domingo, novembro 25, 2012

Ela quer calar a Argentina - RUTH DE AQUINO, COM TONIA MACHADO


REVISTA ÉPOCA

A truculenta campanha da presidente Cristina Kirchner contra a imprensa independente pode acabar se voltando contra ela própria

RUTH DE AQUINO, COM TONIA MACHADO|
PIOR QUE CHÁVEZ? Cristina lê um exemplar do jornal espanhol El País. Sua ofensiva contra a imprensa é mais sofisticada e insidiosa que a do presidente venezuelano (Foto: Natacha Pisarenko/AP)
Nem o grito nem o silêncio. Encastelada em sua Casa Rosada, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, parece incapaz de escutar cacerolazos ruidosos ou paralisações que esvaziam as ruas. O país ferve na panela da insatisfação, mas ela aguarda ansiosa a chegada do dia 7 de dezembro, apelidado 7D. Nesse dia, passará a vigorar uma lei talhada para intimidar e reduzir a influência de grupos de mídia que criticam o governo e denunciam suas irregularidades, conhecida como Lei de Meios. Acuada por protestos contra a escalada da inflação, dos impostos, da insegurança e da corrupção, Cristina endurece, em vez de ouvir o clamor popular. Ela está prestes a consolidar, pela legislação, o aparato de propaganda do Estado.
ÉPOCA teve acesso, em Buenos Aires, a um dossiê de mais de 150 páginas sobre a ofensiva oficial de Cristina contra os meios de comunicação independentes nos últimos quatro anos. É uma ofensiva mais sofisticada que a censura bruta imposta pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez. Os ataques a jornalistas envolvem intimidações, abusos administrativos, falsas denúncias e uma campanha de desqualificação que se assemelha a uma guerra pessoal. O alvo principal é o grupo Clarín, dono do jornal independente de maior circulação do país e de presenças na TV, no rádio e na internet. “É muito grave”, diz Cláudio Paolillo, diretor da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). “A intenção da Lei de Meios não é democratizar as comunicações, mas debilitar um grupo inimigo.”
Apelidada de Lei Clarín, a nova legislação não apenas reduz o tamanho dos grupos de mídia independentes. Ela reduz também o alcance geográfico dos sinais e da programação audiovisual. O canal 13 do Clarín passaria a ser visto apenas na capital e na Grande Buenos Aires, enquanto a rede estatal de TV continuaria alcançando todo o país. O governo deixou claro que “a adequação dos grupos será voluntária ou compulsória”. Tradução: se a empresa não abrir mão voluntariamente de seus bens, o Estado teria o poder de definir o que seria confiscado – licenças, câmeras, estúdios de rádio e TV ou outros bens. Depois, venderia o patrimônio para indenizar os ex-donos.A Lei de Meios, aprovada pelo Congresso em 2009, é alardeada pelo governo como uma legislação antimonopólio. Ela obriga cerca de 20 grupos de mídia a devolver um certo número de licenças de rádio e televisão. Só o Clarín perderia mais de 200 concessões de TV a cabo. Grupos como Uno, Prisa (donos do jornal espanhol El País) e Telefónica (dono do canal de TV Telefé) precisam, segundo o governo, apresentar planos “voluntários de adequação” ao “desinvestimento” exigido pela lei. O grupo Clarín afirma que resistirá, por considerá-la inconstitucional. O artigo 161 revoga licenças renovadas legalmente em 2005 por um prazo de dez anos – por isso, viola direitos adquiridos. Com base nessa argumentação, o Clarín obteve da Suprema Corte uma liminar, que expirará no dia 7 de dezembro. Depois dessa data, não se sabe o que a Justiça decidirá. “É cada vez mais fácil encontrar na Argentina um juiz venal, sensível aos interesses do governo”, disse a ÉPOCA Martín Etchevers, gerente de Comunicação Externa doClarín, na sede do jornal em Buenos Aires.
Mais de 500 intelectuais argentinos fizeram um abaixo-assinado em repúdio “às pressões do governo Kirchner sobre a Justiça local” para vencer a queda de braço com o Clarín. Em recente encontro em Cartagena, na Colômbia, o Foro Iberoamérica – grupo de jornalistas, intelectuais e empresários fundado em 1999 pelo escritor mexicano Carlos Fuentes (1928-2012) e hoje presidido pelo ex-presidente chileno Ricardo Lagos – condenou o “sistemático plano de perseguição” do governo argentino contra meios de comunicação e jornalistas independentes.O grupo Clarín espera que a Suprema Corte prorrogue a liminar ou que se inicie, no dia 7 de dezembro, o prazo de um ano para que ele se adapte à lei. Não há uma expectativa de que as licenças sejam cassadas por decreto no 7D. Mas Cristina já demonstrou ser imprevisível – com aliados e desafetos. Para garantir o poder em suas mãos, pressiona o Conselho de Magistratura e manobra para que casos polêmicos acabem sendo julgados por juízes simpáticos ao regime. Fez uma manobra para que o Congresso aprovasse uma lei exigindo que apenas a Suprema Corte pudesse tomar decisões sobre o caso e, no momento, pressiona para que ela declare constitucionais os artigos controversos na Lei de Meios e encerre, a favor do governo, a disputa com o Clarín.
“Espero o melhor dentro do pior”, disse Ricardo Roa, editor-chefe do Clarín, numa passagem na semana passada pelo Rio de Janeiro. “Que o dia 7 não se transforme em outra data de vergonha na Argentina.” Para Roa, os argentinos estão vivendo “o pior momento do jornalismo na democracia, o pior momento desde a ditadura”. O governo, diz ele, não gosta de transparência, não informa, persegue o jornalismo e vê os jornalistas como inimigos.
“Cristina adota uma atitude de negação a tudo o que hoje acontece na Argentina”, disse a ÉPOCA Hector d’Amico, secretário de redação do jornal La Nación, outro dos perseguidos pelo governo. “Quem a critica ou denuncia irregularidades é acusado de integrar uma rede de ‘malícia e mentira’. Cristina nunca recebeu a SIP nem dá entrevistas e abusa do recurso à cadeia nacional de televisão e rádio para caluniar e perseguir desafetos. A única verdade possível é a oficial. Por isso, inunda de publicidade a mídia amiga e tenta desqualificar a mídia independente, em qualquer oportunidade.”
A FAVOR e CONTRA (Foto: reprodução)
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Sin liberdad de expresión (Foto: reprodução)

Mesmo enfrentando uma crise econômica, Cristina deu neste ano – de acordo com cifras oficiais – cerca de 600 milhões de pesos, ou mais de R$ 300 milhões, a meios de comunicação que apoiam o governo. Além dos veículos subservientes, há toda a máquina de propaganda governamental. Ela inclui a agência estatal de notícias Télam, o canal estatal de TV e a Rádio Nacional. Para sustentar esse aparato, segundo uma estimativa do Clarín, só em 2012 a Casa Rosada deverá gastar quase US$ 2 bilhões, ou R$ 4 bilhões. Desde que o casal Kirchner assumiu o poder, em 2003, o valor destinado à publicidade oficial subiu 1.300%.
Em Buenos Aires, há 18 jornais. É impressionante como os portenhos leem visivelmente mais do que os brasileiros – no metrô, no ônibus, em casa e também nos cafés e bares, onde diários e revistas ficam à mostra, pendurados e disponíveis gratuitamente para os clientes. Muitos assinam mais de um jornal. Teoricamente, a variedade de jornais e linhas de pensamento fortalece a democracia argentina e deveria ser bem-vinda. Mas o tratamento do governo depende do que se publica. No fim, os que recebem o grosso da publicidade oficial são os que vendem menos exemplares – são praticamente sustentados por Cristina, com até 90% dos custos bancados pelo governo. Os jornais ClarínLa Nación e Perfilsão os mais lidos – e os que menos recebem recursos estatais.
O governo de Cristina administra uma rede imensa de meios públicos e aliados. Supervisiona, pelo Ministério de Desenvolvimento Social, tudo o que é publicado e dito sobre o Estado. O orçamento da Secretaria de Meios para 2012 foi de 1,2 bilhão de pesos (ou R$ 600 milhões), o dobro do Ministério do Turismo e cerca de 10% a mais que o Ministério da Indústria. As transmissões de jogos de futebol foram estatizadas há três anos. Com o monopólio estatal, as inserções de publicidade só admitem anúncios governamentais – nos últimos tempos, propaganda contra a imprensa independente. Para poder transmitir novelas e minisséries, os canais de TV devem ceder de forma gratuita 50% do espaço de publicidade em horário nobre ao governo. O governo financia a produção de minisséries com conteúdo militante para propagar a visão estatal, como a história do peronismo. “Vivemos um processo de colonização midiática, em que 80% dos meios audiovisuais dependem de Cristina”, diz Etchevers, do Clarín. “Trata-se da ‘Blogosfera K’, que inclui televisões, rádio, internet, sinais de cabo.”
A asfixia financeira de meios de comunicação críticos e independentes é um recurso conhecido de regimes autoritários contra a liberdade de expressão. Na Argentina, a obsessão de Cristina contra vozes dissonantes assume contornos que beiram o ridículo e rebaixam a liturgia do cargo de presidente. “Para o projeto hegemônico de Cristina, a mídia independente é uma pedra no sapato”, diz Etchevers. “Simplesmente porque cumprimos nosso papel: apontar o que está errado. Cristina tenta minar não só a credibilidade dos jornais, mas dos nossos profissionais. O governo distribuiu pelas ruas cartazes com fotos de jornalistas com o intuito de fomentar o ódio. Nas manifestações organizadas por kirchneristas, pessoas cuspiam nas fotos dos jornalistas. Jornalistas do Clarín, do La Nación e do Perfil chegaram a ser agredidos até com pedras.”
Em todos os produtos e plataformas possíveis, o governo usa os bordões “Clarín miente”, “Todo negativo” e “Todo negocio”, na tentativa de estimular o ódio da juventude kirchnerista a jornalistas independentes. “Clarín miente” estampa outdoors, faixas nos estádios de futebol, embalagens de alfajores, garrafas de água, helicópteros, gorros, bonés, ioiôs. “Clarín miente” decora até mesmo meias distribuídas por ministros argentinos a crianças descalças em viagens oficiais a Angola. Num evento público em janeiro passado, após uma cirurgia de tireoide, Cristina mostrou sua cicatriz e disse: “Se cubro com um curativo, amanhã o Clarín dirá que não me operei”. “Clarín miente” também está presente nos longos monólogos de Cristina em rede nacional. Seus discursos, recheados de gestos dramáticos, interrompem programas populares. Às vezes, ela exibe os jornais “inimigos” e escancara sua aversão a críticas, também do La Nación, do El Cronista e do Perfil. Sabe-se que Cristina gosta de ouvir a própria voz e se esmera em repetir, repetir, repetir, como se suas frases produzissem eco.
“O silêncio das ruas é a voz que o governo precisa escutar”, afirmou Hugo Moyano, o poderoso líder da Confederação Geral do Trabalho (CGT), na greve geral que paralisou, na terça-feira passada, Buenos Aires e várias cidades do interior. Estradas foram interrompidas, trens pararam, aeroportos cancelaram voos, bancos e lojas fecharam, hospitais funcionaram apenas em emergência. Moyano era aliado dos Kirchners. Hoje dissidente, tornou-se, para Cristina, “um inimigo do povo”.
No espaço de duas semanas, “la presidenta”, como Cristina faz questão de ser chamada, enfrentou com arrogância e ironia o maior protesto e a primeira greve geral da era kirchnerista. Quinhentos mil argentinos saíram às ruas espontaneamente contra seu governo, na noite de 8 de novembro, sem a convocação de partidos, carregando panelas e a bandeira nacional. No dia seguinte, Cristina declarou: “Ontem aconteceu algo muito importante, que aqui poucas pessoas comentaram, o Congresso do Partido Comunista Chinês”. A manifestação, a maior em nove anos, foi chamada por ela de “formidável aparato cultural para que os argentinos tenham uma ideia distorcida do país”.
Cristina consegue, com seu discurso autoritário, uma façanha: unir diversas categorias e classes sociais contra ela. Percebe-se hoje a rejeição a seu projeto, ainda inconfessado, de mudar a Constituição e tentar se reeleger a um terceiro mandato em 2015. Embora prometa “governar para todos”, seu slogan – “Vamos por todo” – sugere algo mais: a busca do poder absoluto. Nessa busca, vale tudo contra os “traidores” ou contra os “ricos” – registre-se que os Kirchners amealharam uma das maiores fortunas do país. No mundo rosado de Cristina, os manifestantes de classe média são “uma elite de direita que só se preocupa com Miami” e os sindicalistas não passam de “chantagistas”. A militância diz nas escolas que os adversários de Cristina não amam a pátria. Os verdadeiros argentinos seriam os kirchneristas, avessos aos “estrangeiros” e a favor de uma “sociedade igualitária”. O intelectual governista Ricardo Forster acusa os manifestantes de criar “um clima apocalíptico e de dissolução nacional”.
A propaganda começa, porém, a ser vencida pela realidade, por uma inflação equivalente ao triplo da oficial e pelo aumento do desemprego. Com popularidade por volta de 35% – queda acentuada para quem foi reeleita presidente com 54% dos votos no ano passado –, este não é o melhor momento político para Cristina atacar a imprensa independente e a liberdade de expressão. Ao desqualificar os protestos da classe média e dos sindicalistas, ao desprezar o descontentamento da sociedade civil, seu poder de fogo contra si mesma é mais destrutivo do que qualquer manchete ou reportagem crítica na imprensa ou na televisão. O populismo só funciona quando a economia cresce, como aconteceu nos primeiros cinco anos de governo, com índices médios de 5,5% ao ano. De agosto do ano passado a agosto de 2012, a economia empacou e cresceu apenas 1,4%. Hoje, os argentinos não choram por Cristina. Choram por si mesmos.
O cerco de Cristina Kirchner (Foto: reprodução)

