segunda-feira, outubro 15, 2012

Novas rodadas de estímulo em busca do crescimento perdido - PAULO GUEDES

REVISTA ÉPOCA


Em meio à guerra mundial por empregos, os bancos centrais anunciaram nas últimas semanas políticas monetárias ainda mais expansionistas. O Federal Reserve (Fed), dos Estados Unidos, injetará mensalmente mais US$ 40 bilhões de liquidez nos mercados financeiros, por meio da compra de títulos lastreados em créditos imobiliários. O Banco Central Europeu (BCE) finalmente aprovou a compra de títulos de dívida soberana dos países fiscalmente frágeis da Zona do Euro. O Banco Central do Japão acaba de ampliar em 10 trilhões de ienes seu programa de compra de títulos do governo. O Banco Central da China derrubou os juros e ampliou o crédito para moderar o ritmo de desaceleração da economia do país. E o Banco Central brasileiro, depois de derrubar os juros reais para o mais baixo patamar em duas décadas, reduziu também os recolhimentos compulsórios para aumentar a oferta de crédito e diminuir o spread bancário cobrado dos tomadores de empréstimo.

A forte reação dos bancos centrais é uma indicação do esforço das autoridades monetárias para reativar o crescimento da economia mundial. As Bolsas reagiram inicialmente com entusiasmo ao renovado compromisso dos bancos centrais por manter a enxurrada de liquidez que levanta a maré nos mercados financeiros. Mas os preços das ações perderam novamente o gás ante os frágeis fundamentos da produção e do emprego em toda parte.

Mesmo a recuperação econômica americana, que prossegue graças à abordagem mais agressiva do Fed, tem pela frente a ameaça de um "abismo fiscal" - enormes cortes de gastos públicos e aumentos de impostos que serão disparados automaticamente na ausência de um entendimento suprapartidário para correção do atual desequilíbrio fiscal.

O terceiro afrouxamento quantitativo de liquidez do Fed (QE3) tem como maior objetivo estimular o aumento da produção e a criação de empregos no setor real, já que, ao contrário dos episódios anteriores em 2008 (QE1) e 2010 (QE2), não há nenhuma ameaça de deflação, tão temida pelas autoridades. As expectativas de mercado para a inflação nos próximos dez anos nos Estados Unidos atingiram 2,73% ao ano após o anúncio das novas medidas de estímulo monetário, seu patamar mais alto desde maio de 2006. Essa política de crédito farto e dinheiro barato trouxe embutidos dois preocupantes sinais. O primeiro é que não tem prazo para acabar. O segundo é que o Fed escolheu a taxa de desemprego - e não mais de inflação - como meta a perseguir.

Já sabíamos informalmente que Ben Bernanke, o presidente do Fed, despejaria dinheiro e sustentaria os preços dos ativos financeiros, em desesperada tentativa de criar empregos, até eventualmente inflacionar a economia americana. Sua política monetária tem sido "reflate until it inflates", ou emitir até inflacionar. Evitar a temível deflação dos preços de bens e serviços e espantar o fantasma da Grande Depressão é algo que ele tecnicamente pode fazer. Mas o que está anunciando agora - que manterá as taxas de juros em níveis extraordinariamente baixos por tempo extraordinariamente longo, de modo a reduzir permanentemente a taxa de desemprego - é algo que tecnicamente não pode prometer.

É compreensível que, em tempos extraordinários como a grande crise contemporânea, o Fed tenha recorrido a medidas também extraordinárias. Mas, se teve sucesso em impedir que se reeditasse uma Grande Depressão como nos anos 1930, tem produzido bolhas imobiliárias e financeiras em série. As baixas taxas de juros e o crédito farto tornaram-se verdadeiras bombas-relógio. Os juros baixos de 2002 a 2006 para reflacionar a economia, após o estouro da bolha acionária de novas tecnologias em 2000-2001, acabaram criando novas bolhas imobiliária, financeira e acionária, que estouraram em 2007-2008. E as mesmas políticas, que prosseguem expansionistas com os programas QE1, QE2 e agora QE3, são o ovo da serpente da próxima grande bolha em formação, dos títulos públicos do governo americano.

Como alertava o prêmio Nobel de Economia Milton Frie- dman, em seu clássico O papel da política monetária (1967), os bancos centrais não podem fazer indefinidamente o que está sendo prometido por Bernanke. Na seção intitulada "Ò que a política monetária não pode fazer", Friedman afirma: "Das infinitas limitações da política monetária, destaco duas: 1) não pode manter juros excessivamente baixos, a não ser por períodos muito curtos; 2) não pode reduzir a taxa de desemprego, a não ser por períodos muito curtos". Se primeiro Alan Greenspan e agora Bernanke mantiveram os juros baixos por tempo suficiente para evitar as pressões deflacionárias nos mercados de bens e serviços, esse tempo se demonstrou demasiado longo para impedir a formação serial de bolhas nos preços dos ativos.

Os americanos se perderam por tanto tempo nesse labirinto que acabaram atraindo o mundo inteiro para a mesma armadilha em que já haviam caído: o recurso ao dinheiro barato dos bancos centrais na tentativa de evitar os ajustes estruturais exigidos pela deterioração de fundamentos econômicos. Trata-se de uma mudança no regime monetário mundial, uma nova época com taxas de inflação mais elevadas e menores taxas de crescimento.

Esse fenômeno será visível inicialmente na economia americana, exatamente pelo maior vigor da atuação do Fed. Enquanto os países europeus permanecem submetidos à maior disciplina imposta pela moeda única, os americanos seguem à frente numa recuperação cíclica à base de estímulos monetários. Essa recuperação pode ser abortada, em 2013, pelo mergulho no "abismo fiscal" ou, em 2014, pela mudança de atuação do próprio Fed, que subiria os juros mais cedo que o previsto diante de um maior ritmo de crescimento ou taxas de inflação mais elevadas.

A economia brasileira, desalavancada nos anos iniciais da crise (2008-2009) e dessincronizada da economia mundial graças a nossas políticas contracíclicas nos anos seguintes (2010-2011), esfriou consideravelmente em 2012. Em busca do crescimento perdido, disparamos novas rodadas de estímulos fiscais monetários e ao crédito. E deveremos ter em 2013 uma recuperação cíclica, mas também um pouco mais de inflação.

Armínio Fraga poderia presidir o Banco da Inglaterra - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


Enquanto no Brasil se desmonta a autonomia do Banco Central, o Reino Unido escolherá o novo presidente do Banco da Inglaterra (o banco central) por um método competitivo e transparente. Aqui, o ministro da Fazenda invade a competência do BC e fala abertamente que a taxa de juros (Selic) não vai aumentar. Lá, isso não existe.

Em recente edital, o Tesouro britânico e o Banco da Inglaterra convidaram os interessados a apresentar suas credenciais para o cargo, que vagará em 2013. Quem quiser concorrer deverá enviar a ficha de inscrição. Exige-se liderança, capacidade de inspirar confiança e credibilidade dentro do banco e nos mercados financeiros. É preciso "experiência no exercício de cargo semelhante ou ter exercido função de alto nível em um grande banco ou outra instituição financeira". Não se requer nacionalidade britânica. Pode, pois, ser um brasileiro. O processo segue a tradição iniciada com a profissionalização do serviço público britânico em 1871, no governo de William Gladstone.

Não é à toa que o Banco da Inglaterra participa da própria escolha de seu dirigente máximo. Sua longa história começa em 1694, na esteira das amplas mudanças institucionais da época. Ao assumir a gestão da dívida pública, o banco contribuiu para elevar a confiança e para a queda da taxa de juros. Suas inovações criaram o mercado de crédito para empresas, impulsionaram a atividade econômica e foram decisivas para a Revolução Industrial.

O banco era uma instituição privada até 1946. Mesmo antes da estatização, exerceu crescentes responsabilidades na economia. No fim do século XVIII, virou o banco dos bancos, cabendo-lhe o redesconto, a gestão de crises bancárias e a estabilidade da moeda e do sistema financeiro. Sempre gozou de autonomia operacional na prática, mas se tornou independente por lei em 1997, no governo de Tony Blair. Como é normal, o banco se articula com o ministro da Fazenda e com o Tesouro, aos quais cabe fixar a meta de inflação a ser perseguida pela instituição. Essa relação é de coordenação de políticas e não de subordinação. O ministro não dita o nível da taxa de juros nem fala publicamente sobre o assunto, como muitos por aqui imaginam.

Na atual crise, a exemplo de seus similares nos países ricos, o banco visita novas plagas, visando a evitar falências bancárias e a recuperar a economia. Proporciona liquidez ao sistema econômico por vias não convencionais, o que tem sido interpretado como submissão à orientação do governo. Essa visão, adotada pelos que questionam a autonomia operacional do nosso BC, inclusive no governo, é inteiramente equivocada. Nenhum dos bancos centrais dos países avançados age por ordem de seus governos.

A revista The Economist (1º/9/2012) assinalou os desafios do novo presidente do Banco da Inglaterra. Nestes tempos de crise, além da experiência nas atividades da instituição, ele deve ser capaz de explicar aos políticos e ao público como conduzirá suas complexas tarefas. Por isso, defende a revista, não se pode fazer a escolha recorrendo-se apenas ao estreito estoque de potenciais candidatos britânicos. "A busca do novo presidente deve ser global", diz. Para tanto, The Economist lembra três estrangeiros qualificados, de prestígio mundial, entre eles o brasileiro Armínio Fraga, que presidiu o BC entre 1999 e 2002. A decisão acontecerá até o fim deste ano.

Não seria a primeira vez que um estrangeiro exerceria cargo de alto nível no governo britânico. Antes da privatização, em 1988, a empresa British Steel, gigante do setor siderúrgico – hoje parte do grupo Corus –, foi presidida por um canadense. Recentemente, um dos membros do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra era argentino.

O processo de escolha britânico não poderia ser adotado por aqui, seja porque a lei exige a nacionalidade brasileira para o presidente do BC, seja porque ainda estamos distantes da cultura do serviço público e do estágio de desenvolvimento institucional do Reino Unido. Pede-se pelo menos que se mantenha a sua autonomia operacional, alcançada mesmo sem lei específica, e não se destrua o trabalho de construção institucional de mais de duas décadas.

