segunda-feira, outubro 15, 2012

O segredo da longevidade - WALCYR CARRASCO


REVISTA ÉPOCA
Adoro ovo. Frito com a gema bem mole, para molhar o pão. Cozido, na salada. Em omeletes. Batido com açúcar, na gemada. Durante anos, senti remorso cada vez que comia um. Tantos artigos o acusavam de ser um vilão para a saúde! Há algum tempo, tudo mudou. Estudos feitos nos Estados Unidos demonstraram que seu consumo é benéfico. Uma das pesquisas afirmou que dois ovos por dia não aumentam o colesterol! Que raiva! E as omeletes que perdi? Passei a duvidar dos alertas sobre certos alimentos. A carne vermelha vive sob suspeita. Conheço muita gente que se recusa a comer um filé porque "faz mal". Quando peço explicação mais detalhada, a pessoa revida falando que é muito pesada. Ou que as vacas sofrem. Em certos círculos, comer carne vermelha é até feio. Suspeito que, num futuro próximo, os carnívoros serão tão estigmatizados quanto os fumantes. Éuma influência do vegetarianismo. Costumo comentar quando almoço com alguém intransigente:

- Foi provado que as plantas também sentem.Brócolis não gritam ao ser cozidos?

Frangos, afirmam, são criados à base de hormônio. Só podem fazer mal. É preciso ter cuidado com alimentos transgênicos, também. Não se sabe o que podem causar ao corpo humano. Enfim, a relação dos perigos alimentares é imensa. Passa pelo sorvete, pela batatinha frita e pelo refrigerante, como se fosse possível sobreviver sem eles. A única forma de garantir a longevidade, pelo menos dos ratos testados nesse determinado experimento, é comer o mínimo. É contraditório. Se eu vivesse em eterno regime morreria de tristeza.

Acredito nos pesquisadores de alimentos, médicos, nutricionistas. Mas fico pensando. Minha avó paterna, Rosa, era uma simples imigrante espanhola. Trabalhou na terra. Criou porcos, galinhas e cabritos. E comeu todos eles. Teve uma vida longa e saudável - morreu quase aos 90 anos. A mãe de meu amigo Vicente come churrasco, não dispensa uma feijoada e uma caipirinha. Já vai virar os 90 e ainda viaja todos o fins de semana. Certa vez comentei com ele:

- Se sua mãe fosse tibetana, já estaria rica com um livro tipo A dieta mística do bacon.

Já conheci vários idosos que passaram a vida comendo ovo frito, bolo feito com banha de porco e torresmo. E outros que tremiam de horror diante de um bife, seguiam uma dieta repleta de restrições e adoeceram gravemente muito cedo. Não sou médico nem nutricionista. É simplesmente minha observação sobre a vida. Estive uma vez em Veranópolis, na Serra Gaúcha. É a capital nacional da longevidade. Pais com mais de 100 anos convivem comfilhos de 80. Não há uma dieta especial. Tomam, sim, muito vinho produzido na região. De resto, aproveitei para encher a barriga com um doce típico de todo o Sul: cueca virada. São rosquinhas fritas na banha de porco e polvilhadas com açúcar. Uma bomba de colesterol. Então, por que seus habitantes estão tão bem?

Tenho um acupunturista, Alberto, de origem oriental, que é supercioso quanto ao que se come ou não. Falar em leitão pururuca na sua frente é igual a dizer palavrão. Quando estive no Japão, há dois anos, descobri que Okinawa, de onde veio sua família, é um dos lugares com maior longevidade do mundo. Muitos estudos têm sido realizados para decifrar os segredos de seus habitantes, que ainda andam de bicicleta aos 120 anos. Bem, a dieta local tem muito peixe. E... carne de porco!

Quando toquei no tema com Alberto, ele me mostrou um livro enorme, em ingles. Era um estudo sobre a Dieta de Okinawa. Observei os gráficos de alimentação. Carne de porco, sim. E muita! "Mas você vive me alertando que carne de porco faz mal!", disse eu. "Os estudos ainda não são conclusivos", respondeu ele. Em seguida, me mandou deitar. Mantive umprudente silêncio enquanto me espetava com as agulhas.

O segredo da longevidade não pode estar numa simples relação de alimentos. No Cáucaso, não se vive muito também, com uma dieta à base de uma espécie de leite fermentado? O que há em comum entre Okinawa, o Cáucaso e Veranópolis?

Só pode ser o estilo de vida. São lugares onde as pessoas passam a existência mais calmamente, com tempo para se relacionar e desfrutar a vida na comunidade. Sem excessos: comer bem é uma coisa, sair rolando da mesa é outra. Viver sob o jugo de "dietas saudáveis" talvez seja mais perigoso que desfrutar os prazeres da mesa, sem medo de ser feliz. Humm... daqui a pouco vou me acabar numa feijoada! E, agora, sem remorso.

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