Comédia de erros nos royalties do petróleo - MAÍLSON DA NÓBREGA


REVISTA VEJA

Transferir receitas sem transferir despesas força a União a elevar os tributos. 0 governo Lula desprezou essa realidade. Cuidou apenas de estatizar a exploração do pré-sal e de criar reserva de mercado para a indústria nacional

Como diz o ditado, não adianta chorar pelo leite derramado. Será ruim qualquer saída para o imbróglio da distribuição dos royalties do petróleo aprovada pelo Congresso. O melhor a esta altura seria vetar o projeto e conduzir uma negociação política competente, capaz de reduzir as distorções. Não dá para esperar que o STF considere a medida inconstitucional.

O começo da comédia de erros foi a mudança da Lei do Petróleo no governo Lula, por motivos ideológicos. Na prática, buscou-se restaurar o monopólio da Petrobras, agora na exploração do pré-sal. Quanto aos recursos, o governo ignorou a velha lógica do Congresso: se há dinheiro, vamos gastar; parlamentar bom é o que consegue verbas para seu estado e municípios. É difícil mudar essa cultura. A reeleição da considerável maioria depende disso.

O orçamento é pouco valorizado no Brasil. Até os anos 30, ele era usado para inserir emendas destinadas a dar nome a ruas, promover servidores públicos e coisas do gênero. Para coibir essas esquisitices, a Constituição de 1934 criou uma regra óbvia: o orçamento trata apenas da receita e da despesa (art. 50, § 3º). A regra sobrevive na atual Constituição (artigo 165, § 8 o ). A inconsequência na aprovação de emendas levou o regime militar a proibir as que aumentassem ou alterassem a despesa (Constituição de 1967, art. 67, § 1º ).

Com limitações, a Constituição de 1988 restabeleceu as prerrogativas do Congresso para emendar o orçamento (art. 166, § 3 o ). Antes, a distensão política do regime militar fora usada para ampliar os fundos de participação dos estados e municípios, de 20% do imposto de renda e do IPI para 24%, em 1980, e 28%, em 1983. Na retomada da democracia, subiu para 33%, em 1985, e na Constituição de 1988, para 47%. Mais 10% do IPI foi transferido aos estados para compensá-los por supostos incentivos às exportações. Para evitar o pior, a União teve de recorrer a contribuições não partilháveis com os governos subnacionais. O sistema tributário piorou.

Essa tendência foi reforçada por estudos que mostravam a concentração de receitas na União. Era verdade, mas não se examinaram as razões, isto é, a estrutura da despesa. Na verdade, a concentração se explica, na maior parte, pela responsabilidade historicamente atribuída à União por certas despesas: previdência, defesa, regulação e vinculação de receitas a despesas com educação e saúde. Com os juros da dívida e os gastos de pessoal, elas consomem mais de 90% da arrecadação. Transferir receitas sem transferir despesas força a União a elevar os tributos.

O governo Lula desprezou essa realidade. Cuidou apenas de estatizar a exploração do pré- sal e de criar reserva de mercado para a indústria nacional. Não deveria ter se surpreendido quando dois parlamentares gaúchos mobilizaram facilmente o Congresso para aprovar a destinação aos estados e municípios de parcela dos recursos do petróleo do pré-sal, em detrimento dos estados produtores. A maior parte depende ainda da exploração de futuros poços.

Lula vetou o projeto, mas não se preocupou em negociar uma saída honrosa para todos. Por sua vez, a presidente Dilma não percebeu que, nessa matéria, desaparecem divisões políticas, partidárias, ideológicas ou regionais. Mais dinheiro para estados e municípios aglutina todas as tendências. Tem o apoio de empresários e formadores de opinião locais. A coalizão é imbatível. A comédia de erros atrasará a exploração do pré-sal, criará sérios problemas para os estados produtores e contribuirá para a pulverização de receitas e para seu desperdício em gastos correntes.

O dinheiro público proveniente da exploração de recursos naturais não renováveis não pertence apenas à atual geração. Veja-se o exemplo da Noruega. Lá, os recursos do petróleo constituem um fundo para as gerações futuras, do qual se gastam apenas os rendimentos das aplicações.

O veto ao projeto seria justificado pela conveniência de negociar algo na linha norueguesa. É politicamente impossível, todavia, não contemplar as regiões não produtoras de petróleo, que já comemoraram a festa. Um bom pedaço dessa riqueza vai para p buraco negro da gastança. Uma pena!

A prudência de Dilma - EUGÊNIO BUCCI


REVISTA ÉPOCA
O diário espanhol El País chamou a presidente brasileira de "a forte". Em tom de aplauso. O novo apelido apareceu com destaque na edição de domingo passado, na chamada para uma longa entrevista. Dilma não deixa por menos. Logo de cara, condena o receituário de aperto com que o FMI castiga a Europa. O resultado será uma "recessão brutal". E prossegue: "Nós já vivemos isso (no Brasil). O FMI nos impôs um processo que chamaram de ajuste, e que agora chamam de austeridade. Tínhamos de cortar todos os gastos e investimentos. (...) Esse modelo levou à quebra de quase toda a América Latina nos anos 1980. As políticas de ajustes, por si mesmas, não resolvem nada".

O entrevistador se encanta: "Ela fala com convicção, fazendo gestos expressivos, indicando o caminho a seguir. É todo o seu corpo que protesta contra o que está passando do outro lado do Atlântico. Penso que, se já não houvesse na história uma Dama de Ferro (foi com esse título que a ex-primeira-minis- tra britânica Margaret Thatcher ganhou celebridade), talvez alguém quisesse conferir esse título a Dilma". A partir daí, lembrando que a imprensa internacional considera a presidente brasileira uma das três mulheres mais poderosas do mundo - superada apenas por Angela Merkel, da Alemanha, e por Hillary Clinton, a secretária de Estado americana -, o jornalista a batiza: La fuerte.

O apelido vai pegar. O El País não é um jornal menor: trata-se do mais influente diário espanhol, com imensa repercussão internacional. O entrevistador, que se sente à vontade para escrever na primeira pessoa enquanto entrevista uma chefe de Estado, também não é qualquer um. Juan Luis Cebrián ocupa o posto de presidente executivo do Grupo Prisa, que publica o El País. Tem autoridade para prever que Dilma travará com Angela Merkel um "duelo de titãs" pelo posto de mulher mais poderosa do planeta, já que se aproxima a data em que Hillary Clinton deixará seu cargo no governo de Obama.