É sustentável? - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

Revista Veja 


"O saldo maior do julgamento do Supremo Tribunal Federal é a defesa do estado democrático de direito. Por não acreditar nele, o PT tentou revogá-lo, ao revogar o Congresso"


E lá vamos nós, outra vez. Tal qual na deposição de Fernando Collor, tal qual na denúncia dos anões do Orçamento, tal qual nas vitórias eleitorais de candidatos ou partidos nas quais se vislumbrava a vitória da ética e dos bons costumes, eis-nos embalados pela esperança de que agora vai, agora é para valer, o país superou uma etapa e galgou um novo patamar civilizatório. Nenhuma dúvida de que o julgamento do mensalão representa uma virada de página. Jamais tantos e tão notáveis réus foram condenados. A questão é saber se o movimento iniciado pelo Supremo Tribunal Federal é "sustentável", para formar emprestada uma palavra mais freqüente no repertório dos economistas e ambientalistas. Nesse ponto, o passado nos condena. Em seguida ao caso Collor imaginou-se que estava exorcizado o risco de alguém tentar algo parecido. Da perspectiva de hoje, transparece que não poucos candidatos e partidos enxergaram ali um modelo de conquista e manutenção do poder muito útil, desde que executado sem tanta ostentação e despreparo, além de muito proveitoso para o patrimônio pessoal.

A ministra Cármem Lúcia, a admirável campeã dos votos curtos e da economia na erudição e na retórica, protagonizou um grande momento, na sessão da última terça-feira, ao insurgir-se contra a tese da defesa do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. A ministra lembrou que o advogado de Delúbio, Arnaldo Malheiros, afirmara que o cliente não negava ter operado no caixa dois. E por que operara no caixa dois? Ora, acrescentou o advogado, porque a origem do dinheiro era ilícita. Cármen Lúcia disse que nunca, em sua vida profissional, vira alguém comparecer a um tribunal para confessar um crime, e sugerir que sua prática é normal. "O ilícito não é normal", continuou. "Caixa dois é crime, caixa dois é uma agressão à sociedade brasileira. Fica parecendo que ilícito no Brasil pode ser praticado, confessado e que tudo bem. Não está tudo bem".

O mote da ministra pode ser aproveitado em outras situações da vida brasileira, pública e privada. No Brasil, "é normal" subornar o guarda de trânsito assim como "é normal" os profissionais liberais perguntarem se o cliente quer fazer o pagamento com recibo ou sem recibo (eles também praticam o caixa dois). Na vida pública, "é normal" fatiar o ministério entre escusos parceiros e mais "normal"ainda satisfazer com rendosas diretorias de estatais a cobiça dos aliados. O julgamento do mensalão coincidiu com a campanha para as eleições municipais, e o que se viu na campanha? O PT em São Paulo aliou-se a um político que não pode pôr o pé para fora da ilha de sossego chamada Brasil porque, sendo procurado pela Interpol, em qualquer outro país se arrisca a ser preso. Apresentaram-se como candidatos, pelo país afora - como "é normal" - representantes de partidos que funcionam como estandes de venda de si mesmos. Nas negociações para as alianças do segundo turno, não se discutem, e nem sequer se finge discutir, convergências de programas. O que ocorre - como "é normal" - são transações em tomo de cargos e outras vantagens, algumas ilícitas, "e tudo bem".

O saldo maior do julgamento do Supremo Tribunal Federal é a defesa do estado democrático de direito. Por não acreditar nele, o PT tentou revogá-lo, ao revogar o Congresso pelo suborno. O projeto, como disse o presidente do tribunal, Carlos Ayres Britto, era de poder, não de governo, o que implicava uma trampolinagem nos constrangimentos impostos pelas instituições. A investigação que embasou o julgamento não foi longe o suficiente, no entanto, para rastrear o destino final dos muitos milhões de reais envolvidos no caso. Ficou nos líderes e presidentes de partidos que recebiam as quantias e não apurou a quem teriam sido redistribuídas. Não só muita gente ficou de fora, como não se fixaram as bases para requerer a devolução do dinheiro. Como não "é normal" em episódios do gênero no Brasil, os réus foram condenados; mas, como "é normal", o dinheiro escapou.

O caminho aberto com as condenações do mensalão será sustentável, entre muitas outras premissas, quando as condenações incluírem a devolução do dinheiro. Ou quando os partidos se empenharem em coligações baseadas em programas e não em fisiologia. Ou ainda quando, em seguida a um episódio como este, elegermos um Congresso melhor. E será, pobres de nós, não quando cada um desses fatores se impuserem isoladamente, mas quando todos ocorrerem simultaneamente. Árduo é o percurso que ainda temos pela frente.

O dinheiro está aqui - ANCELMO GOIS

O  GLOBO - 15/10


Veja como o setor imobiliário português, com a crise na Europa, tenta ativar o mercado de lá... cá.
Mansões na terrinha serão oferecidas em novembro na I Mostra do Setor Imobiliário Português no Exterior, no Palácio São Clemente, sede do consulado no Rio. O governo luso concederá visto de residência a quem comprar imóveis a partir de 500 mil euros.

Amigo é pra essas...
Jorge Castaneda, o ex-chanceler e escritor mexicano democrata de esquerda, vai visitar o amigo José Dirceu, hoje, em São Paulo, onde está para a reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa.
Ao ouvir que Dirceu vive seu pior momento, após a condenação no STF, respondeu: "É nessas horas que mais se precisa dos amigos.”

O homem de Propriá

Há quem aconselhe o ministro Ayres Britto (que, modéstia à parte, é sergipano) a deixar o STF ainda como presidente, dias antes da posse do sucessor. Há precedente.

Dito e feito

Aliás, há oito meses, quando assumiu o comando do Supremo, lembra?, Britto avisou a um amigo:
— Será um mandato curto. Mas intenso.

De folga do mensalão

O ministro Luiz Fux, do STF, foi visto sábado à noite, com o amigo Dana White, chefão do UFC, na plateia da luta de Anderson Silva.

Suíte do Sílvio

A Rádio Camareira diz que, além da Jequiti, fabricante de cosméticos, cortejada pela Coty, outra empresa do Grupo Sílvio Santos é cobiçada por possíveis compradores — o Hotel Jequitimar, no Guarujá, SP

‘SANTINHO’ RECICLÁVEL
A Comlurb recolheu mais de 60t de propaganda eleitoral nas ruas do Rio, reciclou tudo e vai entregar o material a cooperativas de catadores. Acredite, só na Barra, no Recreio, em Vargem Grande e Jacarepaguá, foram recolhidos 43t de lonas plásticas, madeiras e metais, materiais disputados no mercado de recicláveis.

Lobisomem no Brasil

A Paris Filmes trará ao Brasil o ator americano Taylor Lautner para divulgar "A saga crepúsculo: amanhecer — O final” último episódio da série de longas "Crepúsculo’!
O galã, que faz o lobisomem Jacob, chega dia 24.

5XPacificação

"5XPacificação", o filme sobre as UPPs do Rio produzido por Cacá Diegues e Renata Almeida Magalhães, segue em carreira internacional.
Vai participar do Festival Ventana Sur, em dezembro, em Buenos Aires, e do American Film Market, em Los Angeles, EUA, no início de novembro.

Drummond além mar

Dia 31, quando Drummond (1902-1987) faria 110 anos, Sura Berditchevsky, a atriz, vai apresentar o monólogo "Cartas de Maria Julieta a Carlos Drummond de Andrade", no Teatro Nacional São João, no Porto.
É parte do ano Brasil-Portugal.

O mano
Guilherme Patriota, irmão do chanceler Antonio Patriota, será embaixador em Genebra.

Oi, oi, oi

Rico sofre. No dia em que "Avenida Brasil” bateu 49 pontos no Ibope, semana passada, os grã-finos do Edifício Juan Le Pins, o mais caro do Rio, na Praia do Leblon, ficaram sem ver a novela-sensação da TV Globo.
Na hora do desmascaramento de Carminha, um técnico da NET que fazia um reparo num dos andares errou a mão e... pifou todas as TVs do prédio. Foi um tal de madame descer para reclamar, o maior bafafá.

Mas...
Há esperança para os bacanas do Juan Le Pins.
Camelôs de São Paulo estão vendendo DVDs piratas com capítulos da semana anterior.

Sem censura

A 1? Câmara Cível do Rio negou pedido do secretário de Segurança da Bahia, Maurício Teles Barbosa, ex-delegado federal, para proibir menções na internet a um discurso no qual a deputada Cidinha Campos o acusou de "prevaricação e formação de quadrilha”.

Papel de cinco
Parceiro da coluna, engarrafado estes dias na entrada do Túnel Dois Irmãos, em frente à Rocinha, no Rio, ficou intrigado com um vendedor ambulante que, aos gritos, anunciava seus produtos entre os carros:
— Água! Biscoito! Papel de cincooo!

Parece que...
Com a UPP no morro, ficou difícil vender a droga lá em cima.
"Papel de cinco” como se sabe, é um envelopinho com pequena quantidade de droga.

No mais...

Que a retomada das favelas do Rio, como Manguinhos e Jacarezinho, ontem, prossiga e traga paz aos cariocas, amém.

O dilema do ensino técnico - CLAUDIO DE MOURA CASTRO


REVISTA VEJA - 15/10


Lá na década de 70. minhas pesquisas mostravam uma situação bizarra nas escolas técnicas federais. Quanto maiores e mais dispendiosos os esforços para melhorá-las. menos elas cumpriam o seu papel. De fato, por serem as únicas escolas gratuitas de qualidade, passaram a atrair os alunos academicamente mais fortes. Na prática, viraram reserva de mercado para as classes mais altas, cujo único interesse era a preparação para vestibulares competitivos. Alijavam assim os mais modestos que queriam ser técnicos, frustrando-se o objetivo original do curso. Em 1985, eu participava de uma comissão do MEC para examinar essas escolas. Sugeri que fosse separada a vertente acadêmica da profissional Assim, quem quisesse fazer vestibular não perderia tempo nas oficinas, deixando as vagas para quem pretendesse exercer as profissões aprendidas. Palavras ao vento. Em meados de 1990, estava no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e assessorava o ministro Paulo Renato, interessado em um empréstimo para o ensino técnico. Mas a proposta esbarrava no elitismo e na distorção dos cursos. Diante do impasse, desenterrei a minha proposta. que foi aceita e implementada. Quem quisesse o vestibular escolheria o ramo acadêmico. Quem quisesse a profissão iria para o ramo técnico, depois de formado no ensino médio. Ou, então, poderia fazer o médio, simultaneamente.

Os diretores das principais escolas técnicas não apresentaram objeções à proposta. Porém, a nossa esquerda pedagógica não a deglutiu. Dados da Fundação Paula Souza mostraram que as vertentes técnicas passaram a receber alunos mais modestos e interessados em exercer a profissão. Deixaram de ser monopolizadas pelas elites - a quem pouco interessavam as oficinas. Após a mudança de governo, entraram no MEC os inconformados com a separação. Tentaram voltar atrás, mas, em virtude da grita, somente as escolas federais tornaram a integrar o acadêmico ao técnico. As razões para juntá-los permanecem misteriosas para a cabeça simplória deste autor. A bandeira desfraldada era uma tal "politecnia", criada por Gramsci, lá pelos anos 1920, enquanto morava na cadeia. Prescrevia um ensino combinando as disciplinas técnicas com as acadêmicas e com o trabalho. Mais que isso, não entendi. Mais uma teoria diáfana, encaixando o técnico em um ensino médio embaralhado, pois é um caminho único, sem diversificação, com excesso de disciplinas e de conteúdos, distante do mundo real e chatíssimo. Tão ruim que está encolhendo!

