência de demanda, expressa na queda tanto do consumo quanto do investimento.

Em razão disso, o desemprego (já ajustado à sazonalidade e à fuga de parcela da população do mercado de trabalho, o chamado "desalento") saltou de 7% para 9% da força de trabalho em poucos meses.

Sob essas circunstâncias, políticas de incentivo ao consumo têm boa chance de recolocar a economia na rota de expansão, às vezes até demais, como os exageros de 2009 e 2010 demonstraram (mas, você sabe, havia eleição a ganhar).

Em contraste, a desaceleração do crescimento em 2011 e 2012 para níveis inferiores a 2% ao ano foi acompanhada de queda persistente do desemprego. Nesse contexto, a tentativa de impulsionar a economia pelo aumento do consumo perde muito da sua eficácia.

Parte desse aumento se dirige ao consumo de serviços, que, em sua esmagadora maioria, precisam ser produzidos localmente (quase ninguém manda os filhos para a escola em Buenos Aires ou vai se tratar com um médico nova-iorquino), exigindo maior emprego no setor.

Isso não é um problema enquanto a mão de obra é abundante, mas, com desemprego reduzido, leva a aumentos salariais que superam em muito o crescimento acanhado da produtividade.

O setor de serviços convive com isso aumentando seus preços, o que nos ajuda a entender por que a inflação desse segmento tem rodado na casa dos 9% ao ano e segue acelerando.

Já a indústria, pressionada pela competição externa, não consegue fazê-lo, o que se traduz em redução de margens e problemas de competitividade e, portanto, dificuldades para aumentar a produção.

Assim, o aumento das importações (o "vazamento" da demanda para o exterior) é a forma pela qual a economia consegue compatibilizar a maior demanda por bens e a incapacidade industrial em competir, não apenas com o exterior mas, principalmente, com os serviços pela mão de obra agora escassa.

Por esse motivo, políticas de incentivo à demanda acabam apresentando pouca tração em termos de crescimento. E, por não entender essa dinâmica, o governo insiste com o martelo, na esperança de achar, em algum lugar, um mísero prego.

É contra esse pano de fundo que se entende o abandono do tripé macroeconômico. Seu arranjo impedia as marteladas, já que o limite para a taxa de juros era a meta de inflação, enquanto a meta fiscal restringia (ainda que de modo muito imperfeito) a expansão desmesurada do gasto.

Não se trata, portanto, de dizer que a desaceleração econômica resultou do abandono do tripé, mas, pelo contrário, que a conjugação de baixa expansão com a percepção errônea da natureza do problema levou à deterioração da política macroeconômica.

O Brasil cresce pouco por problemas do lado da oferta: expansão medíocre da produtividade, educação inadequada e investimento insuficiente.

Por falta desse entendimento o governo acredita que pode sacrificar a estabilidade em troca de mais crescimento, mas colhe apenas mais inflação sem ganho perceptível de produto.

E, pelo andar da carruagem, prosseguirá com os sacrifícios, sem a devida atenção aos efeitos colaterais das suas marteladas.

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