Exageros à parte, o epíteto procede. A política não é bem uma "guerra nas estrelas", mas Dilma Rousseff tem a força. É bem verdade que o Brasil já teve mais de um presidente que falava grosso na Assembleia-Geral da ONU, para impressionar observadores estrangeiros, e piava fino internamente, em frêmitos de pusilanimidade obsequiosa. A atual presidente não vai por aí. Externamente, emite um julgamento duro contra o FMI e, aqui dentro, dá sinais de que não tem parte com a tibieza. Em seu primeiro ano de gestão, demitiu os ministros enlameados por suspeitas mal explicadas, um a um. Depois, obrigou os bancos a baixar os juros, numa proeza que nenhum de seus antecessores teve a coragem de sequer cogitar. Além do capital financeiro, dobrou a resistência dos quartéis e instituiu a Comissão da Verdade. Agora, toma providências para cortar o preço da energia elétrica. Contrariando as previsões de que faria apenas um mandato-tampão enquanto Lula saía de férias, mostrou que não tem aptidão para ser refém do PT ou do PMDB - muito menos do próprio Lula. Tornou-se dona de seu governo e de seu destino, candidatíssima à reeleição. La fuerte, por supuesto.

O jornal espanhol não diz, no entanto, que, em Dilma, a força não vem do estilo autoritário, mas da prudência par- cimoniosa. Ela aprendeu a medir gestos e palavras, com pausas e silêncios. Foi assim que cresceu no cargo. Não embarca nas polarizações. Na mesma entrevista em que bate no FMI, reconhece os enganos trágicos de sua geração de militantes armados: "Uma parte da juventude teve o gesto generoso de pensar que era sua obrigação lutar pelo país, inclusive recorrendo a alguns erros". Noutra passagem, desconstrói o mito de que a imprensa livre - que ela defende uma vez mais - teria a intenção (ou o poder) de manipular as autoridades ou a opinião pública: "O povo não se deixa manipular".

Sobre o mensalão, não poderia ter sido mais precisa: "Como presidente da República, não posso me manifestar publicamente sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal. Acato suas decisões, não as discuto. O que não significa que alguém neste mundo de Deus esteja acima dos erros e das paixões humanas". Dilma sabe que os ministros do Supremo, como ela própria, podem errar. Sabe que as correções de rumo, se necessárias, poderão ser feitas nas instâncias devidas. Acima disso, sabe que cabe a ela resguardar a normalidade institucional, sem encorajar discursos golpistas. Dilma ensina a quem tiver sabedoria para aprender.

É com determinação, juízo e temperança que a presidente se fortalece.  

As incríveis Hulk - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 25/11


Lamento ser portadora de más notícias, mas o tempo faz você alargar. Apenas isso

Você nunca pensou em fazer cirurgia nos seios, nem para aumentá-los, nem para reduzi-los, pois está satisfeita com eles do jeito que são e não sente necessidade de transformar nada, ainda mais que já atingiu meio século de existência. Mas uma transformação aconteceu à sua revelia. Eles aumentaram um pouquinho de tamanho. Você não está grávida, naturalmente. Aconteceu. E, pensando bem, ficaram mais bonitos. E mais pesados, um perigo, você sabe por quê. Mas a vida segue.

Um dia você está no trabalho e sente um desconforto. Não entende bem a razão. Quando chega em casa, sente a compulsão de tirar o sutiã. Anda pela casa com tudo solto, seu marido acha que você está tendo uma recaída hippie, mas deixe ele pensar o que quiser. Consigo mesma, você dialoga: será que andei comprando um número menor do que costumo usar?

Passam as semanas e de novo a sensação de aperto. Não consegue mais atravessar o dia inteiro de sutiã, mesmo usando alguns muito confortáveis. Secretamente, você começa a usar os seus sutiãs mais velhos, aqueles que já estão meio folgados. Só quando há a promessa de uma noite de amor é que troca por um belo sutiã de renda bem justo, e na hora em que ele é aberto pelo felizardo com quem divide os lençóis, você solta um gemido de prazer antes da hora.

Hum. Tem alguma coisa estranha aí.

Você descobre o que é no dia em que recebe de presente uma camiseta de manga comprida. Tamanho médio, não tem erro, você usa o tamanho médio desde os 15 anos. Você a veste e está tudo ok, ela escorrega pelo tórax, e tem o cumprimento ideal. Se você for como eu, vai sair com o presente já no mesmo dia em que o recebeu. Sou do tipo que compra uma roupa numa loja e saio usando, não espero ocasiões especiais. Então, você usa a camiseta que ganhou no mesmo dia também, até que, durante o encontro com as amigas à tardinha, sente uma compressão no bíceps, igualzinho a quando seu marido a agarra enciumado para levá-la embora da festa.

Na hora de erguer o braço para fazer um brinde, tem a impressão que a camiseta rasgará na altura da axila. Quando chega em casa, mal consegue despi-la, parece uma roupa de neoprene, você se sente um surfista que acaba de sair do mar. Ao conseguir, depois de 10 minutos, se desfazer da camiseta, seus braços quase falam e agradecem: obrigada por nos devolver a circulação do sangue.

Calma. Pense. Você não está mais gorda. Alguém pode explicar?

Lamento ser portadora de más notícias, mas você alargou, apenas isso. Segue linda, mas seus braços não são mais aqueles dois gravetos de antigamente e suas costas não fazem mais os marmanjos suspirarem cada vez que usa frente única. Os ombros pontiagudos, outrora tão elegantes, deram uma arredondada.

Enfim, o tempo fez um preenchimento por conta própria no que antes era naturalmente delgado. Nada grave. Não tome nenhuma providência, pois isso não se resolve com dieta nem cirurgia. É o efeito colateral de continuar viva e saudável – não queria ter morrido esquelética aos 40, queria? Aumente a numeração do sutiã e siga vivendo como se nada estivesse acontecendo.

E, por cautela, reforce todas as costuras.

Um novo herói - ARTHUR XEXÉU


O GLOBO - 25/11

"Operação Skyfall", o 007 atualmente em cartaz, é certamente o melhor filme com o personagem de Ian Fleming dos últimos anos e, talvez, o melhor filme do agente secreto de todos os tempos. Quatro anos depois de sua última aparição no enigmático "Quantum of Solace" (tão enigmático que nem foi encontrado um título em português), a série reaparece rejuvenescida, embora "Skyfall" trate exatamente da maturidade de James Bond.

As aventuras protagonizadas pelo agente britânico com licença para matar já foram filmes de espionagem, quando eram estreladas por Sean Connery. Com o fim da Guerra Fria, tornaram-se comédias comandadas por Roger Moore. Viraram um produto meio híbrido, entre a comédia e o filme de ação, nos períodos em que o personagem foi vivido por Timothy Dalton e Pierce Brosnan. E pareciam inteiramente perdidas, sem um gênero específico, com maneirismos dos filmes de ação de nova geração, quando o espectador não entende muito bem o que está acontecendo e se empolga apenas com as explosões e correrias que se veem na tela, nos dois primeiros episódios que traziam Daniel Craig na pele do herói. Pois "Skyfall" redime o período Craig. É um filme de ação, é um filme de espionagem, dedica poucos diálogos e situações ao humor, atualiza-se com o terrorismo dos dias de hoje e acaba se transformando numa experiência cinematográfica fascinante.

O filme tem todos os clichês da série, mas dá uma rasteira em todos eles. Bond nunca foi tão vulnerável. Ele leva um tiro logo na primeira sequência, e, em 50 anos de vida, esta é apenas a segunda vez que o agente é atingido pelo inimigo (a outra foi em "007 contra a chantagem atômica", de 1965, ainda no período Connery). A vulnerabilidade do personagem tem a ver com a do ator que o interpreta. Embora já haja mais dois filmes da série em preparação, Daniel Craig tem se sentido pouco à vontade no papel. Aos 44 anos, ele acha que não tem mais idade para os desafios físicos de James Bond. Exagero do ator. Timothy Dalton tinha 45 anos quando fez Bond pela última vez, em "Permissão para matar". Pierce Brosnan já completara 49 em "Um novo dia para morrer"; Roger Moore, 58, em "007 na mira dos assassinos"; e Sean Connery, 53, em "Nunca mais outra vez".

Como em todos os 007, a primeira sequência é de tirar o fôlego, mas, pela primeira vez, acaba com o agente se dando mal. Também como em toda a série, há cenas em países exóticos, como Turquia e China, mas quase toda a ação se passa em Londres mesmo. Como de hábito, há um vilão temível, mas nunca houve em toda a franquia um vilão tão dúbio quanto o Raoul Silva de Javier Bardem.

Há as presenças de M, Q e Moneypenny, é claro. Mas M, que sempre surge em uma, no máximo, duas cenas, desta vez é praticamente a coprotagonista, aparecendo mais que qualquer Bond Girl. Como o papel é de Judi Dench, isso só traz mais qualidade ao filme. Q transformou-se num jovem nerd que também tem participação importante. E Moneypenny... bem, para quem ainda não assistiu ao filme, não vou revelar a surpresa. "Skyfall" traz ainda o veteraníssimo Albert Finney e o ótimo Ralph Fiennes, que, pelo jeito, estará nos próximos filmes da série também.

A direção de Sam Mendes trouxe um novo fôlego às aventuras do mais antigo agente secreto do cinema. "Skyfall" deixa, ao fim da projeção, a curiosidade de saber como serão os próximos filmes de 007. Para uma série que se mostrava debilitada, isso é sinal de que o filme é muito bom.

Cabral irrita Dilma - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 25/11

A presidente Dilma está incomodada com as gestões do governador Sérgio Cabral (PMDB) em defesa dos royalties. A interlocutores, comenta que ele está inflamando demais a população do Rio perto do prazo limite para ela sancionar ou vetar o texto, dia 30. O Planalto teme que a forma emocional como Cabral está conduzindo o processo acabe colocando um abacaxi no colo de Dilma

Planalto frustra movimento pró-Dirceu
Setores petistas e governistas ligados a José Dirceu começaram a se movimentar para que a presidente Dilma faça qualquer gesto em favor do ex-ministro, criticando a condenação por mais de dez anos imposta pelo STF. O grupo de Dirceu não ficou satisfeito com a única declaração da presidente, logo após a dosimetria de sua pena. Na ocasião, a presidente disse acatar as sentenças do STF e que não as discute. "O que não significa que alguém neste mundo de Deus esteja acima dos erros e paixões humanas", afirmou. Com esta frase, Dilma encerrou o capítulo mensalão e não fará nenhuma referência mais ao assunto.