Na minha agenda, o assunto dos cursos técnicos ficou em banho-maria, até que fui convidado para a banca de uma tese no Piauí. Nela, com muita competência, Samara Pereira mostra como tudo isso aterrissou na escola técnica (hoje instituto federal) do seu estado. A época do Paulo Renato, os arautos da politecnia denunciaram o autoritarismo da decisão. Curiosamente, nada foi mais autoritário do que a restauração do velho sistema no Piauí. Lá, a pesquisa com o ciclo (re)integrado mostrou o desagrado com uma decisão imposta de cima para baixo. Professores do ramo profissionalizante protestam contra a diluição do foco profissional do ensino, herdeiro de uma tradição de proximidade às empresas. Professores do ramo acadêmico fazem coro com os alunos, lamentando a perda de tempo com assuntos profissionais que os desviam da preparação para os vestibulares. De fato, 99% dos alunos querem ir para o ensino superior - a maioria, em área completamente distinta. A integração curricular não ocorreu, pois os professores das disciplinas propedêuticas continuam pautando as aulas pelas questões do vestibular. Curiosamente, sobreviveu aos embates o curso técnico (modular) de um ano e meio a dois, para quem já tem o diploma de curso médio, portanto, "desintegrado". E a sua matrícula permanece superior à do ciclo (re)integrado. Em quem devemos prestar atenção? Nos alunos modestos que querem vaga para adquirir uma profissão? Nos que querem mais tempo para apostar tudo no vestibular escolhido? Nas empresas que não recebem técnicos? Por que o MEC capitulou diante dos fiéis seguidores da misteriosa "politecnia" de Gramsci? É assim que se faz política pública?

O segredo da longevidade - WALCYR CARRASCO


REVISTA ÉPOCA
Adoro ovo. Frito com a gema bem mole, para molhar o pão. Cozido, na salada. Em omeletes. Batido com açúcar, na gemada. Durante anos, senti remorso cada vez que comia um. Tantos artigos o acusavam de ser um vilão para a saúde! Há algum tempo, tudo mudou. Estudos feitos nos Estados Unidos demonstraram que seu consumo é benéfico. Uma das pesquisas afirmou que dois ovos por dia não aumentam o colesterol! Que raiva! E as omeletes que perdi? Passei a duvidar dos alertas sobre certos alimentos. A carne vermelha vive sob suspeita. Conheço muita gente que se recusa a comer um filé porque "faz mal". Quando peço explicação mais detalhada, a pessoa revida falando que é muito pesada. Ou que as vacas sofrem. Em certos círculos, comer carne vermelha é até feio. Suspeito que, num futuro próximo, os carnívoros serão tão estigmatizados quanto os fumantes. Éuma influência do vegetarianismo. Costumo comentar quando almoço com alguém intransigente:

- Foi provado que as plantas também sentem.Brócolis não gritam ao ser cozidos?

Frangos, afirmam, são criados à base de hormônio. Só podem fazer mal. É preciso ter cuidado com alimentos transgênicos, também. Não se sabe o que podem causar ao corpo humano. Enfim, a relação dos perigos alimentares é imensa. Passa pelo sorvete, pela batatinha frita e pelo refrigerante, como se fosse possível sobreviver sem eles. A única forma de garantir a longevidade, pelo menos dos ratos testados nesse determinado experimento, é comer o mínimo. É contraditório. Se eu vivesse em eterno regime morreria de tristeza.

Acredito nos pesquisadores de alimentos, médicos, nutricionistas. Mas fico pensando. Minha avó paterna, Rosa, era uma simples imigrante espanhola. Trabalhou na terra. Criou porcos, galinhas e cabritos. E comeu todos eles. Teve uma vida longa e saudável - morreu quase aos 90 anos. A mãe de meu amigo Vicente come churrasco, não dispensa uma feijoada e uma caipirinha. Já vai virar os 90 e ainda viaja todos o fins de semana. Certa vez comentei com ele:

- Se sua mãe fosse tibetana, já estaria rica com um livro tipo A dieta mística do bacon.

Já conheci vários idosos que passaram a vida comendo ovo frito, bolo feito com banha de porco e torresmo. E outros que tremiam de horror diante de um bife, seguiam uma dieta repleta de restrições e adoeceram gravemente muito cedo. Não sou médico nem nutricionista. É simplesmente minha observação sobre a vida. Estive uma vez em Veranópolis, na Serra Gaúcha. É a capital nacional da longevidade. Pais com mais de 100 anos convivem comfilhos de 80. Não há uma dieta especial. Tomam, sim, muito vinho produzido na região. De resto, aproveitei para encher a barriga com um doce típico de todo o Sul: cueca virada. São rosquinhas fritas na banha de porco e polvilhadas com açúcar. Uma bomba de colesterol. Então, por que seus habitantes estão tão bem?

Tenho um acupunturista, Alberto, de origem oriental, que é supercioso quanto ao que se come ou não. Falar em leitão pururuca na sua frente é igual a dizer palavrão. Quando estive no Japão, há dois anos, descobri que Okinawa, de onde veio sua família, é um dos lugares com maior longevidade do mundo. Muitos estudos têm sido realizados para decifrar os segredos de seus habitantes, que ainda andam de bicicleta aos 120 anos. Bem, a dieta local tem muito peixe. E... carne de porco!

Quando toquei no tema com Alberto, ele me mostrou um livro enorme, em ingles. Era um estudo sobre a Dieta de Okinawa. Observei os gráficos de alimentação. Carne de porco, sim. E muita! "Mas você vive me alertando que carne de porco faz mal!", disse eu. "Os estudos ainda não são conclusivos", respondeu ele. Em seguida, me mandou deitar. Mantive umprudente silêncio enquanto me espetava com as agulhas.

O segredo da longevidade não pode estar numa simples relação de alimentos. No Cáucaso, não se vive muito também, com uma dieta à base de uma espécie de leite fermentado? O que há em comum entre Okinawa, o Cáucaso e Veranópolis?

Só pode ser o estilo de vida. São lugares onde as pessoas passam a existência mais calmamente, com tempo para se relacionar e desfrutar a vida na comunidade. Sem excessos: comer bem é uma coisa, sair rolando da mesa é outra. Viver sob o jugo de "dietas saudáveis" talvez seja mais perigoso que desfrutar os prazeres da mesa, sem medo de ser feliz. Humm... daqui a pouco vou me acabar numa feijoada! E, agora, sem remorso.

A guerra paulistana - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA


No Rio de Janeiro, no Recife, em Belo Horizonte e Porto Alegre, as eleições municipais morreram logo no primeiro turno. Sobrou São Paulo, com um segundo turno que monopolizará o noticiário nacional e deixará cicatrizes nos dois partidos mais influentes do país (o PMDB é grande como um elefante, mas amorfo como um invertebrado). Até o fim de outubro, o centro da política brasileira atenderá pelo nome de São Paulo e terá a forma de um campo de batalha, com dois lutadores apenas. Os próximos capítulos nos reservam cenas de inteligência e de luz, entremeadas de golpes de foice, com sangue e gritos de dor. Dá um pouco de medo, é verdade, mas o segundo turno em São Paulo não poderia ser mais oportuno. Na maior metrópole do continente, PT e PSDB terão de mostrar a cara, o que será bom. Depois deste mês de outubro, a gente saberá mais, bem mais, sobre esses dois partidos.

O enfrentamento paulistano tem dimensões nacionais. José Serra, pelo PSDB, já disputou duas vezes a Presidência da República. Fernando Haddad, ex-ministro da educação, ascende como principal liderança de uma nova geração petista, ungido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eles brigam por uma prefeitura cujo orçamento ultrapassa o tamanho de um pequeno país sul-americano - e brigam por muito mais. Diante dos olhos dos eleitores, dois programas de desenvolvimento nacional medirão forças e não podem abrir mão de arma nenhuma. Usarão tudo o que têm.

O campo de batalha está pronto, livre de paraquedistas de ocasião. A aventura russomânnicalevou um providencial cartão vermelho do eleitorado. Celso Russomanno, que se consagrou na televisão como fiscal do consumidor, conseguira fazer uma boa largada ao transpor para o horário eleitoral o personagem que o tornara famoso. Prometia ser um fiscal do eleitor e do cidadão, a autoridade enfezada contra o funcionalismo frouxo. Russomanno atraiu a mentalidade conservadora, aquela que acredita que um feitor, com chicote na mão, dará jeito na cidade, graças à imagem que acumulou em sua trajetória televisiva. Durou pouco. Seusrivais mostraram que não havia solidez em suas propostas, como aquela de cobrar mais do passageiro que usa mais o ônibus urbano, e Russomanno se dissolveu no ar como um pesadelo na luz da manhã. Agora, é com José Serra e Fernando Haddad. O Brasil inteiro olha para eles. Qual é a do PT? Qual é a do PSDB? É em São Paulo que saberemos.

Ainda no domingo à noite, no dia do primeiro turno, José Serra abriu fogo tentando vincular a candidatura de Fernando Haddad ao mensalão que está sentado no banco dos réus no Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Haddad revidou no dia seguinte, afirmando que o DNA dessa modalidade original de corrupção vem de Minas Gerais, do mensalão tucano, que aconteceu antes e ainda não foi a julgamento. A disputa entre petistas e tucanos para ver que lado é mais honesto - ou menos desonesto - é necessária, ainda que insalubre, mas não sera fácil para nenhum dos dois. O julgamento do mensalão faz sangrar o PT, é claro, e Serra tem razão em bater na ferida. Ao mesmo tempo, não haverá como ligar o escândalo do mensalão ao nome de Fernando Haddad, escolhido por Lula, entre outros motivos, justamente por não ter nada a ver com aquilo tudo. De outro lado, Haddad tem razão em bater no mensalão mineiro, durante o qual Marcos Valério tirou a patente dessa engenhosa fórmula de delito. Mas também não terá como comprometer nessa bandalheira específica o nome de José Serra.

Por isso, no duelo bestial para escandas mais baixas, mas não veremos um golpe fatal. Haverá outras frentes de luta. Uma parte da contenda terá de ser pautada pela condução da prefeitura durante a atual gestão, apoiada por Serra. Aí, sim, a suspeita de corrupção na secretaria que cuidava da aprovação de prédios em São Paulo pode fazer diferença. Se o PT demonstrar que, na prefeitura paulistana, a corrupção andou de mãos dadas com a ineficiência administrativa, estará perto de um nocaute.

O eleitorado tem mais preocupações com o município do que com o julgamento do mensalão em Brasília. As propostas de governo terão de ser esclarecidas. Serra e Haddad terão de responder sobre a cidade, sem esquecer o cenário nacional. Quem vencerá? Aquele que for consistente, propositivo e que, na hora da briga mais violenta, mostrar um mínimo deconsideração humana pelo adversário. Além da prefeitura, os dois podem ganhar (ou perder) o respeito do país.

Mercado do futuro - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 15/10


Se Haddad conquistar a prefeitura e for bem-sucedido, há quem diga que estará no páreo para 2018. Logo, o PT apoiar um nome de outra legenda para o Planalto equivale a 30 de fevereiro no calendário


O PT prepara uma série de ensaios para tentar amortecer os adversários internos e externos. Tanto sob o ponto de vista eleitoral no mercado futuro quanto no julgamento do mensalão, a ordem é cortar os problemas. No caso da Ação Penal 470, é pública e notória a opção partidária por nomes novos como Fernando Haddad em São Paulo, que chegou ao segundo turno e ameaça seriamente a primazia do PSDB paulista. Quanto ao futuro, os petistas consideram que é hora de apresentar seus governadores, especialmente Jaques Wagner, da Bahia, de forma a não deixar que adversários ou aliados tomem terreno em regiões inteiras.

Esses antídotos ao julgamento do mensalão e a preparação eleitoral futura vão se misturar em breve, porque o PT não se mostra disposto a entregar a cabeça de chapa para outro partido nem a curto nem a médio prazo. Isso inclui 2014 e 2018. Nesse sentido, traçam seus planos eleitorais como um general estuda a batalha diante de mapas.

As contas feitas indicam que o partido de Lula está bem em vários pontos do Brasil. Nesta eleição, por incrível que pareça, só não estão bem em Minas Gerais e no Nordeste. No Rio Grande do Sul, o PT não chegou à prefeitura de Porto Alegre, mas tem o governo do estado. Em Curitiba, ganha terreno ao puxar para si o ex-tucano Gustavo Fruet (PDT), a quem a maioria petista apoia neste segundo turno.

O partido olha com ares de preocupação para o Nordeste, onde o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), ganha fôlego, prestígio e firma liderança. Nessa seara, embora o baiano Jaques Wagner e Eduardo tenham laços de amizade e se tratem como irmãos, há quem diga dentro do PT que é hora de o baiano bater bumbo na região para não permitir que os votos petistas migrem para o PSB de Eduardo Campos ou para o PSDB. Afinal, o senador Humberto Costa (PT-PE) terminou em terceiro lugar na disputa de Recife.

Para os petistas, veio em boa hora o ingresso de Nelson Pelegrino (PT) no segundo turno da eleição em Salvador. Se ele vencer, a Bahia poderá se tornar o cartão de visitas do PT para a região, servindo de contraponto a Pernambuco. Se o PT estancar o crescimento de Eduardo no Nordeste, seria apenas necessário tirar espaço de Aécio Neves em Minas Gerais, o que muitos acreditam que pode ser feito martelando a administração de Marcio Lacerda como independente do PSDB.

Por falar em independência…

Criado como forma de dar ao PT um nome novo para concorrer ao governo de São Paulo longe do julgamento do mensalão, Fernando Haddad agora encanta boa parte de seus correligionários. Seu desempenho nas pesquisas de intenções de voto deste segundo turno tem feito muita gente boa olhar para ele com ares de promessa. Dentro do PT e fora dele, há quem aposte em Haddad até para o Planalto. Afinal, se o ex-ministro da Educação ganhar a prefeitura de São Paulo e for bem-sucedido do ponto de vista administrativo, entrará no páreo para 2018. Portanto, o dia de o PT apoiar um nome de outra legenda equivale a 30 de fevereiro no calendário.

Não por acaso, Eduardo Campos começa a pensar em carreira solo. Sabe que o PT trabalha a renovação. Aliás, Lula abriu esse caminho ao lançar Dilma Rousseff. Nesta temporada de eleição municipal, insistiu de novo nesse caminho, e vários partidos o seguiram. Haja vista a aposta do PMDB em Gabriel Chalita, em São Paulo, e do PSDB em Daniel Coelho, no Recife. Ambos saíram bem da disputa, apesar de não terem chegado lá. No geral, a troca de bastão na política está em curso em vários centros eleitorais e muitos já captaram essa mensagem do eleitor.

Enquanto isso, no STF…

Esta semana, começa o julgamento do publicitário Duda Mendonça por conta dos pagamentos recebidos por serviços prestados ao PT. Mais uma semana com o Partido dos Trabalhadores em evidência na Ação Penal 470 e, com ela, novas investidas no sentido de misturar a eleição deste ano com o mensalão.

Inferno fiscal - EDITORIAL FOLHA DE SP


Folha de S. Paulo - 15/10


Brasil prossegue firme na liderança dos países que mais atazanam empresas com tributos; aqui, despendem-se 2.600 horas por ano com eles

Desde que o Banco Mundial iniciou, em 2005, uma comparação internacional do tempo gasto em cada país com o pagamento de impostos, o Brasil permanece cristalizado na pior colocação.

Uma empresa de médio porte, aqui, leva 2.600 horas por ano -ou o equivalente a mais de 108 dias- para reunir dados, calcular valores devidos e preencher documentos relativos aos principais tributos.

Não há nada semelhante nos 183 países listados pelo Banco Mundial. Penúltima colocada sete anos atrás, a Ucrânia já reduziu, desde então, de 2.185 para 657 as horas dedicadas às obrigações com o fisco. Entre os países mais desenvolvidos, a média é de 186.

Um novo levantamento será divulgado nos próximos dias pelo banco multilateral. Mas a longevidade dessa e doutras anomalias já custou à economia brasileira mais uma classificação vexatória.

Pela segunda vez consecutiva, o sistema tributário nacional foi considerado o mais hostil aos negócios na América Latina -região já tradicionalmente pródiga em burocracia e taxações exóticas.

O ranking, que incluiu 18 países, foi elaborado pela publicação "Latin Business Chronicle" e apresentado com o colorido título "Paraísos e Infernos Fiscais Latinos".

Exemplo mais vistoso do segundo grupo, o Brasil tem a segunda maior tributação sobre o lucro das empresas, de 34%, pouco abaixo dos 35% cobrados na Argentina.

A razão entre a carga total e os lucros médios das companhias, de 67,1%, também supera com folga a média latino-americana, de 52,1%. No Chile, cujo fisco é o mais amigável, são 25%.

Todavia a expressão mais evidente da indesejável liderança brasileira é mesmo a complexidade de seu sistema de impostos, taxas e contribuições. E, mais especificamente, daqueles que incidem sobre a produção e o consumo.

Essa modalidade responde, na pesquisa do Banco Mundial, por mais da metade das horas destinadas pelas empresas a compromissos tributários. Representa, ainda, quase 50% da receita dos governos federal, estaduais e municipais, bem acima da média das principais economias, em torno de 30%.

Enquanto a melhor experiência internacional recomenda o uso de um único imposto sobre a circulação de bens e serviços (mais taxações seletivas para um número restrito de artigos), o Brasil conta com cinco tributos principais, distribuídos nas três esferas de governo.

O governo Dilma Rousseff acena com a unificação de dois deles, PIS e Cofins, que, hoje, já incidem sobre as mesmas operações. É melhor que nada, mas muito pouco.

CPI na vala comum - EDITORIAL FOLHA DE SP


Folha de S. Paulo - 15/10


Acertar uma previsão feita com meses de antecedência pode fazer a fama de um analista. Não no caso da CPI do Cachoeira, pois o desfecho estéril era esperado. Resulta consternador, ainda assim, que mais uma investigação parlamentar venha a terminar "em pizza", como diz o lugar-comum.

Instaurada no primeiro semestre com o incentivo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a CPI pretendia apurar as ligações de membros da oposição com o empresário Carlos Augusto Ramos, o famigerado Carlinhos Cachoeira.

Desse ponto de vista, pode parecer surpreendente que PT e PMDB, partidos que comandam a comissão, tenham, agora, feito um acordo para encerrar os trabalhos sem aprofundar justamente as investigações sobre o envolvimento de políticos no esquema de Cachoeira.

A aparente contradição se desfaz quando são levados em conta os objetivos reais do PT com a CPI e os caminhos imprevisíveis que a comissão poderia tomar.

A inspiração inicial de Lula era explorar as obscuras relações de Cachoeira com nomes da oposição, a fim de alvejar seus adversários e tentar, com isso, desviar as atenções do julgamento do mensalão.

O plano, entretanto, não funcionou como o ex-presidente imaginava. As sessões da CPI mostraram que o trabalho, se levado a sério, atingiria não só o PSDB (Marconi Perillo, governador de Goiás) e o DEM (Demóstenes Torres, ex-senador), mas também o PT (Agnelo Queiroz, governador do Distrito Federal) e o PMDB (Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro).

O potencial lesivo da comissão incomodava particularmente o governo federal, atulhado de contratos com a Delta. Segundo a Polícia Federal, Carlinhos Cachoeira era sócio oculto da construtora.

Eis por que, desde o início, membros da CPI se esforçaram para esterilizar os instrumentos de investigação: convocações de depoentes, quando feitas, não levaram a nada, e centenas de pedidos de quebra de sigilo foram recusadas. Coroando tais artifícios, a própria Delta escapou de ter as contas abertas.

O conluio dos parlamentares chegou ao ponto de a CPI ficar parada por mais de um mês durante a campanha eleitoral. Agora, quando as atividades forem, de fato, retomadas, restarão duas semanas de trabalho, tempo que será usado apenas para a apresentação de um inócuo relatório final.

É improvável que, nesse prazo, surja, enfim, uma mobilização para prorrogar a atividade de uma CPI ameaçadora para tantos partidos. Quando se trata de proteger os próprios interesses, à revelia do bem público, quase nada distingue a situação da oposição.

Mitos e fatos da eleição - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S.Paulo - 15/10



Mito - Ninguém assiste ao horário eleitoral na TV.
Fato - Quatro em cada dez domicílios mantiveram a TV ligada durante a propaganda eleitoral noturna no primeiro turno.
Levantamento do Ibope sobre a audiência da propaganda dos candidatos na Grande São Paulo revela fatos interessantes:
1) Os programas noturnos têm 123% mais espectadores que os da hora do almoço (39% de domicílios ligados à noite, contra 17% à tarde);
2) Em média, o horário eleitoral tirou 32% da audiência costumeira da TV no horário do almoço e 24% à noite;
3) A audiência cresceu cerca de 10% na reta final da campanha, quando o eleitor não tinha mais como procrastinar sua escolha;
4) Os programas dos candidatos a prefeito têm apenas 7% mais audiência que os dos candidatos a vereador;
5) Os programas mais vistos foram os da segunda-feira (para prefeitos) e os da quinta-feira (para vereadores);
6) Os menos vistos foram os da sexta-feira e do sábado.