“O governador Marconi Perillo tinha uma relação íntima, próxima, e o seu governo estava todo comprometido com os negócios do Sr. Carlos Cachoeira” 
Randolfe Rodrigues Senador (PSOL-RR)

Retrato do Brasil
A WWF-Brasil encomendou uma pesquisa ao IBOPE sobre a aplicação da Lei de Resíduos Sólidos. Resultado: o brasileiro está disposto a separar o lixo em casa, mas não aceita de forma alguma pagar uma taxa para ter a coleta seletiva.

O espaçoso
O ministro Aloizio Mercadante (Educação) acha que ainda é ministro da Ciência e Tecnologia. Na Espanha, deu um chega pra lá no ministro Marco Antônio Raupp e anunciou novidades do Ciência sem Fronteiras, para uma comitiva presidencial atônita. De seu gabinete, vive ligando para a antiga pasta pedindo informações.

O fim do mundo Maia
A despeito da profecia Maia do fim do mundo no dia 12/12/12 às 12h12min12s: o Brasil estará sendo governado justamente por Marco Maia, presidente da Câmara. A presidente Dilma estará na Rússia e o vice Michel Temer em Nova York.

Hora do acerto
O Planalto admite que errou ao não conversar com o governo de Minas Gerais sobre concessões da Cemig e determinou força-tarefa para resolver a questão. Ministérios e estatal estão em contato e a expectativa é que haja acordo antes de 4 de dezembro, prazo de adesão à renovação das concessões. A presidente Dilma e o governador Antonio Anastasia farão o anúncio juntos.

As exceções criam nova regra
O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) acusa o governo de ter feito, de MP em MP, uma nova lei de licitações. Primeiro foram as exceções para Copa e Olimpíadas, depois para o PAC e obras da Educação. E agora para as obras da saúde.

Superando metas
O Brasil sem Misérias conseguiu matricular 20 mil alunos a mais do que o previsto para 2012 em cursos profissionalizantes para que, a médio prazo, deixem de depender dos programas sociais. A meta eram 230 mil até dezembro.

A DISPUTA pela liderança do PMDB está afunilando em direção a três nomes: Eduardo Cunha (RJ), Marcelo Castro (PI) e Sandro Mabel (GO).

PARTIDO DA LULUZINHA
O Brasil já tem 30 partidos. Mas há quem ache pouco. Além da volta da Arena, criada pela ditadura em 1966 para dizer “sim, senhor”, outras 12 legendas, acredite, estão em processo de formação. Uma delas leva o nome de... Partido da Mulher Brasileira (PMB). Mas homem seria bem-vindo:

— Mulher só entra em destaque na política quando os homens dão brecha. Princesa Isabel só assinou a Lei Áurea quando o marido saiu de cena. Quero um partido que lute pela conscientização da importância do voto feminino. As mulheres não deveriam ser obrigadas a trocar de título quando mudam seu estado civil — reivindica Suêd Haidar, 53 anos, presidente do PMB.

As mulheres são 52% da população brasileira. Desde 2008, Suêd, com pouca maquiagem e algum salto alto, corre o país atrás de assinaturas para o registro definitivo no TSE. Já conseguiu 478 mil. Enquanto isso, é filiada ao PTdoB, presidido por... um homem. Faltam 75 mil assinaturas. Em quatro anos, já montou diretórios em 11 estados. De 11 presidentes regionais, só três são mulheres. Suêd confessa que é difícil achar mulher interessada. Uma militante, diz, não entrou para o PMB por um detalhe: “Tenho que ouvir meu marido.” Ele foi contra.

No segundo casamento há 37 anos, mãe três filhos e avó de uma menina de 5 anos, Suêd conta que nunca dependeu de homem. Filha de ex- faxineira, foi lavadeira em São Luiz Gonzaga, MA, e quebrou coco e pedra para sobreviver. Chegou ao Rio em 1977 e foi uma das primeiras mulheres metalúrgicas do Estaleiro Caneco. Era soldadora. Católica, formou-se assistente social e criou um curso de pedreiro para mulheres na Arquidiocese.

Suêd, que teve a ideia de criar um partido de mulheres em 2000, chama Dilma de “presidenta” e não esconde a simpatia pela chefe do Executivo. Sobre Maria Madalena, a prostituta perdoada por Jesus, está convencida: “Ela só se curvou diante do filho de Deus.”

Na Creche Comunitária Luiz Carlos Prestes, que fundou na Pavuna, na Zona Norte do Rio, ela sofreu a influência da tia Maria José Aragão, comunista. Ex-pedetista, jura que sempre esteve na oposição, mas não pinta a cor ideológica do seu PMB: “No Brasil, hoje, a esquerda se alia à direita e vice-versa.” Mas aí essa é outra história.
Jorge Antonio Barros

Astroteologia: breve introdução - MARCELO GLEISER

FOLHA DE SP - 25/11


Vivemos numa época peculiar, na qual o que antes era província da religião faz parte da ciência


Nós, humanos, somos seres limitados. Criativos e inovadores, conseguimos ampliar em muito a nossa compreensão do mundo por meio da aplicação diligente da razão e, complementarmente, das artes.

Isso porque, se a ciência e as artes têm algo em comum, é justamente a tentativa de estender nossa visão de mundo, de ampliar as fronteiras do conhecimento, revelando aspectos inusitados do real. Um teorema e um poema são reflexões do possível, seja o concreto ou o onírico. A imaginação lança mão de todos os recursos à sua disposição para dar sentido à existência.

Talvez seja por isso que o teólogo americano Reinhold Niebuhr escreveu que "o homem é o seu maior problema". Nossas filosofias, ciências e religiões são tentativas de compreender a existência apesar de nossa miopia, isto é, de nossas limitações sobre o que vemos e entendemos.

Nessa busca, não é coincidência que a crença religiosa funcione como uma bússola para tantas pessoas. Como explicar a origem do Universo? Ou da vida? Ou por que temos uma mente capaz de refletir sobre essas questões complexas?

Tais questões são, hoje, parte da pesquisa científica de ponta. Vivemos numa época peculiar, em que o que antes era província exclusiva da religião faz parte do discurso rotineiro da ciência. Porém, por não termos ainda respostas, essas questões continuam nos assombrando.

Talvez um dos dilemas da humanidade seja a angústia de poder contemplar o divino sem sê-lo. Temos a capacidade de imaginar a perfeição, a ausência de dor, a imortalidade; mas, tirando a ficção e a fé, não temos como transcender nossa realidade carnal, os limites temporais e espaciais. Ou será que temos?

Considerando que a ciência moderna tem apenas quatro séculos (marcando seu início com Kepler e Galileu), e percebendo o quanto já fizemos em tão curto prazo, imagine o que nos espera em mil anos?

Ou 10 mil anos, se, claro, não nos destruirmos antes disso. A ciência nos permite já uma manipulação dos genes de criaturas, a ponto de podermos modificar o que comemos e mesmo alcançar curas diversas.

Extrapolando a expansão tecnológica para o futuro, alguns afirmam que, em algumas décadas, chegaremos a um ponto em que nossa hibridização com máquinas será tão profunda que não poderemos mais nos dissociar delas. Caso essas previsões se concretizem -e, a meu ver, já estão ocorrendo-, seremos, como escrevi aqui recentemente, uma nova espécie, além do humano.

Agora imagine que, tal como nós, outras criaturas inteligentes em algum canto da galáxia descobriram a ciência. Só que o fizeram, digamos, 1 milhão de anos antes de nós, o que em termos cósmicos não é nada.

Essas criaturas teriam se transformado completamente ao se hibridizar com máquinas. Seriam, talvez, apenas informação, existindo em campos energéticos no espaço.

Teriam o poder de criar vida, escolhendo suas propriedades. Poderiam, por exemplo, ter nos criado, ou a alguns de nossos antepassados, como parte de um experimento. Poderiam, por exemplo, estar nos observando, como nós observamos animais no zoológico ou no laboratório. Essas entidades imateriais, mas existentes, seriam nossos criadores. Seriam eles deuses, mesmo se não sobrenaturais?

Amor de pessoa - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 25/11


“Carpinejar, socorro! Conheci uma mulher pela internet, houve muitas conversas, ela estava extremamente empolgada sempre com a situação, assuntos diversos, inclusive intimidades. Finalmente fui conhecê-la pessoalmente, porém a empolgação dela parece que desapareceu, rolaram uns beijos e carinhos de ‘adolescente’, fiquei na casa dela, conheci a família. Em público, nada além de segurar as mãos discretamente. Segundo ela: ‘Sou um amor de pessoa’. Mas ela se afastou e não sabe explicar. Como devo reagir sem ser um chato? Como manter a história sem perder para seus medos? Abraço Xico”

Querido Xico,

Quando uma mulher nos chama de amor de pessoa, ela já não tem nenhum interesse.

Amor de pessoa é o mesmo que chamá-lo de simpático, é um esforço educado. Não traduz encantamento, atração, enamoramento.

Amor de pessoa é criação de tia, tem uma carga assexuada.

Amor de pessoa é uma declaração de amizade.

Amor de pessoa é dizer que a família lhe adorou, só que não houve química.

Amor de pessoa é a afirmação de que não ficarão juntos, apesar dela gostar de sua companhia.

Não existe como namorar por antecipação, por dote na linguagem. Impossível acertar um relacionamento antes de se conhecerem.

Sei que vocês tiveram uma longa troca de mensagens e de conversas virtuais. Sei que confessaram suas vidas como se fossem feitos um para o outro.

Mas escrever é amizade, só se encontrar pode ser amor. Escrever é vontade de ser feliz, não significa felicidade.

A palavra não é fiadora da eternidade.

Ela criou uma expectativa contigo que não se confirmou. Ficou desapontada com a própria idealização. Ainda tentou experimentar a possibilidade com beijos e carinhos.

É muito natural a frustração após demorado e sonhado envolvimento. Não é problema seu, não é fácil mesmo criar uma ligação apaixonada de pele, de rosto, de beijo.

As coisas são simples: quem ama não se explica e permanece ao lado, quem não ama também não se explica porém se afasta.