Mito - A propaganda de TV não influi no resultado da eleição.
Fato - A propaganda de TV influiu menos em 2012 do que em 2008, mas é ainda decisiva.
Levantamento feito pelo repórter Daniel Bramatti, do Estadão Dados, mostra que foi forte a correlação entre o tamanho da fatia de cada candidato no horário eleitoral e a sua votação. Quanto maior o tempo de exposição na TV, mais votos na urna. A regra valeu para sete em dez casos em 2012. Há quatro anos, a proporção foi de oito em dez. Por que caiu, caiu por quê? Três hipóteses:
1) O desgaste dos políticos e da política aumentou o desejo do eleitorado por renovação, o que beneficiou candidatos de partidos pequenos, que, por serem pequenos, têm direito a menos tempo de TV;
2) O eleitor está menos interessado no pleito e mais distraído, dedica menos tempo ao assunto e presta menos atenção à propaganda eleitoral;
3) A queda não é queda, é mera oscilação passageira. Só saberemos em 2016.

Mito - O PMDB foi o partido que mais perdeu nesta eleição.
Fato - O PMDB só não perdeu mais prefeituras do que o DEM, mas ainda tem mais prefeitos do que qualquer outro partido.
O PMDB foi dizimado na Bahia e no Paraná. A capitania do baiano Geddel Vieira Lima caiu de 144 para 44 prefeitos eleitos no primeiro turno, entre 2008 e 2012. A do paranaense Roberto Requião minguou de 135 para 56. Foram os dois caciques peemedebistas que mais perderam, mas não foram os únicos.
No Pará, Jader Barbalho viu seu PMDB ficar menor. Dos 39 prefeitos eleitos em 2008, sobraram 28. No Rio de Janeiro, apesar da reeleição de Eduardo Paes na capital, o governador Sergio Cabral elegeu menos prefeitos no primeiro turno do que há quatro anos: 22 a 33. Paes saiu-se melhor do que Cabral.
Em Minas Gerais, Santa Catarina, Goiás e Paraíba, o PMDB elegeu praticamente a mesma quantidade de prefeitos. O partido teve crescimento expressivo em número de prefeituras em São Paulo (de 70 para 88, mais três segundos turnos) e no Maranhão (de 16 para 47 prefeituras) - ponto para Michel Temer e José Sarney.

Mito - O PSD saiu-se melhor do que o PSB.
Fato - O PSD elegeu mais prefeitos do que o PSB, mas é um grande partido só nas pequenas cidades.
A maior prefeitura conquistada pelo PSD no primeiro turno foi Mogi das Cruzes (SP). Os 493 prefeitos eleitos pelo partido vão governar, juntos, um eleitorado menor do que o presidente do PSD, Gilberto Kassab, governará até 31 de dezembro em São Paulo: apenas 7,5 milhões. Na melhor das hipóteses, o PSD chegará a 9,2 milhões de pessoas em sua área de influência, desde que vença os cinco segundos turnos que ainda disputa. O eleitorado médio que cada prefeito do PSD vai governar é 42% menor do que o do PSB.
O PSB elegeu 125 prefeitos a mais do que em 2008 e cresceu nas cidades grandes e médias. Manteve Belo Horizonte e conquistou Recife, Foz do Iguaçu (PR) e Serra (ES). Seus 433 prefeitos governarão o dobro de eleitores que governavam antes do pleito. O partido comandado por Eduardo Campos pode chegar a 15,2 milhões de governados se vencer os segundos turnos que disputa em Fortaleza, Campinas, Cuiabá, Porto Velho, Duque de Caxias e Uberaba. O PSB foi o partido que mais ganhou nesta eleição.

Mito - A polarização PT x PSDB entrou em decadência.
Fato - PT e PSDB disputam seis segundos turnos entre si e a hegemonia do eleitorado municipal do Brasil.
O PT cresceu em prefeitos e pode ultrapassar 35 milhões de eleitores governados se ganhar seus 22 segundos turnos. O PSDB diminuiu em prefeitos, mas pode ultrapassar 30 milhões de eleitores se vencer seus 17 segundos turnos. A conta fecha para um ou para o outro. Tudo depende do resultado de São Paulo.

Eleição é uma catástrofe - RENATO JANINE RIBEIRO


Valor Econômico - 15/10



Eleições democráticas são catástrofes - só que previstas e controladas. Isso explica por que podem suscitar um certo medo. Foi meu caso, confesso: temi a ascensão, que parecia resistível, mas irresistida, de Celso Russomanno à prefeitura de São Paulo. Nada tenho contra ele pessoalmente, mas temi a vitória de um candidato menos preparado, com propostas vagas e algum apelo autoritário.
Também senti medo nas primeiras eleições após a ditadura. Afinal, levaram Collor à Presidência; no Estado e na cidade de São Paulo, elegeram governantes próximos do regime autoritário. Mas desde 1994 no Brasil, desde 2002 no Estado e desde 2000 na cidade em que vivo, não senti mais medo de quem ganhasse as eleições. Tenho minhas preferências a cada pleito, mas não veria ameaça à democracia, em 2010, se elegêssemos presidente Marina Silva ou José Serra.
Uma eleição é uma catástrofe controlada, repito. Mal comparando, é uma vacina. Vacinas podem produzir efeitos parecidos aos da doença para a qual elas existem. Só que os produzem de modo contido, reduzido, com a finalidade de proteger-nos dela. Uma eleição é assim. A certa altura, tudo parece possível, inclusive a destruição do que existe. Direitistas temem a demagogia, o confisco dos bens, uma tributação mais elevada. Esquerdistas receiam o fim dos programas sociais, a truculência policial contra os movimentos reivindicatórios. Daí, os medos. Para proteger sua riqueza, a burguesia evitou o sufrágio universal ao longo do século XIX. Acreditava que, se todos votassem, a maioria de pobres aprovaria leis que, reduzindo a desigualdade social, tirassem parte de sua riqueza. Para isso, também se valeu dos Senados. Como essa câmara revisora costuma ter mandato mais longo, podia retardar a aprovação de leis populares. Isto é, se o povo votasse pela redistribuição de renda, precisaria renovar a decisão daí a mais quatro anos, a fim de ter também o Senado do seu lado.
O fantasma da destruição aparece no magnífico livro de Georges Bataille, "O erotismo". Em certas sociedades do Oriente, diz ele, quando morria o rei seguiam-se cinco dias sem lei. Roubava-se, fazia-se sexo sem levar em conta as proibições. Depois, assumia o novo monarca. Ninguém era punido pelos dias de anomia. Eles eram uma espécie de carnaval, em que os interditos estavam levantados. Mas talvez esse intervalo desse novo vigor à ordem institucional. Porque as pessoas tinham vivido essa liberdade sem limites, talvez com prazer, mas depois com saciedade.
Talvez um poder precise - para ser legítimo, para convencer o povo de que ele vale a pena - passar assim pelo risco. Quem sabe, até pelo risco de um quase-aniquilamento. Pode parecer estranho, numa coluna sobre política, eu falar de morte, mas não podemos esquecer que ela é nosso destino, que ela é a única certeza. Os Estados são também mortais, embora possam alongar a duração de sua vida indefinidamente - mas um dia hão de morrer. Quando, a cada quatro ou cinco anos, vivemos uma pequena morte deles, conseguimos encompridar sua vida. É como se, a cada eleição, renovássemos sua apólice de vida. Pode ser que mudemos tanto o Estado que ele renasça como uma fênix, o pássaro mítico que se imolava numa fogueira cada quinhentos anos para daí ressurgir, novo em folha. Pode ser que apenas concedamos um novo mandato ao que já existia. Mas passar pelo risco é fundamental.
Isso, porque nos últimos séculos se tornou norma um regime político que, por milênios, foi desconhecido ou existiu de forma apenas residual: o dos governos eleitos. Ele permite que a oposição chegue ao poder. Antes, isso só era possível aliciando o herdeiro do trono. Não foi raro. Na Inglaterra, Ricardo Coração de Leão se rebelou contra o pai. A herdeira Maria Stuart foi executada para não ameaçar a rainha Elisabeth. Finalmente, o filme "A loucura do rei George" mostra bem o ódio que podia existir entre o pai rei e o filho herdeiro. A oposição apoiava o príncipe contra o rei, ou o príncipe montava um partido contra o próprio pai. Mas nunca se sabia em que data se daria a sucessão. Em suma, alterar o governo era quase um golpe de Estado.
Não vamos esquecer que, para levar em conta só o último meio século, vimos muitos nascimentos - e mortes - de Estados. Primeiro, as antigas colônias europeias conquistaram a independência. Mas também alguns países deixaram de existir, sobretudo em função da queda do comunismo. Tchecoslováquia, Iugoslávia e União Soviética se dissolveram, enquanto a Alemanha Oriental se extinguia. Estados podem morrer. As duas uniões, governadas de Belgrado e Moscou, se desfizeram com grandes danos - milhares morreram, milhões caíram na miséria. Por isso é importante tentar garantir a vida dos Estados.
Uma das conquistas da democracia é que a oposição - que no passado podia ser punida com a pena de morte, sendo confundida com a traição ao rei - se tornou algo não apenas aceito, mas essencial para os regimes políticos que pretendam ser legítimos. Mesmo assim, o momento em que o poder é posto em jogo constitui um risco, ainda que atenuado, de morte. É uma morte regrada. Existem regras para disputar o poder. É uma morte reversível. O candidato ou partido derrotado terá nova chance daí a alguns anos. E, mais importante que tudo, é uma morte-vacina. Porque ela nos vacina contra a morte do Estado. Justamente porque o governo muda sem enormes traumas, o Estado permanece. O Brasil é nosso país, seja governado pela direita ou pela esquerda. E assim, sabendo embora que nosso Estado é mortal como nós, vamos conseguindo uma sobrevida para ele, mandato após mandato.