A falta de explicação no caso é que ela desejava evitar a grosseria do fim abrupto. Está constrangida das promessas românticas que escreveu e não levou a cabo. Prometeu namoro e não contou com resposta do corpo.

Todos afirmam que a aparência não faz diferença, faz sim, escolhemos nosso par por aquilo que ele representa.

Ela tem o direito de se desagradar. De voltar atrás. De recuar. De mudar de opinião. Não tem como convencer alguém a gostar da gente.

O melhor para nós talvez não seja de nosso agrado.

Ser especial - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 25/11


Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?


AFINAL, QUAL a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando -e aumentando- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio.

Um homem que começa do nada, por exemplo: no início de sua vida, ter um apartamento era uma ambição quase impossível de alcançar; mas, agora, cheio de sucesso, se você falar que está pensando em comprar um com menos de 800 metros quadrados, piscina, sauna e churrasqueira, ele vai olhar para você com o maior desprezo -isso se olhar.

Vai longe o tempo do primeiro fusquinha comprado com o maior sacrifício; agora, se não for um importado, com televisão, bar e computador, não interessa -e só tem graça se for o único a ter o brinquedinho. Somos todos verdadeiras crianças, e só queremos ser únicos, especiais e raros; simples, não?

Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?

As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem -e se for o vídeo, pior ainda- de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros -não é melhor ficar por aqui mesmo?

Viajar ficou banal e a pergunta é: o que se pode fazer de diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que se é um ser raro, com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?

Até outro dia causava um certo frisson ter um jatinho para viagens mais longas e um helicóptero para chegar a Petrópolis ou Angra sem passar pelo desconforto dos congestionamentos. Mas hoje esses pequenos objetos de desejo ficaram tão banais que só podem deslumbrar uma menina modesta que ainda não passou dos 18. A não ser, talvez, que o interior do jatinho seja feito de couro de cobra -talvez.

É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas coisas os ricos perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, Carnaval também não, e ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça.

Seguindo esse raciocínio, subir o Champs Elysées numa linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como você, podem desfrutar do mesmo encantamento.

Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas -assim como Nova York, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e japoneses, chega-se à conclusão de que o mundo está ficando pequeno.

Para os muito exigentes, passa a existir uma única solução: trancar-se em casa com um livro, uma enorme caixa de chocolates -sem medo de engordar-, o ar-condicionado ligado, a televisão desligada, e sozinha.

E quer saber? Se o livro for mesmo bom, não tem nada melhor na vida.

Quase nada, digamos.


A lista de Wilkerson - SÉRGIO AUGUSTO

O ESTADÃO - 25/11


Fundador do Hollywood Reporter tem lugar de honra entre os vilões do macarthismo, ao lado de Disney, Reagan e cia.



Faz hoje 65 anos que Hollywood começou a escrever a página mais dolorosa e vergonhosa de sua história. Em 25 de novembro de 1947, ironicamente na antevéspera do Dia de Ação de Graças, os cinco mais poderosos chefões da indústria cinematográfica americana reuniram-se com o mandachuva da Motion Pictures Association of America (MPAA) para formalizar um expurgo ideológico em massa nos estúdios de cinema e televisão. O pogrom anticomunista, maldito fruto da Guerra Fria em botão, ficaria conhecido como "caça às bruxas" e destruiria a carreira e, em alguns casos, a vida de um punhado de atores, diretores, roteiristas, produtores e músicos supostamente de esquerda ou ligados ao PC americano.

A data talvez passasse em branco se o diário oficioso do show business, The Hollywood Reporter, o Variety da Costa Oeste, não tivesse se lembrado dela de forma tão estrepitosa no início da semana. Não para celebrá-la, mas para exorcizá-la e fazer um surpreendente e contundente mea-culpa. Afinal, foi em suas páginas que a caça às bruxas em Hollywood de certo modo teve início, instigada por William Billy Wilkerson, fundador, editor e colunista do jornal. W. R. Wilkerson, filho de Billy e atual responsável pela publicação, encheu-se de brios e pediu desculpas pelo vexame paterno. Tardias, inúteis, mas de qualquer modo um beau geste.

A contrição foi completa, com uma longa reportagem sobre a participação de Billy na inquisição macarthista e entrevistas com cinco de seus sobreviventes (entre os quais o roteirista Walter Bernstein, 93 anos, e as atrizes Marsha Hunt, 95, e Lee Grant, 85), mais um depoimento dos atores Kirk Douglas (que em 1960 teve a coragem de convidar o banido Dalton Trumbo para escrever o roteiro de Spartacus e estampar seu nome nos créditos) e Sean Penn (cujo pai, Leo Penn, foi demitido da Paramount por seu ativismo no sindicato dos atores). Bernstein já fizera seu exorcismo (ou, melhor dito, sua catarse) 37 anos atrás, ao escrever o roteiro de Testa de Ferro por Acaso (The Front), o primeiro longa hollywoodiano a abordar, em clave cômica, o trevoso período em que os roteiristas postos na lista negra só encontravam trabalho ocultos por pseudônimos ou acobertados por profissionais de ficha limpa.

Num sábado de julho de 1946, Billy Wilkerson, um cinquentão carola de bigodinho cafona que desde a década anterior dependia da publicidade dos estúdios para manter o Hollywood Reporter em circulação, ajoelhou-se no confessionário de uma igreja de Sunset Boulevard e abriu seu coração para o padre Cornelius J. McCoy. Fazia um ano que sua coluna batia firme no Screen Writers Guild, tido por ele como uma "cabeça de praia vermelha", dominada por escritores empenhados em infiltrar subliminares mensagens subversivas em seus roteiros; mas uma dúvida o atormentava: deveria ou não radicalizar sua cruzada anticomunista?

"Manda brasa, Billy", aconselhou o padre. E Billy mandou.

Na edição de 29 de julho, o Hollywood Reporter publicou uma lista de "simpatizantes do comunismo", encimada por Trumbo e Howard Koch, um dos roteiristas de Casablanca. Oito dos nove preliminarmente apontados acabaram caindo na malha fina do Comitê de Investigações sobre Atividades Antiamericanas (Huac, na sigla em inglês), Santo Ofício laico criado em 1938 por sugestão de um deputado texano para combater os "excessos socializantes" do New Deal rooseveltiano. Abertas as comportas da delação, outras listas, de variada procedência, galvanizaram a cruzada.

Até que, 16 meses depois, em 25 de novembro de 1947, houve a tal reunião dos caciques hollywoodianos - Louis B. Mayer (pela MGM), Samuel Goldwyn, Harry Cohn (Columbia), Barney Balaban (Paramount), Albert Warner (Warner) - com Eric Johnston, da MPAA, no hotel Waldorf-Astoria, em Nova York, e as trevas baixaram sobre Hollywood. No Hollywood Reporter do dia seguinte, a regozijante manchete: "Estúdios vão demitir os '10 hostis'". Hostis (ou inamistosos) porque, dias antes, amparados na Primeira Emenda da Constituição, haviam se recusado a depor e delatar colegas para o Huac.

Embora as suspeitas de "persuasão subliminar", "contrabando de ideias socialistas" e paranoias que tais realejadas pela direita não tivessem o menor fundamento, os escritores e roteiristas Dalton Trumbo, Alvah Bessie, Lester Cole, Ring Lardner Jr., John Howard Lawson, Albert Maltz e Samuel Ornitz, os diretores Edward Dmytryk e Herbert Biberman, e o produtor Adrian Scott - consagrados como "Os Dez de Hollywood", perderam seus empregos, foram presos e por fim banidos da indústria. O que se viu em Testa de Ferro foi puro wishful thinking: nenhum integrante da lista negra peitou o comitê como o personagem de Woody Allen.

Com ou sem o dedo duro de Billy Wilkerson, todas as desgraças posteriormente batizadas com o nome do senador Joseph McCarthy teriam acontecido, mas não é justo que seu papel tenha sido negligenciado por tanto tempo pela maioria dos estudiosos e historiadores do período. O fósforo que acendeu o primeiro rastilho estava em sua mão; seu empurrão foi decisivo. Sabujo dos grandes produtores, cupincha de gângsteres, informante do FBI, Billy merece lugar de honra entre os grandes vilões do macarthismo, fazendo companhia a Cecil B. De Mille, Walt Disney, Ronald Reagan (que então dirigia a guilda dos atores e de quem Wilkerson era compadre), Adolphe Menjou, Robert Montgomery, Sam Wood, Ayn Rand e outros ilustres coadjuvantes de uma tragédia coletiva, cheia de som e fúria significando muita coisa-e acima de tudo repleta de covardes, omissos e canalhas.

Retrocesso - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 25/11


A dispensa de Mano Menezes é inoportuna. Em dois anos no cargo, ele acertou mais que errou


A dispensa de Mano Menezes é um retrocesso. Em dois anos, ele acertou mais que errou. Acertou, principalmente, na concepção de jogo coletivo. Errou, principalmente, em algumas convocações e escalações.

A seleção principal tem marcado por pressão, comandado as partidas, jogado com a bola no chão e com mais troca de passes, que era o estilo brasileiro. O time não deu um chutão contra a Colômbia. Provavelmente, vai entrar um técnico tradicional, desses que ajudaram na transformação do estilo brasileiro, que gostam de chutões, de pegada, de jogadas aéreas, de volantes brucutus, de marcar mais atrás para contra-atacar e de um centroavante parado, esperando a bola.

Mano estava certo em deixar o centroavante fixo como opção. O ataque da seleção principal ficou mais imprevisível, envolvente e com mais mobilidade. Além disso, não existe, no Brasil, um típico e excepcional centroavante, para o nível de uma seleção brasileira. Fred é hoje o melhor. Não adianta também ter um artilheiro, e o ataque jogar mal.

Mano Menezes também cometeu erros. Se o Brasil quiser ganhar de uma grande seleção, o que não ocorreu sob o comando do técnico, não pode ter dois jogadores no meio-campo e quatro só no ataque. Vira o antigo 4-2-4 dos anos 1950. Um meia de cada lado tem de marcar o lateral adversário. Isso não ocorreu ante a Colômbia e em outros jogos.

Na final da Olimpíada, inexplicavelmente, trocou Hulk pelo lateral Alex Sandro, para ser o secretário de Marcelo. Quando percebeu o erro, já era tarde. Contra a Colômbia, escalou Thiago Neves e Leandro Castán. Se fosse para Thiago Neves marcar o lateral Cuadrado, teria um motivo. Nem isso ele fez. Castán não foi zagueiro nem lateral.

Mano e um grande número de treinadores de clubes e seleções, do Brasil e de todo o mundo, sofrem de um problema crônico, geralmente incurável, que é o de ter um rei, ou melhor, um deus na barriga. Eles escutam apenas os auxiliares. Para os técnicos, auxiliar bom é o que quase não fala, nunca discorda do chefe nem sonha em ser treinador.

A decisão da CBF é inoportuna, no momento em que a seleção começava a agradar. Imagino que o Marin já tinha decidido a saída de Mano há mais tempo. Deve ter decidido tirá-lo agora para não correr o risco de a seleção ganhar a Copa das Confederações e com isso ter de manter o técnico.

Felipão deve ser o escolhido, por seu carisma e aceitação popular. Já é consultor do Ministério do Esporte. Será treinador e garoto-propaganda da Copa de 2014.

A CBF está preocupada com o desencanto do torcedor com a seleção. Para empolgar o público, investidores e marqueteiros já sonham com o nacionalismo exacerbado, com

milhares de bandeiras brasileiras nas janelas, como ocorreu em Portugal, quando Felipão era técnico da seleção do país.

Itaparica outra vez na vanguarda - JOÃO UBALDO RIBEIRO

O GLOBO - 25/11

Os réus fizeram foi uma lambança só, tão incompetente que deu no que deu



Embora fique com vontade, não preciso relembrar aqui o papel marcante desempenhado por Itaparica, em toda a História do Brasil. Já falei sobre isso muitas vezes, mas a ingratidão de uns e outros volta e meia me faz querer repetir o extenso e glorioso inventário de nossa participação nos grandes eventos nacionais, desde a época da chegada de Cabral. Nem é preciso dizer que o julgamento do mensalão tem tido muita repercussão na cidade e concentrou as atenções no Bar de Espanha, só perdendo para o Vitória e o Bahia. Já se fazia tardar um breve relato dessa repercussão e, pedindo desculpas pela demora, me apresso a narrar o que me deram a conhecer.

Por uma questão de amizade e consideração, havia o consenso de não se tocar no assunto na presença de Zecamunista. Como se sabe, ele estava muito empolgado com seu Instituto de Corrupção Aplicada, destinado à formação de futurosos corruptos profissionais. Não apenas fez uma inesperada promessa a São Dimas, o padroeiro dos ladrões, como, no caso de absolvição dos réus, ofereceria 24 horas de pizzas de graça a quem aparecesse. Então, no momento em que seus sonhos aparentemente haviam caído por terra, não ficava bem mexer na ferida, é nessas horas que se conhecem os amigos.

Mas, como quase sempre acontece, o velho agitador surpreendeu a todos. Logo depois da afirmação do ministro da Justiça a respeito de sua preferência por morrer em lugar de entrar em cana no Brasil, ele entrou no bar muito sorridente, de boné novo, com foice e martelo de metal polido e o brasão de Stalingrado bordado na aba. Apertou a mão de cada um, dirigiu-se a Manolo e comunicou que pagaria uma ou duas rodadas de cerveja para os presentes.

— Se eu não fosse contra o ópio do povo — disse ele — afirmaria que se trata de um milagre. Atiramos no que vimos, matamos o que não vimos!

Ao contrário do que ele próprio tinha pensado, agora a necessidade de formação especializada para o corrupto estava mais evidente do que nunca. Como se viu, o que os réus fizeram foi uma lambança só, tão incompetente que deu no que deu. Eles ficam querendo botar a culpa nos outros, é natural, é muito chato ter de reconhecer que a culpa é da trapalhada que eles mesmos bolaram, armaram e executaram. Já conversara com uma socióloga amiga sua e encomendara um belo estudo de caso. Era uma moça moderna e, com perdão das senhoras presentes, o título será “Um estudo de caso: como assumiram o poder e aprontaram uma cagada federal”. Isso nunca aconteceria com um corrupto habilitado, mesmo que também fosse politicamente asnático. As condenações só vieram reforçar a necessidade da criação do Instituto, os pedidos de matrícula se multiplicaram, o futuro se afigurava melhor que nunca.

— Mas não é isso que eu chamo de milagre, meus caros senhores! — exclamou, pondo-se repentinamente de pé, a voz já fremindo, como em velhos comícios. — O que eu chamo de milagre é a oportunidade de ouro que se oferece, a chance histórica, mais uma vez, diante da Denodada Vila de Itaparica! Ninguém viu, ninguém percebeu, ninguém inferiu?

Não, não, ninguém vira nem percebera nada e alguns se acharam na contingência de confessar que não sabiam o que vinha a ser inferir. E não tinham ouvido o ministro dizer que preferia morrer a ir para a cadeia no Brasil? Tinham, tinham, mas isso não era novidade nenhuma. Tirante a cadeia do tempo do coronel Ubaldo, quando quase nunca tinha preso e, quando aparecia um, era uma festa, com o pessoal botando umas cadeiras no alpendre depois do almoço, para prosar, tomar fresca debaixo das mangueiras e se inteirar das novidades pelo preso, tirante esse tempo que não volta mais, cadeia é uma desgraça mesmo. Daí para inferir, contudo, a distância deve ser grande, porque ninguém estava inferindo nada.

Zeca sentou-se novamente e aos poucos conteve o arroubo. Claro, o ministro tinha razão, embora não houvesse deixado bem claro se tencionou recomendar pena de morte ou suicídio para os condenados. Como anfitrião, ficara envergonhado das acomodações disponíveis para os novos presos, é de fato um vexame e imaginem-se fotos deles na imprensa internacional, empilhados em alguma masmorra imunda, realmente seria muito ruim para a nossa imagem. Mas aí é que estava a grande sacada! Ele mesmo, Zecamunista, tivera o cuidado de visitar a cadeia de Itaparica. Não estava tão ruim, mas, mesmo que estivesse muito boa, o município precisava urgentemente investir numa cadeia nova. Alugar um belo casarão sombreado por árvores frondosas, botar umas grades artísticas, decorar com motivos do Recôncavo e aí — aí, meus amigos, oferecer a cadeia itaparicana para alojar os presos ilustres!

Sentiram? Sentiram o alcance? Ninguém ia poder reclamar das condições da cadeia e, ao mesmo tempo, ninguém ia poder dizer que não é cadeia. A ilha ia receber os presos de braços abertos e, principalmente, o grande movimento de visitantes, haja pousadas, restaurantes e lojas! Primeiro, os turistas turistas mesmo, até do estrangeiro. Segundo, a imprensa, os amigos dos presos, visitas íntimas, dia dos pais, dia das mães e por aí vai. E, terceiro, os correligionários! As caravanas solidárias, as manifestações de protesto em frente à cadeia! Itaparica no olho do mundo e faturando por todos os lados! Há que agir depressa, pois outras cidades podem roubar a ideia, todo mundo quer ter essa distinção, todo mundo vê o potencial mercadológico, qualquer cidade botaria faixas nas ruas para receber esse pessoal e dizer “a cadeia deles é aqui”.

— Mas a ilha não tem rival, nosso trunfo é esse, todo mundo que vem pra cá melhora — concluiu Zeca. — O objetivo da pena não é recuperar o meliante para o convívio social? Daqui eles vão sair regenerados.

Crime e castigo - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 25/11


Punir é, portanto, afirmar a equidade entre os cidadãos, sem o que as normas sociais perdem significação


VAMOS PENSAR juntos: você acha que seria viável uma comunidade humana sem leis, sem normas? Claro que não, porque onde não há normas a serem obedecidas, impera a lei do mais forte, o arbítrio.

Todos sabemos que a natureza não é justa, já que faz pessoas saudáveis e pessoas deficientes, pessoas belas e pessoas feias, talentosas, mas sem talento outras. Isso é o óbvio, mas nem todo mundo tem a inteligência de um Albert Einstein ou o talento musical de um Villa-Lobos. A justiça é, portanto, uma invenção humana, porque necessitamos dela.

De certo modo, a aplicação da Justiça decorre da necessidade de normas que regulem a sociedade -e que são resultado de uma espécie de acordo tácito, que torna todos, sem exceção, sujeitos a ela. Quem as viola deverá ser punido.

É chato ter que punir, mas, se não houver punição, as normas sociais correm o risco de não serem obedecidas, o que levará a sociedade à desordem total. Ao mesmo tempo, não é justo que todos sejam obrigados a obedecer às normas e que aqueles que não as obedeçam não paguem por isso.

Daí a instituição da Justiça na sociedade, que foi criada para que o cidadão que desrespeite as normas seja punido e passe a obedecê-las. A punição, portanto, não é represália, vingança da sociedade contra o transgressor: é o recurso de que ela dispõe para fazer justiça e manter o respeito às leis sem as quais o convívio social se torna inviável.

Faço essas óbvias considerações porque, como já observei aqui noutra ocasião, a impressão que se tem, muitas vezes, é de que punir é algo que só se deve fazer em último caso e do modo mais leve possível.

Participo, em parte, dessa opinião, desde que não implique em anular totalmente o objetivo da punição, que é manter a obediência dos cidadãos às normas que regem o convívio social. Se o princípio de justiça é de que todos são iguais perante a lei, a não punição de quem a viole é a negação desse princípio.

Isso é tanto mais grave quando se trata de pessoas ricas e poderosas que, em nosso país, dificilmente são punidas. Todos são iguais, mas há aqueles que são mais iguais.

Punir é, portanto, afirmar a vigência da lei e a equidade entre os cidadãos, sem o que as normas sociais perdem significação.

Isso fica ainda mais evidente se nos lembramos de como a punição funciona no futebol. Ali, como na vida social, todos estão sujeitos às mesmas normas, graças às quais o jogo se torna possível. E ali, como na vida, quem viola as normas deve ser punido, e com penas que variam de acordo com a gravidade da falta cometida. Se um jogador de um dos times chuta o adversário dentro da pequena área, a punição é o pênalti. Se o juiz não pune o infrator, o jogo perde a graça, e os torcedores se revoltam.