Acordão escandaloso - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 15/10


Está em curso no Congresso um conluio entre setores da Casa que conduzirá a chamada CPI do Cachoeira a um desfecho lamentável. É tramada entre lideranças governistas e da oposição a paralisação da comissão até o final do segundo turno das eleições municipais, dia 28 deste mês. Depois disso, a CPI teria até 4 de novembro, conforme prazo preestabelecido, para concluir seus trabalhos. Não haveria tempo para conclusão alguma, até porque os parlamentares vêm se dedicando com afinco a uma estratégia diversionista desde a instalação da comissão, em abril.
Infelizmente, desta vez não há nem a desculpa de que o país poderia ter sido surpreendido pelas armadilhas montadas por quem não quer investigar nada. As sindicâncias em torno do esquema criminoso liderado pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira são uma farsa explícita desde o começo. Não interessa ao governo e tampouco aos oposicionistas, com raras exceções, que sejam vasculhados os rastros deixados por Cachoeira e seus vínculos com frequentadores das salas do poder.
É temerário para o PT e outros partidos da base governista que uma investigação revele as conexões suspeitas de integrantes de suas cúpulas com a empreiteira Delta. Para a oposição, em especial o PSDB, levar a sério os trabalhos seria correr o risco de expor os mesmos vínculos da empresa e do contraventor com nomes de expressão do partido. É nesse ambiente de cumplicidade de adversários que políticos e asseclas ligados a Cachoeira, supostamente ameaçados de ter sigilo fiscal e telefônico quebrados, podem relaxar.
A CPI é, deliberadamente, uma encenação da qual poucos parlamentares - e reconheça-se aqui a exceção representada pelo PSOL - se negam a participar. Num ambiente de leniência com delitos graves, de nada adianta, por exemplo, prorrogar o prazo de funcionamento da comissão, como defendem alguns deputados, com a desculpa de que há mais de 500 requerimentos à espera de avaliação. Estender o funcionamento da comissão, nas atuais condições em que a mesma funciona, seria apenas uma artimanha para prolongar um logro.
A situação é tão esdrúxula que o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG), admite por antecipação o constrangimento de não ter conclusão alguma a relatar. Conclui-se, assim, que o caso Cachoeira contribuiu apenas para o expurgo do Senador Demóstenes Torres do Senado, por suas ligações com o bicheiro. Pode parecer muito, mas é pouco, levando-se em conta que o julgamento do mensalão pelo Supremo inspirou a expectativa de que o Congresso poderia finalmente se autodepurar. Percebe-se agora que não será desta vez. Com a CPI do abafa, os políticos desperdiçam mais uma oportunidade para consertar uma imagem degradada por inesgotáveis escândalos e omissões.

Mensalão golpista - RUBEM AZEVEDO LIMA

CORREIO BRAZILIENSE - 15/10


No último número de Babelia (1089), suplemento literário de El País, a jornalista Rosa Montero comenta Escritores delinquentes, obra do jovem espanhol José Ovejero, sobre os escritores de mãos sujas. Em tempo: eles não têm nada com nossos mensaleiros, embora todos hajam cometido crimes. Ele cita Jean Genet, que, abandonado pela mãe, roubou aos 10 anos de idade, e André Malraux, que tentou roubar templos religiosos em Angkor.

A obra de Ovejero, (Alfaguara, Madri, 18,50 euros) compara-se, a meu ver, às investigações do Supremo, sobre o mensalão. Ele concluiu que os escritores, por vezes, são tocados pela loucura. A conclusão do Supremo foi que o PT, com os mensaleiros, queria a ditadura do partido único no país. Não é nada, não é nada, foi esse o golpe que Hitler deu no Parlamento alemão e levou a Alemanha, após criar empregos, à derrota em guerra crudelíssima, antijudaica, contra intelectuais e socialistas.

Talvez por isso, fala-se, em Brasília, que a Abin, dirigida por militares, dará proteção ao ministro Joaquim Barbosa, do STF, relator do processo do mensalão, para nada lhe acontecer nem ao país. A Abin teme reações violentas, de vingança contra os ministros que condenaram os mensaleiros.

Joaquim é um dos ministros do Supremo que os brasileiros mais admiraram e, por isso, é alvo principal da intolerância do fanatismo político. Mas os colegas que apoiaram o voto do relator serão protegidos. Brasília é uma cidade fervilhante de satisfação, com o Supremo, de um lado, e do outro, com a frustração dos petistas.

A paixão popular sobre esse processo tem duas vertentes: a dos que apoiam a limpeza da política nacional, feita pelo Supremo; e a dos que teimam em não acreditar em mensalão.

Compara-se esse processo ao de Dreyfus, na França. Condenado por traição, ele foi preso na Ilha do Diabo, Guiana Francesa. O país dividiu-se em dreifusistas (esquerda) e antidreifusistas (direita). Entre aqueles, no PT, estão Maluf, o bispo Macedo e outros mais. Nenhum, porém, tem pinta de esquerdista, a começar por Lula, que continua descrente do mensalão. Explica-se: ele parece viver bem na Ilha dos Anjos.

Taxa de insucesso - MELCHIADES FILHO

FOLHA DE SP - 15/10


BRASÍLIA - A taxa de reeleição de prefeitos caiu de 66%, em 2008, para 55%, neste ano. Menos prefeitos aptos quiseram se lançar (75%, contra 79%), o que elevou a renovação política de 60% para 72%.

Captada pela Confederação Nacional de Municípios, a tendência mudancista deve se acentuar uma vez resolvidas todas as pendências da Lei da Ficha Limpa e computados os votos do segundo turno.
Nas capitais ainda em disputa, por exemplo, o clima é de troca de guarda também. São Paulo é o caso mais conhecido, mas não o único. Em Salvador, Curitiba, Natal, Belém e Vitória, ambos os candidatos remanescentes significam ruptura.

Essa onda do "novo" merece estudo aprofundado. Mas é evidente que a economia ajuda a explicá-la.
Os prefeitos do quadriênio 2005-2008 tiraram proveito da alta alucinante de receitas. Em 2008, quando as reeleições bateram no pico, o caixa dos municípios engordou em média 15,2%. E já tinha engordado 11,2% em 2007 e 10,1% em 2006.

Logo no primeiro ano da gestão 2009-2012, porém, veio o tombo: taxa negativa de 1,4%, segundo a Frente Nacional de Prefeitos. Ou seja, com despesas contratadas na esteira de curvas ascendentes de arrecadação, as cidades se viram subitamente com menos dinheiro. Para agravar, houve o impacto do novo salário mínimo e de novas leis nacionais, caso do piso do magistério.

A maioria das prefeituras teve de suspender pagamentos, frear obras em execução e, pior, largar projetos que exigem custeio permanente (como creches e postos de saúde). Ainda assim, quase metade delas chegou ao dia da eleição com as contas atrasadas, afirma a CNM.

Devido às oscilações nas pesquisas, à pulverização dos votos entre partidos e ao surgimento, "do nada", de nomes competitivos em várias praças, falou-se muito do eleitor volátil. Mas o eleitor insatisfeito não pode ser esquecido.

Logística atrasa o desenvolvimento - HENRIQUE GOMES BATISTA e DANIELLE NOGUEIRA

O ESTADÃO - 15/10


Segundo especialistas, País poderia economizar R$ 90 bilhões por ano com matriz de transportes mais eficiente, como a dos EUA



Enquanto o Brasil gosta de se vangloriar que possui uma matriz energética limpa e eficiente, o País convive com uma matriz logística suja e cara, que reduz diretamente a competitividade. Isso é visto na excessiva dependência de rodovias, burocracia nos portos, infraestrutura deficiente nos aeroportos. Se a eficiência americana nos transportes fosse replicada no Brasil, dizem os especialistas, a redução nos custos de transporte seria de R$ 90 bilhões por ano.

Aqui, 65,6% da matriz é de estradas. As ferrovias respondem por 19,5%, seguidas por 11,4% do modal aquaviário e 3,5% do dutoviário. O transporte aéreo representa pífio 0,1%. Com esse desenho, o custo logístico no País era de 10,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011, segundo levantamento feito a cada dois anos pelo Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos). Nos EUA, o porcentual era de 7,7% do PIB.

Nos EUA, as rodovias respondem por 38% da matriz de transporte, seguidas pelas ferrovias (28,7%). A parcela do transporte aquaviário é igual à brasileira, mas o modal dutoviário tem uma fatia bem maior: 21,5%. "Além da herança JK (ex-presidente Juscelino Kubitschek, que estimulou a malha rodoviária ao incentivar a indústria automotiva), essa matriz é resultado do baixo investimento em transporte nas últimas décadas. Você consegue ter mais veículos circulando numa estrada do que o número que ela comporta. Mas não consegue o mesmo num aeroporto. Como o Brasil não investia na expansão da infraestrutura de transporte, aquele modal que era mais elástico acabou sobressaindo", explicou Maurício Lima, do Ilos.

Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, acredita que os problemas de logística já têm um impacto maior do que imaginamos. Ele acredita que isso – aliado à crise financeira global – contribui para o fato de o Brasil não conseguir, nos últimos anos, combinar dois anos seguidos de forte crescimento econômico, na faixa de 4%.

Cabral afirma que os problemas hoje vão além da infraestrutura de transporte e chegam a outros pontos, como a falta de armazéns. "O Brasil não participa da formação do preço de grande parte dos produtos agropecuários que é relevante porque não temos armazéns, precisamos produzir e enviar logo ao exterior. A nossa capacidade de guardar grãos, por exemplo, é um quarto da capacidade dos Estados Unidos. Poderíamos ter um papel mas relevante nesses preços", afirma Resende.

Remendos. Ele acredita que o sistema logístico cria problemas em cadeias e as soluções apresentadas muitas vezes são remendos, o que piora todo o cenário. Mas, para ele, desta vez, a equipe do governo começou a enxergar o setor com a visão da logística integrada. "Hoje em dia, apenas duas empresas têm essa visão integrada de logística do Brasil: a Vale e a Petrobrás, e não é por acaso que as duas são as maiores empresas do País.

No ranking de desempenho logístico elaborado pelo Banco Mundial em 2012, o País ocupa a 45.ª posição, atrás de nações ricas como Alemanha (4.ª) e EUA (9.ª) e de emergentes como África do Sul (23.ª) e China (26.ª). O ranking, que reúne 155 países, considera itens como infraestrutura de transporte e procedimentos alfandegários. Considerando este último critério isoladamente, o Brasil desaba para 78.º lugar.

Custos. A inadequação da matriz de transporte brasileira também é uma das razões para seu baixo desempenho em relação a outras nações da lista e a principal causa do custo logístico elevado. Bruno Lima Rocha, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), afirma que, além dos problemas de obras em si, os setores de portos e cabotagem sofrem com regulamentação excessiva e burocracia. "Durante a greve dos funcionários da Anvisa, uma embarcação ficou sete dias em Salvador esperando fiscais. O empresário que vive isso nunca mais usa a cabotagem, apesar de ser mais barata. Usa o caminhão, que não passa por fiscalização alguma. Se tivéssemos as mesmas normas que valem para os caminhões, ganharíamos mercado e o País seria beneficiado com custos menores, haveria menos acidentes nas estradas e menos emissão de gases poluentes."

Rocha afirma que a cabotagem poderia ser muito desenvolvida e lembra que o objetivo do governo, previsto no Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT) – estabelecendo que em 2025 o transporte marítimo represente 29% da carga transportada do País, contra os 12% atuais – é factível. "O setor é o mais eficiente do mundo, somente precisamos ter condições. Hoje, esse tipo de transporte só é utilizado de forma relevante por granéis líquidos, graças a Petrobrás, e por minérios, por causa da Vale", lembra.

Desperdício. Cleber Cordeiro Lucas, presidente da Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem, afirma que o País ignora que possui o meio mais eficiente de transporte tendo quase 8 mil quilômetros de costa. "Temos uma ‘BR’, uma rodovia de altíssima capacidade e uma ferrovia que liga os principais pontos, onde está 70% do PIB brasileiro, praticamente sem uso", disse.

Em sua opinião, os entraves burocráticos que afetam o segmento, além dos problemas de infraestrutura, são fatais para as empresas de cabotagem. "Se um navio que vai para a China perde um dia em um porto brasileiro é algo terrível, mas esse navio consegue recuperar parte desse tempo no caminho até a Ásia. Mas se um navio de cabotagem perde um dia é fatal, ele perde toda a sua agenda, toda a sua escala, não cumpre nenhum prazo e fica sem clientes."

O cachimbo que entorta a boca - MIGUEL JORGE


Valor Econômico - 15/10


A propósito da política de proteção da indústria brasileira, que a presidente Dilma Rousseff acaba de defender em discurso na ONU, algumas considerações parecem, no mínimo, oportunas. À parte a discussão sobre se o Brasil é protecionista ou pratica "iniciativas legítimas de defesa comercial", como definiu a presidente, a questão central é que nossa indústria tem baixa competitividade.

Isso, não somente por questões cambiais, mas por fatores estruturais, entre os quais estão, de um lado, a alta carga tributária, a péssima qualidade da infraestrutura, a baixa produtividade da mão de obra e os custos do trabalho e de financiamento. São os explosivos ingredientes do chamado "custo Brasil", que torna nossa produção mais cara do que em outros países e potencializa os problemas de baixa competitividade.

Mas, de outro lado, é preciso não perder de vista o fato de que o setor tem uma péssima herança dos tempos de mercado fechado e protegido. Dos anos 1970 até 1990, era proibido importar tudo e esse gigantesco protecionismo garantiu à indústria uma enorme zona de conforto, que não exigiu modernização, uma vez que não havia concorrência externa e se dispunha de um grande mercado interno.

Quando o protecionismo prevalece, as indústrias tendem a se acomodar e deixam de investir em modernização

Desse período, o país herdou uma indústria automotiva sucateada até os anos 1990, o atraso tecnológico decorrente da Política Nacional de Informática dos anos 1970 e um passado de hiperinflação, até hoje na memória da população adulta. Resumindo: as restrições impostas aos produtos importados na fase protecionista retardaram o desenvolvimento empresarial no Brasil.

A partir do fortalecimento do real e da abertura da economia às importações, ficaram evidentes as graves deficiências produtivas de uma relevante parcela das indústrias. A abertura econômica teve impacto modernizante em alguns setores, que registraram importantes avanços tecnológicos, mas grande parte das indústrias ficou menos competitiva por várias razões e uma delas decorre, exatamente, da zona de conforto gerada pelo excesso de protecionismo.

Não por acaso, costuma-se dizer que o uso do cachimbo entorta a boca.

Quando o protecionismo prevalece, as indústrias tendem a se acomodar e deixam de investir em modernização, tecnologia e produtividade. Em vez de oferecer produtos de qualidade internacional, trabalham com custos altos e produtos ruins, comparativamente aos internacionais. Resultado: ineficiência em vez de produtividade, conspirando contra o crescimento do país.

A verdade é que continuamos pouco afeitos à competição e o governo, ao trilhar o caminho do protecionismo (ou das "iniciativas legítimas de defesa comercial", como diz a presidente), pouco tem feito para reverter este cenário.

Vale lembrar algumas das medidas mais recentes, voltando há pouco mais de um ano, quando foi anunciado o decreto que aumentou em 30 pontos percentuais o IPI sobre veículos importados - e olhe que, isso para proteger uma indústria, toda multinacional, de importações de apenas 5,9% do total do mercado de automóveis!

De lá para cá, foram sobretaxados os tênis asiáticos de alta performance, impostos limites ao desembarque de carros mexicanos e continuam em análise pedidos de salvaguarda a diversos setores, como o têxtil e o de vinhos.

No início de setembro, o governo brasileiro anunciou a elevação das tarifas de importação de 100 produtos, entre eles pneus, químicos, móveis, petroquímicos e material de construção. A tarifa média de 12%, já bem acima da média mundial, passou para 25%. E outra lista, com mais uma centena de produtos, está sendo preparada para outubro.

Os aumentos ficam abaixo do teto de 35% estabelecido junto à OMC, mas em vários casos a restrição é duplicada, porque a "iniciativa legítima de defesa comercial" vale também para mercadorias já protegidas por medidas antidumping.

A curto prazo, a restrição aos importados funciona às mil maravilhas para os setores protegidos, mas prejudica os consumidores, pois a concorrência reduz o poder de monopólio das empresas locais, e por extensão, os preços. Em um prazo mais longo, no entanto, a proteção contra a competição dos importados desestimula a economia brasileira como um todo, além de reduzir a eficiência e a competitividade do país.

Não nos enganemos: a queda na produtividade reduz a capacidade de as empresas de absorverem aumentos de custos sem repassá-los aos preços. Se os salários aumentam mais que a inflação, como vem acontecendo, fica mais evidente ainda a necessidade de se aumentar a produtividade e a competitividade da indústria.

Para isso, não basta desvalorizar o real, baixar os juros ou adotar "iniciativas legítimas de defesa comercial", porque o crescimento da produtividade não se dá em um passe de mágica. Ao contrário, é uma construção realizada passo a passo, ao longo do tempo.

Essa construção exige investimentos em novas máquinas e equipamentos, que não apresentam cenário de retorno vantajoso no curto prazo, e na formação e treinamento da mão de obra, e exige redução dos vários impostos que estrangulam a produção. Também exige grandes investimentos em pesquisa tecnológica e em inovação.

A exposição à concorrência externa obriga nossas empresas a reduzirem custos, investir no processo de inovação e realizar alianças estratégicas. Essa busca de adequação aos padrões internacionais gera ganhos de qualidade e de produtividade, com reflexos na queda do nível geral de preços dos produtos. A concorrência internacional incentiva o desenvolvimento das empresas, gerando um nova dinâmica nas relações empresariais.

Veja-se o exemplo de nossa agricultura. Na última década, sua produtividade cresceu o dobro da média mundial, ou quatro por cento ao ano, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O rendimento de algumas culturas, como milho, arroz e trigo, aumentou bem mais do que em países produtores tradicionais, como Estados Unidos, Canadá, Japão e Rússia.

A soja, por exemplo, é um caso de absoluto sucesso. Começou a se espalhar pelo Brasil, a partir do sul, ao longo dos anos 60, e hoje, graças a um forte avanço tecnológico, caminhamos para produzir oitenta milhões de toneladas e ser o maior exportador mundial.

O setor não se acomoda: seu desafio continua sendo explorar novos limites para garantir mais produtividade e sustentabilidade. E a indústria?

Desastre na administração - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 15/10



Em mais um ano de enchentes, deslizamentos, destruição e mortes em vários Estados, o governo brasileiro desembolsou até 23 de agosto apenas 26,4% da verba de R$ 3,5 bilhões destinada à Gestão de Risco e Resposta a Desastres, segundo informou no começo de setembro a organização Contas Abertas, especializada no acompanhamento das finanças públicas. Os desembolsos ficam normalmente muito abaixo das dotações orçamentárias e sempre incluem, como neste ano, uma parcela de restos a pagar.

Desastres naturais, tratados como eventos de menor importância pelo governo brasileiro, estão no programa de trabalho do Banco Mundial (Bird) e motivaram uma reunião promovida em conjunto com o governo japonês em Sendai, uma das localidades mais afetadas no ano passado por um terremoto seguido de tsunami. Números e histórias apresentados num relatório do banco mostram o tamanho do problema e a importância de políticas especiais para enfrentá-lo.

Catástrofes naturais causaram perdas econômicas estimadas em US$ 3,5 trilhões nos últimos 30 anos, segundo o Bird. Os maiores prejuízos, de US$ 380 bilhões, ocorreram em 2011, quando enchentes custaram à Tailândia 5% de seu PIB e o Japão perdeu 4% em consequência do terremoto e do tsunami. Os danos causados pelo terremoto de 2010 ao Haiti corresponderam a 120% da produção do país.

Os custos econômicos poderiam justificar o esforço conjunto do banco e do governo japonês para colocar no topo da agenda internacional a prevenção e a administração de riscos de desastres. Mas há mais que isso: 9% das catástrofes ocorreram desde 1980 em países pobres, mas neles a proporção de mortes foi de 48%.

O relatório foi preparado para subsidiar as discussões em Sendai e os trabalhos do Comitê de Desenvolvimento do banco e do FMI. "Precisamos de uma cultura de prevenção", disse o presidente do Bird, Jim Yong Kim, defendendo a prática de planejamento para reduzir os danos e as perdas de vidas em casos de desastres. O ministro das Finanças do Japão, Koriki Jojima, participou do Diálogo de Sendai e falou sobre a experiência japonesa nessa área. É preciso, segundo ele, pôr em primeiro plano a administração de riscos "em todos os aspectos dos processos de desenvolvimento".

Isso é exatamente o oposto da prática normal do governo brasileiro e também dos governos estaduais e locais. O material divulgado pela organização Contas Abertas inclui um comentário do especialista em defesa civil Edmildo Moreno Sobral sobre os gestores municipais. Sua cultura, disse ele, é a de esperar ocorrer o desastre para decretar situação de emergência, dispensar licitações e receber maior volume de recursos. É uma descrição até generosa. Repetidas experiências de desastres naturais têm mostrado algo mais grave.

À deficiência de planejamento e prevenção soma-se a precariedade dos trabalhos de assistência e reconstrução e até o descontrole no uso de recursos. É inevitável comparar a rapidez das obras pós-tsunami no Japão com a lentidão dos trabalhos depois dos grandes deslizamentos na serra fluminense - para citar só um dentre muitos exemplos. A tudo isso também se acrescenta o indefensável uso político das verbas, como foi comprovado quando recursos federais destinados à prevenção de acidentes foram destinados quase todos a um único Estado que, além de ter sido um dos menos atingidos por desastres naturais em anos recentes, era a base política do ministro responsável pela administração daquelas verbas.

Entre 1984 e 2006 o Bird aplicou cerca de US$ 26 bilhões em 528 projetos de prevenção e administração de desastres. Entre 2006 e 2011 destinou mais US$ 11,7 bilhões a 113 operações de prevenção e de planejamento e a 68 atividades de reconstrução. O impacto dos desastres deve continuar aumentando, segundo o relatório, por causa do crescimento urbano desordenado e da má administração de recursos naturais. Como nem toda catástrofe é evitável, a capacidade de enfrentar os problemas e de recuperar as áreas atingidas é tão importante quanto a prevenção. Nas duas atividades o serviço público brasileiro é deficiente. O primeiro desastre, no Brasil, é o da própria administração.