Na sociedade, também. Por isso, de vez em quando, vemos pessoas na rua se manifestando contra a falta de punição a indivíduos que, muitas vezes, não respeitam nem mesmo a vida humana.

A punição não é pura e simplesmente castigo pelo mal ou erro cometido. Nela está implícito o intuito de educar o infrator, de levá-lo a compreender que mais vale obedecer às normas sociais do que violá-las. Isso não significa, no entanto, que todo infrator, ao ser punido, passe a obedecer às normas sociais.

Sabemos que tal coisa nem sempre acontece, pois muitos deles jamais abandonam a prática do crime. Se isso não justifica tratar a todos como irrecuperáveis, tampouco implica em ver a punição como um abuso da sociedade contra o indivíduo. É igualmente inadmissível manter os presos em condições carcerárias sub-humanas.

Se faço tais considerações, é porque tenho a impressão de que nossos legisladores e os responsáveis pela efetivação da Justiça parecem ter esquecido o verdadeiro propósito da punição.

Sentem-se culpados em punir e, por essa razão, criam leis ou as aplicam de modo a, por assim dizer, anular a punição. Frequentemente, um prisioneiro deixa a prisão para visitar a família, some e volta ao crime. E você acha mesmo que um jovem de 16 anos não sabe que roubar e matar é errado? Mas nossas leis acham que não.

Tal procedimento não ajuda a ninguém. Quando um juiz de futebol pune o jogador que comete falta, não está praticando uma maldade, está seguindo a norma que permite que o jogo continue.

DAVID COIMBRA - BEBER VENENO POR LICOR SUAVE

ZERO HORA 25/11


Com cinco anos de idade, Lope de Vega lia e escrevia em espanhol e latim. Cresceu e transformou-se em amante e poeta profícuo. As mulheres levavam-no a sofrer, e o sofrimento levava-o a produzir. Criava tanto e com tamanha rapidez que os contemporâneos o chamavam de “Monstro da Natureza”. Foi autor de cerca de duas mil obras, entre elas umas 1,4 mil peças de teatro. Nasceu num 25 de novembro como o deste domingo, há 450 anos cheios. Morreu triste.

O brasileiro Andrucha Waddington dirigiu um bom filme sobre um naco da vida do mestre espanhol. Lope, o título. Na cena final é declamado um lindo soneto de autoria do Monstro da Natureza. Reproduzo-o:

Desmaiar, atrever-se, estar furioso,

áspero, terno, liberal, esquivo,

alentado, mortal, defunto, vivo,

leal, traidor, covarde e corajoso ;

não ter fora do bem centro e repouso;

mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,

valente, aborrecido, fugitivo,

satisfeito, ofendido, receoso;

virar o rosto a um claro desengano,

beber veneno por licor suave,

esquecer o proveito, amar o dano;

acreditar que um céu no inferno cabe,

dar a vida e toda a alma a um desengano,

isto é amor: quem o provou o sabe.

Vê-se, pelo poema, que a sina de Lope era tornar-se vítima do amor romântico. Nem os que demonstram gênio aos cinco anos de idade estão livres deste mal.

O meu guri

Meu filho tem cinco anos, mas não lê e escreve em espanhol e latim, como Lope de Vega. Nem compõe músicas imortais e assombra a Europa, como Mozart fazia com essa idade.

Não, não, meu filho brinca de carrinho e Batman, pedala bicicleta com rodinhas de apoio e reluta em abandonar o bico, deve ser bem bom chupar um bico. Recentemente, porém, ele demonstrou evolução ao passar do Discovery Kids para o Gloob. Se você acha pouco é porque nunca teve de assistir Hi Five.

Olhando para o meu filho, e pensando em Lope de Vega e Mozart, percebo a verdade: devia haver algo de muito errado com Lope de Vega e Mozart.

Praça 15 E Plaza Mayor

Existem plazas mayores em diversas cidades espanholas, mas a Plaza Mayor (foto) de verdade é a de Madri. Aquela é que é a maior Plaza Mayor. Para um brasileiro, trata-se de um curioso conceito de praça, sem árvores, flores ou arbustos. A praça, no caso, é um retângulo formado por prédios com bares, restaurantes e lojas, tendo uma estátua equestre no centro e nada mais. Sentei-me à mesa de um desses bares, nos anos 90, pedi uma sangria e fiquei observando as pessoas no entorno.

Então, concluí: nós, porto-alegrenses, temos cá a nossa Plaza Mayor. É a Praça 15, bem no centro da cidade, em frente a um dos prédios mais belos da Capital, que é o Mercado Público, ladeada pelo histórico Chalé, tendo ao fundo o palacete da prefeitura.

A Praça 15 tem todas as qualidades de uma Plaza Mayor: o espaço para circulação de pessoas, a beleza da arquitetura do entorno, a localização estratégica. O problema é que a Praça 15 é habitada por punguistas e descuidistas que atacam os transeuntes e os roubam sem pejo nem medo, certos de que, se forem presos um dia, no outro estarão soltos.

Além disso, e também por causa disso, os bares e restaurantes da Praça 15 não são exatamente do tipo que atrai turistas. E, à noite, a praça, que deveria ser exatamente isso, uma praça, é transformada em vulgar estacionamento. Uma pena. A praça é do povo, como diria Caetano, mas muitos acreditam que o que é do povo não pode ser bom.

Sem Plumas

Se você ler Sem Plumas, de Woody Allen, vai se servir de uma das fontes da qual bebeu o grande Luis Fernando Verissimo.

Os leitores reclamam que às vezes indico livros que estão esgotados. Ora, os leitores têm de se esforçar na garimpagem! Nada é impossível no mundo do Google, lembre-se. No caso de Sem Plumas a busca não será difícil. O livro foi lançado em pocket pela L&PM.

Leia um trecho de um dos textos, Excertos de um Diário:

“Uma ideia para um conto: Um homem acorda e descobre que seu papagaio foi nomeado ministro da Agricultura. Morre de inveja e tenta suicidar-se, mas seu revólver é daqueles que disparam uma bandeirinha com a palavra ‘Bum!’ A bandeirinha acerta seu olho e ele sobrevive, passando a levar uma vida monástica, na qual se dedica aos pequenos prazeres da vida, tais como plantar cenouras ou sentar-se sobre bueiros”.

Não é verdadeiramente Verissimo?

O paraíso

A Praça 15 era chamada de “Praça do Paraíso” no século 19. Porque havia ali uma casa em que viviam “moças cantadeiras”, nas palavras cautelosas de Antônio Alvares Pereira Coruja, autor das Antigualhas, que são, provavelmente, as mais antigas crônicas sobre Porto Alegre.

Coruja, obviamente, estava se valendo de um eufemismo. Não era por causa da harmonia das vozes das moças cantadeiras que os porto-alegrenses da época chamaram o lugar de Paraíso.

Pecou-se no Paraíso da Porto Alegre daquele tempo, como se pecou no primeiro dos paraísos.

Depois, a Praça virou de tudo, até depósito de lixo. E, no século passado, foi transformada em ponto da maioria dos ônibus da cidade. Era ali que eu desembarcava do Bordini Linha 20 todas as manhãs para ir trabalhar. Era ali que eu tomava o Ipiranga-PUC todas as noites para ir para a Famecos.

Hoje! Galvão entra em erupção! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 26/11


Galvão aos domingos causa indisposição pro resto do dia! Vai gritar mais do que viúva tirando atraso


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! É hoje! Fórmula 1 em Interlagos! Dia de zoada de pernilongo. Corrida de muriçoca! Zuum! Zuuum! Zuuuum!

E hoje as maria-gasolinas vão pra Interlagos pegar piloto, aí confundem os macacões e acabam dando pro borracheiro. Borracheiro é que se dá bem em Fórmula 1! Borracheiro e flanelinha!

E hoje o Galvão entra em erupção! Galvão aos domingos causa indisposição pro resto do dia! Vai gritar mais que viúva tirando atraso de cinco anos. Tentar gritar. Porque tá mais rouco que a Foca da Disney! E acho que o Alonso é o único espanhol que não tá quebrado.

E a novelha da Locória Perez enfoca tráfico de mulheres. Pra Espanha! Sendo que espanhol nem tá comendo. Não tá comendo nem perna de mesa!

E o que Alckmin tá fazendo em Interlagos? Cobrando pedágio! E o Kassab mandou instalar umas lombadas na pista pra evitar acidentes. E o que o Rubinho vai fazer em Interlagos? VENDER BATIDA! Rarará!

E quem devia cantar o hino nacional era a Fafá de Belém, a Bafafá de Belém! Com sua versão: "Deitado eternamente em PEITO esplêndido". E a dupla de pilotos brasileiros: Felipe Amassa e o Bruno Acena. Vem lá atrás acenando!

E diz que vida de piloto é uma delícia: trabalha deitado, fica rodando até ficar tonto e, quando perde, bota a culpa no carro! E eu sou do tempo em que carro de corrida tinha porta.

E eu tenho saudades de quando o Rubinho participava. O nosso anti-herói. Sempre fazia alguma coisa engraçada! E piloto gringo procura duas coisas em São Paulo: churrascaria e casa de entretenimento. Churrasco e quenga. Ou seja, vem pra comer! Rarará!

Aliás, eu acho que eles deviam vir de colete à prova de bala. Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

E o Cachoeira? Que foi condenado a ficar solto? Foi condenado a cinco anos de liberdade! E eu adoro é que a mesma juíza assinou a condenação e o alvará de soltura. Bateu escanteio e correu pra cabecear!

Mas um amigo me disse no Twitter que o Cachoeira acaba de pedir pra voltar pra prisão. Aqui fora, o celular não dá sinal! Rarará! E esta novelha da Inglória Perez é uma mistura de Hare Baba com Inshalá. E provocou um turcocircuito. Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

O domínio de Dirceu - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 25/11


Em sete anos, o PT teve seis presidentes e nenhum obteve do partido as honras de José Dirceu. Enquanto não houver um nome capaz de empolgar os militantes, ele continuará com o poder nos bastidores


Chamou a atenção de muitos políticos o périplo de José Dirceu por Brasília justamente na semana em que o relator do processo da Ação Penal 470, Joaquim Barbosa, assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Logo depois dessas conversas de Dirceu, começaram os atos de desagravo aos condenados pelo Supremo — eventos que não deixam de causar uma certa preocupação ao governo, porque esbarram no limite do desacato à mais alta Corte do país. Mas essas movimentações virão, no mínimo, para derrubar a máxima de que decisão judicial não se discute, cumpre-se — discussão, aliás, deflagrada há duas semanas, quando da nota do PT sobre o processo.