Sob pele de inovação, o lobo da proteção - MARCELO DE PAIVA ABREU


O ESTADÃO - 15/10


As recentes decisões do governo quanto ao regime automotivo que vigorará até 2017 devem ser interpretadas tendo como pano de fundo o dito latino: sob pele de ovelha, muitas vezes se esconde uma mente de lobo (Pelle sub agnina latitat mens saepe lupina). A pretexto de garantir que sejam alcançadas metas relacionadas à inovação tecnológica, está sendo promovido o fechamento do mercado automotivo brasileiro. E ganha projeção um coro de louvações ou racionalizações despropositadas. Sob a pele da inovação, é preciso revelar o lobo da proteção.

A indústria automotiva está entre os poucos setores da indústria brasileira protegidos pela tarifa máxima de 35% que o Brasil pode aplicar em decorrência de seus compromissos multilaterais. Em tese, todos os produtos industriais poderiam se beneficiar desse alto nível de proteção, mas a tarifa média brasileira ronda os 12%, pois a generalização da tarifa de 35% é considerada inaceitável mesmo pelos mais radicais defensores do protecionismo.

O setor automotivo tem tradição de grande perícia na extração de tratamento privilegiado. O último episódio mais escabroso foi a adoção do regime de quotas de importação, na década de 1990, com o apoio da Santa Aliança que reuniu empresas e sindicatos, o Partido dos Trabalhadores (PT) e segmentos populistas do PSDB.

Na esteira da apreciação do real fizeram-se ouvir, com estridência, os defensores da proteção. A depreciação da ordem de 20% nos últimos meses não arrefeceu tais pressões. Foi contemporânea da introdução de legislação tributária, transformada na espinha dorsal do programa Inovar-Auto, que aumenta o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre veículos, produzidos no País ou importados, em 30%. Caso as empresas automotivas instaladas no País alcancem determinadas metas de gastos em pesquisa e desenvolvimento, nacionalização de etapas fabris e melhoria de eficiência dos veículos, poderão abater o IPI adicional. Ou seja, os veículos produzidos no País serão protegidos da concorrência das importações pelo efeito cumulativo da tarifa de importação de 35% e do diferencial de até 30% no IPI cobrado.

O programa foi descrito como um "esforço de inteligência para... passar pelo crivo liberal (sic) da Organização Mundial do Comércio (OMC)". Se "inteligência" for substituída por "malandragem", talvez a frase faça algum sentido. A discriminação tributária com impostos internos é violação flagrante das regras multilaterais. Não fosse assim, não faria sentido algum negociar reduções recíprocas de tarifas de importação, pois a qualquer momento um dos parceiros poderia introduzir imposto interno que se aplicasse só às importações e seria equivalente a aumentar o imposto de importação. O que se tentou fazer no processo de "negociação" que gerou o Inovar-Auto foi cooptar todos os fabricantes de um setor altamente oligopolizado, distribuindo "agrados" na forma de quotas de importação para os não atendidos, para minimizar o risco de que supridores internacionais descontentes pressionem seus governos a protestar na OMC.

Ouvem-se argumentos de que o governo teria esperanças de que a eventual defesa do mostrengo possa se basear em exceções aceitas pela OMC para políticas de estímulo à inovação. Mas o que a OMC aceita são subsídios a atividades de inovação que nada têm a ver com metas de conteúdo local. Se o BNDES apoiasse projetos de inovação justificados por análises de custo-benefício sob a ótica social, seria possível caracterizar uma política coerente de estímulo à inovação centrada na correção de falhas de mercado.

Outros argumentos em defesa do protecionismo comparam o número de ações protecionistas adotadas por diversos países, citando o Global Trade Alert da Universidade de St. Gallen, e chegam à conclusão de que o Brasil até que protege pouco. Tal como no caso de medidas antidumping, o mero número de ações tem significado modesto. Interessa mais a intensidade das medidas protecionistas. Para que a Fiesp use com credibilidade comparações internacionais - mesmo que "todo mundo está fazendo" seja aceito como argumento decente -, é preciso mostrar exemplo internacional que se possa comparar ao virtual fechamento do mercado automotivo brasileiro.

Há mesmo grandes industriais que, ao celebrar a bem-vinda e, esperemos, sustentável queda das taxas de juros, concluem que, agora, "quem quiser obter rendimentos mais elevados terá de arregaçar as mangas, investir em operações produtivas de longo prazo e correr mais riscos". "Arregaçar as mangas" no Inovar-Auto será apenas para ordenhar mais comodamente as benesses distribuídas pelo Estado.

A verdade é que a indústria automotiva brasileira, que operava até recentemente sob frondosa tarifa de 35%, extraiu do governo proteção adicional da mesma magnitude, relacionada ao tratamento discriminatório das importações na cobrança do IPI. O custo será pago pelo consumidor, a despeito dos desmentidos ineptos dos ministros Mantega e Pimentel. É muito oneroso resgatar periodicamente a indústria automotiva, sempre na rabeira da inovação tecnológica global. Está faltando quem represente o interesse dos consumidores.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 15/10


Satélite não precisará ter conteúdo nacional
O primeiro satélite geoestacionário brasileiro não terá exigência de conteúdo nacional. A Visione, uma joint venture controlada pela Embraer (com 51% do capital) e pela Telebras (49%) será a responsável pelo projeto.

"Nesse primeiro, não vai ter [índice de nacionalização]. Não há como impor isso neste momento", diz Luiz Carlos Aguiar, presidente da Embraer Defesa e Segurança.

"A gente absorve um pouco de tecnologia, e aí um segundo satélite pode ter maior conteúdo nacional."

Quanto à imposição de transferência de tecnologia, Aguiar também é cético.

"Acreditamos que é difícil alguém transferir tecnologia para outro. Temos de ter capacidade de absorção e, em alguns segmentos escolhidos, aprender vendo fazer."

O satélite geoestacionário (que fica "estacionado" em relação a um ponto da Terra) terá uso dual: comunicações estratégicas de governo e expansão da banda larga, principalmente em regiões carentes.

Aguiar afirma que a empresa já foi criada. "Estamos em fase pré-operacional, ouvindo proponentes para a elaboração de contrato. Há diversos fornecedores interessados da Ásia, dos EUA e da Europa."

A abertura de propostas para fornecedores deverá ser concluída a partir do primeiro trimestre de 2013. Comenta-se que o custo será de cerca de R$ 720 milhões, mas, segundo Aguiar, o valor não está decidido e dependerá do contrato com o Ministério das Comunicações. No projeto estão também os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Defesa.

A Visione funcionará em um parque tecnológico em São José dos Campos (SP), onde há empresas do setor.

Mais gás... 
Um movimento para discutir o custo do gás natural no país será lançado na quarta-feira. Sob o nome de + Gás Brasil, ele reunirá o governo federal e grandes empresas brasileiras.

...no Brasil 
Um estudo da UFRJ revela que a participação do gás natural na matriz energética do Brasil no setor industrial é de 11%, enquanto nos países da OCDE é de 31%. A Abrace (associação de grandes consumidores industriais de energia e de consumidores livres) está a frente do projeto.

Cosmético... 
A beauty'in, marca de alimentos cosméticos criada pela empresária Cristiana Arcangeli, vai chegar à Europa neste mês, com a comercialização de sua linha de produtos na loja de departamentos Selfridges, na Inglaterra.

...digestivo 
A partir de fevereiro, os produtos serão distribuídos em mais de 300 pontos da rede de farmácias Boots, segundo a empresa. A linha tem bebidas vitaminadas, balas de colágeno e barras de cereais antioxidantes.

Financiamento Franqueado
Dia%, Moldura Minuto e Carmen Steffens são as novas franquias parceiras do HSBC, que chega a 75 redes e 11 mil franqueados.

"Fechamos negócio com o franqueador e oferecemos financiamento extensivo aos franqueados", diz Wilmer Carreiro, superintendente-executivo da área. "Em até cinco dias, o dinheiro está na conta do cliente." A linha varia de 1,45% a 1,75% ao mês, com prazo de 42 meses.

"A maior parte das franquias é bem-sucedida e, por isso, o banco vai criar outros produtos."

A carteira de ativos do setor cresceu 75% nos primeiros seis meses deste ano, ante o mesmo período de 2011. Os segmentos que mais se expandem são alimentação e vestuário.

"O setor continua aquecido. Em São Paulo, está difícil encontrar um ponto adequado. Por isso, estão indo mais para o Nordeste."

Casa, escritório e apartamento
O segmento imobiliário de varejo retomou o crescimento nos últimos dois anos, de acordo com um estudo da Jones Lang LaSalle.

Depois de registrar US$ 51 bilhões (aproximadamente R$ 100 bilhões) de investimentos globais no ano de 2008, o volume mundial ultrapassou a marca dos US$ 120 bilhões (R$ 240 bilhões) até o final do ano passado.

Para 2012, a previsão é que o mesmo patamar seja mantido e fique na casa dos US$ 125 bilhões (R$ 250 bilhões).

Até o final da década, cerca de um quarto do volume investido deve estar concentrado no chamado mercado emergente. China, Índia, Indonésia, Turquia e Brasil estão no topo dos 20 países identificados como mais promissores pela empresa.

Venda de imóvel novo residencial reage em São Paulo em agosto
Agosto foi um mês de recuperação para o mercado de imóveis novos residenciais na cidade de São Paulo, segundo relatório do Secovi-SP (sindicato do setor).

Com a venda de 1.860 unidades no mês, o crescimento foi de 10,1% ante julho.

O movimento de R$ 978,8 milhões representou aumento real de 14,9%.

O mês foi também o segundo melhor do ano em lançamentos residenciais, com 2.078 unidades, alta de 19,6% em relação a julho.

"É uma reação em um mercado que tem, neste ano, uma oferta 38% menor na cidade. Estamos lançando muito menos, mas as vendas só caíram 6,6%", diz Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP.

"A cidade continua com demanda. Só não estamos conseguindo ofertar mais devido à economia fraca, às dificuldades em obter terreno e ao excesso de burocracia."

Dentre os produtos ofertados, a categoria de dois dormitórios foi responsável por 58,3% (1.085 unidades) do volume comercializado no mês.

Em segundo aparece o segmento de três quartos, que registrou 442 imóveis vendidos e contribuiu com 23,8% do total, segundo o levantamento.

1.860 foi o número de novos imóveis residenciais vendidos na cidade de São Paulo em agosto

10,1% foi o crescimento na comparação com o volume negociado em julho

R$ 978,8 milhões foi o valor movimentado no mês

14,9% foi o crescimento real em valores em agosto