Todas essas atitudes deixaram aos atores da política a certeza de que o partido ainda não encontrou um quadro político capaz de substituir José Dirceu, um dos principais artífices da eleição de Lula em 2002. Antes de assumir a Casa Civil, presidiu a legenda por sete anos. Saiu quando passou o bastão para Genoino. À exceção de Lula, ninguém presidiu o PT por mais tempo que Dirceu até hoje.

Desde a queda da antiga direção petista em 2005, o que houve foram alguns acertos para recompor a cabeça da legenda. O primeiro foi o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que assumiu como interino. O deputado Ricardo Berzoini (SP) ficou um ano, saiu para a campanha de 2006, sendo substituído interinamente por Marco Aurélio Garcia, fiel escudeiro de Lula. Berzoini voltou e ficou até 2010, quando o comando partidário passou para o ex-presidente da Petrobras José Eduardo Dutra, um dos condutores da campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República. No ano passado, Dutra se viu obrigado a deixar a direção do PT nacional para cuidar da saúde. Foi quando, por acordo, o grupo majoritário do PT apoiou a eleição de Rui Falcão, uma grata surpresa para muitos dentro da legenda.

Esse histórico nos mostra que ao longo dos últimos sete anos, o PT teve seis presidentes. E nesse período, nenhum dirigente petista arrancou dos militantes palavras de ordem do tipo “guerreiro do povo brasileiro” — frase dedicada a Dirceu em todas as plateias petistas. No geral, muitos desses ex-presidentes reclamaram em suas épocas a dificuldade de ter voz de comando seja diante de uma legenda com tantas peculiaridades, seja perante os aliados do governo, seja o de Lula ou o de Dilma. Falcão, que nesse último período vem conduzindo o PT com aprovação interna, tem dificuldades com os aliados. No caso do presidente do PSB, Eduardo Campos, por exemplo, o grau de estremecimento por conta da eleição municipal foi tão grande que os dois só voltaram a se falar há poucas semanas durante jantar no Alvorada promovido pela presidente da República.

Enquanto isso, no Poder Executivo…
Diante desse terreno vazio de lideranças, é o ex-presidente Lula e, guardadas as devidas proporções, sua sucessora, Dilma Rousseff, a quem os aliados procuram em momentos de crise ou dificuldades. Agora, nessa temporada de Lula na África, quem comanda é ela. O peso do cargo que ocupa lhe dá essa prerrogativa perante aos aliados e ao próprio PT, que, sem opções, pensa duas vezes antes de desafiá-la. Ela, por sua vez, cumpre o papel que se espera nesse cenário. Chama os aliados para jantar e os recebe em conversas. Em nome dessa base aliada e do próprio PT, adotou também a cara de desconforto na posse de Joaquim Barbosa no STF. Na ausência de Lula, é ela que se coloca de público. Mas, nos bastidores, Dirceu não perdeu espaço. Enquanto o partido não obtiver um nome que empolgue seus militantes, é ele que brilhará e terá todas as honras.

Uma curiosidade nesse processo todo é que as tendências que se sentiram patroladas por Dirceu quando da eleição de Lula, em 2002, são aquelas que hoje lhe dão todas as honras nessa hora do julgamento. Por incrível que pareça, a condenação no STF surge como um fator de união dos petistas. Até então, só Lula conseguia unir todas as tendências do Partido dos Trabalhadores. Diante dessa perspectiva, será muito interessante acompanhar o que virá pela frente dentro do PT, um partido que passa pelo período de reconstrução de líderes.

LIGEIRINHO - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 25/11

Lewis Hamilton chegou ao Brasil na manhã de quarta, na esperança de "que o tempo não passasse muito rápido" até hoje. O piloto inglês de 27 anos faz às 14h sua última corrida ao lado da escuderia McLaren. Deixa a equipe rumo à Mercedes, sem chance de final feliz. Está no quarto lugar e não pode ganhar a temporada.

As coisas acontecem rápido na vida dele. Dentro e fora da pista. Hamilton entrou para a Fórmula 1 há cinco anos. Começou quebrando recordes. Foi o piloto estreante a ter mais pódios seguidos, nove. Foi o mais jovem corredor a liderar o campeonato, aos 22 anos e quatro meses.

Tudo isso foi antes do advento de Sebastian Vettel, da Red Bull. Aos 25 anos, o alemão já ganhou dois mundiais (contra um de Lewis) e superou muitas de suas marcas. "É hora de mudar", sintetiza.

"Estou bem triste. Mas, ao mesmo tempo, animado. Eu tendo a não querer ficar muito lacrimoso. Mas é claro que vou [chorar no fim da corrida]", diz. Durante a conversa, só não sorri quando boceja. "É só 'jet lag'. Estou bem."

"Estou feliz vivendo em Mônaco. Amo Mônaco. É um lugar tão lindo." Ele saca o celular que até minutos antes vibrava sem parar dentro do bolso e mostra ao repórter Chico Felitti uma foto da vista que tem ao acordar. Mansões sobre o azul do mar Mediterrâneo. "É tranquilo."

Não que ele seja muito chegado em tranquilidade fora de circuito. Foi multado por excesso de velocidade na França, em 2007. Em 2010, a autuação foi por fazer o pneu do carro "cantar" e dar "cavalos-de-pau" na Austrália. "Eu estava indo um pouco mais rápido. O que aconteceu lá foi nada, mas eles tentaram me transformar em exemplo. Mandaram sete viaturas atrás de mim. Foi a coisa mais ridícula que me aconteceu."

O episódio já está no passado. É o que seu staff de seis pessoas, entre assessores e publicitários, diz à coluna no fim da entrevista.

É hora de falar do futuro. Do qual faz parte o contrato de 60 milhões de libras (R$ 200 milhões) para ocupar o assento que era de Michael Schumacher. O alemão retornou às pistas em 2010, aos 41 anos, mas mal conseguiu subir ao pódio em três anos.

Hamilton diz não ter medo de futuro semelhante. Nem de ir para uma equipe menor, que nunca ganhou uma temporada e que tem carros menos sofisticados. "Só tenho que usar mais as minhas habilidades. Eu tenho algumas cartas na manga."

E alguns entraves à vista. Seu companheiro na nova escuderia, Nico Rosberg, é um velho conhecido. Os dois corriam de kart juntos, em 2000. "Éramos melhores amigos. Não sei se ainda somos melhores amigos depois de tudo o que aconteceu", diz ele, sem entrar em detalhes.

O colega fala "cinco ou seis línguas", conta. "Eu falo uma língua e meia." O idioma em que quebra um galho, diz, é o francês. "Aprender uma língua é algo que quero fazer antes de morrer." Parar de correr, não.

"Não penso em nada que não seja correr. Já é difícil o suficiente ter de manejar família e amigos só trabalhando, imagina fazendo planos." De hobby, só esportes de velocidade, como esqui aquático e fazer "snowboarding".

Mas alguns pontos da sua vida ainda são levados em marcha lenta. Como o namoro com Nicole Scherzinger, 34. Ela ficou famosa à frente das Pussycat Dolls, um grupo de dançarinas que, além de tirar a roupa, cantava. O relacionamento começou em 2007 e continua entre aceleradas e breques.

Boatos davam conta de que o enlace agora havia engatado. O jornal "Guardian" disse que ele se mudaria para os EUA para ficar com ela. "Estamos pensando em morar juntos antes, em Mônaco. Moraremos em dezembro e um pedaço de janeiro. Esperançosamente, ela se muda de vez depois disso."

Até lá, ele a visita na Inglaterra, onde Nicole é jurada do programa "X-Factor". Lá também mora a família de Hamilton. Um dos seus irmãos, Nicolas, também entrou para o ofício das corridas. Ele tem paralisia cerebral e dirige um carro adaptado. "Nicolas é uma inspiração. Ganhava de mim nos jogos de computador, então deve ter achado que poderia ganhar também na pista."

A velocidade que beneficia o rapaz família na pista gera derrapadas. Como o acesso que teve no Twitter contra o colega da equipe atual, Jenson Button, acusando-o de ter deixado de ser seu amigo na rede social.

"Depois de três anos como colegas de equipe, achei que nos respeitássemos, mas ele claramente não me respeita", escreveu. Duas horas depois, veio o pedido de desculpa, também na página de internet. "Acabei de descobrir que Jenson nunca me seguiu. Não o culpem! Eu que preciso estar mais no Twitter!"

Atitudes impensadas também viram lombadas na carreira. Treinou na semana passada com um adesivo escrito HAM na parte de trás do capacete. A BBC afirmou que a sigla significaria "Hard as a motherfucker" (algo como "duro como um fodão"). Apareceu na corrida sem o colante, a mando da McLaren.

Ele explica o anagrama: "São as três primeiras letras do meu sobrenome. E também significa que vou o mais forte que posso na pista".

Hoje, ele corre com o capacete inspirado no de Ayrton Senna, que diz ser o herói de sua vida. "É como se estivesse perto dele quando venho para cá." Foi também no Brasil que comemorou seu único título mundial, em 2008. "O país me dá sorte."

A imprensa gosta de falar dele. "Até demais. Fica tedioso depois de certo estágio. Você começa a tentar inventar novas respostas para as mesmas perguntas." E ele consegue? "Eu arranjo muita encrenca. Muito mais que os outros pilotos."

Nem sempre. Patrocinado pelo uísque Johnnie Walker, ele tomou água num coquetel que a empresa organizou com seus funcionários no Brasil. Ao responder a perguntas feitas por eles, disse: "não bebo muito" e, quando começava o happy hour na firma, engatou a primeira marcha e partiu.

Afinal, ele tem um futuro congestionado de planos. "Ainda preciso ser campeão antes de me aposentar. Várias outras vezes."

"Agora não [vai se mudar para os EUA e morar com a namorada, a cantora Nicole Scherzinger]. Moraremos juntos em Mônaco em dezembro e um pedaço de janeiro"